OFÍCIO Nº 07.006 Curitiba, 20 de Agosto de 2007. Ao Ilmo. Sr. Presidente da Câmara Técnica de Assuntos Internacionais Dr. UBIRACY CRAVEIRO DE ARAÚJO Conselho Nacional do Meio Ambiente Esplanada dos Ministérios, Bloco B ‐ 6º andar, sala 633 CEP 70068‐900 – Brasília/DF Ilmo.sr., APROMAC – Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte, membro titular do CONAMA representante das ONG’s da Região Sul, com assento na Câmara Técnica de Assuntos Internacionais, por meio da Conselheira que esta subscreve, no uso de suas prerrogativas regimentais (art. 31, VI), vem expor que: Considerando: “O direito de ter acesso às informações relevantes sobre desenvolvimento sustentável e o direito de participar de decisões coletivas” 1. (...) “as represas ʹimplicarão, por outro lado, problemas geopolíticosʹ, já que 95% das águas da Bolívia ʹescorrem através do Madeira. As represas porão estas águas sob o controle do Brasil, o que representa uma perspectiva geopolítica preocupanteʹ. Além disso, ʹo Brasil está reincidindo em um ato sumamente perigoso para a região: utilizar águas de curso internacional sem consultar as partes afetadas. Um precedente nesse sentido foi o represamento do rio Paraná, sem consultar a Argentina para a construção da represa de Itaipuʹ, completou o Fórum.”2 “A área a ser inundada pelos reservatórios das duas usinas (Santo Antônio e Jirau) encontra‐se perfeitamente definida, não havendo qualquer dúvida quanto a esse aspecto conforme sugerido nesta consideração. ” * “O projeto do Madeira não faz parte do IIRSA. Entretanto, sua proximidade e possível integração à iniciativa é uma importante oportunidade a ser considerada, constituindo‐se em outra externalidade que não poderá deixar de ser apreciada na avaliação dos empreendimentos”.* 1Declaração Universal de Direitos Humanos, Princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro - www.map-amazonia.net 1 Jornal “O Liberal “ (Brasil) Cúpula discute os rios da Amazônia 09/12/2006 * MME – Ministério Minas e Energia do Brasil – Relatório de Vistas – CONAMA – Maio de 2006. Rua Afonso Pena s/nº - Fundos da UEM - CEP 87200-000 - Cianorte - Paraná Fone (44) 3629-6766 - www.apromac.org.br Pág. 1 / 12 A década de 2005‐2015 foi escolhida pela ONU para ser a segunda Década Internacional da Água reforçando com isso a Declaração do Milênio assinada por 191 países durante a Cúpula do Milênio realizada em Nova York em 2000. Na América do Sul, a região da Bacia Amazônica ainda sofre com práticas insustentáveis na contramão de regras já instituídas internacionalmente, e projetos da magnitude do Complexo do Madeira, em Rondônia, que inclui duas hidroelétricas e uma hidrovia no bojo da IIRSA – Iniciativa para Infra‐estrutura Regional Sul Americana, vêm sendo apresentados inseridos num modelo de desenvolvimento econômico que resultará em impactos regionais significativos previsíveis e não previsíveis. Ao contrariar frontalmente as aspirações das populações urbanas e rurais dessa região, assim como das organizações ambientalistas (ANEXOS 9 e 10), projetos como esses podem criar um sério precedente negativo ao que se entende como um adequado manejo integrado dos recursos hídricos de bacias transfronteiriças. De toda a Bacia Amazônica, 64% estão em terras brasileiras e dos 36% restantes, 15,61% estão na Bolívia e o restante em territórios dos demais países. Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela compartilham a Amazônia, uma imensidão de seis milhões de quilômetros quadrados com um quinto da água do planeta. Desses oito países, sete estão na alta bacia e formam um cinturão que rodeia o extenso território amazônico brasileiro. Entre dois níveis – a montante e a jusante, há uma interdependência de biomas, corpos d’água, populações indígenas e ribeirinhas e atividades econômicas que estão em simbiose com o rio mais extenso e caudaloso do mundo: o Amazonas. Entretanto, a bacia do rio Amazonas tem sido objeto, nos últimos séculos, de um manejo descuidado e depredador e já mostra sérios sinais de sensível degradação devido ao processo de ocupação desordenado e da exploração irracional de seus recursos. Fica difícil atingir um desenvolvimento equilibrado em uma Amazônia repleta de pobreza e desigualdade na distribuição sócio‐geográfica dos recursos naturais, uma região que sofre as conseqüências de políticas públicas descuidadas e da globalização imposta pela iniciativa privada. Os ecossistemas amazônicos não reconhecem fronteiras políticas (ANEXO 8), estão interligados pela fragilidade dos sistemas hídricos ameaçados pelo capital especulativo e que acabam acirrando os conflitos sócio‐ambientais e transfronteiriços. Para manter a riqueza desse patrimônio biológico há necessidade urgente de uma ação coordenada, harmônica e integrada dos países que o exploram. O avanço da política do crescimento econômico do Brasil sobre os recursos naturais da Amazônia, em especial, sobre o rio Madeira, principal tributário do Amazonas, para fazer frente ao crescimento econômico e à demanda de energia elétrica, está criando um estresse nas relações com os parceiros de fronteiras molhadas. A pressão da economia capitalista em massa ameaça a estabilidade das populações tradicionais (ANEXO 1) ao longo da alta bacia do Madeira formado pelos rios Beni e Mamoré, em terras bolivianas. Essa escalada brasileira na Amazônia da exploração e ampliação do potencial hidráulico desperta o instinto de auto‐ preservação dos movimentos sociais na Bolívia e no Brasil traduzido numa bem formulada questão sobre a indivisibilidade da bacia do Madeira e o uso sustentável de bacias transfronteiriças. Rua Afonso Pena s/nº - Fundos da UEM - CEP 87200-000 - Cianorte - Paraná Fone (44) 3629-6766 - www.apromac.org.br Pág. 2 / 12 É preciso considerar que os grandes conflitos entre as nações previstos para o futuro estarão ligados ao uso compartilhado dos recursos hídricos e as conseqüências que a má gestão trará poderão ultrapassar as fronteiras políticas. Muitos acordos de cooperação têm sido firmados entre nações desde o século XIX para suprir a necessidade de gestão de bacias hidrográficas transfronteiriças. Alguns desses acordos, que são citados a seguir e dos quais o Brasil não é signatário, buscaram estabelecer ações para promover o uso sustentável dos recursos naturais, e evitar conflitos. • Instituto de Direito Internacional (IDI) ‐ Declaração de Madri – “interdependência física entre os Estados ribeirinhos, reconhecida, já em 1911.”. • Direito Internacional (ILA), Conferência de Dubrovnik, 1956 – “desenvolveu e adotou de forma pioneira o princípio de unidade de bacia 3”. • ILA, 1958 ‐ “um sistema de rios e lagos em uma bacia de drenagem deve ser tratado como um todo integrado, e não como frações. As Regras de Helsinque de 1966 da ILA, trabalho que constitui uma das principais referências no Direito Internacional de Águas, trazem o conceito de bacia de drenagem internacional: uma área geográfica que se estende a dois ou mais Estados, determinada pelos limites divisores de um sistema de águas, incluindo águas superficiais e subterrâneas, fluindo a um terminal exutório comum” 4. • Acordo Colômbia‐Brasil para a Cooperação Amazônica – “elaborado o Plano Modelo de Desenvolvimento Integrado das Comunidades Vizinhas do Eixo Tabatinga – Apaporis. A região objeto do acordo sofre diversos problemas de degradação ambiental como a contaminação de mercúrio na parte superior do Rio Negro” 5. • Tratado Colômbia‐Peru para a Cooperação Amazônica – “refere‐se à Bacia do Rio Putumayo, que enfrenta sérios problemas ambientais decorrentes da introdução de sistemas de produção e padrões culturais e sociais inadequados ao ecossistema amazônico e que estão degradando o meio ambiente e sua biodiversidade. A degradação inclui erosão do solo, contaminação das águas e sedimentação da bacia” 6. 