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O sujeito incômodo PDF

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O sujeito incômodo SujeitoIncomodo.indd 3 4/8/16 2:38 PM Slavoj Žižek O sujeito incômodo O centro ausente da ontologia política Tradução: Luigi Barichello SujeitoIncomodo.indd 5 4/8/16 2:38 PM Copyright © Slavoj Žižek, 2012 Copyright desta tradução © Boitempo Editorial, 2013 Traduzido do original em inglês Less Than Nothing: Hegel and the Shadow of Dialectical Materialism Coordenação editorial Ivana Jinkings Editora ‑adjunta Bibiana Leme Assistência editorial Alícia Toffani e Livia Campos Tradução Rogério Bettoni Preparação Mariana Echalar Revisão Jean Xavier Diagramação e capa Antonio Kehl sobre “Untitled” (2008), de Fabian Weinecke Produção Livia Campos CIP ‑BRASIL. CATALOGAÇÃO ‑NA ‑FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ É vedada a reprodução de qualquer parte deste livro sem a expressa autorização da editora. Este livro atende às normas do acordo ortográfico em vigor desde janeiro de 2009. 1ª edição: fevereiro de 2013 BOITEMPO EDITORIAL Jinkings Editores Associados Ltda. Rua Pereira Leite, 373 05442 ‑000 São Paulo SP Tel./fax: (11) 3875 ‑7250 / 3872 ‑6869 [email protected] www.boitempoeditorial.com.br | www.boitempoeditorial.wordpress.com www.facebook.com/boitempo | www.twitter.com/editoraboitempo www.youtube.com/user/imprensaboitempo SujeitoIncomodo.indd 6 4/8/16 2:38 PM Sumário Prefácio à nova edição – Por que Lacan não é heideggeriano? ...............................9 Introdução – Um espectro ronda a comunidade acadêmica ocidental... ............23 Parte I – A “noite do mundo” ....................................................................................29 1. O impasse da imaginação transcendental, ou Martin Heidegger como leitor de Kant ......................................................................................................31 2. O incômodo sujeito hegeliano .......................................................................91 Parte II – A universalidade cindida .......................................................................145 3. A política da verdade, ou Alain Badiou como leitor de São Paulo ..........147 4. A subjetivação política e suas vicissitudes ...................................................191 Parte III – Da sujeição à destituição subjetiva ......................................................265 5. (Des)apegos apaixonados, ou Judith Butler como leitora de Freud .........267 6. Édipo: para onde? ............................................................................................331 Índice remissivo ........................................................................................................415 SujeitoIncomodo.indd 7 4/8/16 2:38 PM Prefácio à nova edição P L ? or que acan não é heideggeriano O sujeito incômodo põe em foco a reafirmação da subjetividade cartesiana. Um dos principais proponentes filosóficos da crítica da subjetividade é Martin Heidegger, que foi um ponto fundamental de referência para Lacan, ao menos nos anos 1950. Por essa razão é crucial esclarecer a referência de Lacan a Heidegger, em especial como ele se desloca gradualmente da aceitação da crítica de Heidegger ao cogito cartesiano como outra versão do “descentramento” freudiano do sujeito para a paradoxal e contraintuitiva aceitação do cogito como o sujeito do inconsciente. O ponto de partida de Lacan é o conceito freudiano de uma Bejahung (afir‑ mação) primordial como oposto à Verwerfung (geralmente (mal) traduzida por “foraclusão”*). Lacan toma a Bejahung como simbolização primordial, contra o pano de fundo do conceito de Heidegger da essência da linguagem como abertu‑ ra do ser. Quando nos deparamos com um fato que vem de encontro a uma convicção interior profunda, podemos reagir de duas formas básicas: ou simples‑ mente rejeitá ‑lo de maneira