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O Ser e o Nada PDF

391 Pages·2007·80.777 MB·Portuguese
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Jean-Paul Sartre Coleção Textos Filosóficos - O ser e o nada - Ensaio de ontologia fenomenológica Jean-Paul Sartre - O princípio vida - Fundamentos para uma biologia filosófica HansJonas - Sobre a potencialidade da alma - De Quantitate Animae Santo Agostinho - No fundo das aparências Michel Maffesoli - Elogio da razão sensível OSEREONADA Michel Maffesoli - Propedêutica lógico-semântica Ernst Tugendhat e Ursula Wolf - Entre nós - Ensaios sobre a alteridade Ensaio de Ontologia Emmanuel Lévinas - O ente e a essência Tomás de Aquino - Immanuel Kant-Textos seletos Fenomenológica lmmanuel Kant - Seis estudos sobre "Ser e Tempo" Ernildo Stein - O caráter oculto da saúde Hans-Georg Gadamer - Humanismo do outro homem Emmanuel Lévinas Tradução e notas de Paulo Perdigão - O acaso e a necessidade - Ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna Jacques Monod -Que é isto -A filosofia? Martin Heidegger - Identidade e diferença Martin Heidegger - Hermenêutica em retrospectiva - Vo i. I: Heidegger em retrospectiva Hans-Georg Gadamer - Hermenêutica em retrospectiva - Vol. 11: A virada hermenêutica Hans-Georg Gadamer - Oposicionalidade - O elemento hermenêutica e a filosofia Günter Figa/ Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Sartre, Jean-Paul, 1905-1980. O ser e o nada - Ensaio de ontologia fenomenológica 1 Jean-Paul Sartre; 15 ed., tradução de Paulo Perdigão.-Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. Titulo original: L'être et Ie néant - essai d'ontologie phénoménologique. Bibliografia. ISBN 978-85-326-1762-0 1. Existencialismo 2. Psicologia existencial I. Título. 96-5416 CDD-111.5 • EDITORA Índices para catálogo sistemático: Y VOZES 1. Nada : Filosofia 111.5 2. O ser : Filosofia 111.5 Petrópolis © Éditions Gallimard, 1943 Título do original francês: L'être et le néant- Essai d'ontologie phénoménologique Direitos de publicação em língua portuguesa no Brasil: Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25689-900 Petrópolis, RJ Brasil Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Capa: André Esch !2l.o Castor ISBN 978-85-326-1762-0 (edição brasileira) ISBN 2-07-025757-6 (edição francesa) Este livro foi composto e impresso nas oficinas gráficas da Editora Vozes Ltda. SUMÁRIO Nota do tradutor, 11 Introdução: EM BUSCA DO SER, 13 I. A Idéia de Fenômeno, 1 5 11. O Fenômeno de Ser e o Ser do Fenômeno, 18 til. O Cogito "Pré-Reflexivo" e o Ser do "Percipere", 20 IV. O Ser do "Percipi", 29 V. A Prova Ontológica, 32 VI. O Ser-Em-Si, 35 Primeira Parte: O PROBLEMA DO NADA, 41 Capítulo 1: A Origem da Negação, 43 I. A Interrogação, 43 11. As Negações, 46 111. Concepção Dialética do Nada, 53 IV. Concepção Fenomenológica do Nada, 58 V. Origem do Nada, 64 Capítulo 2: A Má-Fé, 92 I. Má-Fé e Mentira, 92 11. As Condutas de Má-Fé, 101 111. A "Fé" da Má-Fé, 115 11. O Corpo-Para-Outro, 426 Segunda Parte: O SER-PARA-SI, 119 111. A Terceira Dimensão Ontológica do Corpo, 441 Capítulo 1: Estruturas Imediatas do Para-Si, 121 Capítulo 3: As Relações Concretas com o Outro, 451 I. Presença a Si, 121 I. A Primeira Atitude para com o Outro: o Amor, a Linguagem, 11. Facticidade do Para-Si, 128 o Masoquismo, 454 111. O Para-Si e o Ser do Valor, 134 11. A Segunda Atitude para com o Outro: a Indiferença, o Desejo, IV. O Para-Si e o Ser dos Possíveis, 147 o Ódio, o Sadismo, 472 V. O Eu e o Circuito da lpseidade, 155 111. O "Ser-Com" (Mitsein) e o "Nós", 512 Capítulo 2: A Temporalidade, 158 I. Fenomenologia das Três Dimensões Temporais, 158 Quarta Parte: TER, FAZER E SER, 533 11. Ontologia da Temporalidade, 184 Capítulo 1: Ser e Fazer: a Liberdade, 536 111. Temporalidade Original e Temporalidade Psíquica: I. A Condição Primordial da Ação é a Liberdade, 536 A Reflexão, 208 11. Liberdade e Facticidade: a Situação, 593 