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o rEFErENDo DAS ArmAS No BrASiL PDF

20 Pages·2008·0.64 MB·Portuguese
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o rEFErENDo DAS ArmAS No BrASiL Estratégias de campanha e comportamento do eleitor Luciana Fernandes Veiga Sandra Avi dos Santos O objetivo deste artigo é analisar o Re- permanentes no eleitorado brasileiro, como a ins- ferendo das Armas com foco nas estratégias de tabilidade dos direitos dos cidadãos e a percepção comunicação utilizadas pela Frente parlamentar de ineficiência do estado. por um Brasil sem Armas (campanha do SiM) e para o estudo, foram analisados os progra- pela Frente parlamentar pelo Direito da Legítima mas eleitorais de televisão veiculados entre os Defesa (campanha do nãO), expressas nas pro- dias 1 e 20 de outubro de 2005, às 13:00hs e às pagandas veiculadas pelo Horário eleitoral (He), 20:30hs. Os spots, comerciais divulgados ao longo e o efeito persuasivo que elas tiveram sobre os da programação, não foram avaliados. Os progra- eleitores na hora da decisão do voto. O argumento mas foram analisados a partir de uma adaptação a ser desenvolvido é o de que havia um cenário do método desenvolvido por Figueiredo, Aldé, de representação política favorável à campanha do Bezerra e Jorge (2000). tal metodologia, original- SiM no momento em que antecedia à veiculação mente elaborada para a análise de spots eleitorais, da propaganda, mas que foi anulado pela retórica teve de ser ajustada para se adequar ao estudo dos adotada pela campanha do nãO. O sucesso da programas televisivos do referendo. Frente pelo Direito da Legítima Defesa pode ser para a avaliação da recepção adotou-se a téc- parcialmente explicado pela utilização de propa- nica de painel com entrevistas em profundidade. gandas negativas para acionar valores e crenças Os participantes pertenciam a diferentes classes sociais e tinham idades variadas. Foram feitas três entrevistas com cada um dos participantes: a pri- Artigo recebido setembro/2007 Aprovado em janeiro/2008 meira, em agosto de 2005, antes da veiculação do RBCS Vol. 23 nº. 66 fevereiro/2008 60 ReViStA BRASiLeiRA De CiênCiAS SOCiAiS - VOL. 23 nº. 66 Horário eleitoral; a segunda, em outubro, durante sem Armas.2 Mas o resultado das urnas foi muito a veiculação da propaganda; a última, no momen- diferente. no dia do referendo, 36,06% dos eleito- to posterior à veiculação da propaganda, mas an- res optaram pela proibição da venda de armas e tes da votação. munições e 63,94% decidiram pela manutenção da Logo após a realização do referendo do de- comercialização. sarmamento, uma série de artigos foi publicada a De acordo com Lissovsky (2006), a brusca fim de explicar o fenômeno político.1 todos os tra- mudança de intenção de voto iniciou-se logo após balhos utilizaram como justificativa a raridade do o começo da divulgação da propaganda de televi- episódio e a reviravolta da intenção de voto dos são. Dois dias após o início da veiculação do Ho- eleitores. Ainda que possa parecer repetitivo, não rário eleitoral, o tracking da campanha do SiM já há como avançar na análise do referendo sem mostrava queda de sua vantagem sobre o adversá- mencionar tais aspectos. rio. De acordo com a série de pesquisas realizadas no dia 23 de outubro de 2005, aproximada- pelo instituto ibope, a superação da campanha do mente 122 milhões de eleitores foram submetidos nãO sobre a campanha do SiM aconteceu em tor- à terceira consulta popular da história brasileira, no dos dias 12 e 13 de outubro, quando os surveys sendo questionados em relação à pergunta: “O mostravam que 49% dos eleitores já pensavam em comércio de armas de fogo e munição deve ser votar pelo nãO e 45% estavam dispostos a votar proibido no Brasil? 