Margaret Mead James Baldwin OS AUTORES: MARGARET MEAD Margaret Mead nasceu em Filadélfia em 1901, e estudou no Barnard College e na Universidade de Colúmbia, onde se licen ciou em Antropologia. Em 1926 passou a pertencer à direcção Polémico ou inconformista são do American Museum of Natural History, e começou uma longa qualificações que se justificam série de estudos em düerentes partes do Pacifico. Desde então para os livros desta colecção. Li dedicou-se intensamente ao estudo da evolução cultural do ho vros discutíveis, portanto. Livros que não foram escritos para agra mem. Já tinha estudado a adolescência em Samoa; em 1928-1929 fez estudos sobre a infância· entre os Manus, seguidos por estu dar a este ou àquele leitor. Que dos das diferenças entre os homens e as mulheres e o desen abrem portas. Que fazem pensar volvimento. infantil noutras tribos da Nova Guiné. Publicou e repensar. Livros para quem não possui então Sex and Temperament in Three Primitive Societies, em uma resposta para todas as per 1936, e Male and Female, em 1949. De 1936 a 1939 fez estudos semelhantes em Bali. guntas, para todas as dúvidas. A partir de 1939 dedicou os dez anos seguintes aplicando um critério antropológico primeiro aos problemas do tempo de guerra e depois à exploração das culturas contemporâneas. Em 1953 voltou a conviver com os Manus, para registar o dramá tico progresso do pós-guerra da comunidade que ela tinha estu dado em 1928 e descrito em N ew Lives for Old. Em junho de 1969, Margaret Mead foi nomeada curator emeritus de Etno logia do American Museum of Natural History. Tem continuado a ensinar Antropologia na Universidade de Colúmbia e no De partamento de Psiquiatria do Medical College da Universidade de Cincinatti. E também presidente da Secção de Ciências Sociais do Fordham's New Liberal Arts College, em Lincoln Center. Além da presente obra, Publicações Dom Quixote editou já outro livro da autora: O Conflito de Gerações (colecção «Diá logo», n." 11). MEAD E BALDWIN JAMES BALDWIN James Baldwin é. talvez o escritor negro americano mais conhe cido · internacionalmente. Filho de um pastor baptista, nasceu a 2· de Agosto de 1924, em Harlém, o conhecido bairro negro de Nova Iorque, aí vivendo até aos 18. anos. Em 1942 abandonou a casa paterna, após concluir estudos secundários. A partir daí começa a partilhar a· sua vida entre vários ofícios e a literatura, colaborando nos jornais The Natión e The New Leader. Durante cinco -anos vive em Greenwich Village, o Saint-Germain-des-Prês O RACISMO AO VIVO nova-iorquino, onde convive com Richard Wright, o mais famoso escritor .negro dessa época,. que o incita a dedicar-se à actividade literát:ia. Em 1948 instala-se em Paris; Este exílio voluntário é-lhe material e moralmente penoso. Muitas vezes, sem recursos mas evitando recorrer a compatriotas seus, James Baldwin passa fome .e sofre os efeitos da solidão. Salva-o o encontro com Nor man Mailer e James .Jones. E no decurso da sua .permanência em Paris que publica os seus primeiros livros Go tell. it on the Mountain (1952) e Notes of a Native Bon (1955), acolhidos entusiàsticamente pela crítica ame rican~. Regressa aos Estados Unidos ein 1957. O seu livro The Fir e N ext Time ( 1963), uma recolha de artigos polémicos, · vai consagrá-lo à escala internacional, sendo traduzido em numero sos países. Entretanto, escreve várias peças de teatro, com des taque para Blues for Mister Charlie ( 1964), encenada por Elia Kasan. Participou activamente no movimento anti-segregacio nista ·e na defesa dos direitos cívicos dos negros americanos, fazendo parte da comissão nacional do Congresso para a Igual dade Racial (C. O. R. E.). Tell me how long the Train)s been gone (1968) e No Name in the Btreet (1972) contam-se entre as suas obras mais recentes. PUBLICAÇÕES· D. ·QUIXOTE I \ ·-_1_. FICHA: © J. B. Lippincott ,company, 1973. Titulo original: A Rap on Race. Editor original: J. B. Lippincott Company, Filadélfia e Nova Iorque, 1971. NOTA DO AUTOR Tradutor: Hélio Alves. Ma rgaret Me ad e James Baldwin encontraram-se Capa e orientação gráfica: Fernando Felgueiras. pela primeira vez na noite de 25 d'e Agosto de 1910. Para trocar as primeiras imprressões, estiveram juntos aproximadamente uma hora. Na noite seguinte come çaram a discussão sobre o racismo e a sociedade. Con tinuaram depois na manhã seguinte e