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Os Pensadores 16 PDF

282 Pages·1973·63.053 MB·Portuguese
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XVI BLAISE PASCAL PENSAMENTOS Introdução e notas de CH. -M. DES GRANGES Tradução de SÉRGIO MILLIET 1973 EDITOR: VICTOR CIVITA Título original: Pensées 1. ªedição - Março 1973 e - Copyright desta edição, 1973, Abril S.A. Cultural e Industrial, São Paulo. Tradução publicada sob licença de Difusão Européia do Livro, São Paulo. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 7 A VIDA DE PASCAL, escrita por Mme Périer, sua irmã . . . . . . . . . . . . . . . 13 PENSAMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . • . . . . . . 39 INTRODUÇAÕ 1 Pascal escreveu As Provinciais em 1655 e 1657. Mas desde 1654, época de sua segunda conversão, meditava sobre uma Apologia _da Religião Cristã. Com efeito, durante os dois anos precedentes, período "mundano" de sua vida, freqiientou, com o Duque de Roannez e o Cavaleiro de Méré, uma sociedade em que a "libertinagem de espírito" estava muito em moda. Tendo permanecido profundamente cristão, e já conquistado pelo jansenismo, Pascal verificou com surpresa, e em seguida com dor, que boa parte dessas ''pessoas de bem': viva mente interessadas em questões científicas, e junto às quais seu crédito de sábio era ponderável, mostrava, por sectarismo e friamente, absoluta impermeabi lidade ao sentimento religioso. O livro, de cabeceira dessas pessoas era Montai gne, que se tornara,,com ou sem.razão, o patrono de todos os céticos. E o argu mento mais forte que opunham à fé era o de não ser ela suscetível de "demonstração ': Se datarmos de 1655 o Colóquio de Pascal· com o Senhor de Saci sobre Epicteto e Montaigne, veremos que, já ao entrar para Port-Royal, antes mesmo de ter escrito a Primeira Provincial, Pascal encarava de maneira precisa uma dis cussão com os "libertinos" e delimitava nitidamente o terreno em que tinha a intenção de se confinar afim de combatê-los, por assim dizer, em campo fecha do. Dessa época devem datar algumas das notas concisas que deixou. sobre a ordem, as razões do coração que a razão desconhece, o espírito de finura oposto ao espírito de geometria e talvez sobre a aposta. Mas foi, sem dúvida, principalmente depois de terminar As Provinciais que se entregou inteiramente à preparação da grande obra. Infelizmente, seu estado de saúde não lhe permitia trabalhar nisso senão de maneira intermitente e desco sida: todos sabem que seus últimos anos de vida foram uma lenta agonia. Nos poucos momentos que lhe deixava o sofrimento, Pascal rabiscava algumas linhas sobre o primeiro pedaço de papel que lhe caía nas mãos; às vezes, mesmo, somente podia ditar. Entretanto, numa conferência feita "na presença e a pedido de várias pes soas de alta posição e suas amigas': ele expusera o plano geral de sua Apologia (cf. Pensamentos 416 e 430 precedidos de E. P.-R. - em Port-Royal). Essa conferência/oi realizada entre 1657 e 1659. Por isso, quando se acharam, em 1662, diante das notas deixadas pelo defunto, não hesitaram os herdeiros de Pascal em reconhecer o material da Apo logia. Mandaram-no desde logo copiar por alguém de Port-Royal .habituado INTRODUÇÃO . 8 àquela caligrafia quase indecifrável. Depois pensaram no·partido que poderiam tirar dos preciosos fragmentos. Em 1666 haviam solicitado um 'privilégio "para a sua publicação; entretanto, a obra não aparecia e até 1669 eles se viram impe didos de levar a cabo seu intuito por motivos de toda espécie. Deveriam conten tar-se com mandar imprimir o conjunto, escrupulosamente, sem nada cortar nem modificar? Ou tentariam, como sugeria Roannez, a reconstituição do plano exposto por Pascal em sua conferência, preenchendo as lacunas de argumenta ção e redação? Ou, enfim, optariam por um ter.mo médio, dando ao público uni camente os trechosjá revistos definitivamente por Pascal, com uma seleção dis creta e prudentemente corrigida dos pensamentos inacabados? Confiaram a uma comissão (compreendendo Arnauld, Nico/e, o Sr. de Tréville, o Sr. du Bois, o Sr. Filleau de la Chaise e o Sr. de Brienne) a tare/a de pronunciar-se a respeito dos diversos projetos, e essa comissão manifestou-se a favor da reconstituição dese jada por Roannez. Mas a irmã de Pascal, Gilberte Périer, opôs-se-lhe energica- mente. Se não pôde obter que se imprimisse com exatidão todo o manuscrito, a ela devemos seguramente a edição de 1670, a