UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO – FAHUD PPGE – MESTRADO EM EDUCAÇÃO SAMUEL ROCHA DE OLIVEIRA O PROCESSO EDUCACIONAL DA CULTURA INDÍGENA TICUNA NA REGIÃO DO ALTO SOLIMÕES SÃO BERNARDO DO CAMPO 2012 SAMUEL ROCHA DE OLIVEIRA O PROCESSO EDUCACIONAL DA CULTURA INDÍGENA TICUNA NA REGIÃO DO ALTO SOLIMÕES Dissertação apresentada como exigência parcial, ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, da Faculdade de Humanidades e Direito – FAHUD, para a obtenção do titulo de Mestre em Educação. Orientação: Profa. Dra. Zeila de Brito Fabri Demartini, SÃO BERNARDO DO CAMPO 2012 1 A dissertação de mestrado sob o título “O processo educacional da cultura indígena Ticuna na região do Alto Solimões”, elaborada por Samuel Rocha de Oliveira foi apresentada e aprovada em 22 de agosto de 2012, perante banca examinadora composta por Profa. Dra Zeila de Brito Fabri Demartini (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Luiz Jean Lauand (Titular/UMESP) e Profa. Ana Maria de Melo Negrão (Titular/UNISAL). __________________________________________ Profa. Dra Zeila de Brito Fabri Demartini Orientadora e Presidente da Banca Examinadora __________________________________________ Profa. Dra. Roseli Fischmann Coordenadora do Programa de Pós-Graduação Programa: Pós-Graduação – Mestrado em Educação Área de Concentração: Educação Linha de Pesquisa: Formação de Educadores 2 Dedico este trabalho aos meus pais: Ivan Nunes de Oliveira e Idete Rocha de Oliveira que me deram o dom mais precioso do universo, A VIDA, mas não se contentando em nos presentear com ela, ensinaram-nos a vivê-la, com dignidade, revestindo nossa existência de amor, carinho e dedicação. Fazemos de nossas conquistas um instrumento de gratidão. A vocês que muitas vezes deixaram de realizar os próprios sonhos para que pudéssemos realizar os nossos, não apenas 'muito obrigado', mas um pedido de amor: Ajudem-nos mais uma vez a acreditar que podemos caminhar sozinhos. 3 AGRADECIMENTOS Senhor, quão grande é o nosso dilema! Na Tua presença seria melhor nos calarmos, mas o amor inflama os nossos corações e nos constrange a falar. Se fôssemos manter silêncio, as próprias pedras clamariam; mas, se abrimos a boca, que devemos dizer? Ensina-nos, ó Deus, que tu não tens necessidade de nada. Se nada é necessário a Ti, então também ninguém é necessário, e este ninguém nos inclui. Tu nos buscaste, embora não tenha necessidade de nós. Nós te buscamos porque precisamos de Ti, pois em Ti vivemos, nos movemos e existimos. Senhor tenho que falar de Ti, para que não ofenda com meu silêncio a geração de Teus filhos. Tu escolheste as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias e as coisas fracas para confundir as fortes. Ó Senhor, não me desampare. Que eu passe a mostrar a Tua força e o Teu poder a todos que nesta geração vierem a Ti. Que a fé nos sustente onde a razão nos falha e assim, pensaremos porque cremos, e não para que creiamos. Sou grato a Ti Senhor, pela Francielis, companheira que me deste, nos momentos que me encontrava pusilânime, ela com sua sabedoria me encorajou e me motivou a perseguir na caminhada. Agradeço também, por ser agraciado por Ti com benção especial, com as minhas filhas Samara e Sara, que são para mim prova do Teu amor e fidelidade para comigo. Sou grato a Ti Senhor pela oportunidade a mim concedida de receber o apoio da CAPES – Modalidade I – sem o qual a realização deste trabalho não teria sido possível. Agradeço-Te ainda pela inteligência concedida à minha orientadora Prof. Dra. Zeila de Brito Fabri Demartini, e pela missão que deste aos docentes: Prof. Dra. Marília Dura, Prof. Dr. Elydio dos Santos Neto, Prof. Dr. Décio Azevedo Marques de Saes, Profa. Dra. Graça Graúna (indígena Potiguara/RN), Profa. Dra. Roseli Fischmann, Profa. Dra. Maria Leila Alves, Prof. Dr. Jean Lauand e também ao saudoso Prof. Dr. Danilo Di Mano, que de uma forma magnífica nos fizeram ficar mais próximos do conhecimento e neste conhecimento pudemos avançar com toda a esperança e confiança, por todos os anos vindouros. Amém! 4 Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” Paulo Freire (1977, p. 27). 