Ficha Técnica Copyright © 2014, Serhii Plokhy Tradução para a Língua Portuguesa © 2015, LeYa Editora Ltda., Luís Antônio Oliveira Título original: The last empire – The final days of the Soviet Union Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19/2/1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora. Este livro foi revisado segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Preparação: Elisa Nogueira e Gabriel Demasi Revisão: Jorge Luiz Luz Capa: Sérgio CAMPANTE Imagem de capa: Barry Lewis/CORBIS/Latinstock Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB- 8/7057 Plokhy, Serhii O último império: os últimos dias da União Soviética / Serhii Plokhy; tradução de Luis Antônio Oliveira. – São Paulo : LeYa, 2015. Título original: The last empire – The final days of the Soviet Union ISBN 9788544103470 1. União Soviética – História 2. Guerra fria 3. Rússia – Relações exteriores – Estados Unidos I. Título II. Oliveira, Luis Antônio. 15-1108 CDD 947.0854 Índice para catálogo sistemático: 1. União Soviética – Política e govêrno Todos os direitos reservados à LEYA EDITORA LTDA. Av. Angélica, 2318 – 13º andar 01228-200 – Consolação – São Paulo – SP www.leya.com.br SERHII PLOKHY O ÚLTIMO IMPÉRIO Os últimos dias da União Soviética Tradução Luiz Antônio Oliveira Aos filhos dos impérios que se libertaram INTRODUÇÃO Foi um presente de Natal que poucos esperavam ganhar. Projetado na escuridão do céu noturno, sobre a cabeça dos turistas na praça Vermelha, em Moscou, acima dos fuzis da guarda de honra em marcha para o mausoléu de Lênin e atrás dos muros de tijolos do Kremlin, o estandarte vermelho do governo soviético desceu pelo mastro do prédio do Senado, a sede do governo soviético, e, até então, símbolo mundial do comunismo. As dezenas de milhões de telespectadores do mundo todo que assistiram à cena no final de 1991 mal podiam acreditar no que viam. No mesmo dia, o canal CNN transmitiu ao vivo o discurso de renúncia do primeiro e último presidente soviético, Mikhail Gorbatchov. A União Soviética não existia mais. O que havia acontecido afinal? O primeiro a responder a essa pergunta foi o presidente dos Estados Unidos, George H.W. Bush. Na noite de 25 de dezembro, pouco depois da transmissão pela CNN e por outras redes do discurso de Gorbatchov e da imagem da arriação da bandeira vermelha no Kremlin, Bush foi à televisão explicar aos compatriotas o significado do que tinham visto, das notícias que tinham ouvido e do presente que tinham acabado de ganhar. O presidente interpretou a renúncia de Mikhail Gorbatchov e a descida da bandeira soviética como uma vitória na guerra que os Estados Unidos haviam travado com o comunismo durante mais de quarenta anos. Além disso, Bush associou o colapso do comunismo ao fim da Guerra Fria e felicitou o povo americano pela vitória dos seus valores. Ele usou a palavra “vitória” três vezes em três frases consecutivas. Algumas semanas depois, em seu discurso sobre o Estado da União, aludiu à implosão da União Soviética num ano que tinha visto “mudanças de proporções quase bíblicas”, declarou que “pela graça de Deus, os Estados Unidos haviam ganhado a Guerra Fria” e anunciou a alvorada de uma nova ordem mundial. “Um mundo outrora dividido em dois campos armados”, disse na sessão conjunta do Senado e da Câmara dos Deputados, “agora reconhece uma potência única e preeminente: os Estados Unidos da América”. O público explodiu em ovação.1 Durante mais de quarenta anos, os Estados Unidos e a União Soviética se entregaram a uma luta global que por mera sorte não acabou num holocausto nuclear. Gerações de americanos nasceram em um mundo que parecia permanentemente partido em dois campos beligerantes, um simbolizado pelo estandarte vermelho no alto do Kremlin, e o outro, pelas estrelas e listras sobre o Capitólio. Quem frequentou as escolas americanas na década de 1950 ainda podia se lembrar dos exercícios de alarme nuclear e da recomendação de se esconder