1) nãO; 2) SiM”. pelo SiM. O primeiro referendo aconteceu em 1963, por fim, a terceira justificativa para a realiza- quando os cidadãos tiveram que optar pelo retor- ção deste trabalho está na existência de um movi- no ao presidencialismo ou a manutenção do regi- mento em defesa da ampliação do uso do instru- me parlamentarista. em 1993, os eleitores voltaram mento de consulta popular.3 Caso esse movimento a decidir sobre o sistema de governo em plebisci- seja vitorioso, os cientistas políticos vão precisar to. O número de consultas populares no país ain- se empenhar nessa nova área de estudo sobre o da é muito restrito particularmente se comparado comportamento eleitoral. com as realidades norte-americana e européia. A este texto está estruturado em quatro partes. propósito, um caso paradigmático é a Califórnia. em um primeiro momento, pretende-se apresen- neste estado, para que qualquer emenda consti- tar o conceito de Cenário de Representação po- tucional já aprovada se efetive é preciso que ela lítica – CR-p, descrevendo como ele estava sendo receba a aprovação de dois terços da população construído pela imprensa no momento anterior à em referendo. na Comunidade européia, com fre- veiculação do Horário eleitoral do Referendo das qüência o instrumento vem sendo utilizado, uma Armas. em um segundo momento, busca-se apre- série de questões têm sido decididas por consultas sentar uma breve discussão sobre o conceito, o populares. também a América Latina vem viven- uso e o efeito persuasivo da propaganda negati- ciando a experiência de referendos, particularmen- va. nesse sentido, será avaliado, ainda, como a te na Venezuela, sob o comando de Hugo Chaves, campanha do nãO utilizou tal retórica. na terceira e na Bolívia, com evo Morales. Assim, o interesse parte, objetiva-se analisar as mensagens divulga- em analisar o referendo das armas já se justificaria das pelas campanhas. por fim, procura-se mostrar pela constatação de que esse tipo de consulta é como os eleitores incorporaram as mensagens de um instrumento legislativo cada vez mais utilizado campanha a partir do Cenário de Representação em diversos países e ainda muito raro no Brasil. do momento anterior à propaganda para então de- Mas uma segunda questão, que só pôde ser cidirem o seu voto. observada posteriormente, serviu para tornar tal objeto ainda mais instigante, a saber, a mudança radical de opinião dos brasileiros sobre o tema em Cr-P: o conceito e as contribuições questão em um período de tempo muito curto. para a explicação do referendo Vários institutos (Datafolha, ibope, Sensus, entre outros) divulgaram pesquisas na véspera da cam- panha de tV, apontando para a expectativa da As teorias na área de comunicação e polí- franca vitória da Frente parlamentar por um Brasil tica vêm avançando muito desde que os pesqui- O ReFeRenDO DAS ARMAS nO BRASiL 61 sadores deixaram de se preocupar com o efeito preciso que a sociedade seja minimamente orga- direto da mensagem sobre o receptor e passaram nizada e capaz de difundir ideologias, de modo a a enfatizar o efeito indireto da comunicação, que inviabilizar um estado coercitivo. parte-se de um se dá necessariamente no ambiente informacio- processo democrático, em que ocorrem embates nal da audiência. teorias como da agenda-setting entre classes e facções pela direção, e em que os e da espiral do silêncio vêm demonstrando grande atores dominantes têm o consentimento da maio- potencial explicativo.4 Afinado com essa mesma ria da população. tendência, encontra-se o conceito de Cenário de para a identificação do CR-p, concretamente, Representação da política, CR-p, desenvolvido por é preciso mapear os loci dos elementos Consti- Venício Lima (2004). tutivos (eC) do Cenário de Representação domi- Baseado no conceito de hegemonia de grams- nante, delimitados pelos índices de audiência da ci, Lima (2004) propõe que o cenário é um espaço programação, no caso da televisão (Lima, 2004). onde o sentido da vida e das coisas é constituído. no Brasil, os elementos constitutivos devem ser É nesse espaço que se realiza um conjunto de prá- identificados principalmente nas telenovelas e nos ticas e expectativas cotidianas, e onde se constitui telejornais. no que se refere às novelas, Lima cita a hegemonia como um sistema vivido – constituído guilhermoprieto (1993) para destacar a particulari- e constituidor – de significados e valores, o sen- dade desse tipo de programa, que confunde ficção so de realidade. Lima argumenta que esse cená- e realidade. quanto aos telejornais, destaca-se a rio não é uno, mas diversificado. As dimensões do sua capacidade de omitir ou pautar informações conjunto de práticas e expectativas sobre a realida- durante a edição, ou seja, o seu poder de agenda. de apresentam cenários/espaços próprios, embora O conceito de CR-p é amplo, e há uma série exista uma forte integração