ebook img

Os Meninos de Irena PDF

311 Pages·2016·4.34 MB·Portuguese
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview Os Meninos de Irena

Ficha Técnica Título original: Irena’s Children Autor: Tilar J. Mazzeo Traduzido do Inglês por Elsa T. S. Vieira ISBN: 9789892336961 Edições ASA II, S.A. uma editora do Grupo LeYa R. Cidade de Córdova, n.º 2 2160-038 Alfragide – Portugal Tel.: (+351) 214 272 200 Fax: (+351) 214 272 201 ©2016, Trifecta Creative Holdings, Inc. Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor [email protected] www.asa.leya.com www.leya.pt TILAR J. MAZZEO OS MENINOS DE IRENA A VIDA SECRETA DA MULHER QUE SALVOU 2500 CRIANÇAS DO HOLOCAUSTO TRADUZIDO DO INGLÊS POR ELSA T. S. VIEIRA PARA ROBERT MILES O importante é estarmos preparados. PREFÁCIO Cracóvia, 2009 Q uando estive na Polónia pela primeira vez, em 2009, pensava que seriam apenas umas férias. O meu irmão trabalhava para o Departamento de Estado dos EUA e ele e a minha cunhada viviam em Cracóvia há vários anos, depois de terem morado algum tempo em Wroclaw. Tinham assistido à integração do país na União Europeia e à sua rápida segunda transformação pós-comunista. Os seus dois filhos – gémeos – estavam a aprender as primeiras palavras em polaco e a minha cunhada era diretora de uma escola internacional nos arredores da cidade. Crescemos os três teoricamente como católicos, embora nenhum de nós, penso eu, alguma vez se tivesse interessado muito por religião. Uma vez que Cracóvia, ao contrário de Varsóvia, escapou aos bombardeamentos e à destruição total no final da Segunda Guerra Mundial, a sua herança católica encontra-se por todo o lado na arquitetura da Cidade Velha. É uma cidade maravilhosa e, em alguns aspetos, ainda medieval. Porém, poucas áreas da cidade têm tanta atmosfera como o histórico quarteirão judaico em Kazimierz, onde os turistas vão em peregrinação para ver a fábrica de Oscar Schindler e as ruas sinuosas onde foram rodadas partes do filme A Lista de Schindler, de Spielberg. Por outro lado, se quisermos imaginar como era o gueto de Varsóvia nos anos 40, não adianta de nada ir a Varsóvia. O gueto foi arrasado na primavera de 1943 e dele resta apenas uma reduzida percentagem. Após a insurreição de Varsóvia, pouco mais de um ano depois, o resto da cidade foi destruído e só dez por cento dos edifícios ficaram de pé. Varsóvia é uma cidade, essencialmente, moderna. No ano da minha visita, a escola estava na fase final de um grande projeto e as instalações andavam a ser remodeladas e delimitadas. A minha cunhada dizia, a brincar, que passava os dias a discutir com as equipas de construção locais, e adquirira um arsenal bastante colorido de asneiras em polaco. A zona estivera ocupada por terrenos agrícolas durante anos e, num dos extremos da propriedade, crescera uma mata no meio do campo, cercada, mais tarde, por algumas casas suburbanas dispersas. Uma vez, estávamos nós na orla da mata, perguntei distraidamente quem eram os donos do terreno e por que razão ele tinha ficado ao abandono durante tantas décadas. Após uma curta pausa, ela suspirou e disse-me: «Sabes, os comboios para Auschwitz costumavam passar aqui perto. Não passavam mesmo aqui, mas era nesta área.» Não havia nada no bosque, apenas campos, disse-me ela, e ao princípio costumava dar passeios na zona. Contudo, na Polónia, o 1 de novembro é o Dia de Todos os Santos e, nessa noite, dita a tradição que se acendam velas nas campas dos mortos. Só no primeiro feriado escolar, quando viu a estrada que passava junto ao bosque pejada de velas acesas, é que ela percebeu que acontecera ali algo terrível. Mais tarde, os habitantes locais contaram-lhe que aconteceu em 1945, no fim da guerra, quando o Exército Vermelho perseguia os alemães em retirada. A chegada do Exército Vermelho não trouxe alegria alguma à Polónia. Nesse inverno, em Cracóvia, poucas mulheres – desde meninas em idade escolar à babcia mais velha – escaparam a ser violadas pelos soldados soviéticos. E poucos alemães que se cruzaram com as tropas soviéticas chegaram a atravessar a fronteira. Houve centenas de massacres anónimos, como este, por toda a Polónia. Sob o domínio comunista, ninguém se atreveria a acender uma vela na floresta, mas agora as coisas eram diferentes. Ainda havia homens