Capítulo 3: A Transcendência, 232 111. Liberdade e Responsabilidade, 677 I. O Conhecimento como Tipo de Relação entre o Para-Si Capítulo 2: Fazer e Ter, 682 e o Em-Si, 233 11. Da Determinação como Negação, 242 I. A Psicanálise Existencial, 682 111. Qualidade e Quantidade, Potencialidade, Utensilidade, 249 11. Fazer e Ter: a Posse, 703 111. Da Qualidade como Reveladora do Ser, 732 IV. O Tempo do Mundo, 269 V. O Conhecimento, 283 Conclusão I. Em-Si e Para-Si: Esboços Metafísicos, 753 11. Perspectivas Morais, 763 Terceira Parte: O PARA-OUTRO, 287 Bibliografia de Sartre, compilada por Paulo Perdigão, 766 Capítulo 1: A Existência do Outro, 289 Índice Onomástico, 77 4 I. O Problema, 289 11. O Obstáculo do Solipsismo, 291 Índice Terminológico, 780 111. Husserl, Hegel, Heidegger, 302 IV. O Olhar, 326 Capítulo 2: O Corpo, 385 I. O Corpo como Ser-Para-Si: a Facticidade;388 NOTA DO TRADUTOR A presente tradução, a primeira em português de L'Être et !e Néant (1943), segue os seguintes critérios: 1. Respeitamos o uso de aspas, itálicos, parênteses, travessões, hífens, bem como a pontuação e a paragrafação do original, por singu lares que sejam. 2. Embora no original os substantivos Para-Si, Em-Si e Para-Outro e os substantivos em alemão figurem ora em maiúscula, ora em minús cula, uniformizamos a grafia em maiúscula. 3. As notas de rodapé do autor estão numeradas. As do tradutor, com asteriscos, indicam erratas, edições em português das obras citadas (quando houver), correlatos aproximativos de provérbios (quando não foi possível lograr um equivalente satisfatório) e significações aproxima tivas de termos ou sentenças em grego, latim e alemão. 4. No caso do conjunto terminológico técnico, palavras não di cionarizadas em português trazem o termo corréspondente ou o neolo gismo francês original entre parênteses somente na primeira vez em que aparecem no texto. Podem ser também consultadas no breve índice terminológico ao final do volume. 5. Na medida do possível, preferimos a solução eufônica, para evitar aglutinações de efeito sonoro desagradável, como, por exemplo, o caso de néantité - vertido como "estado de nada", em vez de "nadidade" - ou chosisme - vertido como "modo de coisa", em vez de "coisismo". 6. Quanto à versão de excertos de obras de outros autores, re corremos a traduções já efetuadas em português, quando houver, e devidamente registradas em rodapé. 11 Além do índice terminológico, constam ainda do final do volume o índice onomástico e uma bibliografia completa de Jean-Paul Sartre (textos editados em livro, com as respectivas traduções em português, se houver). Agradeço em particular a supervisão de Márcia Pacheco Mar ques, que acompanhou toda a tradução, conferindo os originais. Também de grande valia a colaboração de Orlando dos Reis, que releu e corrigiu o texto completo, e ainda de Jaime Clasen e Renato Kirchner, da Editora Vozes, o filósofo Gerd Bornheim e Márcia de Sá Cavalcanti, pelas informações prestadas, críticas e sugestões, além do Introdução editor Antonio De Paulo. Por fim, por participações diversas, agradeci mentos a Catherine Arnaud, Charles Feitosa, Geraldo Mayrink, João EM BUSCA DO SER Browne de Oliveira, Lúcia Senra Souza e Otávio Velozo. Paulo Perdigão 12 I A IDÉIA DE FENÔMENO O pensamento moderno realizou progresso considerável ao re duzir o existente à série de aparições que o manifestam. Visava-se com isso suprimir certo número de dualismos que embaraçavam a filosofia e substituí-los pelo monismo do fenômeno. Isso foi alcançado? Certo é que se eliminou em primeiro lugar esse dualismo que no existente opõe o interior ao exterior. Não há mais um exterior do exis tente, se por isso entendemos uma pele superficial que dissimulasse ao olhar a verdadeira natureza do objeto. Também não existe, por sua vez, essa verdadeira natureza, caso deva ser a realidade secreta da coisa, que podemos pressentir ou supor mas jamais alcançar, por ser "interior" ao objeto