brutal, ou endossá‑ lo de forma “sublimada/suprassu‑ mida”** como algo que não deve ser tomado literalmente, mas como expressão de uma verdade mais elevada, mais profunda. Podemos, por exemplo, tanto re‑ * É em “foreclosure” (o significante em inglês) que reside a questão de uma tradução que deixa a desejar. Em português, opta ‑se com certa frequência por “foraclusão” para traduzir Verwerfung, mas também por outras formas, como “rejeição” e “repúdio”. (N. T.) ** No original subl(im)ated, que dá a ver tanto sublimated (sublimada/sublimado) como sublated. Este último, em inglês, vem de aufheben, do alemão. Em português, no contexto hegeliano, forjou‑ se o substantivo “suprassunção” (Aufhebung) e o verbo substantivado “o suprassumir” (das Aufheben), que permitiriam então a derivação “suprassumido(a)”. Para “suprassumir”, algumas traduções tam‑ bém optaram por “anular”, “abolir”, “cancelar”. Ver Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Fenomenolo‑ gia do espírito, v. 1 (trad. Paulo Meneses, 2. ed., Petrópolis, Vozes, 1992), p. 7. (N. T.) SujeitoIncomodo.indd 9 4/8/16 2:38 PM 10 / O sujeito incômodo jeitar completamente a ideia de que existe um inferno (um lugar real onde os pecadores sofrem dores intermináveis como punição por suas más ações) como declarar que o inferno é uma metáfora para a “perturbação interna” da qual pa‑ decemos quando fazemos algo errado. Recordemos a conhecida expressão italia‑ na se non è vero, è ben trovato – “se não é verdade, está muito bem contado” (ou, dito de outro modo, “se não é verdade, bem poderia ser”). Nesse contexto, por exemplo, as histórias sobre pessoas famosas, mesmo quando inventadas, frequen‑ temente caracterizam a essência de sua personalidade de forma mais apropriada do que faria a enumeração de suas qualidades reais; também nesse caso “a verda‑ de tem estrutura de ficção”, como diz Lacan. Há uma versão servo ‑croata esplen‑ didamente obscena dessa expressão que transmite perfeitamente a rejeição pro‑ topsicótica da ficção simbólica: se non è vero, jebem ti mater! “Jebem ti mater” (que se pronuncia “iebem ti mater” e significa “vou foder sua mãe”) está entre os mais populares insultos chulos; a graça, é claro, está na coincidência da métrica entre è ben trovato e jebem ti mater – cada período contém o mesmo número de síla‑ bas, com a tônica nas mesmas posições. Desse modo, o significado se transforma numa explosão de fúria com um toque incestuoso, que investe contra o objeto primordial mais íntimo do outro: “É melhor que seja verdade, porque, se não for, eu vou foder sua mãe!”. As duas versões representam claramente as duas reações ao que literalmente se mostra como mentira: ou a rejeição furiosa ou sua “supras‑ sunção/sublimação” [subl(im)ation] numa verdade “mais elevada”. Em termos psicanalíticos, a diferença entre elas é a diferença entre foraclusão (Verwerfung) e transubstanciação simbólica. As coisas, no entanto, complicam ‑se rapidamente nesse ponto. A propósito da relação ambígua, em Freud e Lacan, entre Ausstossung (a expulsão do Real que é constitutivo do surgimento da ordem simbólica) e Verwerfung (a “foraclusão” de um significante do simbólico no Real), ora identificadas, ora diferenciadas, Fran‑ çois Balmès faz uma relevante observação: Se a Ausstossung é o que pensamos ser, ela é radicalmente diferente da Verwerfung: longe de ser o mecanismo próprio da psicose, ela seria a abertura do campo do Outro como tal. Em certo sentido, ela não seria a rejeição do simbólico, mas a própria simbolização. Não devemos pensar aqui na psicose e na alucinação, mas no sujeito enquanto tal. Clinicamente, isso corresponde ao fato de que a foraclusão não impede os psicóticos de habitar na linguagem.1 1 François Balmès, Ce que Lacan dit de l’être (Paris, PUF, 1999), p. 72. SujeitoIncomodo.indd 10 4/8/16 2:38 PM Prefácio à nova edição – Por que Lacan não é heideggeriano? / 11 Essa conclusão é