3 Direito Internacional de Águas na Bacia Amazônica: Aplicação Regional de Princípios do Direito Internacional de Águas - Cristiane Vieira Jaccoud do Carmo Azevedo e Mariana Suzuki Sell 4 Direito Internacional de Águas na Bacia Amazônica: Aplicação Regional de Princípios do Direito Internacional de Águas - Cristiane Vieira Jaccoud do Carmo Azevedo e Mariana Suzuki Sell 5 Direito Internacional de Águas na Bacia Amazônica: Aplicação Regional de Princípios do Direito Internacional de Águas - Cristiane Vieira Jaccoud do Carmo Azevedo e Mariana Suzuki Sell 6 Direito Internacional de Águas na Bacia Amazônica: Aplicação Regional de Princípios do Direito Internacional de Águas - Cristiane Vieira Jaccoud do Carmo Azevedo e Mariana Suzuki Sell Rua Afonso Pena s/nº - Fundos da UEM - CEP 87200-000 - Cianorte - Paraná Fone (44) 3629-6766 - www.apromac.org.br Pág. 3 / 12 • Convenção de Espoo ‐ 1991, na Finlândia ‐ Convenção Relativa à Avaliação dos Impactos Ambientais num Contexto Transfronteiriço ‐ “as atividades mineiras e as barragens, caso um projeto possa ter um impacto transfronteiriço significativo, os Estados afetados deverão ser notificados e toda informação relevante sobre o projeto disponibilizada para que a população que possa ser afetada tenha a oportunidade de se pronunciar.” • Diretiva 85/337/CEE, da então Comunidade Econômica Européia ‐ parcialmente alterada pela Diretiva 97/11/CE – “obriga a realização de estudos preventivos de impacto ambiental para várias atividades econômicas, inclusive a atividade mineira e a exploração de barragens, sempre que tais projetos puderem ter impacto significativo no ambiente”. • Convenção relativa ao desenvolvimento de energia hidráulica que afeta mais de um país 7 ‐ dezembro de 1923, Genebra (Suíça) – “estabelece a obrigação de consultas multilaterais ou mesmo bilaterais entre países que objetivassem obter energia hidráulica a partir de cursos d’água internacionais ou mesmo nacionais que, em virtude de sua localização e/ou dimensão, pudessem afetar o ecossistema de outros países.” • Convenção sobre o direito de uso dos cursos d’água internacionais para fins diversos da navegação ‐ Nações Unidas em sua 51ª Sessão, em julho de 1997 ‐ “Este tratado internacional constitui um acordo‐quadro (framework‐agreement), que deverá servir de referencial para os vários acordos bi ou multilaterais que envolvam o uso de rios internacionais. Não é uma imposição de condutas, mas uma tentativa de uniformização de certas regras em escala mundial. Sintetizando, pode‐se afirmar que o eixo central da Convenção é difundir a idéia de uso eqüitativo e razoável dos recursos hídricos de modo a evitar danos ou prejuízos aos países a jusante ou a montante.”8 A gestão integrada e transfronteiriça de ecossistemas fluviais não é apenas necessária, como ferramenta jurídica, para orientar o uso dos recursos hídricos entre Brasil e Bolívia, na eventualidade de um conflito no caso do rio Madeira e a construção das Hidroelétricas Santo Antônio e Jirau, cujos editais para licitação estão em fase de elaboração, que gerariam 6,5 mil megawatts, o equivalente a metade da potência de Itaipu. Será, também, uma forma de ampliar o entendimento para além da questão sobre se as obras ameaçariam ou não a integridade dos ecossistemas a montante. Uma gestão que deverá servir para proteger a Amazônia Brasileira das atividades econômicas incompatíveis com políticas de sustentabilidade sócio‐ ambiental, como por exemplo, a expansão indiscriminada do cultivo da soja na Bolívia, que contamina os rios formadores da bacia do Madeira com uso intensivo de 7 Geopolítica das Águas – O Brasil e o Direito Internacional Fluvial – Aguinaldo Alemar, Uberlândia, MG, 2006. 