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Os morcegos voam ao anoitecer PDF

342 Pages·2016·1.04 MB·English
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OS MORCEGOS VOAM AO ANOITECER A. A. FAIR I O dístico da porta indicava: Cool & Lam - Investigações Confidenciais. Contudo, o cego não podia lê-lo. O ascensorista indicou-lhe o número do apartamento e ele lá foi tacteando com a bengala, a partir da primeira porta até ao canto do corredor, contando as seguintes, pacientemente. A sua frágil silhueta acabou por recortar-se na entrada envidraçada do escritório. Parou e abriu a porta. Elsie Brand ergueu os olhos da máquina de escrever, observou o homem magro, os óculos escuros, o tabuleiro suspenso dos ombros por correias, os lápis, as gravatas e a lata para recolher o dinheiro. Parou de percutir o teclado, mas o cego falou antes que ela tivesse oportunidade de dizer qualquer coisa. - Mrs. Cool? - Ocupada. - Então espero. - Não ganha nada com isso. Por um momento o homem pareceu ter ficado confuso, mas logo um sorriso lhe aflorou aos lábios. - Venho tratar de negócios... - e após um segundo de hesitação, acrescentou - e tenho dinheiro. - Nesse caso é diferente - declarou Elsie. Pegou no telefone, reconsiderou, recuou a cadeira para trás da mesinha de dactilógrafa, rodeou-a e pediu: - Espere um instante! - Atravessou o escritório de entrada e abriu a porta de acesso a um gabinete sinalizado com B. Cool - Particular. Bertha Cool, à roda dos cinquenta anos e setenta e cinco quilos de frio realismo, sentada à sua secretária, na sua cadeira giratória, observou Elsie Brand com cépticos olhos cinzentos e inquiriu: - Que se passa? - Um cego. - Novo ou velho? - Velho. Vendedor ambulante, com um tabuleiro portátil, uma lata e... - Corra com ele. - Quer vê-la... Vem em negócio. - Tem algum dinheiro? - Diz que sim. - Que espécie de negócio? - Não disse. Os olhos de Bertha cintilaram. - Para que diabo está aí parada à espera? Faça- o entrar. Se vem tratar de negócios e tem dinheiro, que mais queremos nós? - Só queria ter a certeza - respondeu Elsie, e, abrindo a porta, convidou: - Queira entrar. A bengala tacteou o caminho através do escritório e penetrou no santuário de Bertha. Lá dentro, o homem parou inquiridoramente, virando a cabeça e ficando à escuta atentamente. Os seus ouvidos captavam o mais ligeiro ruído que Bertha fizesse. Virou-se para ela, mal conseguiu localizá-la, e disse: - Bom dia, Mrs. Cool. - Sente-se - convidou Bertha. - Elsie, traga-me essa cadeira para aqui, para ele se sentar. Está bem assim. É tudo, Elsie. Sente-se Mr... Qual é o seu nome? - Kosling. Rodney Kosling. - Muito bem, sente-se. Eu sou Bertha Cool. - Sim, eu sei. Onde está o jovem que trabalha consigo, Mrs. Cool? Donald Lam, se não me engano? O rosto de Bertha tornou-se duro. - Diabos o levem! - resmungou. - Como?... Onde está ele? - Na Marinha. - Oh! - Alistou-se - esclareceu Bertha. - Eu tinha uns assuntos entre mãos e ele levantou ferro! Assinou um contrato de “guerra”, como se não tivesse mais quem lhe pagasse o soldo. Fez aquilo de cabeça no ar, de assobio. Tinha-o aqui classificado como trabalhador indispensável, numa indústria essencial, e esse danado vadio foi alistar-se na Marinha! - Tenho sentido a falta dele - confessou Kosling, com simplicidade. Bertha franziu o sobrolho. - Tem-lhe sentido a falta? Não sabia que o conhecia! Ele sorriu brandamente. - Creio que conheço todos os «do costume». - Que quer dizer com isso? - A minha paragem habitual, lá em baixo, fica a meio quarteirão, em frente do edifício do Banco da esquina. - É verdade! Agora que penso nisso, lembro- me de já aí o ter visto. - Quase que conheço cada pessoa que passa. - Ah! - exclamou Bertha. - Estou a perceber! E riu-se. - Não, não! - Apressou-se ele a corrigir. - Não se trata disso. Eu sou cego de verdade. São os passos das pessoas que as denunciam. - Quer dizer que diferencia os passos das várias pessoas, no meio da multidão? - Certamente. Não há nada que as pessoas façam mais distintamente. O comprimento dos passos, o seu ritmo, um ligeiro arrastar de tacões, o... Ora, há dúzias de coisas. Além disso, oiço as vozes ocasionalmente, o que ajuda bastante. Por exemplo, a senhora e Mr. Lam vão quase sempre a falar, quando passam por ali, quer dizer, a senhora é que fala. De manhã, pergunta-lhe como vão as diligências que efectuou no caso em que anda a trabalhar e, à noite, insiste com ele para que apresse as coisas e obtenha resultados para os clientes. Ele pouco costuma dizer. - Nem precisa - resmungou Bertha. - É um rapazinho esperto como nunca encontrei outro, mas é um errático! Pôr-se a andar e alistar-se na Marinha demonstra o «chalado» que há lá dentro