entre elas. Assim, há o de outros aspectos que poderiam ser explorados. cenário específico da política, da arte e assim por todavia, a intenção aqui é abordar apenas os pon- diante. Lima define o conceito de representação tos que podem elucidar o caso analisado. Dessa não apenas como um reflexo da realidade, mas forma, a proposta é finalizar a apresentação do também como sendo constituidora da mesma: conceito com base em dois aspectos muito impor- tantes. [...] os Cenários de Representação são, portanto, para Lima (2004), existem elementos estru- o espaço específico das diferentes representações turais no imaginário social que constituem traços da realidade, constituído e constituidor, lugar e permanentes de nossa formação cultural. Associa- objeto da articulação hegemônica total, construí- do em processos de longo prazo, na mídia e pela dos a esses elementos persistentes, outros surgem mídia (sobretudo na e pela televisão) (Lima, 2004, de acordo com a conjuntura e, por isso, têm um p. 14). caráter transitório. Assim, o autor propõe que em uma linha do tempo, o imaginário social, a cultu- ra política e a hegemonia serão sempre anteriores O conceito de CR-p é elaborado a partir de aos Cenários de Representação, enquanto a con- três pressupostos: a) a existência de uma socie- dade media-centered; b) a existência da televisão juntura estará sempre à frente. como medium; e c) o exercício de uma hegemo- por fim, o autor chama a atenção para o cará- nia. para que se tenha o exercício da hegemonia é ter desestabilizador ou de reforço que a conjuntura Figura 1 Posições relativas dos Cenários de representação 62 ReViStA BRASiLeiRA De CiênCiAS SOCiAiS - VOL. 23 nº. 66 pode provocar no CR-p com o processo eleitoral. É certo que as duas últimas associações já desper- Argumenta “que esse impacto pode ocorrer sem- tavam grande consenso na audiência. em síntese, pre que os elementos conjunturais forem capazes o discurso central da campanha propunha que a de evocar elementos permanentes, pré-existentes vitória do SiM seria o desfecho natural de uma no imaginário social e na cultura política” (Lima, reação virtuosa que começara com a discussão do 2004, p. 33). estatuto do Desarmamento. As citações sobre o Uma vez definido o conceito, cabe retomar o estatuto eram recorrentes nas propagandas: “con- argumento central deste artigo, de que havia um siderado pela OnU uma das leis mais avançadas cenário de representação favorável à campanha do do mundo”. e sobre os seus efeitos, “em 2004, pela SiM no momento precedente à veiculação da pro- primeira vez em treze anos, a morte por arma de paganda política. fogo diminuiu em 8%, mais de três mil vidas fo- não é difícil constatar que vinha sendo cons- ram salvas”. truído um Cenário de Representação favorável à Frente parlamentar por um Brasil sem Armas des- quinze milhões de armas estão nas mãos de civis. A gente é recordista mundial em mortes por armas de 2003, ocasião da implementação do estatuto do de fogo. em 2003, mais de 39 mil pessoas perde- Desarmamento. Desde aquele momento, segmentos ram vidas. 108 mortes por dia, quase cinco mortes da sociedade civil organizada e dos meios de comu- por hora. e quase sempre, gente muito novinha nicação – com grande participação de artistas – vi- (Regina Casé, no programa de abertura da campa- nham se empenhando na campanha contra as ar- nha do SiM). mas. O sucesso da campanha de coleta de armas e A verdade é uma só. Mais armas, mais crimes. Mais armas, mais mortes. Mais armas, mais feridos, as manifestações de apoio geraram uma predispo- paraplégicos, famílias destruídas. Mais armas, mais sição política difusa à proibição das armas. prejuízos para o sistema de saúde. então por que telejornais e telenovelas, na qualidade de apoiar as armas? O que as armas trazem de bom elementos constitutivos, apontavam para a forma- para o Brasil? na verdade, nada. É preciso dizer ção desse cenário. Os telejornais da Rede globo e basta e esse é o momento de começar. Se você das demais emissoras reiteradamente divulgavam tem dúvidas se seu voto vai ajudar, acredite: vai! Vamos dar o primeiro passo; chega de armas. Vote imagens de tratores destruindo armas que haviam 2. Vote SiM (programa do SiM, 18/10/2005). sido recolhidas por meio da devolução voluntária e cenas de caminhadas promovidas por