O pitagorismo como categoria historiográfica Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiográfica Gabriele Cornelli Todos os volumes desta série são sujeitos a arbitragem científica independente. Autor Gabriele Cornelli Título O pitagorismo como categoria historiográfica Editor Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra Edição: 1ª/ 2011 Coordenador Científico do Plano de Edição Maria do Céu Fialho Conselho editorial José Ribeiro Ferreira, Maria de Fátima Silva, Francisco de Oliveira e Nair Castro Soares Director Técnico da Colecção: Delfim F. Leão Concepção Gráfica e Paginação: Rodolfo Lopes, Nelson Ferreira Impressão: Simões & Linhares, Lda. Av. Fernando Namora, n.º 83 Loja 4. 3000 Coimbra ISBN: 978-989-8281-95-1 ISBN Digital: 978-989-8281-96-8 Depósito Legal: 331578/11 ©Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra © Classica Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis (http://classicadigitalia.uc.pt) POCI/2010 Reservados todos os direitos. Nos termos legais fica expressamente proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio, em papel ou em edição eletrónica, sem autorização expressa dos titulares dos direitos. É desde já excecionada a utilização em circuitos académicos fechados para apoio a lecionação ou extensão cultural por via de e-learning. Sumário Lista de Abreviações 7 Apresentação 9 Introdução 13 Nota prévia 18 Agradecimentos 19 Parte I. História da crítica: de Zeller a Kingsley 1.1 Zeller: o ceticismo dos começos 23 1.2 Diels: uma coleção “zelleriana” 30 1.3 Rohde: a reação ao ceticismo 32 1.4 Burnet: o duplo ensinamento dos acusmáticos e matemáticos 34 1.5 Cornford e Guthrie: em busca da unidade entre ciência e religião 37 1.6 De Delatte a De Vogel: pitagorismo e política 42 1.7. O testemunho único de Aristóteles e a incerta tradição acadêmica 52 1.8 De Burkert a Kingsley: terceira-via e misticismo na tradição pitagórica 59 1.9 Conclusão 69 Parte II. O pitagorismo como categoria historiográfica 2.1 Interpretar interpretações: dimensão diacrônica e sincrônica 73 2.2 Identidade pitagórica 77 2.3 A koinonía pitagórica 83 2.4 Acusmáticos e matemáticos 98 2.5 Conclusão 104 Parte III. Imortalidade da alma e metempsicose 3.1 “É a alma?” (Xenófanes) 112 3.2 “Sábio mais do que todos” (Heráclito e Íon de Quios) 118 3.3 “Dez ou vinte gerações humanas” (Empédocles) 121 3.4 Platão e orfismo 123 3.4.1 “Compreender o lógos de seu ministério” 124 3.4.2 Hierarquia das encarnações 129 3.4.3 Sôma-sêma 130 3.4.4 Mediação pitagórica 138 3.5 Heródoto, Isócrates e o Egito 143 3.6 Lendas sobre a imortalidade 146 3.7 Demócrito pitagórico? 149 3.8 Aristóteles e os mitos pitagóricos 152 3.9 Conclusão 157 Parte IV. Números 159 4.1 Tudo é número? 163 4.1.1 Três versões da doutrina pitagórica dos números 163 4.1.2 Duas soluções 171 4.1.3 A “solução” filolaica 174 4.1.3.1 Um livro ou três livros? 174 4.1.3.2 Autenticidade dos fragmentos de Filolau 176 4.1.3.3 A tradição pseudoepigráfica dórica 178 4.1.4 A exceção aristotélica (Met. A 6, 987b) 182 4.1.5 O testemunho platônico (Phlb. 16c-23c) 189 4.2 Os fragmentos de Filolau 195 4.2.1 Ilimitados/limitantes 195 4.2.2 O papel dos números em Filolau 200 4.3 Conclusão 208 Conclusão 213 Bibliografia 223 Fontes Primárias 223 Fontes Secundárias 228 Index locorvm 247 Index nomInvm 253 Index rervm 259 Lista de abreviações Ael. = Aeliano aEC = antes da Era Comum (= a.C.) Aesch. = Ésquilo Anon. Phot. = Anônimo de Fócio. Thesleff Arist. = Aristóteles Crat. = Platão. Crátilo D. L. = Diógenes Laércio De Abst.= Porfírio. A abstinência dos animais De an. = Aristóteles. De anima De Comm. Mathem. = Jâmblico. De communi mathematica scientia Diod. Sic. = Diodoro Sículo DK = Diels-Kranz EC = Era Comum (= d.C.) EN = Aristóteles. Ética Nicomaqueia FGrHist = Die Fragmente der Griechischen Historiker. Jacoby Gell. = Aulus Gellius, Noctes Atticae Gorg. = Platão, Górgias Herodt.