que chama, até hoje, "edição de Port-Royal ': Seu filho Etienne escreveu o prefácio dessa edição, expondo com muita clareza o plano da Apologia. Mas esse plano não foi observado na própria disposição do texto que se intitulou Pensamentos do Sr. Pascal sobre a Religião e Outros Assuntos. Mme Périer havia preparado uma Vida de Pascal que deviafigurar na edi ção. Essa Vida só foi publicada em 1684, na Holanda, e juntada às ediçõesfran cesas a partir da quinta (1687). Era, com efeito, necessário evitar a todo preço reacender as querelas teológicas a que a paz da Igreja pusera fim em 1668. Essa obra de Pascal, autor de As Provinciais, não devia revelar nenhum vestígio de "jansenismo ".A Vida, em que eram lembradas as relações entre Pascal e Por/ Royal, podia, em 1670, comprometer o êxito dos Pensamentos. E foi também esse o ponto de vista que perfilharam mui habilmente os primeiros editores, ate nuando, corrigindo, suprimindo . .. A tal ponto que nesse primeiro estado foram os Pensamentos considerados obra de perfeita ortodoxia católica e que Arnauld não encontrou dificuldade emfazer aprovar o livro por vários bispos e doutores em teologia. "Os amigos de Pascal': escreve Bru'nschvicg, "acreditaram de boa-fé trabalhar pela memória de Pascal, adaptando os Pensamentos à nova situação de Port-Royal, fazendo de um livro escrito no ardor da luta contra o partido dos jesuítas uma obra de edificação, inspiradora de calma e recolhi mento, digna de servir de profissão e como de. centro à Igreja reconciliada e unificada." Por outro lado, acreditaram ter, não o direito, mas o dever de dar alguns retoques ao estilo, apagar certas luzes demasiado brilhantes, completar frases exageradamente elípticas, etc. Não.o s julguemos pelo nosso atual respeito aos · textos originais, nem pelo nosso gosto. Eles pensaram no que podia chocar ou desnortear seus contemporâneos; estavam persuadidos de que o próprio Pascal não teria deixado subsistir, em redação definitiva, as ousadias de expressão ou de sintaxe nas quais nos comprazemos hoje em descobrir o que seu gênio t~ve de mais espontâneo. A edição de 1670 compreende trinta e dois títulos. Começa pelo trecho con tra os ateus; seguem-se As Marcas da Verdadeira Religião; O Pecado Original; A Regra da Aposta; A Corrupção do Homem; os trechos sobre Os Judeus, Moi- INTRODUÇÃO sés, Jesus ... Do título XXI ao Título XXVI a análise da Grandeza e da Fra queza do Homem; a seguir, os pensamentos sobre os milagres e, sob os títulos de Pensamentos Cristãos, Pensamentos Morais, Pensamentos Diversos, uma parte do que os editores não tinham podido introduzir nos títulos precedentes. Como se vê, não se trata de um plano e sim, quando muito, de uma classificação de pensamentos análogos, sem nenhuma linha de encadeamento lógico. II Essa edição, assim compreendida, foi utilizada por todos os leitores de Pas cal, de 1670 a 1776. Nesta última data, Condorcet publicada uma nova edição em que, embora declarando seu respeito por Pascal, alterava o espírito dos Pensamentos. Se Port-Royal extirpara da obra o jansenismo, ou o mascarara, Condorcet punha em relevo os argumentos acerca da impotência da razão, da incerteza necessária da religião, das dificuldades de interpretação das profecias e milagres . . . Em suma, surgiu, assim, graças à habilidade dessa manobra "filosó- fica': um Pascal "cético "que se impôs, durante cerca de cem anos, à imaginação superexcitada dos românticos, a princíjJio, e ao racionalismo da escola positi vista, depois. Condorcet juntou à sua edição as Observações sobre os Pensamen tos, que Voltaire publicara em 1734 em apêndice às Cartas Inglesas. E esse mesmo Voltaire fez imprimir em Genebra o Pascal de Condorcet juntamente com novas Observações (1778). No ano de 1779 saiu a edição do Abade Bossut. Este, preocupado sobre tudo em dar ao público todas as obras de Pascal, e em arrancar ao esquecimento certos opúsculos científicos, não procurou distribuir os pensamentos em obediência à ordem sugerida por Etienne Périer. Estabeleceu somente duas seções: Pensamentos Relacionados com a Filosofia, a Moral e as Letras e Pensa mentos Imediatamente Relativos à Religião, com capítulos de Pensamentos Diversos. Essa ordem pareceu desde então impor-se aos editores, salvo algumas exceções (edição Frantin, Dijon, 1835). Através dessas revisões todas e desses comentários, ninguém se voltava para o texto propriamente dito de Pascal.. Nenhum dos editores