Ongs com em suma, a Frente por um Brasil sem Ar- a participação de vários artistas globais – todos mas utilizava os símbolos que marcaram a campa- vestidos de branco – na orla da zona Sul carioca, nha do desarmamento, exibindo cenas referentes entre outras. na novela Mulheres Apaixonadas, no à destruição das armas e as caminhadas na orla, ar na tV globo em 2003, uma personagem, mãe e também os argumentos, enfatizando valores já de uma menina, morre no trânsito, vítima de uma vastamente propagados em expressões como “pela bala perdida. na semana posterior à veiculação da vida”, “menos armas, menos mortes”. cena da morte da personagem, foi organizada uma Do ponto de vista prático, a vitória da Frente caminhada pela paz na orla carioca. Os persona- parlamentar por um Brasil sem Armas parecia cer- gens da teledramaturgia participaram do evento, o ta. Da perspectiva teórica também poderia se es- que gerou uma gama de imagens para a novela. perar tal resultado. Lima apresenta duas hipóteses Ficção e realidade juntas na construção do cenário sobre o ajuste de CR e propaganda em eleições: a favor do desarmamento. Ao iniciar a veiculação da propaganda elei- 1) O CR-p dominante, embora não prescreva os toral, o empenho dos profissionais de marketing conteúdos da prática política, demarca os limites do SiM foi no sentido de vincular o referendo à dentro dos quais as idéias e os conflitos políticos campanha pelo desarmamento. no programa de se desenrolam e são resolvidos, podendo neutrali- zar, modificar ou incorporar iniciativas opostas ou abertura, a equipe do SiM propunha um Brasil alternativas. sem armas e convocava as pessoas para votarem 2) Um candidato em eleições nacionais e majo- pela paz. A lógica da argumentação era: proibição ritárias dificilmente vencerá as eleições se a sua da venda de armas, menos armas, menos mortes. imagem pública não se ajustar ao Cp-Dominante. O ReFeRenDO DAS ARMAS nO BRASiL 63 nesse caso, uma possível solução é a construção cultura política. Assim, a Frente pela Legítima De- de um CR-p contra-hegemônico ou alternativo fesa conseguiu reverter o cenário midiático franca- (2004, p. 30). mente favorável à campanha do SiM. para entender como a campanha do nãO no entanto, a expectativa de vitória não se obteve sucesso em sua estratégia, faz-se necessá- concretizou. A campanha da Frente por um Brasil rio analisar a propaganda negativa. todavia, antes sem Armas não obteve o sucesso esperado. Acre- de dar esse novo passo, cabe ressaltar um último ditamos que a campanha da Frente pelo Direito aspecto do conceito de Cenário de Representa- da Legitima Defesa impediu tal sucesso ao acessar ção. De acordo com Lima (2004), tal conceito está valores que permeiam o imaginário social e que muito associado à noção de hegemonia, na qual já estão enraizados em nossa cultura: a ameaça da quebra de direitos e a descrença no governo e está embutida a idéia de conflito na distribuição nas instituições. Vale lembrar o pressuposto men- de poder e influência, havendo o dominado e o cionado por Lima sobre a possibilidade de se de- subordinado, a hegemonia e a contra-hegemonia, sestruturar campanhas afinadas com o Cenário de o cenário de representação dominante e o de re- Representação pela evocação de elementos per- presentação alternativo. partindo do princípio da manentes, preexistentes no imaginário social e na existência do exercício da hegemonia na socieda- Figura 2 Estratégias de Persuasão das Campanhas no referendo Quadro 1 Atores, Preferências e recursos* Atores Preferências intensidades de preferências poder executivo5 Ongs/igreja/Movimentos Sociais (públicos atentos) A favor da proibição do comércio de Alta armas e munições Mídia6 Frente do SiM Lobby da bala (públicos atentos) Contra a proibição do comércio de Alta Frente do nãO armas e munições Deputados e senadores Sucesso eleitoral Alta Cidadãos Variável Variável * O quadro original apresenta os recursos que cada ator possuía para a disputa, o que foi suprimido, já que não se trata de uma informação imprescindível para o presente estudo. Fonte: Anastasia et al. (2006, p. 19). 