5 RESUMO Esse trabalho busca analisar o sistema educacional na tribo Ticuna, localizada na região do Alto Solimões, estado do Amazonas, onde estou há 21 anos em contato permanente com os índios Ticuna. Com o passar dos anos tenho observado que a cada dia, e de forma mais intensa, a manutenção de sua cultura vem sofrendo com o processo de influência da cultura não índia. Nesse trabalho realiza-se um levantamento histórico referente à possível existência de duas correntes educacionais entre os professores Ticuna. Uma considera importante um ensino bilíngue, o estudo dos mitos e costumes para preservação da cultura; a outra acredita que é inócuo estudar os mitos e outros aspectos culturais, que podem ser apreendidos no dia a dia, defendem que os índios precisam de uma educação igual a dos não indígenas, para competir no mercado em condições de igualdade. Inicialmente propõe-se uma busca histórica sobre o processo educacional relacionado à cultura Ticuna fora da escola, procurando verificar as relações entre o que é transmitido pela escola e o que se evidencia no cotidiano Ticuna. Em seguida, realiza-se uma análise de como se processa a educação implantada no meio Ticuna sob o título ―Educação Indígena‖. Destacam-se os fatores que influenciaram a fundação da escola, sua localização e aspectos relacionados ao meio físico, econômico, social e cultural, bem como, o ambiente humano e de aprendizagem, dados esses que subsidiam o objetivo proposto para este trabalho. Procura-se verificar se a educação desenvolvida na escola indígena cumpre o papel de estar constantemente buscando alternativas para uma educação que seja apropriada à sobrevivência da cultura Ticuna, uma educação adequada à realidade cultural. A pesquisa baseia-se em levantamento de dados através de documentos, como também em entrevistas com lideranças, professores e idosos da Tribo Ticuna; também na observação direta, com anotações feitas em caderno de campo. O processo de assimilação e influência da cultura não índia predomina na região do Alto Solimões e tem ―esmagado‖ a cultura Ticuna, fazendo com que muitos já não queiram mais pescar, caçar ou viver como produtores ou coletores. É necessário buscar alternativas educacionais para a escola indígena Ticuna, em uma educação que seja apropriada para a sobrevivência de sua cultura e ao mesmo tempo minimize o preconceito enfrentado por esse povo. As lideranças e professores Ticuna esperam que a escola ajude na preservação e valorização de sua cultura. O prejuízo causado à educação cultural dos índios Ticuna é grande, a maioria dos jovens e crianças não são conhecedores dos significados dos rituais religiosos, mitos, lendas e crenças. Muitas vezes sabem até realizar o ritual, mas parece mais uma imitação de gestos, que se desvincula do seu real sentido. Espera-se que ao final dessa pesquisa sejamos capazes de utilizar o material desenvolvido para reflexão e que ela talvez possa servir como ponto de partida para os professores Ticuna na elaboração de diretrizes e desenvolvimento de um novo paradigma educacional que valorize mais a cultura. Palavras-Chave: Etnia Ticuna; Educação; Repasse Cultural; Assimilação cultural; Escola indígena. 6 ABSTRACT SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................11 1 TICUNA: UM POVO NO ALTO SOLIMÕES...........................................................20 1.1 O TERRITÓRIO TICUNA.....................................................................................23 1.2 O RELAÇÃO COM OS NÃO INDÍGENAS...........................................................26 2 PRÁTICAS NO COTIDIANO TICUNA: A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL DOS TICUNA.....................................................................................................................29 2.1 O CASAMENTO – AS METADES EXOGAMICAS..............................................36 2.2 O NASCIMENTO.................................................................................................39 2.3 A MORTE.............................................................................................................39 3 SISTEMA EDUCACIONAL: EDUCAÇÃO INDÍGENA E EDUCAÇÃO PARA OS ÍNDIOS.......................................................................................................................41 3.1 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL: ALGUMAS OBSERVAÇÕES........................................................................................................42 3.2 EDUCAÇÃO PARA ÍNDIOS, IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA................................47 3.3 A ESCOLA NA COMUNIDADE INDÍGENA DE UMARIAÇU I ............................51 3.3.1 A Situação da Escola.......................................................................................53 3.3.2 Pessoal, Instalações, Equipamentos Material Didático e Verbas que a Escola Dispõe........................................................................................................................53 3.3.3 A População Alvo da Escola.............................................................................55 3.3.4 O Currículo em Função da Necessidade dos Alunos......................................55 3.3.5 Projetos Desenvolvidos.....................................................................................55 3.3.6 