UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - CFCH PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM FILOSOFIA O RESGATE DA POLÍTICA NO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT E HABERMAS: ENTRE UMA ÉTICA PROCEDIMETAL E UMA ÉTICA DO AMOR AO MUNDO ADILSON SILVA FERRAZ RECIFE 2009 2 ADILSON SILVA FERRAZ O RESGATE DA POLÍTICA NO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT E HABERMAS: ENTRE UMA ÉTICA PROCEDIMETAL E UMA ÉTICA DO AMOR AO MUNDO Dissertação apresentada por Adilson Silva Ferraz, como requisito para conclusão do Curso de Mestrado do Programa de Pós- Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, sob orientação do Prof. Dr. Luis Vicente Vieira. RECIFE 2009 3 Ferraz, Adilson Silva O resgate da política no pensamento de Hannah Arendt e Habermas: entre uma ética procedimental e uma ética do amor ao mundo / Adilson Silva Ferraz. - Recife: O Autor, 2009. 141 folhas : il.,quadro. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Filosofia, 2009. Inclui bibliografia. 1. Filosofia Política. 2. Ética. 3. Teoria da ação – Comunicação. 4. Racionalidade. I. Título. UFPE 1 CDU (2. Ed.) CFCH 2009/121 100 CDD (22. ed.) 4 5 AGRADECIMENTOS À minha família, em especial à minha mãe Alice. Ao meu orientador, prof. Luiz Vieira, pela amizade, paciência e pelos importantes comentários que possibilitaram a conclusão desta pesquisa. Aos professores do programa de mestrado em filosofia da UFPE, em especial ao prof. Washington e ao prof. Jesus Vázquez, pela leitura atenta e observações na qualificação deste trabalho. Aos amigos do mestrado: Fernando, Thalles, Jefferson, Andrezza, Fernanda, Isabel, Angélica, Breda, Daniel, Pe. Marcos, Alessandra, Daniel, Renato, e à amiga Conceição, também admiradora do pensamento de Hannah Arendt. A Márcio, pelo exemplo de dedicação e amizade. À Betânia, Juliana, Isabel e Edson. A Eduardo, Tibério, Rafael, pelo intenso convívio durante o período em que moramos juntos no Malembar, e a Júnior (last, but not least), amigo de todas as horas. 6 NACHTLIED1 CANÇÃO DA NOITE Nur die tage laufen weiter, Apenas os dias seguem em frente, Lassen unseren Zeit vorstreinchen. Deixam nosso tempo passar. Stets dieselben duklen Zeichen Sempre os mesmos sinais obscuros Wird die Nacht uns stumm bereiten. Vai a noite sem voz preparar. Sie muss stets dasselbe sagen Sempre o mesmo ela tem de dizer Auf den Ton berraren Sobre o mesmo tom se manter Zeiget auch nach neuen wagen Aponta também para novos ramos Immer nur, was wir shon waren. Incessantemente apenas o que já éramos. Laut und freud veralockt der morgen, De modo alto e estranho atrai a manhã, Bricht den dunklen stummen blick Rompe o obscuro mudo olhar Gibt mir tausend neuen sorgen Devolve-nos com mil novas preocupações Uns dem bunten Tag zurück. Para o multicolorido dia a raiar. Doch die schatten werden bleiben. Mas as sombras permanecerão. Um den Tag sich scheu zu schliessen, Para que se feche timidamente o dia, Lassen wir auf raschen plüssen Deixem-nos em rios velozes Uns zu fernen Küsten treiben. Em direção a costas distantes navegar. Unsere Heimat sind die Schstten – Nossa pátria são as sombras – Und wenn wir zutiefst ermatten, E se profundamente nos cansamos, In dem nächtlich dunken Schoss No colo noturno da noite Hoffen wir auf leisen Trost. Esperamos por um suave consolo. Hoffend können wir verzeihen Esperando podemos perdoar Allen schrecken, allen Kummer Toda dor, toda aflição. Unsere Lippen werden stummer – Nossos lábios começam a se fechar – Lautlos bricht der Tag herein. Sem som o dia inicia sua ascensão. (Hannah Arendt. Inverno de 1925/1926.) 1 Consultado no site da Library of Congress: http://memory.loc.gov/cgi- bin/ampage?collId=mharendt_pub&fileName=05/053 370/053370page.db&recNum=27&itemLink=%2Fam mem%2Farendthtml%2FmharendtFolderP05.html&li nkText=7 Esclarecimento (Aufklãrung) é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é o culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso do seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a sua causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se a si mesmo sem a direção de outrem. Sapere Aude! Tem coragem de fazer uso do teu próprio entendimento – tal é o lema do esclarecimento. (KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: que é “Esclarecimento”? Petrópolis: Vozes, 2005, p. 63) 8 RESUMO Este trabalho objetiva estudar o resgate da política a partir dos modelos de ética presentes nas filosofias de Hannah Arendt e Habermas. Os pressupostos políticos da antiguidade grega são utilizados por Arendt para articular seu exame das atividades humanas (vita activa/vita contemplativa) com uma filosofia política caracterizada pela busca de um sensus communis e de uma interação entre os homens que os permita estabelecer a política enquanto o novo e o imprevisível. Enquanto que Habermas, afastando-se da teoria crítica da escola de Frankfurt, desenvolve sua teoria da ação comunicativa adotando a ética formal kantiana e as contribuições advindas da virada lingüístico-pragmática como principais referenciais, construindo uma teoria procedimental do discurso que visa resgatar o caráter emancipatório da racionalidade. Ambos os pensadores fazem o diagnóstico do predomínio da violência e da instrumentalidade na esfera pública, contudo, divergem fundamentalmente quanto à própria compreensão da política. Habermas critica a distinção que Arendt faz entre poder e violência, pois a concepção de política livre de qualquer forma de violência decorrente desta dicotomia seria inaplicável e excêntrica. Como Habermas estabelece a dicotomia entre “sistema” e “mundo da vida”, que equivale à distinção arendtiana entre violência e poder, são os seus modelos de resgate da esfera política que lhes são decisivos. A teoria da ação comunicativa se apresenta sob a forma de um procedimentalismo vazio que mantém as contradições do sistema, enquanto que o republicanismo de Arendt, calcado na experiência da pólis e no desenvolvimento das virtudes cívicas, é idealista e carente de elementos que permitam uma maior aplicabilidade. Palavras-chave: 1. Política; 2. Ética; 3. Filosofia de Hannah Arendt; 4. Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas; 5. Racionalidade. 9 ABSTRACT This paper aims to analyze the policy buyback from the models of ethics present in the philosophies of Hannah Arendt and Habermas. The assumptions of the ancient Greek politicians are used by Arendt to articulate the examination of human activities (vita activa/ vita contemplativa) with a political philosophy characterized by the search for a sensus communis and an interaction between the men that permits the policy can be established as new and unpredictable. While Habermas, distancing from critical theory of the Frankfurt School, developed his theory of communicative action adopting the formal kantian ethics and contributions from the linguistic-pragmatic turning as references, building a theory of procedural discourse that aims to rescue the emancipatory character of rationality. Both thinkers make the diagnosis of the predominance of violence and instrumentality in the public sphere, however, differ fundamentally on their own understanding of policy. Habermas criticizes Arendt’s distinction between power and violence because the conception of policy free from any form of violence arising from this dichotomy would be inapplicable and eccentric. As Habermas establishes the dichotomy between "system" and " life-world ", which equates to Arendt distinction between violence and power, their models of policy rescuing are decisive. The theory of communicative action is presented in the form of an empty proceduralism that maintains the contradictions of the system, while the Arendt’s republicanism, based on experience of the polis and the development of civic virtues, is idealistic and precarious of elements enabling a greater applicability. Key-words: 1. Politics; 2. Ethics; 3. Hannah Arendt’s Political Theory; 4. Communicative Action Theory by Jürgen Habermas; 5. Racionality. 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12 PARTE I CAPÍTULO I. A RUPTURA COM A TRADIÇÃO: MODERNIDADE E POLÍTICA NA FILOSOFIA DE HANNAH ARENDT. ................................................................................... 16 1.1 AS TRÊS ESFERAS DA VITA ACTIVA: LABOR, FABRICAÇÃO E AÇÃO. ................................. 16 1.2 ESFERA PÚBLICA E MODERNIDADE NA CONCEPÇÃO DE HANNAH ARENDT. .................... 24 1.3 CURA POSTERIOR: A BANALIDADE DO MAL E O CASO DE EICHMANN ............................... 29 CAPÍTULO II. A VIDA DO ESPÍRITO E A AÇÃO ENQUANTO FUNDAMENTO DE UMA ÉTICA DO AMOR AO MUNDO ................................................................................. 35 2.1 A VIDA DO ESPÍRITO ENQUANTO CONDIÇÃO PARA A POLÍTICA ....................................... 35 2.1.1 O Pensar (Thinking) e o Dois-em-um Socrático ..................................................... 36 2.1.2 O Querer (Willing) .................................................................................................. 42 2.1.3 O Julgar (Judging) .................................................................................................. 47 2.2 A INTERAÇÃO ENTRE VITA CONTEMPLATIVA E VITA ACTIVA: UMA ÉTICA DO AMOR AO MUNDO .................................................................................................................................. 55 PARTE II CAPÍTULO III. A RUPTURA COM O SOLIPSISMO: MODERNIDADE E ESFERA PÚBLICA NO PENSAMENTO DE HABERMAS ................................................................. 61 3.1 MODERNIDADE E TEORIA CRÍTICA: DENUNCIANDO A RAZÃO. ......................................... 61 3.2 A MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA E A NECESSIDADE DE SEU RESGATE ATRAVÉS DE UMA ÉTICA DISCURSIVA ................................................................................... 67 3.3 A CRÍTICA À ÉTICA FORMAL DE KANT: A RENÚNCIA AO SOLIPSISMO E A REFORMULAÇÃO DO IMPERATIVO CATEGÓRICO A PARTIR DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM ................................. 71 3.4 DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM À TEORIA DO DISCURSO DE HABERMAS. ........................ 76 3.4.1 A Teoria dos Jogos de Linguagem de Wittgenstein ................................................. 77 3.4.2 A Teoria dos Atos de Fala de Austin: como fazer coisas com palavras? ............... 80 CAPÍTULO IV. A TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA ENQUANTO PROJETO DE CONCRETIZAÇÃO DE UMA ÉTICA DO CONSENSO ...................................................... 84 4.1 A SITUAÇÃO IDEAL DE FALA. .......................................................................................... 86
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