12ª edição Organização Ursula Ludz Prefácio Kurt Sontheimer Tradução Reinaldo Guarany Rio de Janeiro | 2018 Copyright © R. Piper GmbH & Co., Munchen 1993 Título original: Was ist Politik? Capa: Leonardo Carvalho Editoração eletrônica da versão impressa: Imagem Virtual Editoração Ltda. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS. RJ Arendt, Hannah, 1906–1975 A727q O que é política? [recurso eletrônico] / Hannah Arendt; organização Ursula Ludz; tradução Reinaldo Guarany; Kurt Sontheimer. – 12ª ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2018. recurso digital Tradução de: Was ist Politik? Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web Inclui apêndice ISBN 978-85-286-2276-8 1. Arendt, Hannah, 1906–1975. 2. Ciência política. 3. Livros eletrônicos. I. Ludz , Ursula. II. Guarany, Reinaldo. III. Sontheimer, Kurt. IV. Título. CDD: 320 CDU: 32 Todos os direitos reservados pela EDITORA BERTRAND BRASIL LTDA. Rua Argentina, 171 – 2º andar – São Cristóvão 20921-380 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 2585-2070 Fax: (21) 2585-2087 Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem a prévia autorização por escrito da Editora. Atendimento e venda direta ao leitor: [email protected] ou (21) 2585-2002 Sumário Prefácio, de Kurt Sontheimer Agradecimentos, de Ursula Ludz Primeira parte: Textos de Hannah Arendt 1. O que é Política? 2. Introdução à Política I (a) O Preconceito contra a Política e o que é de fato Política hoje (b) Preconceito e Juízo 3. Introdução à Política II (a) Introdução: Tem a Política ainda algum sentido? (b) Capítulo I: O Sentido da Política (c) Capítulo II: A Questão da Guerra (d) Introdução: O Sentido da Política Segunda parte: Comentário da Editora Planos de Hannah Arendt para uma “Introdução à Política” 1. Sobre a Datação e Ordem dos manuscritos 2. A “Introdução à Política” nas Obras Completas de Arendt 3. Sobre os Textos Encontrados 4. “A Posição Socrática”; “Pluralidade das Formas de Estado”: dois capítulos não escritos 5. Um possível capítulo �nal: “De Deserto e de Oásis” Terceira parte: Apêndice 1. Documentos para o Planejamento da “Introdução à Política” 2. Notas dos Textos de Hannah Arendt 3. Notas do Comentário da Editora 4. Informações Editoriais Prefácio Os fragmentos das obras póstumas de Hannah Arendt, impressos aqui pela primeira vez, não mudam em princípio nosso atual conhecimento do pensamento político da �lósofa judeu-alemã, mas eles representam uma elucidação e aprofundamento com respeito à discussão de algumas posições fundamentais de sua �loso�a política. Esses textos proporcionam ao leitor o encontro com um �losofar original sobre a política, de cuja sugestão idiomática e pensante quase não se pode esquivar mesmo quando se está acostumado a compreender, de outra maneira teórica, a pergunta “o que é política?”. Embora os trechos impressos representem apenas parte do esforço de Hannah Arendt para responder, de forma abrangente, à indagação sobre a natureza da coisa política para nosso tempo, ainda assim eles nos dão uma ideia essencial de seu �losofar político, de sua visão de mundo, da independência e originalidade inconfundíveis de seu pensamento e de seus escritos. Quem estiver disposto a se abrir para o mundo intelectual de uma grande pensadora independente e comprometida com a verdade, vai ter muito o que explorar nestes artigos não dispostos de modo sistemático. É o encontro com um pensamento que proporciona uma orientação no mundo: apesar das condições e perspectivas sombrias que tal orientação contém em meados do século XX, fornece coragem ao mesmo tempo para novos começos e para um agir responsável em liberdade. * * * A pergunta de Hannah Arendt sobre o sentido positivo da “coisa política” parte de duas experiências básicas de nosso século, que ofuscaram esse sentido e transformaram-no em seu oposto: o surgimento de sistemas totalitários na forma do nazismo e do comunismo, e o fato de que hoje em dia a política dispõe de meios técnicos, na forma da bomba atômica, para exterminar a Humanidade e, com ela, toda espécie de política. As experiências que tivemos com a política em nossa era, foram e são tão calamitosas que nos fazem duvidar, sim, desesperar, de um sentido da política. “As guerras e as revoluções e não o funcionar de governos parlamentares e aparatos de partido formam as experiências políticas básicas de nosso século.” Os sistemas totalitários, cujo surgimento Hannah Arendt analisou em seu grande livro sobre o totalitarismo, são a forma mais extrema de desnaturação da coisa política, posto que suprimem por completo a liberdade humana, submetendo-a ao �uxo de uma determinação histórica ideologicamente fundamentada, contra a qual é impossibilitada toda resistência individual livre por meio do terror e do domínio da ideologia. Diante desse pano de fundo, Hannah Arendt lembra, em abordagens sempre novas, a ideia da “coisa política” que a�ora pela primeira vez na história na polis grega, e que é idêntica à liberdade. Além disso, ela constata: “A política baseia-se