Este é um daqueles livros que estão à frente de seu tempo. Escrito por Jack London em 1907, O Tacão de Ferro descreve uma insurreição que teria ocorrido entre 1914 e 1918, analisada por um observador do século XXVII. Só isso já tornaria essa obra inusitada. Mas o autor vai além: retrata o desenvolvimento da classe operária norte-americana e seus embates com a oligarquia (particularmente na Comuna de Chicago), sob o ponto de vista de Avis Everhard, jovem de família rica que se apaixona por Ernest, um socialista que se torna líder dos revoltosos.
A narrativa é apresentada sob a forma de manuscritos, os Manuscritos de Everhard, que são encontrados dentro de uma árvore e analisados como documento histórico — em notas de pé de página escritas por um personagem do futuro, criando assim um enredo secundário — sete séculos depois, quando a humanidade teria evoluído para o período denominado Irmandade do Homem. Jack London concebeu este romance numa época em que o reformismo e o pacifismo constituíam a doutrina oficial da grande maioria dos líderes socialistas. Descreveu a perspectiva de uma colossal confrontação entre capitalistas e trabalhadores, na qual os reformistas terminam triturados sob o “Tacão de Ferro” — expressão com que o autor se referiu aos desmandos dos que governavam com o tacão de sua bota.
A história confirmou grande parte das previsões de O Tacão de Ferro, obra cuja clareza profética atinge o clímax na descrição dos mecanismos criados para enfrentar os trabalhadores. Reconhece-se aí o aspecto social e político do que viria a ser o fascismo: o uso do terror, a ampliação do poder do exército, o lançamento dos trabalhadores na ilegalidade, a formação de uma “aristocracia operária” para ser usada como um dique social pela reação. Jack London soube como ninguém antecipar algumas das características principais da oligarquia, como a capacidade de gerar guerras, moldar as leis e esmagar os adversários. Quase cem anos após sua publicação, esta mistura de ficção científica, história de amor e romance “de combate” se mantém atual. Assustadoramente atual.