e, especialmente, mulheres de idade que se lembravam. «Aqui, é por todo o lado», disse a minha cunhada com tristeza. «A Polónia é uma grande vala comum, mas o que se pode fazer, a não ser deixar o passado enterrado em silêncio?» Voltámos para a escola, onde as vozes alegres dos alunos do primeiro ciclo chegavam ao corredor vindas de todas as direções. Pensei nos alemães que ali morreram, nos carris que acabavam em Auschwitz, nas histórias de bebés arrancados aos braços das mães e esmagados contra paredes de tijolo. Pensei nos meus sobrinhos bebés, um menino e uma menina, e como seria capaz de matar quem fizesse isso aos meus filhos. Alguns dias depois, o meu irmão perguntou-me se queria visitar Auschwitz e eu disse que não. Uns anos mais tarde, a minha cunhada foi uma das primeiras pessoas a contarem-me a história «da Schindler feminina», Irena Sendler – ou, em polaco, língua em que os apelidos das mulheres têm terminação feminina, Irena Sendlerowa. Embora afastadas no espaço e no tempo, foi com essas duas conversas que este livro começou. Nunca consegui separar os fios que, para mim, ligam a história de Irena Sendler àquela experiência de terra polaca abandonada e das vozes de crianças. Como escritora, deixei de tentar fazê-lo. Hoje em dia, Irena Sendler é uma heroína na sua Polónia natal, embora isto seja um desenvolvimento pós-comunista relativamente recente. A sua história, como tantas outras por toda a Polónia, foi silenciosamente enterrada durante décadas. Irena Sendler, com a ajuda de amigos e uma equipa de colaboradores dedicados, retirou clandestinamente bebés do gueto de Varsóvia, em malas de viagem e caixotes de madeira, passando por guardas alemães e polícias judeus traidores. Levou crianças pequenas e em idade escolar pelos esgotos imundos e perigosos da cidade. Trabalhou com os adolescentes judeus – muitos deles, raparigas de 14 e 15 anos – que lutaram corajosamente e morreram na insurreição do gueto. E, ao longo de tudo isto, esteve apaixonada por um judeu, que ela e os amigos esconderam ansiosamente durante toda a guerra. Era uma pessoa minúscula com um espírito de ferro: uma jovem delicada, com um metro e meio de altura, que estava no final da casa dos 20 quando a guerra começou, que lutou com a ferocidade e a inteligência de um general experiente e que, ultrapassando todas as divisões religiosas, organizou, na cidade de Varsóvia, dezenas de pessoas vulgares que transformou em soldados. Antes de ser detida e torturada pela Gestapo, Irena Sendler salvou a vida de mais de duas mil crianças judias. Correndo um risco incomensurável, guardou uma lista com os nomes delas para que, depois da guerra, os pais as conseguissem encontrar. Não tinha como saber, claro, que 90 por cento daquelas famílias morreriam, a maioria nas câmaras de gás em Treblinka. Também não podia ter adivinhado, como radical de esquerda e socialista que fora toda a vida, que depois da guerra as suas crianças seriam alvos do comunismo soviético por causa das ações dela durante a guerra. Porém, e embora tenha sido inegavelmente uma heroína – uma mulher de moral e coragem física imensas, quase inconcebíveis –, Irena Sendler não era nenhuma santa. Transformá-la numa santa ao contar esta história seria, no fundo, desonrar a verdadeira complexidade e dificuldade das suas escolhas humanas. Durante a minha investigação e as entrevistas em Israel e, especialmente, na Polónia, os sobreviventes daquele período em Varsóvia disseram-me repetidamente a mesma coisa: «Não gosto de falar sobre esses anos com quem não os viveu, porque quem não esteve lá não pode compreender por que motivo as pessoas tomaram as suas decisões, nem o preço que pagaram por elas.» A vida amorosa de Irena era anárquica e fogosa, e ela debatia-se com a consciência de não ser uma boa esposa nem uma boa filha. Pôs em grande perigo a mãe, uma senhora frágil e doente, e escondeu-lhe os riscos que corriam. Era imprudente e, por vezes, cega; punha o abstrato à frente do concreto e, em certas alturas, terá até sido egoísta no seu altruísmo. Quando a altura chegou, acabou por ser uma mãe distraída e muito ausente. Foi, ao mesmo tempo, uma heroína – embora desdenhasse também dessa palavra – e uma pessoa normal com os seus defeitos. No entanto, era também dotada de