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O Único e sua propriedade PDF

330 Pages·2004·16.13 MB·Portuguese
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O meu poder li') ." cdição portuguesa Março de 2004 2. As minhas relações I (,i Antígona Editores Refractários :3. O meu gozo pessoal :!')() Rua da Trindade, n,O 5-2 0 F 111. O único :!s" 1200-467 Lisboa - Portugal Telefone 213244170 - Fax 213244171 [email protected] ( ,Iossário 2s7 Depósito legal n,o 208259/04 SI irncr, o passageiro clandestino da história 21)') ISBN 972-608-162-9 1'''( .J osé A. Bragança de Miranda \ '1\ 11 \ \I' I I1 " '\ I" I \ I I 1I I'I \I, \ 'I I! _1\11" I , '_" IN 1)1( I': I I I) , \ 11111111.1 (.11''',' I' ,I '.Il1S.I dc nada ) I', "'1<'11,1 Parte -- O HOMEM li I 11,",( v,d,l hlllllalla I ') 1I 11,>1,""'" (11)tcmpo antigo e do moderno .' I (h Ali! igos .' I ()" MOllcrllos (Dic Neuen) .IS Título original DER EINZIGE UN SEIN EIGENTUM ~ I. () espírito i() Autor Max Srirner ~ . I. OS possessos r, ~ ". A hierarquia '> I) Tradução, glossário e noras João Barrenro , ()slivrcs S.' Posfácio José A, Bragança de Miranda ~ I. O liberalismo político N.~ Revisão Carla da Silva Pereira ~ L O liberalismo social ')(, Capa Antigona e Tadeu Barros ~). O liberalismo humano I () ,I (desenho de Friedrich Engels) Paginação Leonel Matias ,<""):llIlda Parte - EU !.I'> Impressão Guide -Artes Gráficas I A singularidade-da-próprio I.U Copyright © 2004 Antigona e João Barrento 1I () cu-proprietário I)') para esta tradução l. O meu poder li') ." cdição portuguesa Março de 2004 2. As minhas relações I (,i Antígona Editores Refractários :3. O meu gozo pessoal :!')() Rua da Trindade, n,O 5-2 0 F 111. O único :!s" 1200-467 Lisboa - Portugal Telefone 213244170 - Fax 213244171 [email protected] ( ,Iossário 2s7 Depósito legal n,o 208259/04 SI irncr, o passageiro clandestino da história 21)') ISBN 972-608-162-9 1'''( .J osé A. Bragança de Miranda / ~-\ minha causa é a causa de nadat Há tanta coisa a queter ser a minha causa! A começar pela boa causa, depois a causa de Deus, a causa da humanidade, da verdade, da liberdade, do humanitarismo, da justiça; para além disso, a causa do meu povo, do meu príncipe, da minha pátria, e finalmente até a causa do espírito e milhares de outras. A única coisa que não está prevista é que a minha causa seja a causa de mim mesmo! «Que vergonha, a deste egoísmo que só pensa em si!» Vejamos então como se comportam com a sua causa aqueles para cuja causa se espera que nós trabalhemos, nos sacrifiquemos e nos entusiasmemos. Vós, que sabeis dizer tanta coisa profunda sobre Deus e durante milénios haveis «sondado os enigmas da divindade» e lhes perscrutastes o âmago, vós sabereis decerto dizer-nos como é que o próprio Deus trata a «causa de Deus», que nós estamos destinados a servir. E de facto vós não fazeis mistério nenhum do modo como o Senhor se comporta. Qual é então a sua causa? Terá ele, como de nós se espera, feito de uma causa estranha, da causa da verdade e do amor, a sua própria causal A vós, este mal­ -entendido causa-vos indignação, e pretendeis ensinar-nos que a causa de Deus é sem dúvida a causa da verdade e do amor, mas que não se pode dizer que esta causa lhe seja estranha, já que Deus é, ele mesmo, a verdade e o amor; a vós, indigna-vos a suposição de que Deus possa, como nós, pobres vermes, apoiar uma causa estranha como se sua fosse. «Como poderia Deus assumir a causa da verdade se ele próprio não fosse a verdade?» Ele só se preocupa com a ma causa, mas como é tudo em tudo, também tudo é a sua causa! Nós, porém, não somos tudo em tudo, e a nossa é bem pequena e desprezível: é por isso que temos de «servir uma causa superio[». Do exposto fica claro que Deus só se preocupa com o que é seu, só se ocupa de si mesmo, só pensa em si e só se vê a si - e ai de tudo aquilo que não caia nas suas graças! Ele não serve nenhuma instância superior e só a si se satisfaz. A sua causa é uma causa... puramente egoísta. t «Ich hab' mein Sach' auf nichts gestellt», literalmente «Fundei a minha causa sobre nada», é a primeira linha do poema de Goethe intitulado VanitaJ! VanitatumvarzitaJ!, de 1806. 