no fato da pluralidade dos homens”, ela deve, portanto, organizar e regular o convívio de diferentes, não de iguais. Distinguindo-se da interpretação geral comum do homem enquanto um zoon politikon (Aristóteles), em consequência da qual o político seria inerente ao ser humano, Arendt acentua que a política surge não no homem, mas sim entre os homens, que a liberdade e a espontaneidade dos diferentes homens são pressupostos necessários para o surgimento de um espaço entre homens, onde só então se torna possível a política, a verdadeira política. “O sentido da política é a liberdade.” Apesar das experiências de calamidade que o homem moderno teve com o político, Arendt acredita “ser evidente que o homem é dotado, de uma maneira altamente maravilhosa e misteriosa, do dom de fazer milagre”, a saber: ele pode agir, tomar iniciativas, impor “um novo começo”. “O milagre da liberdade está contido nesse poder começar que, por seu lado, está contido no fato de que cada homem é em si um novo começo, já que através do nascimento veio ao mundo que existia antes dele e continuará existindo depois dele.” A compreensão da política para a qual Hannah Arendt quer abrir nossos olhos e por ela é vinculada com as ideias da liberdade e da espontaneidade humanas, para a qual deve haver um espaço para o desenvolvimento, quer dizer, um espaço para a política, está muito acima da compreensão usual e mais burocrática da coisa política, que realça apenas a organização e a garantia da vida dos homens. Sua ideia do político nasceu, é verdade, da lembrança da antiga polis grega, mas que, não obstante, sempre pode ser realizada de novo. A política nesse verdadeiro sentido aparece raras vezes na História, ela se manifesta “em poucos grandes acasos felizes da História”, mas que por isso são decisivos, porque neles se manifesta por completo o sentido da política, que continua atuando na História. A política de hoje também não pode prescindir dessa lembrança e presenti�cação de seu verdadeiro sentido, a �m de poder permanecer livre e humana. A desgraça da política no século XX não reside no fato de que surgiram terríveis regimes totalitários que apagaram a liberdade como característica essencial do político, mas sim no fato de que seu surgimento levou a também os sistemas políticos, que pretendem ser liberais, correrem o perigo de ser infectados pelo bacilo totalitário. “Se um princípio de tamanha envergadura (...) chega ao mundo, é quase impossível limitá-lo.” Por isso não podemos simplesmente nos contentar hoje com o desaparecimento histórico do fascismo e do comunismo, senão que devemos continuar conscientes de que a restrição da liberdade, a repressão da espontaneidade humana e a corrupção do poder através da violência também são uma ameaça constante para a política dos pretensos sistemas liberais. Por isso, a alta compreensão política de Hannah Arendt continua atual e digna de re�exão mesmo depois do declínio dos sistemas totalitários outrora poderosos. * * * O pensamento político de Hannah Arendt é independente e original; di�cilmente pode ser classi�cado nos esquemas tradicionais da teoria política. Arendt tampouco pode ser acomodada nas categorias de direita e esquerda que determinam o debate político público. Ela é realista e idealista ao mesmo tempo. Não nutre nenhuma ilusão sobre o estado do mundo e insiste com �rmeza que, tal como está, não deve �car nem continuar, se tivermos em mente o essencial. Essa re�exão levou-a, em vista do primado da necessidade e do cuidado com a existência, dominante na política, a relacionar a política com “chance e espaço da liberdade”, a frisar a importância do agir e da realização pessoal, em comparação com a �xação da pura produção de produtos, a contrapor o valor mais elevado da felicidade pública à caça ao interesse privado e à boa vida. Num tempo politicamente medíocre, ela procurou as origens da política não no sentido de uma vida realizada e livre em associação com outros, com o reconhecimento de suas diferenças. “Hannah Arendt entende o teorizar como um ato do reencontrar, do recuperar o sentido perdido, do lembrar” (Sheldon S. Wolin). Quando ela relata, ao lembrar a polis grega e as ideias de Aristóteles, qual é o verdadeiro sentido da política, quer chamar nossa atenção hoje, em meio às calamidades cotidianas e insu�ciências da política prática, para o fato de que não devemos nem podemos contentar-nos com isso. Apesar de todas as experiências contrárias, ela jamais perdeu sua con�ança básica na possibilidade de o homem atuante começar de novo, de fazer a coisa diferente. Enquanto os homens puderem agir, escreveu ela num desses textos, eles serão capazes de fazer o improvável e o incalculável. Assim, a mesma Hannah Arendt que, em suas análises do totalitarismo e da perda do sentido político em nosso mundo, contribuiu com tanta coisa importante e deprimente para nosso conhecimento histórico, jamais se entregou ao pessimismo, muito menos ao cinismo, senão que sempre honrou a crença na liberdade e na espontaneidade do homem — e até