64 ReViStA BRASiLeiRA De CiênCiAS SOCiAiS - VOL. 23 nº. 66 de, pressupõe-se a possibilidade de disputas in- que o efeito da propaganda varia de acordo com a ternas (intra-hegemônicas) e/ou externas (contra- percepção de sua veracidade. Uma vez que a men- hegemônicas). sagem é tida como verossímil, ela ganha o interes- Anastásia, inácio e novais (2006) elabora- se da audiência, e o adversário – alvo do ataque – ram um quadro que descrevia os atores na disputa passa a ser desqualificado. no entanto, se o ataque pelo referendo e como eram suas inserções (qua- for visto como não verdadeiro e não documen- dro 1). A identificação da composição de forças a tado, o emissor sofre o revés, causando o efeito favor da campanha do SiM reforça a idéia de que, bumerangue. no momento antecedente à propaganda eleitoral, Mais recentemente, Ansolabehere e iyengar eles contavam com um grupo hegemônico e com (1995) argumentaram que a propaganda negativa um Cenário de Representação também hegemôni- tende a reforçar a decisão do voto entre os eleito- co, ainda que seja desconfortável, na perspectiva res partidários e a desmobilizar o eleitor indepen- do senso comum, a idéia de classificar o que os dente para o pleito. De acordo com os autores, is- autores chamaram de “lobby da bala” como contra- so acontece porque os eleitores não partidários hegemônico. tendem a prestar muita atenção nas mensagens divulgadas pela propaganda negativa, que em últi- ma instância reforçam a desilusão entre esses elei- A propaganda negativa tores, desestimulando a participarem do processo. nos pleitos norte-americanos, esse tipo de propaganda faz diminuir a disposição para o voto A propaganda política é classificada como ne- em 5% dos eleitores, criando, pois, um desmobili- gativa quando tenta crescer, levar vantagem, refe- zador acompanhado de uma sensação de ineficá- rindo-se a aspectos negativos de seu oponente – se- cia política (Ansolabehere e iyengar, 1995). Vreese ja o adversário uma pessoa, seja uma política – e Semetko (2002), ao avaliarem o efeito da cober- mais do que enfatizando seus atributos positivos. tura da imprensa no eleitorado na ocasião do re- O assunto é polêmico e vem ganhando cada vez ferendo sobre a adoção do euro na Dinamarca, mais espaço na literatura internacional. em 2000, também constataram que eleitores com A principal questão que se coloca é sobre diferentes níveis de envolvimento e conhecimento a eficiência desse tipo de propaganda, particu- políticos reagem diferentemente às mensagens ne- larmente em relação à capacidade de mobilizar e gativas. elas seriam eficientes para mobilizar certo de persuadir. Mcguire (1973), ainda nos anos de segmento do eleitorado (mais envolvido) e para 1970, sugeriu que o uso de apelos negativos, como desmobilizar outro (não envolvido). preocupação e medo, pode aumentar a motivação A campanha do nãO no Brasil centrou sua das pessoas no sentido de aceitarem os argumen- atenção nos temas “direito do cidadão”, “crimina- tos das campanhas e aderirem a um candidato. lidade” e “desempenho do estado”. O argumen- isso ocorreria porque o medo energiza e guia o to central era de que a proibição do comércio de organismo, levando as pessoas a adotar compor- armas tiraria dos brasileiros o direito de adqui- tamentos do tipo “voar ou voar”, uma referência rir e portar uma arma sem que o estado garan- de Mcguire ao que ele imagina que os pássaros tisse a sua segurança. Buscou enfaticamente se- experimentam quando se deparam com a neces- parar a campanha pelo estatuto do Desarmamen- sidade de voar pela primeira vez. no entanto, de to do pleito do referendo. enfatizou que a proibi- acordo com o autor, é prudente usar a estratégia ção da venda de armas não levaria ao desarma- com cautela, pois qualquer excesso pode gerar mento do ladrão, mas apenas da sociedade civil. efeito contrário. nesse caso, a ansiedade exage- A Frente pela Legítima Defesa solicitou às pessoas rada pode levar o receptor a se desinteressar pela que se imaginassem numa sociedade totalmente mensagem e o assunto. desarmada e dependente de um sistema de segu- para gina garramone (1984), o efeito bume- rança pública ineficiente e fracassado. rangue é o resultado mais recorrente quando se Ao apontar para a ineficiência do estado, a utiliza a propaganda negativa. em seu artigo, “Vo- campanha ressaltava a vulnerabilidade do cidadão ter response to negative political ads”, ela aponta caso a proibição do comércio de armas e munição O ReFeRenDO DAS ARMAS nO BRASiL 65 se