wirula nessa mesma noite. No total a conversa durou aproximada mente sete horas e meia. Foi gravada, e este livro, O Racismo ao Vivo, é a transcrição dessa gravação. Todos os direitos para Portugal reservados por Publicações Dom Quixote, Rua Luciano Cordeiro, 119-Lisboa 26 DE AGOSTO 8 HORAS DA NOITE Baldwin: Toda a gente sabe perfeitamente há quanto tempo é que os negros cá estão. Toda a gente sabe em que medida é que os negros pertencem já ao povo americano e à vida americana. Nada disto é segredo. Nem sequer se trata de uma questão de ignorância por parte dos brancos. É antes uma questão de medo dos brancos.. M ead: Sim, eu sei. Baldwin: É por isso que tudo se torna tão histérico, tão caótico e tão completamente irremediável. Não se pode chegar lá pela razão. :JP como se todo o corpo estivesse numa ferida enorme, enormís sima, que ninguém se atreve a operar: a fechá-la, a examiná-la,. a cosê-la. M ead: Olhe, uma coisa que me tem interessado, ao ler o seu trabalho, é quando falava da América como caso absolutamente único, e, claro, quando diz que não há «negros» fora da América. Eu sei . exactamente o que quer dizer. Isso é verdade. Mas você nunca fala da África do Sul. Baldwin: Nunca falo da África do Sul porque, em ver dade, não sei nada da sociedade sul-africana. Nunca estive na África do Sul. Já estive com 11 MEAD E BALDWIN O RAOISMO AO VIVO alguns sul-africanos, de alguns dos quais gostei anos, está àbvian1ente condenado. Todo o 1nodo de e doutros não. viver, todo um modo viver está condenado. M ead: Mas, sabe, un1a coisa curiosa é que tenho no O· que significa que algures - era aqui que tado nas vozes de sul-africanos brancos, quando eu queria chegar -, algures, aconteceu um dia dizem «O meu país», as mesmas coisas que noto qualquer coisa aos brancos, não sei o que fosse, na sua quando você diz «Sou americano». que lhes ditou o sentido das realidades, que eles Baldwin: Mas isso também tem a sua lógica. Embora agora têm. Tem qualquer coisa a ver ·com o modo essa lógica seja perfeitamente hedionda. Mas não como aprendem a religião, seja o que isso for, me custa compreender isso, pois que, ao fim e na realidade. Mas é um assunto muito complexo. ao cabo, os sul-africanos brancos são uma mino Mead: Lembro-me de um rapaz cujo pai casou nova ria na África do Sul. mente, casou com uma mulher que tinha um filho Mead: E não têm outro lar. quase da mesma idade. Não havia relação de pa Baldwin: Estão lá para baixo,, no cabo do mundo, sem rentesco entre eles, claro; eram meio-irmãos. E en nada em frente deles a não ser o mar. Se-não tão o pai e a mãe, o pai do primeiro rapaz e a se trata aqui de se, qu.ando-o holocausto che mãe do segundo, tiveram um filho. E o primeiro gar não haverá ninguém que os ajude. rapaz disse: - Já sinto agora as coisas de um Mead: Ê isso. Isolaram-se a eles 1nesmos. modo diferente. Temos um irmão em comum. Baldwin: Isolaram-se completamente. É uma das coi .. Baldwin: Ah, mas isso faz uma diferença muito grande. ~as mais trágicas que há no mundo, um dos gru Mead: E'stá a ver, isto é verdade em certa medida. pos de pessoas mais trágicos que há no mundo, Porque, que eu saiba-e isto é o máximo que porque não há esperança para eles. E quando eles um branco pode dizer nos Estados Unidos-, que \dizem «é o meu país», acho que sei o que eles eu saiba, não tenho qualquer ascendência negra. querem dizer. Querem dizer que nasceram lá; que Mas você tem qualquer coisa de ascendência branca. rem dizer que sofreram e morreram pela terra- Baldwin: Sim, sim. ·em muito semelhante aos brancos do Sul. E do M ead: Portanto temos um irmão em comum. mesmo modo tão enganados como estes brancos Baldwin: Portanto temos um irmão em comum. Mas do Sul, pois que ao pintarem o quarto ficaram não estará a tragédia relacionada em parte com num canto sem saída. Estão num continente abso o facto de que a maioria dos brancos renega o lutamente hostil. No seu próprio país encon seu irmão? tram-se cercados e esmagados em número pelos M ead: Bem, há duas espécies de tragédia, e eu acho negros. E o regime branco sul-africano, que poderá que isso , é uma das coisas que temos de escla durar talvez dez - no máximo vinte e cinco - recer. Existe a tragédia de renegar o seu irmão 12 13 MEAD E BALDWIN O RACISMO AO VIVO quando existe um laço ancestral que vem desde datos negros em cinquenta anos -para