considerado. As aparições que manifestam o existente não são interiores nem exteriores: equivalem-se entre si, remetem todas as outras aparições e nenhuma é privilegiada. A força, por exemplo, não é um conatus* metafísico e de espécie desconhecida que se disfarçasse detrás de seus efeitos (acelerações, desvios, etc.): é o conjunto desses efeitos. Analogamente, a corrente elétrica não tem um reverso secreto: não é mais que o conjunto das ações físico-químicas que a manifestam (eletrólise, incandescência de um filamento de carbono, deslocamento da agulha do galvanômetro, etc.). Nenhuma dessas ações basta para revelá-la. Nem indica algo atrás dela: designa a si mesma e a série total. Segue-se, evidentemente, que o dualismo do ser e do aparecer não pode encontrar legitimidade na filosofia. A aparência remete à série total das aparências e não a uma realidade oculta que drenasse para si todo o ser do existente. E a aparência, por sua vez, não é uma manifes tação inconsistente deste ser. Enquanto foi possível acreditar nas reali dades numênicas, a aparência se mostrou puro negativo. Era "aquilo que não é o ser"; não possuía outro ser, salvo o da ilusão e do erro. Mas este mesmo ser era emprestado, consistia em uma falsa aparência, e a maior dificuldade que se podia encontrar era a de manter suficiente coesão e existência na aparência para que ela não se reabsorvesse por * Em latim : "impulso" (N. do T.). 15 si mesma no seio do ser não-fenomênico. Mas se nos desvencilharmos pio)*. Assim, o ser fenomênico se manifesta, manifesta tanto sua essên do que Nietzsche chamava "a ilusão dos trás-mundos" e não acreditar cia quanto sua aparência e não passa de série bem interligada dessas mos mais no ser-detrás-da-aparição, esta se tornará, ao contrário, plena manifestações. positividade, e sua essência um "aparecer" que já não se opõe ao ser, Conseguimos suprimir todos os dualismos ao reduzir o existente mas, ao contrário, é a sua medida. Porque o ser de um existente é exa às suas manifestações? Parece mais que os convertemos em novo dua tamente o que o existente aparenta. Assim chegamos à idéia de fenô lismo: o do finito e infinito. O existente, com efeito, não pode se reduzir meno como pode ser encontrada, por exemplo, na "Fenomenologia" de a uma série finita de manifestações, porque cada uma delas é uma rela Husserl ou Heidegger: o fenômeno ou o relativo-absoluto. O fenômeno ção com um sujeito em perpétua mudança. Mesmo que um objeto se continua a ser relativo porque o "aparecer" pressupõe em essência al guém a quem aparecer. Mas não tem a dupla relatividade da Erschei revelasse através de uma só "Abschattung"**, somente o fato de tratar nung* kantiana. O fenômeno não indica, como se apontasse por trás de se aqui de um sujeito implica a possibilidade de multiplicar os pontos de seu ombro, um ser verdadeiro que fosse, ele sim, o absoluto. O que o vista sobre esta "Abschattung". É o bastante para multiplicar ao infinito a fenômeno é, é absolutamente, pois se revela como é. Pode ser estuda "Abschattung" considerada. Além do que, se a série de aparições fosse do e descrito como tal, porque é absolutamente indicativo de si mesmo. finita, as primeiras a aparecer não poderiam reaparecer, o que é absur do, ou então todas seriam dadas de uma só vez, mais absurdo ainda. Ao mesmo tempo vai acabar a dualidade de potência e ato. Sabemos bem, com efeito, que nossa teoria do fenômeno substituiu a Tudo está em ato. Por trás do ato não há nem potência, nem "hexis"**, realidade da coisa pela objetividade do fenômeno e fundamentou tal nem virtude. Recusamos a entender por "gênio", por exemplo - no sen objetividade em um recurso ao infinito. A realidade desta taça consiste tido em que se diz que Proust "tinha gênio" ou "era" um gênio - uma em que ela está aí e não é o que eu sou. Traduziremos isso dizendo que potência singular de produzir certas obras que não se esgotasse justa a série de suas