efetivasse. O resultado final foi a polarização lidade”, o que dava à campanha um tom emocio- das campanhas e a queda da motivação para o nal e de proximidade, sobretudo quando se tra- voto, como será visto posteriormente. tava de depoimentos que expunham momentos Até esse momento, foram expostas as prin- dolorosos e sofridos. cipais linhas de argumentação apresentadas pe- no entanto, no decorrer da veiculação dos las duas frentes em disputa. A seguir, o objetivo programas, o mote inicial precisou ser adaptado é mostrar como tais discursos foram apresentados ao discurso da campanha adversária, e a campa- nos programas. nha do SiM passou a abordar o tema “a arma e a discussão da venda baseada em valores”. nesse contexto, a discussão em torno do “direito” consis- o embate de argumentos tia numa clara resposta à ofensiva do adversário, o no horário eleitoral qual insistia que a campanha do SiM pretendia re- tirar um direito do cidadão. O argumento de defe- Robert Merton (1968) foi o primeiro sociólo- sa constava em repetir que o direito à vida estaria go a elaborar uma metodologia para a análise do mais assegurado com menos armas na sociedade. efeito da mídia na opinião pública. ele propunha De acordo com Figueiredo et. al. (2000), em uma o uso de duas técnicas para verificar o efeito da di- disputa eleitoral, quando uma campanha consegue vulgação de uma propaganda na audiência: a pri- pautar a outra, suas chances de vitória aumentam meira seria uma análise de conteúdo da mensa- consideravelmente. para Anastasia et. al. (2006), gem, e a segunda, uma análise de recepção, com uma vez introduzida a dimensão dos “direitos” pe- entrevistas em profundidade individual ou em los que apoiavam a campanha do nãO, só restou grupo. este trabalho segue tal metodologia. aos defensores do SiM a capitulação aos termos de Assim, nesta etapa, o objetivo é dar continui- campanha propostos por seus oponentes. dade à análise de conteúdo dos programas do Ho- Ao analisarmos quantitativamente a distribui- rário eleitoral. A intenção é detalhar a estratégia de ção dos fragmentos, verificou-se que a Frente por retórica das campanhas, detendo-se nos temas, nos um Brasil Sem Armas investiu ainda muito tempo tipos de apelo e nos oradores utilizados. A unidade na propaganda que tem como objetivo a divul- de análise utilizada na avaliação é o segmento, isto gação da própria campanha, denominada “meta- é, cada parte do programa em que o assunto ou a campanha”. Buscou-se mostrar imagens de uma imagem permanece o mesmo. isso quer dizer que campanha festiva e forte, cuja comprovação costu- diante de qualquer mudança de imagem ou de as- ma estar na exposição de resultados de pesquisa sunto é contado um novo segmento. de intenção de votos favorável. Foram veiculadas ainda instruções sobre como votar. essa parte do programa foi importante porque possibilitou criar um clima de vitória, sempre muito oportuno em Frente Parlamentar por um disputas. Como já vimos, entre as teorias da co- Brasil sem Armas municação que tratam do efeito das campanhas no ambiente informacional há a teoria da espiral do A partir da análise de conteúdo, particular- silêncio (noelle-neuman, 1993), segundo a qual os mente da mensuração da abordagem dos temas, eleitores, quando percebem que estão apoiando foi possível verificar que a estratégia inicial da o lado vitorioso da disputa, tendem a expor mais campanha do SiM foi elaborada de modo a com- suas atitudes e argumentos, ao passo que os que binar com o Cenário de Representação resultante sentem estar no lado mais fraco tendem a silenciar. da mobilização pelo estatuto do Desarmamento. esse processo de abstenção da fala de seu eleitora- para isso, abordou-se o tema “arma e violência”, do é devastador para uma campanha. por isso, na cujo lema principal era “mais armas, mais mortes”, tentativa de evitar tal fenômeno, os publicitários como já mencionado anteriormente (tabela 1). investiram muito na “metacampanha”. O objetivo nesse aspecto, o discurso esteve muito vol- era manter a alegria e a sensação de conquista da tado para os “acidentes com armas” e a “crimina- campanha do desarmamento. 