a legis há, pelo menos, dez mil anos ou talvez de há cem latura do estado. Chama-se Grace Towns Hamil mil anos atrás. Quero eu dizer com isto que a ton, descendente do antigo governador do estado, minha relação com alguém da Nova Guiné e a Towns. sua relação com alguém da Nova Guiné já é de E o pai dela, George Towns, leccionou na há milhares de anos, embora sejamos todos seres Universidade de. Atlanta. Por isso, quando era humanos e pertençamos todos a uma mesma espé mais nova era conhecida pelo nome· de solteira cie. É este um dos tipos de relação a que se pode Grace Towns. Ê muito alta, esguia de membros, chamar de irmão para irmão. O outro tipo de com o tipo de estilo de mulher inglesa da classe relação deste género é quando as pessoas têm superior. E no dia em que entrou na legislatura, sido tão unidas que se relacionem realmente onde está o retrato do seu antepassado, reuniu quando se fala no sentido de relações de sangue. os meninos negros que a acompanhavam-isto Baldwin: É isso que eu quero dizer no caso do ameri para eles também foi novidade - e foi colocar-se cano negro a quem chamam preto ou negro. debaixo do retrato do seu antepassado para tirar M ead: É isto que sucede neste país, está a ver. Mas uma fotografia. Foi só isso que ela fez. Recla . neste país a relação é muito estreita. mou-o para si. Ora, nesta ocasião pensei-ouvi Baldwin: É verdade. contar esta história por alturas em que apareceu Mead: E é de outro tipo. aquela frase «negritude é beleza» - por alturas Baldwin: Bom, estou aqui a pensar. Talvez seja uma da grande modificação de pensar que se deu nos ideia estranha, mas não consigo meter-me na negros quanto à integração; tudo isto estava a ' cabeça de, digamos - estamos a falar de genera aparecer-e eu então pensei que uma das coisas lidades tão horríveis,. a falar de brancos e ne que se têm de fazer neste país é que todos os ' gros -, mas não consigo meter-me na cabeça de negros têm de reclamar os seus ascendentes bran-· ' um branco, digamos, que sabe muito bem que cos. Toda a gente tem de reclamar os seus ascen tem um filho ou uma filha ou um irmão que é dentes e os seus primos. Depois a outra coisa, legalmente negro. Ele sabe-o - não é nada que ele claro, é que neste país as pessoas adoptaram sem não saiba -e finge que não é assim. pre antepassados com quem não tinham nada a ver. M ead: No Sul não fingiam que não era assim. Baldwin: Exactamente. Baldwin: Toda a gente o sabia. Mead: Claro, felizmente que George Washington não M ead: Olhe, aqui há uns anos aconteceu uma coisa no teve filhos. E por isso foi sempre poss.ível des Sul que me interessou muito. Na Jórgia elegeram fazermo-nos dos nossos antepassados e ir tirá a primeira negra - de entre os primeiros candi- -los aos outros. Ora, isto faz-me lembrar uma 14 15 MEAD E BALDWIN O RAOISMO AO VIVO conversa que tive há anos com uma amiga minha, Portanto, nesses termos eu tinha alguns antepas chamada Rachel Davis nu· Bois. Alguma vez esteve sados brancos de primeira para compartilhar con com ela? Pertence aos Quakers, e fez uma coisa sigo. Não precisava de mais nada. chamada festival comunitário onde um grupo hete Baldwin: Sim, sim. rogéneo de pessoas se reúne contando coisas que M ead: E eu não sentia necessidade de que você com aconteceram e cantando canções. Ela tem muito partiihasse comigo os seus antepassados negros. nível. Mas agora sabemos que isso é preciso. Nessa Bom, estava ela então a contar de corno altura não sabíamos. Isto foi, acho eu, há uns havia umas pessoas que andavam aborrecidas por vinte e cinco anos, quando ela me disse isto. E a que· outros lhes estavam também a usar o nome. chave para o problema da integração;. Nessa altura Quer dizer, o nome destes era, por exemplo, Smith, falava eu de três coisas que se tinham de fazer:, e eles então passaram a usar o nome de Sturte apr~ciar as diferenças culturais, respeitar as dife vant, ou Livingston, ou qualquer coisa desse gé renças políticas e religiosas e igÍlorar a cor da nero. E eu estava a discordar da atitude dos Stur pele. Fundamentalmente, ignorar a cor da pele. ' tevants que não tinham gostado de que os outros Baldwin: Ignorar a cor da pele. Não há dúvida de que ' ' passassem a usar o nome deles, e ela virou-se isso parecia mesmo a verdade autêntica. , ·, · para mim e disse: - Gostavas de ter o Crispus M ead: Sim, mas