dele. Bem estabelecido, com um ordenado rendoso, ainda recentemente associado ao negócio e vai para a Marinha! - Achou que o país precisava dele. - E eu acho que preciso dele! - protestou Bertha. - Sempre gostei de Mr. Lam - afirmou o cego. - Falava atinadamente e tinha consideração pelas pessoas. Aposto que, quando começou a trabalhar consigo, as coisas lhe corriam mal, não é verdade? - Tinha tanta fome que as iniciais do cinto já se lhe gravavam na espinha. Tomei-o ao serviço, dei- lhe oportunidade de singrar numa vida decente, conseguiu ascender a sócio da firma e, depois, levantou âncora e deixou-me a ver navios! A voz de Kosling tornou-se reminiscente: - Mesmo quando andava na «mó de baixo», tinha sempre uma palavra agradável para mim. Quando conseguiu arranjar um pouco de dinheiro, começou a dar-me algumas moedas... mas nunca o fazia quando a senhora ia com ele. Quando mas dava, não falava comigo, como se não quisesse que eu soubesse quem ele era. Eu conheço-lhe os passos, como se estivesse a falar, mas ele pensava que me causaria menos embaraço se eu ignorasse quem me ajudava... como se um cego guardasse ainda algum orgulho! Quando um homem começa a pedir, recebe dinheiro seja de quem for que lho queira dar. Bertha Cool endireitou-se na cadeira e cortou, asperamente: - Muito bem! Já que falamos de dinheiro, que deseja? ; - Quero encontrar uma jovem. - Quem é ela? - Desconheço o nome. - Como é ela?... Oh! Desculpe-me. - Não tem importância. Eis o que sei acerca dela: trabalha num local que se situa dentro de um círculo de três quarteirões a partir daqui. É um emprego bem remunerado. Tem cerca de vinte e cinco anos, é esbelta, pesa cerca de 47 a 49 quilos e deve ter um metro e sessenta de altura. - Como pode saber isso tudo? - espantou-se Bertha. - Os meus ouvidos dizem-mo. - Os seus ouvidos dizem-lhe onde é que ela trabalha? - Pois dizem. - Até apostava... Qual é o truque? - perguntou Bertha. - Não é truque nenhum. Sei sempre que horas são porque há um relógio que as toca, ali perto. - De que lhe serve isso? - Ela passa por mim, entre cinco a três minutos, antes das nove. Quando passa às nove menos três, caminha apressada; quando faltam cinco minutos, vai mais devagar. Os empregos que começam às nove horas são mais bem remunerados. A maior parte das dactilógrafas entram no trabalho às oito e meia. Posso calcular-lhe a idade pela voz; qual a sua altura, pelo comprimento das passadas e o peso, pelo som da sua marcha no pavimento. Ficaria surpreendida, Mrs. Cool, se soubesse quanto os seus ouvidos podem dizer-lhe, se aprender realmente a servir-se deles. Bertha Cool concentrou-se um momento e sussurrou: - Sim, creio que sim. - Quando se fica cego - explicou Kosling -, tem-se a impressão de que fomos projectados para fora do Mundo, que não poderemos fazer parte da vida e nela perdemos o interesse; mas podemos manter esse interesse, se decidirmos ir para a frente com o que temos e soubermos aproveitar melhor o que nos resta. Bertha Cool resolveu pôr de parte a oportunidade de discutir filosofia e voltou ao assunto de dólares e centimes. - Para que quer que encontre essa moça? Não pode achá-la sozinho? - Ela ficou ferida num acidente de automóvel, numa passagem de peões, ao atravessar a rua. Isto aconteceu às seis menos um quarto da tarde de sexta-feira passada. Tinha estado a trabalhar até tarde, no escritório, segundo creio, e seguia apressada, quando passou por mim. Não teria dado mais do que dois passos fora do passeio, quando ouvi um chiar de pneus, um impacte e o grito de sofrimento que ela soltou. Ouvi pessoas correrem. Uma voz de homem inquiriu se ela se magoara e ela riu e disse que não, mas estava muito contundida, certamente. Ele insistiu com ela, para que fosse a um hospital verificar como ficara, mas recusou. Finalmente o homem propôs dar-lhe uma boleia. Quando ela entrou para o carro, queixou-se de estar magoada na cabeça e concordou que talvez fosse melhor ser examinada por um médico. Não voltou a passar no sábado, nem na segunda-feira. Hoje é terça e também não passou. Quero que a encontre. - Qual é o seu interesse nela - inquiriu Bertha. O sorriso do cego foi benigno. - Pode considerar isso um impulso de caridade respondeu. - Vivo de caridade e... talvez essa jovem precise de ajuda. Bertha olhou-o friamente. - Eu é que não faço a minha vida por caridade. Isto vai custar-lhe dez dólares por dia e um mínimo de vinte e cinco dólares. Se não conseguirmos resultados, ao cabo de esses vinte e cinco dólares estarem esgotados, poderá desistir, ou decidir se quer ir para diante a dez dólares por dia. Os vinte e cinco dólares iniciais são pagos adiantadamente.

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