uma noção de objetivo e justiça tão forte que conseguiu, com o seu exemplo, persuadir outras pessoas à sua volta a serem melhores do que à partida teriam sido, e a fazer algo extraordinariamente decente e corajoso. Enquanto escrevia este livro, senti-me muitas vezes humilde perante a coragem também desses «outros»: as dezenas de homens e principalmente mulheres que, discretamente, se juntaram a ela. Irena dizia que, por cada criança cujo salvamento organizou, houve em média dez pessoas em Varsóvia que arriscaram a vida para a ajudar. Sem a coragem e o sacrifício dos que se juntaram a ela, o sucesso nunca teria sido possível. Para quem auxiliava Irena, as escolhas eram monstruosas. O castigo por ajudar um judeu era, antes de mais, assistir à execução da própria família, começando pelas crianças. É banal e fútil descrever a qualquer pessoa que ame uma criança o que significa sofrer perante a fragilidade da vida, e a grande maioria dos que ajudaram Irena tinha filhos pequenos. Contudo, nunca nenhuma dessas pessoas – dezenas – hesitou em ajudar Irena na sua missão. Irena disse uma vez que nunca ninguém se recusou a receber uma das crianças judias. Esta é a história de Irena Sendler, das crianças que ela salvou e dessas dezenas de corajosos «outros». É também a história complicada e por vezes sombria, mas também corajosa, do povo polaco. Se há demasiados nomes no princípio deste livro, lembrem-se de que só conto as histórias de uma pequena fração daqueles que sabemos terem auxiliado Irena. E pensem que, à medida que o livro avança, os nomes, tristemente, vão diminuindo. Conto aqui as suas histórias para prestar uma pequena homenagem a todas essas pessoas. As suas vidas e, por vezes, as suas mortes mostram aquilo de que somos capazes, como pessoas normais, perante o mal e o horror. Prólogo Varsóvia, 21 de outubro de 1943 A leja Szucha. Irena Sendler sabia o seu destino. A porta da frente da viatura fechou-se com estrondo e o carro prisional preto arrancou com um solavanco. Tinham-lhe dado apenas minutos para se vestir, e o cabelo claro e curto estava ainda despenteado da almofada. Janka Grabowska saíra a correr com os sapatos dela e atirara-lhos no último instante, arriscando sujeitar-se aos caprichos violentos dos soldados. Irena nem se lembrara de atar os atacadores. Concentrava-se apenas numa coisa: manter a calma e o rosto plácido e inexpressivo. Nada de caras tristes. Era a sabedoria que as mulheres judias passavam aos filhos quando os deixavam pela última vez aos cuidados de desconhecidos. Irena não era judia, mas um rosto triste era sempre perigoso. Eles não podem pensar que tenho motivos para estar assustada. Não podem pensar que estou com medo. Irena repetiu silenciosamente este pensamento. Se suspeitassem o que ela escondia, aquilo que a esperava só seria mais difícil. Mas Irena estava assustada. Muito assustada. No outono de 1943, na Polónia sob ocupação nazi, não havia palavras mais aterrorizadoras do que «Avenida Szucha». Talvez fossem até as palavras mais aterrorizadoras naquela Europa em guerra. Era a morada do quartel-general da Gestapo em Varsóvia. O brutalismo arquitetónico do exterior parecia cruelmente adequado ao objetivo dos alemães. Dentro do complexo de edifícios, os corredores ecoavam com os gritos de quem era interrogado. Os que sobreviviam recordavam depois o fedor a medo e urina. Duas vezes por dia, antes do meio-dia e ao final da tarde, as carrinhas pretas da prisão de Pawiak vinham, pontualmente, recolher os corpos feridos e destroçados. Irena calculou que pouco devia passar das seis da manhã. Talvez fossem já seis e meia. Em breve o sol de finais de outubro erguer-se-ia sobre Varsóvia. Irena, porém, estava acordada há horas, como todos os outros moradores do prédio. Na véspera, Janka, a sua querida amiga e fiel colaboradora, juntara-se à família de Irena para uma pequena celebração em honra do dia de Santa Irena.

Description:
Em plena Segunda Guerra, nos sussurros desesperados dos judeus, um nome passa de boca em boca: o de Irena Sendler, a jovem assistente social que está disposta a tudo para salvar as crianças judias dos campos de concentração. Quando, em 1942, Irena entrou no gueto de Varsóvia, o que viu dilacero
See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.