aparições está ligada por uma razão que não depende mente na sua produção. O gênio de Proust não é nem a obra conside de meu bel-prazer. Mas a aparição, reduzida a si mesma e sem recurso rada isoladamente nem o poder subjetivo de produzi-la: é a obra consi à série da qual faz parte, não seria mais que uma plenitude intuitiva e derada como conjunto das manifestações da pessoa. Por isso, enfim, subjetiva: a maneira como o sujeito é afetado. Se o fenômeno há de se podemos igualmente rejeitar o dualismo da aparência e da essência. A mostrar transcendente, é preciso que o próprio sujeito transcenda a aparência não esconde a essência, mas a revela: ela é a essência. A es aparição rumo à série total da qual ela faz parte." É preciso que capte o sência de um existente já não é mais uma virtude embutida no seio des vermelho através da sua impressão de vermelho. O vermelho, ou seja, a te existente: é a lei manifesta que preside a sucessão de suas aparições, razão da série: a corrente elétrica através da eletrólise, etc. Mas se a é a razão da série. Ao nominalismo de Poincaré, que definia uma reali transcendência do objeto se baseia na necessidade que a aparição tem dade física (a corrente elétrica, por exemplo) como a soma de suas di de sempre se fazer transcender, resulta que um objeto coloca, por prin versas manifestações, Duhem opunha, com razão, sua própria teoria, segundo a qual o conceito é a unidade sintética dessas manifestações. cípio, como infinita a série de suas aparições. Assim, a aparição, finita, E, sem dúvida, a fenomenologia é também um nominalismo. Mas a es indica-se a si própria em sua finitude, mas, ao mesmo tempo, para ser sência, como razão da série, é, definitivamente, apenas o liame das apa captada como aparição-do-que-aparece, exige ser ultrapassada até o rições, ou seja, é ela mesma uma aparição. Isso explica por que pode infinito. Esta nova oposição, a do "finito e infinito", ou melhor, do haver uma intuição das essências (a Wesenschau de Husserl, por exem- "infinito no finito", substitui o dualismo do ser e do aparecer: o que apa- * Vocábulo alemão designando fenômeno (N. do T.). * "Wesenschau": em alemão, a intuição da essência (N. do T.). **Do grego "EÇu;. Sartré elimina o "h" e escreve "exis", no sentido de "o estarJ1iásSivól' {N. do T.). **O vocábulo alemão "Abschattung" (literalmente= "isolamento") designa em Husserl a percepção do objeto em determinada perspectiva ou perfil (não apenas no sentido configurativo) (N. do T.). 16 17 rece, de fato, é somente um aspecto do objeto, e o objeto acha-se to mo uma aparição? Em princípio, assim parece. O fenômeno é o que se talmente neste aspecto e totalmente fora dele. Totalmente dentro, na manifesta, e o ser manifesta-se a todos de algum modo, pois dele po medida em que se manifesta neste aspecto: indica-se a si mesmo como demos falar e dele temos certa compreensão. Assim, deve haver um estrutura da aparição, ao mesmo tempo razão da série. Totalmente fora, fenômeno de ser, uma aparição do ser, descritível como tal. O ser nos porque a série em si nunca aparecerá nem pode aparecer. Assim, de será revelado por algum meio de acesso imediato, o tédio, a náusea, novo o fora se opõe ao dentro, e o "ser-que-não-aparece" à aparição. etc., e a ontologia será a descrição do fenômeno de ser tal como se Da mesma maneira, certa "potência" torna a habitar o fenômeno e a lhe manifesta, quer dizer, sem intermediário. Contudo, convém fazer a toda conferir a própria transcendência que tem: a potência de ser desenvol ontologia uma pergunta prévia: o fenômeno de ser assim alcançado é vido em uma série de aparições reais ou possíveis. O gênio de Proust, idêntico ao ser dos fenômenos? Quer dizer: o ser que a mim se revela, mesmo reduzido às obras produzidas, nem por isso deixa de equivaler à aquele que me aparece, é da mesma natureza do ser dos existentes que me aparecem? Pareceria não haver dificuldade: Husserl mostrou como infinidade