8 Geopolítica das Águas – O Brasil e o Direito Internacional Fluvial – Aguinaldo Alemar, Uberlândia, MG, 2006. Rua Afonso Pena s/nº - Fundos da UEM - CEP 87200-000 - Cianorte - Paraná Fone (44) 3629-6766 - www.apromac.org.br Pág. 4 / 12 agrotóxicos e o aumento do aporte de sedimentos em decorrência do uso inadequado do solo. Se de um lado o governo boliviano pouco tinha se ocupado, até o momento, com os assuntos que envolvem a Bacia Amazônica, e do outro lado o Brasil também foi omisso na questão da contaminação pelo mercúrio ou do atual aumento de sedimentos a montante, agora as populações ribeirinhas em ambos os países se manifestam (ANEXOS 2, 7 e 7A), ao se sentirem ameaçadas pelos projetos no Madeira, sinalizando claramente a ambos os governos que é fundamental fazer sérias mudanças nas estruturas vigentes das políticas brasileira e boliviana de utilização da bacia. A Bolívia quer frear as obras das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau e anuncia que vai recorrer a todos os organismos internacionais se fracassarem todas as possibilidades de diálogo com o governo brasileiro. O vice‐ministro da biodiversidade boliviano Juan Pablo Ramos, em entrevista coletiva em La Paz, reafirmou que apelará para “todas as instâncias internacionais” se o Brasil não permitir a realização, “em um marco de confraternização”, de estudos conjuntos sobre os possíveis impactos ambientais que as represas terão em território boliviano. O Ministro brasileiro Celso Amorim declarou que “o Brasil continua com o processo” e que, independente das críticas da Bolívia, a construção das represas ocorrerá sem consultas prévias. 9 Faltou até agora, por parte do governo brasileiro, envidar esforços para alcançar a cooperação entre países co‐ribeirinhos na busca de gestão compartilhada para atingir o uso sustentável dos rios contíguos e, assim evitar conflitos futuros motivados por possíveis ações unilaterais a montante. Já existem desde o século XX instrumentos jurídicos internacionais consolidados no Direito Internacional de Águas que estabelecem princípios e regras para possibilitar entre nações a utilização razoável e eqüitativa de bacias transfronteiriças e proteção ambiental das águas. As regras que regulam esses procedimentos contemplam principalmente a troca de informações, notificação prévia, consulta e negociação e resolução pacífica de conflitos10. A questão da proibição de dano substancial ou sensível, por exemplo, se refere ao país que executa atividades em seu território que possam provocar conseqüências danosas graves ao território de outros países. Essa proibição está explicitada na Declaração de Assunção sobre o Aproveitamento de Rios Internacionais (1971), no Tratado de Limites do Rio da Prata e sua Fronteira Marítima (1973), no Tratado de Itaipu (1973), no Acordo Tripartite (1979) e no Tratado para o Aproveitamento do Rio Uruguai e seu Afluente Pepiri‐Guaçu (1980)11. A Declaração de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Rio 92 e da Agenda 21 deu início a convenções internacionais que têm estabelecido outros princípios ignorados pelo Brasil no caso do projeto do Madeira, como o direito de participação dos cidadãos na gestão ambiental e de acesso à informação. O direito à participação no processo decisório das pessoas afetadas por projetos ou atividades relacionadas às 9 http://www.odocumento.com.br/noticia.php?id=234307 Várzea Grande, 16/08/2007 - 07:50 Efe 10 Direito Internacional de Águas na Bacia do Rio da Prata: Aplicação Regional de Princípios e Regras Procedimentais do Direito Internacional de Águas* Mariana Suzuki Sell 11 Direito Internacional de Águas na Bacia do Rio da Prata: Aplicação Regional de Princípios e Regras Procedimentais do Direito Internacional de Águas* Mariana Suzuki Sell Rua Afonso Pena s/nº - Fundos da UEM - CEP 87200-000 - Cianorte - Paraná Fone (44) 3629-6766 - www.apromac.org.br Pág. 5 / 12 águas transfronteiriças já está assegurado dentro dos princípios que norteiam a gestão das águas no Direito Internacional12. Diante do exposto, e, Considerando que uma das questões fronteiriças mais complexas, hoje, na bacia amazônica é a iniciativa para o aproveitamento hidrelétrico do rio Madeira, com os projetos de construção das Usinas Hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, por parte do Brasil, e que essa iniciativa não se encaixa nos princípios de uso sustentável dos recursos hídricos, conforme as convenções e provisões internacionais citadas neste documento; Considerando que o projeto de construção de uma hidrovia no Rio Madeira, com mais de 4000 quilômetros, que se estenderia do interior da Bolívia até o Rio Amazonas, conectando os Rios Madeira, Guaporé e Beni, faz parte de um complexo definido pelo governo brasileiro como uma das obras complementares às Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia; Considerando que a utilização e exploração dos recursos hídricos em outros aproveitamentos hidrelétricos previstos na Amazônia, como nos rios Tapajós, Xingu, Tocantins são pautados apenas pelos interesses do mercado internacional de commodities que potencializam as necessidades de produção de energia e levam a uma política setorial voltada ao suprimento das indústrias eletrointensivas, sem que, no entanto, se busque utilizar fontes alternativas de geração limpa de energia elétrica; Considerando que do ponto de vista do Brasil as ações orientadas ao aproveitamento de recursos naturais, da grandeza dos que seriam ameaçados no caso das represas do rio Madeira, se sobrepuseram às necessárias considerações prévias quanto aos riscos ambientais e possíveis impactos transfronteiriços na Bolívia, já que os estudos de toda a bacia transfronteiriça nunca foram concluídos; Considerando que a decisão brasileira é vista por grande parte dos movimentos sociais bolivianos (ANEXOS 3 e 4) como pouco integradora, arbitrária e unilateral, já que é tomada por apenas um Estado ribeirinho envolvido, no caso, o ocupante de águas a jusante; Considerando que o princípio da precaução foi consagrado na Declaração unânime dos países integrantes da ONU, princípio nº. 15 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992, firmada no Brasil, e encontra‐se consagrado no artigo 225 da Constituição Federal e que é parte das práticas propostas pela gestão integrada dos recursos hídricos e recomendado em situações onde há relação entre causa e dano potencial; Considerando que “não é preciso que se tenha prova científica absoluta de que ocorrerá dano ambiental, bastando o risco de que o dano seja irreversível para que não se deixem para depois as medidas efetivas de proteção ao ambiente. Existindo dúvida sobre a possibilidade futura de dano ao homem e ao meio ambiente, a solução deve ser favorável ao ambiente e não ao lucro imediato – por mais atraente que seja para as gerações presentes.” 13; 12 Direito Internacional de Águas na Bacia do Rio da Prata: Aplicação Regional de Princípios e Regras Procedimentais do Direito Internacional de Águas* Mariana Suzuki Sell 13 Professor Paulo Affonso Leme Machado Rua Afonso Pena s/nº - Fundos da UEM - CEP 87200-000 - Cianorte - Paraná Fone (44) 3629-6766 - www.apromac.org.br Pág. 6 / 12 Considerando que o projeto das hidrelétricas do rio Madeira tem suscitado impactos psicossociais na Bolívia, devido à grande preocupação manifestada através de inúmeras declarações coletivas (ANEXOS 5, 6 e 6A), principalmente por parte dos habitantes das terras baixas amazônicas que poderiam ser afetados pelos possíveis impactos ambientais; Considerando que qualquer modificação em um curso d’água com o potencial de transporte de sedimentos como o do rio Madeira poderia produzir danos ambientais imensuráveis, e que o que deve ser discutido em relação ao empreendimento não é, neste momento, apenas a extensão desse impacto, mas a justificativa ética da decisão de um país impingir a outro um risco que este não buscou, e com o qual não pode emitir concordância sem as devidas salvaguardas de um estudo completo de todo o sistema da bacia; Considerando que a decisão de levar adiante o projeto das Hidrelétricas do Madeira, já com a Licença Prévia concedida pelo Ibama com 33 condicionantes, na forma como está