9 E que se passa com a humanidade, cuja causa nos dizem que devemos assumir como nossa? Será a sua causa a de um outro, e serve a humanidade uma causa superior? Não, a humanidade só olha para si própria, a humanidade só quer incentivar o progresso da humanidade, a humanidade tem em si mesma a sua causa. Para que ela se desenvolva, os povos e os indivíduos têm de sofrer por sua causa, e depois de terem realizado aquilo de que a humanidade precisa, ela, por gratidão, atira-os para a estrumeira da história. Não será a causa da humanidade uma causa... puramente egoísta? Nem preciso de demonstrar a todos aqueles que nos querem impingir a sua causa que o que os move são apenas eles mesmos, e não nós, o seu bem-estar, e não o nosso. Olhem só para o resto do lote. Será que a verdade, a liberdade, o humanitarismo, a justiça desejam outra coisa que não seja o vosso entusiasmo para os servir? Por isso todos se sentem nas suas sete quintas quando zelosamente lhes são prestadas honras. Veja-se o que se passa com o povo, protegido por dedicados patriotas. Os patriotas tombam em sangrentos combates, ou lutando contra a fome e a miséria. E acham que o povo quer saber disso? O povo «floresce» com o estrume dos seus cadáveres! Os indivíduos morreram «pela grande causa do povo», o povo despede-se deles com umas palavras de agradecimento e... tira daí proveito. É o que se chama um egoísmo rentável. Mas vejam só aquele sultão que tão dedicadamente se ocupa dos «seus». Não será isto o altruísmo em estado puro, não se sacrifica ele hora a hora pelos seus? Exactamente, pelos «seus». Tenta tu mostrar-te uma vez, não como seu, mas como teu, e vais parar às masmorras por teres fugido ao seu egoísmo. A causa do sultão não é outra senão ele próprio: ele é para si tudo em tudo, é único, e não tolera ninguém que ouse não ser um dos «seus». E todos estes brilhantes exemplos não chegam para vos convencer de que o egoísta leva sempre a melhor? Por mim, extraio daqui uma lição: em vez de continuar a servir com altruísmo aqueles grandes egoístas, sou eu próprio o egoísta. Nada é a causa de Deus e da humanidade, nada a não ser eles próprios. Do mesmo modo, Eu sou a minha causa, eu que, como Deus, sou o nada de tudo o resto, eu que sou o meu tudo, eu que sou o único. Se Deus e a humanidade, como vós assegurais, têm em si mesmos substância suficiente para serem, em si, tudo em tudo, então eu sinto que a mim me faltará muito menos, e que não terei de me lamentar pela minha «vacuidade». O nada que eu sou não o é no sentido da vacuidade, mas antes o nada criador, o nada a partir do qual eu próprio, como criador, tudo crio. Por isso: nada de causas que não sejam unica e exclusivamente a minha causa! Vocês dirão que a minha causa deveria, então, ao menos ser a «boa causa». Qual bom, qual mau! Eu próprio sou a minha causa, e eu não sou nem bom nem mau. Nem uma nem outra coisa fazem para mim qualquer sentido. 10 o divino é a causa de Deus, o humano a causa «do homem». A minha causa não é nem o divino nem o humano, não é o verdadeiro, o bom, o justo, o livre, etc., mas exclusivamente ü que é meu. E esta não é uma causa universaL mas sim... única, tal como eu. Para mim, nada está acima de mim! 11 PRIMEIRA PARTE o HOMEM Para o homem, o ser supremo é o homem, diz Fetterbach*. O homem só agora foi descoberto, diz BrU110 Bauer*. Vamos então ver mais de perto o que são esse ser supremo e essa nova descoberta. I Uma vida humana "\ partir do momento em que vê a luz do mundo, um ser humano busca encontrar-se :Jnquistar-se a si próprio no meio da confusão em que, com tudo o que há nesse :~- jndo, se vê lançado sem orientação. :\1as, por outro lado, tudo aquilo com que a criança contacta se rebela contra as '':'.1.S intervenções e afirma a sua própria existência. Assim sendo, e porque tudo está centrado em si mesmo e ao mesmo tempo entra em : ~;isão com tudo o resto, a luta pela auto-afirmação é inevitável. T/encer ou sucumbir - entre estas duas possibilidades oscila o desfecho da luta. :] "encedor será senhor, o vencido súbdito: aquele exerce a soberania e os «direitos de ,~6erania», este cumpre, com respeito e reverência, os seus «deveres de súbdito». Mas os dois são inimigos, e estão sempre alerta, atentos às fraquezas do outro: as :rianças em relação aos pais, os pais em relação aos filhos (por exemplo ao seu medo), ~. ou o bastão vence o homem, ou o homem vence o bastão. Na infância, a libertação segue por este caminho: queremos descobrir a razão de Sé[ das coisas, ou o que se esconde «por detrás delas». Por isso, ficamos à espreita das ~"raquezas de todos (e as crianças têm um instinto apurado para isto); por isso, gostamos it quebrar objectos, de explorar recantos escondidos, de espiar o que está oculto e Jfastado, e medimos forças com tudo. Quando julgamos compreender as coisas, sentimo-nos seguros. Por exemplo: se descobrirmos que a vergasta é fraca de mais para a nossa teimosia, deixamos de a temer, «estamos acima dela». Por detrás da yergasta está, mais poderosa do que ela, a nossa teimosia, a nossa coragem obstinada. "\ pouco e pouco desvendamos tudo o que era para nós inquieta!1te e assustador: o tremendo poder da vergasta, o semblante severo do pai, etc., e por detrás de tudo encontramos a nossa ataraxia, ou seja, ficamos imperturbáveis e impávidos na !1ossa oposição, na nossa supremacia, na nossa invencibilidade. Já não recuamos, atemorizados, diante daquilo que nos incutia medo e respeito, mas ga!1hamos coragem. Por detrás de tudo isso encontramos a nossa coragem, a nossa superioridade: por detrás da ordem rude dos superiores e dos pais está agora a nossa vontade corajosa ou a nossa esperteza 15 astuta. E quanto mais nos sentimos nós próprios, tanto mais ínfimo nos parece aquilo que antes tomávamos por insuperável. E o que é a nossa astúcia, a nossa esperteza, a nossa coragem, a nossa teimosia? O que é tudo isso senão... espfrito? Durante bastante tempo continuamos arredados de uma luta que mais tarde não nos dará descanso, a luta contra a razão. Passam os mais belos anos da infância sem que precisemos de nos debater com a razão. Nem lhe damos importância, não perdemos tempo com ela, não ganhamos «juízo». Não se chega a lado nenhum tentando COnIJencer­ -nos, e somos surdos aos motivos sensatos, aos princípios, etc.; mas já resistimos com mais dificuldade às carícias, aos castigos e coisas semelhantes. Essa dura luta com a razão só mais tarde surge, e com ela inicia-se uma nova fase: na infância saltamos e brincamos sem parar muito para pensar. Espírito é o nome do primeiro encontro connosco próprios, da primeira des­ divinização do divino, ou seja, do inquietante, dos fantasmas, dos «poderes superiores». Agora, o novo sentimento de juventude, este sentimento que nos confirma em nós, não se deixa impressionar facilmente: o mundo caiu em descrédito porque nós estamos acima dele, somos espírito. Só agora percebemos que antes não víramos o mundo com os olhos do espírito, mas nos tínhamos limitado a olhá-lo atÓnitos. Começamos por testar as nossas forças com as forças da natureza. Os pais impõem­ -se-nos como forças da natureza; mais tarde, é preciso abandonar pai e mãe, consi­ derando-se vencidas todas as forças da natureza. Estas foram superadas. Para o homem de razão, isto é, para o «homem do espírito», a família não é uma força da natureza: manifesta-se então uma recusa dos pais, dos irmãos, etc. E se estes «renascem» sob a forma de fôrças espirituais, racionais, já não são em nada o que foram antes. E não são apenas os pais os vencidos, nesta luta dos jovens, mas os homens em geral. Estes deixaram de ser um obstáculo, já não são levados em consideração, porque