fruto de uma série de questões precisas. O fato é que os psicó‑ ticos podem falar; em certo sentido, eles habitam na linguagem: “foraclusão” não significa a exclusão dos psicóticos da linguagem, mas a exclusão/suspensão da efi‑ cácia simbólica de um significante ‑chave no interior do universo simbólico dos psicóticos – se um significante é excluído, então já devemos estar na ordem signifi‑ cante. Na medida em que, para Freud e Lacan, Verwerfung é correlata a Bejahung (a “afirmação”, o gesto primordial de assumir subjetivamente seu próprio lugar na ordem simbólica), a solução de Balmès é distinguir entre essa Bejahung e uma sim‑ bolização ainda mais originária (ou “primária”) do Real, o quase mítico nível zero de contato direto entre o simbólico e o Real que coincide com o momento de sua diferenciação, o processo de advento do simbólico, do surgimento da bateria pri‑ mária de significantes cujo avesso (negativo) é a expulsão do Real pré ‑simbólico. Quando o pequeno Homem dos Lobos, com um ano de idade, observou o coitus a tergo de seus pais, o evento deixou um traço mnêmico em sua mente; foi simboli‑ zado, mas conservado como um traço libidinalmente neutro. Apenas posterior‑ mente, após mais de três anos – quando as fantasias sexuais do Homem dos Lobos foram despertadas e ele ficou intrigado a respeito da origem das crianças – é que esse traço foi bejaht, propriamente historicizado, ativado em sua narrativa pessoal como forma de localizá ‑lo no universo do significado. Os psicóticos dão o primeiro passo, entram na ordem simbólica, mas são incapazes de engajar ‑se subjetivamen‑ te/performativamente na linguagem, de “historicizar” seus processos subjetivos – em suma, de realizar a Bejahung. Como Balmès claramente observou, é por essa razão que a falta se dá num nível diferente na psicose: os psicóticos continuam a habitar no denso espaço simbólico do Outro primordial “pleno” (maternal); eles não tomam a castração simbólica no sentido próprio de uma perda que é em si liberadora, generosa, “produtiva”, abrin‑ do espaço para que as coisas apareçam em seu ser (significativo); para eles, uma perda só pode ser puramente privativa, que simplesmente os priva de algo. Num gesto interpretativo arriscado, Lacan vincula essa simbolização “primá‑ ria”, que é acessível aos psicóticos e precede seu envolvimento subjetivo, à distinção de Heidegger entre a dimensão originária da linguagem como abertura do ser e a dimensão da fala como portadora de significações (subjetivas) ou como meio de reconhecimento intersubjetivo: nesse nível originário do dizer como mostrar (Sa‑ gen como Zeigen), a diferença entre significação e referência desaparece, uma pala‑ vra que diz uma coisa não “significa” essa coisa, ela a constitui/expõe em seu Ser, abre espaço para sua existência. Esse nível é o nível do “aparecer” enquanto tal, não a aparência como oposta à realidade subjacente, mas “puro” aparecer que “está” inteiramente em sua aparência, atrás da qual não há nada. Em seu seminário sobre as psicoses, Lacan dá uma descrição apropriada dessa pura aparência e da concomi‑ SujeitoIncomodo.indd 11 4/8/16 2:38 PM 12 / O sujeito incômodo tante tentação propriamente metafísica de reduzir tal aparência a seu fundamento, a suas causas ocultas: O arco ‑íris, é isso. E este é isso supõe a implicação de que vamos nos comprometer nisso até que percamos o fôlego, para saber o que há de escondido atrás, qual é a sua causa, a que poderemos reduzi ‑lo. Observem bem que o que desde a origem caracteriza o arco ‑íris e o meteoro, e todo o mundo o sabe pois que é por isso que o nomearam meteoro, é que precisamente não há nada escondido atrás. Ele está inteiramente nessa aparência. O que contudo o faz subsistir para nós, a ponto de que não cessemos de nos colocar questões sobre ele, deve ‑se unicamente ao é isso da origem, a saber, à nomeação como tal do arco ‑íris. Não há nada mais que esse