agora já ~ã~ é. Está a ver, isto não Attuc.ks como teu antepassado? e~a realmente verdade. Estava. totalmente errado Nessa altura pensei: Porquê? Porque é que porque ... tenho de o ter como meu antepassado, não sendo Baldwin: Porque não se pode ignorar a cor da pele. ele meu antepassado? Em verdade, George Wa sh M ead: Não se pode ignorar a cor da pele. Ê real. ington também não foi antepassado de ninguém; Quando eu dizia para ignorarmos a cor da pele ... a única coisa que ele foi, foi antepassado mítico. e eu tinha tanto orgulho nisso-sabe, sentíamo Mas eu não conseguia ver a razão que me obri -nos tão orgulhosos ·quando nos esquecíamos dela. gasse a fazer do primeiro negro ·morto na Revo Baldwin: Evidentemente. lução Americana meu antepassado. Isto aconteceu M ead: Isto mesmo quando estávamos em Washington , no meio da luta pela integração, numa altura em durante a guerra e, não se esqueça, quando se podia que toda a gente estava a dizer aos negros-toda arranjar sarilhos e causar complicações a alguém a gente, isto é, os brancos que acreditavam na nos restaurantes. De qualquer maneira, lembro integração: - Compartilharemos convosco tudo o -me de que uma vez estava a ver se reunia um \ que temos. -E eles julgavam, está a ver, que grupo e tínhamos ·marcado o encontro para o edi · essa generosidade era a única coisa necessária. fício da Câmara de Comércio, porque, nesse dia, 16 17 2 O RACISMO AO VIVO MEAD E BALDWIN não consegui arranjar uma sala na Academia das Simplesmente, isto nunca me ocorrera. A questão nunca me entrara no espírito. Nunca me estivera Ciências. De repente, veio-me à ideia: Meu Deus! no espírito. Uma das pes·soas que vinha de Nova Iorque era um negro e eu não sabia a opinião da Câmara de Passei realmente uns maus bocados. De re Comércio sobre este assunto nem lhes ia agora pente senti-me como se estivesse perdido. Durante perguntar. Por isso telefonei a um padre católico os anos da minha. formação, o único quadro de. que trabalhava· com o meu grupo e pedi-lhe que ~~ferências que eu conhecera fora negro e branco. viesse completamente paramentado. Depois tele Sabe, toda a gente sabia sempre quem 'era branco fonei a um membro branco do mesmo grupo de e quem era negro. Mas de repente perdi-o; de Nova Iorque e pedi-lhe:-Podiam vir juntos? repente esse quadro de referências tinha desapare E nunca descobrimos o que pensou a Câmara de cido. E de um modo estranho-e não sei como é Comércio. Mas eu senti muito orgulho por me que isto possa fazer sentido - porque, que eu sou besse, que eu saiba até esta hora, uma vez que não ter lembrado. isso nos acontece,. esse quadro nunca mais volta. Baldwin: Por ter pensado no assunto? Mead: Não,. sentia-me orgulhosa por me não ter lem Mead: Eu é que tive de fazer isso voltar. . brado inicialmente. Nem sequer me tinha passado Baldwin: Bom, eu. . voltei para casa. Mead: Bom, eu por mim tive de passar de partidária pela ideia. Baldwin: Pois é, claro. É isso que eu quero dizer quando exclusivamente da integração para o significado do poder negro. digo ... quando ouço dizer «ignorem a cor da pele». ·Bem, a mim levou-me muito tempo para conseguir Baldwin: Também já tive de fazer Isso,. Por razões isso, e talvez nunca chegasse a consegui-lo se não muito diferentes, talvez, ou provàvelmente pelas tivesse saído da América. Sei que nunca chegaria mesmas. M_~~- não_Ip.~ _vªi ... infltiepciar_ na op~nião a consegui-lo se não tivesse saído da América. que tenho das outras p~~so~-· Está a ver, eu .s ei Foi uma grande revelação para mim quando final que a minha situação não é a mesma em que eu mente me encontrei em França, entre toda a espé estava quando Martin Luther King era viv~ . e cie de gente diferente - quer dizer, pelo menos quando estávamos a tentar, quando. estávamos diferente sob o meu ponto de vista e diferente com a esperança de causar qualquer coisa como , da que eu tinha encontrado na América. E, um uma revolução na consciência . americana, que é, dia, notei que alguém me perguntou por um amigo ao fim e ao cabo, po~ onde se tem cl~ ç9meçar meu que, de facto, quando pensei nisso, é possi de qualquer modo. Claro que isso agora já lá. velmente da Ãfrica do Norte, mas na realidade vai. Já lá vai porque a República nunca teve a não me conseguia lembrar se era branco ou negro. coragem, ou a capacidade, o11 o que quer que fosse 19 18