pen~ava no manuscrito original que cochilava na Biblioteca Real. Foi somente em 1842 que Victor Cousin, em comunicação lida na Academia Francesa9 assinalou com certa indignação tão culposa indiferença; e dava exemplos tão impressionantes das alterações verificáveis no texto dos Pensamentos e da necessidade de recorrer ao manuscrito que, dois anos mais tarde, pôde o público ler finalmente o texto autêntico dos Pensamentos na edição de Prosper F augere. A partir dessa data (1844), melhorias, devidas a leituras mais atentas do manuscrito e das cópias, foram sem cessar introduzidas no texto, em particular por E. Havet (1851), Moli nier (1877-79) e G. Michaut (1896). Por outro lado, buscou-se dispor os Pensa mentos segundo o método apologético de Pascal, e a edição de Rocher (18-73) é a tentativa mais interessante anterior à de L. Bmnschvicg. Esse úliimo, publicando a reprodução emfototipia do manuscrito de Blaise Pascal, e em seguida sua edição clássica de Pensamentos e Opúsculos e ainda, na INTRODUÇÃO 10 coleção Grandes Escritores da França (Hachette), os Pensamentos em três volu mes - resolveu, realmente, e por muito tempo, tanto a questão do texto como a do pÍano e a do comentário. Graças a essas obras, temos a certeza de poder ler, segundo o desejo de Cousin, "todo Pascale somente Pascal". III Duas dificuldades se apresentam quando se procura reconstituir o plano organizado por Etienne Périer no prefácio de 1670, e dessas duas dificuldades a mais séria é a de estabelecer as etapas sucessivas da demonstração apologética. Efetivamente, Périer e Filleau de la Chaise deixaram-nos as grandes linhas dessa apologia. Sabemos muito.b em a que espécie de leitores se dirigia Pascal, como formulava o problema do destino humano, com que argumentos contava para forçar os mais indiferentes à procura e à solução do problema, . que provas morais, históricas, teológicas desejava enumerar ... Mas ·a verdadeira dificul dade começa no momento em que se quer introduzir este ou aquele fragmento nas seções estabelecidas. Pode-se sempre temer, não sem dúvida em relação à maior parte dos pensamentos, mas em relação a um número muito grande, nãá adivinhar o lugar exato. De resto, no estado em que Pascal de~ou a Apologia, saberia ele próprio que uso faria de .todas essas reflexões, algumas das quais de viam ser eliminadas e outras mudar de forma e de contexto? E se Pascal pudesse ver as edições de seus Pensamentos, não se espantaria em deparar com muitos trechos que encarava como anotações quase algébricas de uma idéia, de uma objeção, de uma réplica, sem pensar ainda em localizá-las ou em lhes avaliar o alcance? Não estimaria supérflua ou desastrada a publicação de certas linhas inacabadas ou em aparência contraditórias? Não protestaria contra esse "desem pacotamento integral" dos menores rabiscos escapados de sua mão febril? Creio, antes, que se sentiria infinitamente comovido com o cuidado devoto que tiveram · tantos críticos afim de reunir, decifrar, classificar, comentar suas notas. Se mor reu lamentando não ter terminado essa Apologia, meditada durante dez anos (e em meio a que sofrimentos!), esse livro de caridade em que, como Jesus, ''pen sava em nós na sua agonia" e com o qual esperava induzir tantos incrédulos a "buscar e encontrar" afé,julgaria sem dúvida que seus esforços não foram vãos, porquanto, há mais de duzentos anos, os homens vêm cercando de respeito e admiração esse manuscrito quase ilegível, e recomeçando sem cessar, com uma perseverança que nada desanima, a decifrar-lhe ao mesmo tempo a cq1igrafia e o sentido. Talvez~ mesmo, visse uma intenção da Providência no fato de a morte o ter impedido de terminar o livro. Uma Apologia da Religião Cristã, apresentan do-se, sob esse título, como obra dogmática e edificante, teria atingido menor nú mero de leitores. Os libertinos e livres-pensadores, a quem Pascal o destinava, te riam hesitado em abri-lo ou tê-lo-iam sistematicamente esquecido. E, por outro lado, o espírito jansenista acentuar-se-ia nele a poni'o de ser a Apologia conside rada pelos católicos um livro de polêmica, legitimamente suspeito aos ortodoxos. Os Pensamentos, ao contrário, não podem ser suspeitos a nenhum leitor. Para uns é um livro de fé; para outros, um livro em que uma alma humana se revela com maior naturalidade e verdade do que alhures; para todos, uma obra-prima sem igual na línguafrancesa.

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