de pontos de vista possíveis de se adotar sobre esta obra, o é sempre possível uma redução eidética, quer dizer, como sempre po que chamaremos de "inesgotabilidade" da obra proustiana. Mas tal demos ultrapassar o fenômeno concreto até sua essência, e, para Hei inesgotabilidade, que implica uma transcendência e um recurso ao infi degger, a "realidade humana" é ôntico-ontológica, quer dizer, pode nito, não será uma "exis" no momento exato em que a captamos no sempre ultrapassar o fenômeno até o seu ser. Mas a passagem do obje objeto? Por último, a essência está radicalmente apartada da aparência to singular para a essência é a passagem do homogêneo para o homo individual que a manifesta porque, por princípio, a essência é o que gêneo. Dá-se o mesmo com a passagem do existente para o fenômeno deve poder ser manifestado por uma série de manifestações individuais. de ser? Transcender o existente rumo ao fenômeno de ser será verda Ganhamos ou perdemos ao substituir, assim, uma diversidade de deiramente ultrapassá-lo para seu ser, tal como se ultrapassa o vermelho oposições por um dualismo único que as fundamenta? Logo veremos. particular para sua essência? Vejamos melhor. Por enquanto, a primeira conseqüência da "teoria do fenômeno" é que Em um objeto singular podemos sempre distinguir qualidades a aparição não remete ao ser tal como o fenômeno kantiano ao núme como cor, odor, etc. E, a partir delas, sempre pode-se determinar uma no. Já que nada tem por trás e só indica a si mesma (e a série total das essência por elas compreendida, como o signo implica a significação. O aparições), a aparição não pode ser sustentada por outro ser além do conjunto "objeto-essência" constitui um todo organizado: a essência seu, nem poderia ser a tênue película de nada que separa o ser-sujeito não está no objeto, mas é o sentido do objeto, a -razão da série de apa do ser-absoluto. Se a essência da aparição é um "aparecer" que não se rições que o revelam. Mas o ser não é nem uma qualidade do objeto opõe a nenhum ser, eis aqui um verdadeiro problema: o do ser desse captável entre outras, nem um sentido do objeto. O objeto não remete aparecer. Problema esse que vai nos ocupar aqui, ponto de partida de ao ser como se fosse uma significação: seria impossível, por exemplo, nossas investigações sobre o ser e o nada. definir o ser como uma presença - porque a ausência também revela o ser, já que não estar aí é ainda ser. O objeto não possui o ser, e sua existência não é uma participação no ser, ou qualquer outro gênero de relação com ele. Ele é, eis a única maneira de definir seu modo de ser; 11 porque o objeto não mascara o ser, mas tampouco o desvela: não o O FENÔMENO DE SER E O mascara porque seria inútil tentar apartar certas qualidades do existente SER DO FENÔMENO para encontrar o ser atrás delas, e porque o ser é o ser de todas igual mente; não o desvela, pois seria inútil dirigir-se ao objeto para apreen A apançao não é sustentada por nenhum existente diferente der o seu ser. O existente é fenômeno, quer dizer, designa-se a si como dela: tem o seu ser próprio. O ser primeiro que encontramos em nossas conjunto organizado de qualidades. Designa-se a si mesmo, e não a seu investigações ontológicas é, portanto, o ser da aparição. Será ele mes- ser. O ser é simplesmente a condição de todo desvelar: é ser-para- 18 19 que mede o ser da aparição é, com efeito, o fato de que ela aparece. E, desvelar, e não ser desvelado. Que significa então essa ultrapassagem tendo limitado a realidade ao fenômeno, podemos dizer que o fenô ao ontológico de que fala Heidegger? Com toda certeza posso trans meno é tal como aparece. Por que então não levar a idéia in extremis e cender esta mesa ou cadeira para seu ser e perguntar sobre o ser-mesa dizer que o ser da aparição é seu aparecer? Apenas uma maneira de ou o ser-cadeira. Mas, neste instante, desvio os olhos do fenômeno mesa para fixar o fenômeno-ser, que já não