Conselho Escolar..............................................................................................56 3.3.7 A Situação da Merenda.....................................................................................56 3.3.8 Deficiências Detectadas na Escola...................................................................59 3.3.9 Etno Educação Indígena...................................................................................60 3.4 EDUCAÇÃO INDÍGENA: APRENDIZAGEM TICUNA........................................62 4 A EDUCAÇÃO NO OLHAR DO INDIGENA...........................................................79 4.1 EDUCAÇÃO PARA SE TORNAR ―CIVILIZADO‖................................................85 4.2 AS MUDANÇAS OCORRIDAS NA EDUCAÇÃO DA ALDEIA.............................87 4.3 O CONTATO COM OS OUTRO: VENCENDO O PRECONCEITO.....................89 4.4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS NO ALTO SOLIMÕES.............91 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................94 REFERÊNCIAS........................................................................................................102 APÊNDICES.............................................................................................................106 APÊNDICE A – Roteiro das Entrevistas...................................................................106 APÊNDICE B – Entrevistas......................................................................................107 LISTA DE SIGLAS BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento CEB – Câmara de Educação Básica CETAM – Centro de Treinamento Profissional CGTT – Conselho Geral das Tribos Ticuna CONSED – Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação CNE – Conselho Nacional de Educação FUNAI - Fundação Nacional do Índio IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDAM – Instituto de Desenvolvimento do Amazonas LDB – Lei de Diretrizes e Base da Educação LDBEN – Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional MEC – Ministério de Educação e Cultura NEIs. – Núcleo de Educação Indígena OGPTB – Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngues ONGs – Organizações não Governamentais OSPTAS – Organização de Saúde do Povo Ticuna do Alto Solimões RCNEI – Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas SEMED – Secretaria Municipal de Educação SPI – Sistema de Proteção ao Índio 8 TCC – Trabalho de Conclusão de Curso UNDIME – União dos Dirigentes Municipais de Educação UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Caixa Econômica em Belém do Solimões............................................... 23 Figura 2 – Eware I e II (Território Ticuna)..................................................................24 Figura 3 – Inscrição no muro do Comando de Fronteira do Alto Solimões CFSOL 8º BIS........................................................................................................25 Figura 4 – Casa Ticuna..............................................................................................28 Figura 5 – Pinturas artísticas dos Ticuna...................................................................30 Figura 6 – Peixe Cozido.............................................................................................31 Figura 7 – Peixe moqueado.......................................................................................31 Figura 8 – Preparo da Farinha de mandioca.............................................................31 Figura 9 – Ajuri Ticuna (mutirão)...............................................................................33 Figura 10 – Cestos, tipitis e peneiras para o trabalho diário.....................................34 Figura 11 – Privada encontrada em comunidade indígena.......................................52 Figura 12 – Escola o‘i Tchürüne................................................................................53 Figura 13 – Fachada da Escola o‘i Tchürüne............................................................53 Figura 14 – Adubando a horta escolar......................................................................57 Figura 15 – Plantação de hortaliças na escola..........................................................57 Figura 16 – Plantação de hortaliças na escola..........................................................58 Figura 17 – Plantação de coqueiros na escola..........................................................59 Figura 18 – Pintura dos deuses Yo‘i e Ipi...................................................................66 Figura 19 – Desenho do Curupira..............................................................................73 9
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