nome.2 Para colocar nos termos de Heidegger, o psicótico não está welt ‑los, privado do mundo: ele já habita na abertura do Ser. No entanto, como é frequentemente o caso com Lacan, essa leitura é acompa‑ nhada de seu oposto (assimétrico, verdadeiro): uma leitura que atribui aos psicóti‑ cos acesso a um nível “mais elevado” de simbolização e priva‑ os do nível básico “mais baixo”. Na medida em que Lacan lê a distinção freudiana entre “representações‑ ‑coisa” (Sach ‑Vorstellungen) e “representações‑ palavra” (Wort ‑Vorstellungen) como interna à ordem simbólica – assim como a distinção entre simbolização primordial, o estabelecimento da bateria inconsciente originária de significantes (“traços mnê‑ micos”, na linguagem do jovem Freud pré ‑psicanalítico), e simbolização secundá‑ ria, o sistema consciente/pré‑ consciente da linguagem –, isso lhe fornece uma defi‑ nição paradoxal da condição dos psicóticos: um psicótico não é, como geralmente se afirma, alguém que regressa a um nível mais “primitivo” de representações‑ coisa, que “trata palavras como coisas”; ele é, ao contrário, alguém que dispõe precisa‑ mente de representações‑ palavra sem representações ‑coisa3. Em outras palavras, um psicótico pode perfeitamente fazer uso da linguagem de maneira habitual, mas o que lhe falta é o pano de fundo inconsciente que dá a ressonância libidinal às palavras que usamos, seu matiz e seu peso subjetivos específicos. Essa também é uma das formas de compreender a afirmação enganadoramente “excêntrica” de Lacan de que a normalidade é uma espécie de psicose. A compreensão “normal” de linguagem segundo o senso comum define ‑a como um sistema secundário artificial de signos usados para transmitir informações preexistentes etc., mas o que essa 2 Jacques Lacan, Le séminaire, livre III: les psychoses (Paris, Editions du Seuil, 1981), p. 358 [ed. bras.: O seminário, livro 3: as psicoses, trad. Aluísio Menezes, 2. ed. rev., Rio de Janeiro, Zahar, 2010, p. 366]. 3 François Balmès, Ce que Lacan dit de l’être, cit., p. 91. SujeitoIncomodo.indd 12 4/8/16 2:38 PM Prefácio à nova edição – Por que Lacan não é heideggeriano? / 13 definição desconsidera é o nível subjacente do envolvimento subjetivo, da posição de enunciação. O paradoxo do psicótico é que ele é o único que se enquadra intei‑ ramente nessa definição, isto é, que efetivamente faz uso da linguagem como um instrumento secundário neutro que não diz respeito ao próprio ser do falante: certos significantes não passam pela escritura inconsciente, e esse é o caso do significan‑ te paterno na psicose. Isso não impede sua presença no nível pré ‑consciente – como podemos ver no caso dos significantes que chamamos de foracluídos na psicose e que estão à disposição do sujeito em sua linguagem.4 Essa oscilação parece indicar que há algo errado com a solução que distingue os dois níveis, o nível da simbolização primária e o nível da Bejahung/Verwerfung. (Soluções que se apoiam em simples distinções entre diferentes níveis são suspeitas a priori.) O que se perde é o paradoxo básico do simbólico que envolve ao mesmo tempo a expulsão do Real do simbólico e a rejeição de um significante; ou seja, no caso do Outro simbólico, a limitação interna e a limitação externa coincidem, a ordem simbólica só pode emergir enquanto delimitada em relação ao Real se tam‑ bém estiver delimitada em relação a si mesma, perdendo/excluindo uma parte cen‑ tral de si, não ‑idêntica a si mesma. Não há Ausstossung, portanto, sem Verwerfung – o preço pago pelo simbólico para delimitar‑ se do Real é a mutilação de seu pró‑ prio ser. É isso que está na mira de Lacan quando ele diz que o grande Outro não existe, que não há o Outro do Outro – e, como mais tarde reconheceu Lacan, isso implica que, em certo nível mais elementar, somos todos psicóticos. No entanto, devemos ser mais precisos: o significante foracluído não está simplesmente perdi‑ do, faltoso, mas é um significante que está no lugar do A barrado (Ⱥ)*, da falta de significante, da incompletude ‑inconsistência do campo simbólico. Isso significa que o problema do psicótico não é que ele habita uma ordem simbólica (Outro) mutilada, mas, ao contrário, que ele habita um Outro “completo”, um Outro ao qual falta a inscrição dessa falta. Não há necessidade, portanto, de postular duas fases – primeiro a simbolização, o surgimento da bateria primária de significantes pela expulsão do Real, e em se‑ guida a exclusão de um significante. Os dois processos constituem um único e mesmo processo, e a psicose vem depois, num segundo estágio, quando – ou se – o significante que representa a própria incompletude‑ inconsistência do Outro, que inscreve sua incompletude, é foracluído. 4 Ibidem, p. 81. * “A” do francês Autre, Outro. (N. T.) SujeitoIncomodo.indd 13 4/8/16 2:38 PM 14 / O sujeito incômodo Em que sentido preciso, então, aquilo que é foracluído do simbólico retorna no Real? Tomemos as alucinações verbais: seu conteúdo é substancialmente simbólico, e elas são, no nível de seu significado habitual, perfeitamente compreendidas pelo sujeito (psicótico); assim, mais uma vez, em que sentido elas pertencem ao Real? Duas características interligadas as tornam reais: isolamento e certeza. As alucina‑ ções estão foracluídas no sentido preciso de que não “existem” para o sujeito: elas ex ‑sistem, persistem e impõem ‑se fora da tessitura simbólica; estão isoladas de seu contexto simbólico, que é por definição o contexto da confiança e da suposição, o contexto em que cada presença surge contra o pano de fundo de sua possível au‑ sência, e cada certeza é acompanhada de uma possível dúvida; em outras palavras, o contexto em que, em última análise, cada certeza depende de uma aposta básica para confiarmos na ordem simbólica. Na religião propriamente dita não conhece‑ mos Deus; assumimos o risco de confiar e acreditar Nele. O psicótico, ao contrário, age como a banda punk eslovena Laibach, que numa entrevista nos Estados Unidos a respeito de sua relação com Deus respondeu com uma referência ao “In God we trust” impresso nas cédulas de dólar: “Assim como vocês norte ‑americanos, nós acreditamos que Deus existe, mas, ao contrário de vocês, nós não confiamos Nele”. Ou, como resume Balmès, não é que os psicóticos acreditem nas vozes que ouvem, eles simplesmente acreditam nelas5. É por isso que os psicóticos têm certeza abso‑ luta a respeito das vozes que ouvem: eles não confiam nelas, é claro – eles as consi‑ deram vozes malignas, que querem feri ‑los –, mas simplesmente sabem que essas vozes são reais, e é essa certeza absoluta que as torna reais. A questão subjacente aqui diz respeito à relação entre o real, o simbólico e a falta. Quando Balmès descreve a ambiguidade radical da definição do jovem La‑ can dos termos desse triângulo nos anos 1950 (ele oscila entre a tese de que o simbólico introduz a falta ‑a ‑ser no Real – não há falta antes do surgimento do simbólico, apenas uma rasa positividade do Real – e a tese de que ser surge apenas com o simbólico – não há ser antes do simbólico), ele sabiamente se abstém de propor a óbvia solução heideggeriana de que estamos simplesmente lidando com dois sentidos diferentes de ser. Ser no sentido ontológico da abertura no interior da qual as coisas surgem, e ser no sentido ôntico de realidade, de entes existentes no mundo (o que surge com o simbólico é o horizonte ontológico do Ser, ao passo que seu avesso é falta ‑a ‑ser, ou seja, o fato de que um ser humano como ser ‑aí (Dasein) carece de seu lugar na ordem positiva da realidade, o fato de que ele não pode ser reduzido a uma entidade no interior do mundo porque ele é justamente o lugar da própria abertura de um mundo). Balmès procura a solução 5 Ibidem, p. 66. SujeitoIncomodo.indd 14 4/8/16 2:38 PM

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