planejado e a reboque de uma decisão unilateral e autoritária de Estado que compartilha uma bacia hidrográfica com as peculiaridades e as fragilidades da Bacia Amazônica, contraria o que se pode entender como gestão integrada de recursos hídricos transfronteiriços; Considerando que para administrar eficazmente a água é preciso que exista um acordo prévio de gerenciamento compartilhado entre Estados ribeirinhos usuários de bacias hidrográficas transfronteiriças, para resolver, de forma eqüitativa, eventuais conflitos gerados; Considerando que existem bases conceituais e jurídicas internacionais que estabelecem regras para o aproveitamento individual ou compartilhado dos recursos hídricos de uma bacia por dois ou mais países; Considerando que a Bolívia tem uma proposta para liderar a criação de uma instância internacional formada pelos países que dependem direta e indiretamente da bacia Amazônica para arbitragem e busca de soluções dos problemas decorrentes de projetos de aproveitamentos dos recursos hídricos da região; Considerando que essa instância poderá ter a atribuição de defender juridicamente, em nível de países pertencentes à bacia Amazônica, os direitos das populações indígenas e ribeirinhas sobre os recursos naturais em seus territórios; Considerando que para uma verdadeira integração regional há várias dimensões de relações entre os países, que podem ir desde a econômica até a cultural, desde a política até os aspectos socioambientais, mas que qualquer integração real e efetiva só poderá acontecer quando existirem princípios de respeito, reciprocidade e solidariedade entre as nações; Considerando que o objetivo de um processo de integração tão amplo como o que se pretende para a Região Amazônica através da IIRSA – Integração para a Infra‐ estrutura Regional Sul‐Americana ‐ deverá ser, antes de uma concepção de mercados capitalistas e economias calcados no uso insustentável dos recursos naturais, o de criar uma sociedade harmoniosa e equilibrada tanto nas relações entre seus membros como destes com a natureza; Rua Afonso Pena s/nº - Fundos da UEM - CEP 87200-000 - Cianorte - Paraná Fone (44) 3629-6766 - www.apromac.org.br Pág. 7 / 12 Considerando que a gestão integrada dos recursos hídricos da região transfronteiriça na Amazônia é o maior desafio a vencer no continente sul‐americano neste século, e que deverá servir como modelo para o resto do planeta; Considerando que “bacia de drenagem internacional” é uma área geográfica que se estende por dois ou mais Estados, determinada pelos limites da bacia hidrográfica de um dado sistema de águas, incluindo as águas superficiais e subterrâneas, que fluem para um ponto comum. Considerando a Lei nº. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, que criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e regulamentou o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal; e que no Art. 39, sobre a composição dos Comitês da Bacia Hidrográfica por representantes, no seu § 2° estabelece que: “Nos Comitês de Bacia Hidrográfica de bacias de rios fronteiriços e transfronteiriços de gestão compartilhada, a representação da União deverá incluir um representante do Ministério das Relações Exteriores” Considerando a Resolução nº. 10, de 21 de junho de 2000, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que Instituiu a Câmara Técnica Permanente de Gestão dos Recursos Hídricos Transfronteiriços, que estabelece no Art. 2º que são competências da Câmara Técnica: [...] III – “propor diretrizes para gestão integrada em bacias transfronteiriças”; Considerando que o Brasil tem adotado uma postura autoritária e contrária às regulamentações relacionadas às águas internacionais em acordos multilaterais, privilegiando a soberania, e que segundo o documento Panorama e Estado dos Recursos Hídricos do Brasil do Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Recursos Hídricos de 2006, p. 124 “qualquer ingerência externa na maneira