agora o mandamento é: é preciso obedecer mais a Deus do que aos homenst. A partir deste ponto de vista elevado, tudo o que é «terreno» é remetido para a distância e desprezado- porque o ponto de vista é agora o celestial. A atitude inverteu-se completamente, o jovem assume um comportamento espiritual, enquanto o rapazinho, que ainda se não sentia como espírito, foi crescendo num processo de aprendizagem desprovido de espírito. Aquele já não procura apoderar­ -se das coisas (por exemplo, meter na cabeça as datas da história), mas sim dos pensamentos escondidos nas coisas (ou seja, do espírito da história); o rapazinho, pelo contrário, é capaz de compreender relações, mas não ideias, o espírito; por isso acumula matéria aprendida sem recorrer a procedimentos apriorísticos e teóricos, isto é, sem buscar ideias. t Alusão às palavras de Pedro e os apóstolos, Aetos 5, 29. 16 'ôc l1a infância tínhamos de superar a resistência das leiJ do mundo, agora esbarramos, :":'::0 o que queremos fazer, nas objecções do espírito, da razão, da comciência própria. ôc irracional, anticristão, antipatriótico»: com estas e outras objecções nos chama -:' c.temoriza a voz da consciência. O que agora tememos não éo poder das Euménides :-.;.c1:jyas, não é a ira de Posídon, não é o deus, por mais longe que ele veja o que está :':: :1Jido, não é a vergasta do pai - o que agora tememos é... a consciência. _-\gora, «abandonamo-nos aos nossos pensamentos» e seguimos os seus manda­ - ôc:-.:os, tal como antes tínhamos seguido os dos pais e das outras pessoas. Os nossos _: -: s orientam-se pelos nossos pensamentos (ideias, representações, crenças), do mesmo . 2·J que na infância seguiam as ordens dos pais. Todavia, já em crianças nós pensávamos, mas os nossos pensamentos não eram .:. c':=,rovidos de corpo, não eram abstractos, absollltos, ou seja, pensamentos e apenas ,; :. um céu fechado, um puro mundo de pensamentos, pensamentos lógicos. Pelo contrário, tratava-se sempre do pensamento que tínhamos de uma coiJa: ima­ ;.:""lyamos a coisa desta ou daquela maneira. Pensávamos do seguinte modo: o mundo .:....:.c aí está é obra de Deus; mas não pensávamos «<sondávamos») os «abismos da :-:Jpria divindade». Pensávamos: "isto é o que há de verdadeiro em tal coisa», mas -.::0 pensávamos o verdadeiro ou a verdade em si, e nunca articulávamos as duas ideias :'.':' frase «Deus é a verdade». Nunca chegávamos a aflorar «os abismos da divindade .:...:.e é a verdade». Pilatos não perde tempo com questões puramente lógicas, ou seja ::;'Jlógicas, como "O que é a verdade?» - embora não hesite em investigar, caso a ::,$0, "o que é que há de verdadeiro em determinada coisa», isto é, se tal coiJa é verda­ ::cIra. Todo o pensamento ligado a uma coisa ainda não épensammto sem mais, pensamento .'.c,soluto. Trazer à luz opensamento puro, ou tornar-se dependente dele, é paixão de juventude, c todas as figuras luminosas do mundo das ideias, a verdade, a liberdade, a humanidade, , ser humano, etc., iluminam e entusiasmam a alma juvenil. Mas, uma vez reconhecido o espírito como o essencial, há uma diferença significativa entre o espírito ser pobre ou rico, e por isso se busca a todo o custo a riqueza de espírito: o espírito tende a expandir-se para fundar o seu reino, um reino que não é deste mundo, o mundo que acabou de ser superado. E assim o espírito aspira a ser rudo em tudo, ou seja: ainda que eu seja espírito, não sou espírito perfeito e acabado, e por isso tenho de procurar o espírito perfeito. Mas, com isso, eu, que mal tinha acabado de me encontrar como espírito, volto logo a perder-me, inclinando-me perante o espírito perfeito, que não é meu, mas de um além, e caio assim num sentimento de vacuidade. É verdade que só o espírito conta; mas será que todo e qualquer espírito é o espírito "justo»? O espírito justo e verdadeiro é o ideal do espírito, o «espírito santo». 17

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