embaixo das carteiras em caso de uma explosão atômica. Centenas de milhares de americanos lutaram e dezenas de milhares morreram em guerras destinadas a conter o avanço do comunismo, primeiro nas montanhas da Coreia, depois nas selvas do Vietnã. Gerações de intelectuais ficaram divididas quanto ao caso de suposta espionagem de Alger Hiss para os soviéticos, e Hollywood passou décadas traumatizada com a caça às bruxas desencadeada pelo senador Joseph McCarthy. Poucos anos antes do colapso soviético, as ruas de Nova York e de outras grandes cidades americanas foram tomadas por manifestações organizadas por partidários do desarmamento nuclear. Os protestos separaram pais e filhos, opondo o jovem ativista político Ron Reagan ao seu pai, o presidente Ronald Reagan. Os americanos e seus aliados ocidentais travaram numerosas batalhas em casa e no exterior numa guerra que parecia não ter fim. Então, sem que se disparasse um tiro, um adversário armado até os dentes, que jamais perdera uma batalha, arriava sua bandeira e se desintegrava numa dezena de estados menores. Não faltavam bons motivos para comemorar, mas também havia algo confuso, para não dizer desconcertante, na pressa do presidente americano em proclamar vitória na Guerra Fria no dia em que Mikhail Gorbatchov, o principal aliado de Bush e de Ronald Reagan na conclusão desse conflito, apresentou sua renúncia. O ato de Gorbatchov deu um fim simbólico, se não legal, à União Soviética, que tinha sido dissolvida formalmente pelos seus membros constitutivos quatro dias antes, em 21 de dezembro, mas a Guerra Fria não visava ao desmembramento da União Soviética. Ademais, o discurso do presidente Bush à nação em 25 de dezembro de 1991, assim como sua fala sobre o Estado da União em janeiro de 1992, contradizia as declarações anteriores do governo sobre a Guerra Fria não ter terminado em confronto com Gorbatchov, e sim em cooperação com ele. O primeiro desses pronunciamentos havia sido feito no encontro dos dois líderes em Malta, em dezembro de 1989, e o último fora a declaração divulgada pela Casa Branca poucas horas antes do discurso de Natal de Bush, elogiando a cooperação de Gorbatchov: “Trabalhando com o presidente Reagan, comigo e com outras lideranças aliadas, o presidente Gorbatchov atuou de forma ousada e decisiva para pôr fim às implacáveis divisões da Guerra Fria e contribuiu para o restabelecimento de uma Europa íntegra e livre.”2 O discurso de Natal se apartou consideravelmente do modo como Bush e os membros de seu governo tratavam o então parceiro soviético e da visão que tinham de sua própria capacidade de influenciar os desdobramentos na União Soviética. Embora Bush e seu assessor de segurança nacional, o general Brent Scowcroft, tivessem feito questão de dizer publicamente, durante boa parte de 1991, que sua influência era limitada, agora, repentinamente, passavam a creditar a si mesmos o tão extraordinário desenvolvimento da política interna soviética. Essa interpretação nova, nascida em plena campanha de Bush pela reeleição, gerou uma narrativa pública influente, se não dominante, do fim da Guerra Fria e da emergência dos Estados Unidos como única superpotência mundial. Essa narrativa, em grande parte mítica, vinculou intimamente o fim da Guerra Fria ao colapso do comunismo e à desintegração da União Soviética. E, o que é ainda mais importante, tratou esses desdobramentos como um resultado direto da política estadunidense e, aliás, como importantes vitórias americanas.3 Este livro questiona a interpretação triunfalista que vê no colapso soviético uma vitória americana na Guerra Fria e o faz, em parte, com base nos documentos recentemente publicados da Biblioteca Presidencial George Bush, inclusive as notas de seus assessores e a inédita transcrição de conversas telefônicas do presidente com líderes mundiais. Esses documentos, agora acessíveis, mostram com uma clareza sem precedente que o próprio presidente e seus assessores muito