66 ReViStA BRASiLeiRA De CiênCiAS SOCiAiS - VOL. 23 nº. 66 O discurso emocional foi o mais freqüente na campanha do SiM (tabela 2). Há que se constatar, Locutor em off: Arma fere. Vinte mil brasileiros che- gam aos hospitais com ferimento devido à bala. no entanto, que ao longo da campanha o apelo Elifran Mesquita (vítima em um leito de hospital): pragmático também foi aos poucos sendo ado- isso aqui foi um tiro de uma arma de fogo. isso tado. Se no início predominavam os depoimen- não pode acontecer, gente. tos de artistas globais e de pessoas comuns, no Locutor em off: Arma aleija. Cinqüenta mil brasi- final, começaram a aparecer na tela, de maneira leiros vão passar o resto de suas vidas em cadeiras freqüente, especialistas da área (tabela 3). Suas de rodas. Dr. Paulo Carneiro (diretor de hospital em Minas falas foram utilizadas para intercalar depoimentos gerais): É um indivíduo que muitas vezes vai ficar pessoais sobre tristes experiências de vida, mistu- incapacitado e vai viver à custa do estado. rando autoridade técnica e sensibilidade. A seguir, Locutor em off: Arma mata. Armas matam 36 mil um segmento exemplar do programa do SiM: brasileiros por ano. Figura 3 Estratégias de Persuasão proposta pela Frente Parlamentar por um Brasil sem Armas Tabela 1 Tabela 2 Tema Predominante (% de fragmentos) Apelo Predominante (% de fragmentos) Campanha do SiM Campanha SiM Arma e violência pragmático 33 Violência entre conhecidos 2,2 ideológico, político e jurídico 26 Violência entre desconhecidos 9,6 emocional 35 Documental 6 Criminalidade 12 Total 100 Acidentes com armas 13,2 Suicídios 0,2 Tabela 3 orador Dominante (% de fragmentos) Arma e a conta para o Estado Campanha do SiM gastos públicos com a saúde 2,5 garoto propaganda 10,2 gastos públicos com a segurança 0,5 integrante da frente parlamentar 1,3 Arma e a discussão da venda baseada em valores Off locator 35 Direito 16,3 Off cantor 5,2 estado 9,6 popular 20,8 Liberdade 8,2 personalidade 14,8 Democracia 4,4 especialista 11,8 metacampanha 21,2 instrumental 0,9 Total 100 Total 100 O ReFeRenDO DAS ARMAS nO BRASiL 67 Gláucio Ary Soares (pesquisador do iuperj): não Alberto Fraga (presidente da Frente parlamentar vemos a tragédia que está acontecendo. Uma tra- pelo Direito da Legítima Defesa): O governo Fe- gédia que atinge predominantemente as pessoas deral, não conseguindo desarmar os bandidos, mais pobres. tenta agora, através do seu voto, desarmar os Valdete da Silva, chorando ao lado do filho hospi- cidadãos. está começando uma campanha que talizado: Meu filho é uma criança. Meu filho tem tem como marco o compromisso com a verdade. só 17 anos. não viveu ainda. estamos aqui para defender o direito das vitimas da violência: os cidadãos de bem. gente que o Locutor em off: Arma destrói o futuro. governo não consegue proteger e ainda assim pre- Cel. José Vicente da Silva Jr.: nos últimos dez anos, tende desarmar (programa do nãO, 6/10/2005). só no estado de São paulo, foram quase 150 mil ar- mas que desapareceram. Armas legais, compradas Jornalista/âncora: O governo Federal deveria fa- em lojas, que sumiram das mãos de seu proprietá- zer a sua parte, mas não faz. nos últimos anos, o rio e foram parar nas mãos dos bandidos. dinheiro da segurança só diminuiu e o resultado Marina Magessi (inspetora da polícia Civil do Rio todo mundo vê: a polícia não consegue vencer os de Janeiro): Bandido não compra arma, mas rou- bandidos porque falta tudo (programa do nãO, ba ou furta de quem compra de maneira legal. 6/10/2005). Dalmo de Abreu Dallari (jurista): A arma de fogo não dá vida a ninguém, ela dá a morte. ela não Mara Assaf (mãe): Hoje estou tentando dar voz é instrumento de vida. ela não é instrumento de ao meu filho, que me foi tirado. Atrás da arma paz. ela é um instrumento de ferimento, instru- que matou o meu filho tinha um assassino, pro- mento de morte e tragédia (programa do SiM, duto do desgoverno. que tipo de vida eles estão 18/10/2005). defendendo? Uma vida em que a população vive ameaçada atrás das grades? (programa do nãO, 6/10/2005). Frente Parlamentar pelo Direito Repórter: esta pesquisa do SUS diz que 39 mil pes- soas morrem por arma de fogo. em primeiro lugar, da Legítima Defesa é estranho que a pesquisa tenha sido realizada pelo SUS, que deveria estar cuidando da saúde da Mais de 50% dos segmentos da campanha do população. Mas, vamos lá... (programa do nãO, nãO detiveram-se no tema “arma e discussão da 4/10/2005). venda baseada em valores”, evidenciando a