como o País administra seus recursos hídricos, mesmo que na forma de um monitoramento não coercitivo, seria indesejável e inapropriado” 14; Considerando que o Brasil desconsidera que os recursos naturais “devem ser tratados como bens públicos globais” e que no documento Panorama e Estado dos Recursos Hídricos do Brasil do Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Recursos Hídricos de 2006, p. 124, o Ministério das Relações Exteriores entende que “as declarações, neste sentido, revelam uma visão preconceituosa, que subestima a capacidade dos países em Desenvolvimento de gerenciar, de forma soberana e sustentável, os seus recursos naturais” 15; Considerando que o Brasil, no documento Panorama e Estado dos Recursos Hídricos do Brasil do Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Recursos Hídricos de 2006, Síntese Executiva, p. 49 ), declara que “é signatário de todas as últimas convenções e declarações internacionais”, relacionadas à água; Considerando que o Brasil não assinou a Convenção das Nações Unidas sobre o uso dos rios internacionais para fins diversos da navegação, de 1997, apesar de ter participado da Assembléia Geral da ONU que a aprovou. 16; 14 Plano Nacional de Recursos Hídricos aprovado em janeiro de 2006, por meio da Resolução nº. 58 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH. 15 Plano Nacional de Recursos Hídricos aprovado em janeiro de 2006, por meio da Resolução nº. 58 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH. 16 Geopolítica das Águas – O Brasil e o Direito Internacional Fluvial – Aguinaldo Alemar, Uberlândia, MG, 2006. Rua Afonso Pena s/nº - Fundos da UEM - CEP 87200-000 - Cianorte - Paraná Fone (44) 3629-6766 - www.apromac.org.br Pág. 8 / 12 Considerando “a relutância histórica do governo brasileiro em não concordar com uma regulamentação internacional e uniforme para os rios internacionais. Isto porque os interesses que o Brasil defende na Amazônia são diferentes dos defendidos no Prata.” 17; Considerando que o Brasil não endossou as conclusões da Comissão Mundial de Barragens de novembro de 2000 com suas 26 diretrizes apesar de ter 80% da geração de energia elétrica baseada em usinas hidrelétricas; Considerando que a ONU (NAÇÕES UNIDAS, 2006, p. 381) reconhece cinco grandes princípios legais que devem orientar a hidrodiplomacia: i) princípio da água internacional e o conceito de curso d’água internacional; ii) princípio da utilização razoável e eqüitativa; iii) obrigação de não causar danos significativos e o dever de agir com devida diligência na utilização de um curso d’água internacional; iv) princípio da notificação e da negociação no planejamento de medidas; v) dever de cooperar, incluindo aí o regular intercâmbio de informações.18 Considerando que “a postura do tipo “não me preocupo porque não preciso”, pode fazer com que o país, num futuro não muito distante, seja surpreendido por forças internacionais unidas, reivindicando direitos sobre a água brasileira (e dos demais países ricos neste recurso), sem que se tenha tempo para recuperar o espaço perdido no cenário internacional.” 19; Considerando que o Brasil está dando uma clara demonstração de desprezo às manifestações dos movimentos bolivianos sobre os projetos das Hidrelétricas planejadas para o rio Madeira e que isso pode ser o estopim para mais um conflito sobre recursos hídricos compartilhados com outros Estados e que é preciso repensar essa pretensa “soberania” sobre a água, que é considerada patrimônio da humanidade pela ONU; Considerando que “o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e, mais especificamente a sua Câmara Técnica de Gestão dos Recursos Hídricos Transfronteiriços (CTGRHT), apesar de relativamente recentes, têm realizado um trabalho de fôlego, de inestimável valor para a pretendida grandeza hídrica e segurança territorial do Brasil.” 