contribuíram para prolongar a vida da União Soviética, preocupados com a ascensão do futuro presidente russo Bóris Iéltzin, com o ímpeto independentista dos dirigentes das outras repúblicas soviéticas e com a possibilidade de que, quando a União Soviética desaparecesse, a Rússia quisesse dominar sozinha todo o arsenal nuclear soviético e mantivesse sua influência no espaço pós-soviético, especialmente nas repúblicas da Ásia Central. Por que um país supostamente em combate com um adversário na Guerra Fria adotaria semelhante política? Os documentos da Casa Branca, combinados com outros tipos de fontes, dão respostas a essa e a muitas outras perguntas relevantes feitas neste livro. Eles mostram que a retórica política da era da Guerra Fria colidia com a realpolitik, uma vez que a Casa Branca tentava salvar Gorbatchov, que considerava seu principal parceiro no cenário mundial, e estava disposta a tolerar o prolongamento da existência do Partido Comunista e do Império Soviético a fim de atingir essa meta. Sua principal preocupação não era a vitória na Guerra Fria, que já terminara efetivamente, e sim a possibilidade de eclosão de uma guerra civil na União Soviética, que ameaçava transformar o antigo império tsarista numa “Iugoslávia com ogivas nucleares”, segundo a expressão cunhada pelos jornalistas da época. A era nuclear alterara a natureza da rivalidade entre as grandes potências e a definição de vitória e derrota, mas não a retórica do etos guerreiro nem o pensamento das massas. O governo Bush precisaria quadrar o círculo, reconciliando a linguagem e o pensamento da era da Guerra Fria com as realidades geopolíticas de suas consequências imediatas. E, para tanto, fez o que pôde, mas seus atos eclipsaram sua retórica incoerente. É fácil entender (e simpatizar com) o entusiasmo dos envolvidos nos eventos do fim de 1991 quando viram o estandarte vermelho descer o mastro do Kremlin e recordaram os sacrifícios associados à participação americana na rivalidade global com a União Soviética. Hoje, porém, quase um quarto de século depois, é importante encarar de modo menos passional o que realmente aconteceu. A proclamação da queda da União Soviética como uma vitória americana na Guerra Fria ajudou a criar uma percepção exagerada do poder norte-americano na época em que isso mais importava: a década que precedeu os ataques de 11 de Setembro e o início dos nove anos da Guerra do Iraque. Relatos exagerados sobre o papel americano na queda da União Soviética alimentam as atuais teorias de conspiração de russos nacionalistas, que apresentam o colapso como consequência de uma maquinação da CIA. Semelhantes interpretações não só aparecem em publicações extremistas na internet, como se manifestam nos principais canais de televisão russos.4 O quadro que minha narrativa oferece daquilo que de fato aconteceu nos meses anteriores ao colapso soviético é muito mais complexo e potencialmente controverso do que a imagem popular da antiga divisória da Guerra Fria. Este livro também afirma que o mundo americano, que substituiu a divisão do globo em dois campos rivais na era da Guerra Fria, surgiu tanto por acaso quanto por desígnio. Convém revisitar a origem desse mundo e as percepções e ações de seus criadores nos dois lados do Atlântico, tanto deliberadas quanto involuntárias, se quisermos entender o que deu errado nos últimos quinze anos. Este livro abre a cortina do tempo sobre os acontecimentos extraordinários que precederam a arriação da bandeira vermelha e o colapso da União Soviética. O conceito de império, que incluo no título deste livro, é vital para minha interpretação dos fatos marcantes de 1991. Estou vinculado aos cientistas políticos e historiadores que argumentam que a corrida armamentista perdida, o declínio econômico, a ressurgência democrática e a falência dos ideais comunistas, ainda que tenham contribuído para a implosão da União Soviética,
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