possi- bilidade da perda do direito e da vulnerabilidade Constata-se ainda que a campanha do nãO do cidadão diante de um estado ineficiente (Figura praticamente não abordou o tema-chave do opo- 4, tabela 4). esta estratégia já exaustivamente ana- nente: “acidentes com armas”. lisada, pode agora ser mensurada. De acordo com que as pesquisas de intenção Ao longo de toda a campanha, as críticas à de voto indicavam, mostrando os resultados posi- ineficiência governamental foram inseridas de ma- tivos da campanha da Frente pela Legítima Defe- neira direta, mas também de um jeito quase des- sa, o dispositivo de “metacampanha” passou a ser pretensioso. A seguir, alguns exemplos do uso da também recorrentemente utilizado neste caso para propaganda negativa a partir de valores presentes divulgar a mudança de atitude do eleitorado: na crença dos brasileiros: Figura 4 Estratégias de Persuasão da Frente Parlamentar pelo Direito da Legítima Defesa 68 ReViStA BRASiLeiRA De CiênCiAS SOCiAiS - VOL. 23 nº. 66 Fumiyo Kurisaki (presidente do Movimento das porque o que eles querem é desarmar as pessoas Vítimas de Violência pela Justiça e paz): Olha, an- de bem e não os bandidos. não desarmando os tes eu pensava em votar SiM, porque eu realmente bandidos, depois do dia 23, o bandido terá certeza acreditava que aconteceria, que fosse haver o de- de que você não tem arma em casa. ele vai invadir sarmamento pelo lado dos bandidos. Mas hoje eu sua casa, estuprar sua mulher, seu filho e você não vou votar nãO, porque eu vejo que os bandidos vai poder fazer nada. portanto, dia 23, vote 1, vote vão se armar mais ainda do que hoje. eles real- nãO.(programa do nãO, 16/10/2005). mente não compram as armas legais. Locutor em off: A proibição não resolve problema A análise quantitativa da distribuição dos seg- nenhum. Só tira um direito do cidadão. Defenda mentos permite verificar a prevalência dos apelos sua liberdade. Contra a proibição vote nãO (pro- “ideológico/político/jurídico” e “pragmático” em grama do nãO, 19/10/2005). oposição à postura da campanha adversária, prio- Paulo Pereira da Silva (presidente da Força Sindi- ritariamente emocional. cal): Sempre fui a favor do desarmamento. portan- to, sempre fui a favor do SiM. Depois de ouvir os O formato predominante da campanha foi argumentos pró e contra, hoje estou convencido do telejornal, reafirmando o seu caráter racional de que temos que votar nãO, dia 23. por quê? e pragmático. A campanha utilizou uma jornalista como âncora, que acabou desempenhando o pa- Tabela 4 pel de oradora predominante (tabela 6). Desde Tema Predominante (% de fragmentos) a sua apresentação, no início da propaganda, a jornalista tentou passar uma atitude de imparciali- Campanha do nãO dade, parecia disposta apenas a mostrar a verdade Arma e violência para que o eleitor pudesse decidir o seu voto e não se arrepender depois. Ou seja, tratava-se de Violência entre conhecidos 0,2 um trabalho de utilidade pública e não de uma Violência entre desconhecidos 7,1 garota propaganda ávida pelo voto: Criminalidade 12,1 Acidentes com armas 3,2 Jornalista/âncora: Olá, eu sou Carmen Cestari, Suicídios 0 sou jornalista, e a partir de hoje vou conversar com vocês sobre a votação que acontecerá da- Arma e a conta para o Estado qui três semanas, dia 23. Vamos responder com o gastos públicos com a saúde 0,2 nosso voto à seguinte pergunta: “O comércio de gastos públicos com a segurança 0,6 armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?” A pergunta é essa, sobre o comércio ou Arma e a discussão da venda baseada em valores Direito 36,8 Tabela 6 estado 11,9 orador Dominante (% de fragmentos) Liberdade 2,2 Democracia 4,0 Campanha do nãO metacampanha 23 garoto propaganda 6,7 Total 100 Âncora 33,7 integrante da frente parlamentar 2,3 Tabela 5 Apelo Predominante (% de fragmentos) Off locator 29,3 Off cantor 1,9 Campanha do nãO popular 13,5 pragmático 36,6 personagem de ficção 1,9 ideológico, político e jurídico 37,1 personalidade 0,8 emocional 19,8 especialista 8,8 Documental 6,5 instrumental 1,1 Total 100 Total 100

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por um Brasil sem Armas (campanha do SiM) e comércio de armas de fogo e munição deve ser em detalhe, os dados apresentados por Soa-.
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