20; Considerando que, “entretanto, o trabalho desses abnegados “servidores públicos”, no que toca às águas transfronteiriças está, necessariamente, condicionado ao papel desempenhado pela política externa brasileira. É na forma como o Brasil se mostra no cenário internacional que se deve buscar fundamentos ambientais e jurídicos para se exigir uma postura mais altaneira, participativa e, consequentemente, com poder decisório no ambiente internacional.” 21 Considerando que “o direito de participação dos cidadãos na gestão ambiental e de acesso à informação tem sido bem estabelecido nas convenções internacionais desde a Declaração de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Rio 92 e da Agenda 21 e que a Associação de Direito Internacional reconheceu, na recente revisão das Regras de Helsinque (Berlim, 2004), o direito de participação como um dos princípios de Direito Internacional que governam a gestão das águas, transfronteiriças ou não, e que todas as pessoas que são afetadas por projetos ou atividades relacionadas a águas têm o direito humano de participar de seu 17 Geopolítica das Águas – O Brasil e o Direito Internacional Fluvial – Aguinaldo Alemar, Uberlândia, MG, 2006. 18 Geopolítica das Águas – O Brasil e o Direito Internacional Fluvial – Aguinaldo Alemar, Uberlândia, MG, 2006. 19 Geopolítica das Águas – O Brasil e o Direito Internacional Fluvial – Aguinaldo Alemar, Uberlândia, MG, 2006. 20 Geopolítica das Águas – O Brasil e o Direito Internacional Fluvial – Aguinaldo Alemar, Uberlândia, MG, 2006. 21 Geopolítica das Águas – O Brasil e o Direito Internacional Fluvial – Aguinaldo Alemar, Uberlândia, MG, 2006. Rua Afonso Pena s/nº - Fundos da UEM - CEP 87200-000 - Cianorte - Paraná Fone (44) 3629-6766 - www.apromac.org.br Pág. 9 / 12 processo decisório. Os Estados têm que prover todas as informações relevantes, inclusive o estudo de impacto ambiental.” 22 vem pelo presente SOLICITAR que: 1. Seja convidado o Ministério de Relações Exteriores para que compareça à próxima Reunião da Câmara Técnica de Assuntos Internacionais, e: • Informe quais as ações que pautaram sua atuação, até o momento, em relação ao projeto de construção do Complexo do Madeira e os previsíveis impactos no território boliviano, como representantes da União nos Comitês de Bacia Hidrográfica, nos termos da Lei nº. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, que criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e regulamentou o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, no seu Art. 39 sobre a composição dos comitês de bacias de rios fronteiriços e transfronteiriços; • Informe, tendo em vista que o CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos criou, em 2000, a Câmara Técnica de Gestão de Recursos Hídricos Transfronteiriços (CT‐GRHT), sob a presidência de representante do Ministério das Relações Exteriores: 1) Quais as propostas de mecanismos de intercâmbios técnicos, legais e institucionais que estão sendo desenvolvidos com a Bolívia e os demais países integrantes da Bacia Amazônica, sobre as questões referentes à gestão de recursos hídricos; 2) Considerando a forte influência do setor corporativo‐ empresarial no processo decisório do licenciamento do Complexo do Madeira, como está sendo instruída e construída a posição do Estado Brasileiro em relação ao Estado Boliviano? 3) Quais análises e propostas de ações conjuntas foram feitas, visando minimizar ou solucionar o conflito que já está em curso com o governo boliviano e os movimentos sociais, em 22 Direito Internacional de Águas na Bacia do Rio da Prata: Aplicação Regional de Princípios e Regras Procedimentais do Direito Internacional de Águas* Mariana Suzuki Sell * Apresentado no I Encontro Ibero-Americano por uma Nova Cultura da Água, organizado pela Fundação Nova Cultura da Água, em Fortaleza, dezembro de 2005. Rua Afonso Pena s/nº - Fundos da UEM - CEP 87200-000 - Cianorte - Paraná Fone (44) 3629-6766 - www.apromac.org.br Pág. 10 / 12
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