é condição de todo desvelar escolher palavras novas para revestir o velho esse est percipi* de Berke - mas sim ele mesmo desvelado, aparição, e, como tal, necessita por ley. Com efeito, foi o que fez Husserl, depois de efetuar a redução fe sua vez de um ser com base no qual possa desvelar-se. nomenológica, ao considerar o noema como irreal e declarar que seu esse é um percipi. Se o ser dos fenômenos não se soluciona em um fenômeno de ser e, contudo, não podemos dizer nada sobre o ser salvo consultando Não parece que a célebre fórmula de Berkeley possa nos satisfa este fenômeno de ser, a relação exata que une o fenômeno de ser ao zer. E por duas razões essenciais, uma referente à natureza do percipi e ser do fenômeno deve ser estabelecida antes de tudo. Podemos fazer outra à do percipere**. isso mais facilmente considerando o conjunto das observações prece Natureza do "percipere" - Se, de fato, toda metafísica presume dentes como que diretamente inspirado pela intuição reveladora do uma teoria do conhecimento, em troca toda teoria do conhecimento fenômeno de ser. Levando em conta não o ser como condição de des velar, mas o ser como aparição que pode ser determinada em concei presume uma metafísica. Significa, entre outras coisas, que um idealis tos, compreendemos antes de tudo que o conhecimento não pode por mo empenhado em reduzir o ser ao conhecimento que dele se tem si fornecer a razão do ser, ou melhor, que o ser do fenômeno não pode deve, previamente, comprovar de algum modo o ser do conhecimento. reduzir-se ao fenômeno do ser. Em resumo, o fenômeno de ser é Ao contrário, se começamos por colocar o ser do conhecimento como "ontológico", no sentido em que chamamos de ontológica a prova de algo dado, sem a preocupação de fundamentar seu ser, e se afirmamos Santo Anselmo e Descartes. É um apelo ao ser; exige, enquanto fenô em seguida que esse est percipi, a totalidade "percepção-percebido", meno, um fundamento que seja transfenomenal. O fenômeno de ser não sustentada por um ser sólido, desaba no nada. Assim, o ser do co exige a transfenomenalidade do ser. Não significa que o ser se encontre nhecimento não pode ser medido pelo conhecimento: escapa ao per escondido atrás dos fenômenos (vimos que o fenômeno não pode mas cipi1. E assim o ser-fundamento do percipere e do percipi deve escapar carar o ser), nem que o fenômeno seja uma aparência que remeta a um ao percipi: deve ser transfenomenal. Voltamos ao ponto de parti6:la. ser distinto (o fenômeno é enquanto aparência, quer dizer, indica a si Pode-se concordar conosco, todavia, que o percipí remete a um ser que mesmo sobre o fundamento do ser). As precedentes considerações escapa às leis da aparição, desde que esse ser transfenomenal seja o ser presumem que o ser do fenômeno, embora coextensivo ao fenômeno, do sujeito. Assim, o percipi remeteria ao percipiens*** - o conhecido ao deve escapar à condição fenomênica - na qual alguma coisa só existe conhecimento e este ao ser cognoscente enquanto é, não enquanto é enquanto se revela - e que, em conseqüência, ultrapassa e fundamenta conhecido, quer dizer, à consciência. Foi o que compreendeu Husserl: o conhecimento que dele se tem. porque, se o noema é para ele um correlato irreal da noese, que tem 111 1. Conclui-se que toda tentativa de substituir o "percipere" por outra atitude da realidade O COGITO "PRÉ-REFLEXIVO" E humana resultaria também infrutífera. Se admitíssemos que o ser revela-se ao homem no "fazer", seria também necessário comprovar o ser do fazer fora da ação. O SER DO "PERCIPERE" * Em latim: "ser é ser percebido" (N. do T.). Podemos ser levados a responder que as dificuldades antes cita **Em latim: "perceber" (N. do T.J. das dependem de certa concepção do ser, de um tipo de realismo on *** Em latim: "aquele que percebe" (N. do T.). tológico totalmente incompatível com a própria noção de aparição. O 21 20

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