= Heródoto Iambl. = Jâmblico Il. = Homero. Ilíada In Metaph. = Alexandre de Afrodísia. Comentários sobre a Metafísica de Aristóteles Leg. = Platão. Leis lit. = literalmente Men. = Platão. Mênon Met. = Aristóteles. Metafísica Metam. = Ovídio. Metamorfoses Mete. = Aristóteles. Metereologica n = nota Od. = Homero. Odisséia Orig. = No original P. Derv. = Papiro Derveni Phaed. = Platão. Fédon Phaedr. = Platão. Fedro Phot. Bilb. = Biblioteca Phlb. = Platão. Filebo Phys. = Aristóteles. Física PL = Patrologia Latina. Migne Porph. = Porfírio Procl. In Tim. = Proclo. Comentário ao Timeu Prom. = Ésquilo. Prometeu Resp. = Platão. República 7 Retr. = Agostinho. Retractationes Schol. In Phaedr. = Escólios sobre o Fedro. Greene Schol. In Soph. = Escólios sobre Sófocles. Elmsley Soph. El. = Sófocles. Electra Speusip. = Espeusipo Stob. = Estobeu. Anthologium Syrian In Met. = Siriano, Comentário à Metafísica de Aristóteles Theophr. Met. = Teofrasto. Metafísica VH = Aeliano. Varia Historia Vitae = Diógenes Laércio. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres VP = Porfírio: Vida de Pitágoras ou Jâmblico: Vida Pitagórica 8 Introducción - Objetivo y contenidos del libro Apresentação Este trabalho não pretende ser, programaticamente, uma ulterior interpretação das doutrinas pitagóricas a acrescentar às muitíssimas interpretações já existentes. Parafraseando uma afirmação de Dodds a propósito dos Órficos, mas que se poderia retomar mesmo a propósito dos primeiros Pitagóricos, poder-se-ia afirmar, de facto, que quanto mais lemos sobre o assunto, menos o conhecemos. O trabalho de Cornelli, pelo contrário, se apresenta declaradamente como uma contribuição para o esclarecimento da “questão pitagórica”, quer dizer, o autor segue os indícios da história das muitas interpretações que, desde a antiguidade, se sucederam na caracterização da complexa articulação do fenómeno do pitagorismo. Isto é o que Cornelli entende por compreensão do pitagorismo como “categoria historiográfica”. O que não significa que, ao joeirar as diversas doutrinas pitagóricas no momento em que aparecem e quando determinam a imagem de um tipo de pitagorismo ou de outro, Cornelli não deixe de tomar uma posição própria. Posições com as quais quem escreve por vezes concorda, por vezes não. Mas isso é normal, no nosso campo de estudos. Aquilo com o qual se concorda absolutamente, creio, é quer a metodologia de abordagem dos vários problemas, quer aquela com que se enfrenta o estudo deles para chegar a eventuais soluções. Portanto, o trabalho propõe-se como uma atenta apresentação das fontes primárias e das secundárias: as fontes primárias são muitíssimas, diria quase completas, e é riquíssimo o exame dos estudos historiográficos citados, que abarcam quase todas as tendências e interpretações do pitagorismo, de Zeller aos nossos dias. Neste “labirinto”, Cornelli mostra saber orientar-se bem e possuir os instrumentos filológicos e filosóficos necessários para fazer isso. Naturalmente, parafraseando desta feita uma citação de Maria Timpanaro Cardini que Cornelli também usa, o seu trabalho, embora não seja definitivo (como, de resto, todos os nossos trabalhos), escapa a dois perigos das pesquisas 9 El Legado de Tucídides en la Cultura Occidental - Discursos e Historia deste gênero, isto é, não é inútil nem é insuficiente. Eu diria que o seu maior valor consiste precisamente em ter oferecido aos estudiosos do assunto um “mapa” inteligente e cuidadoso para nos orientarmos no labirinto da “questão pitagórica”, dando-nos a possibilidade de enveredar por novos estudos sobre o assunto com uma maior consciência histórica e hermenêutica. O trabalho está estruturado em quatro capítulos. O primeiro é dedicado precisamente à história da crítica, de Zeller aos nossos dias. Cornelli mostra que já na antiguidade se tinha colocado a questão espinhosa da autenticidade dos escritos atribuídos aos Pitagóricos, questão que, se com Iâmblico o fazia suplicar aos deuses que lhe dessem a capacidade de orientar-se, já no seu tempo, por entre a quantidade de escritos espúrios e “falsos” sobre a filosofia pitagórica, com Zeller o fazia pôr em dúvida a possibilidade mesma de falar da existência de um sistema pitagórico. Problemas antigos, portanto, que se apresentavam aos que enveredavam pelos estudos do pitagorismo. (Gostaria agora de observar, entre parênteses, que a existência destes problemas, além da sua precisa consciência, não impediu Jâmblico, nem Zeller, nem todos os estudiosos que enfrentaram o assunto, até mesmo Cornelli, de tomar uma posição específica quanto a ele, e de oferecerem uma interpretação própria do fenómeno do pitagorismo. Mas penso que isto é inevitável, porque se é verdade que o passado é por definição o que já não existe, as interpretações do passado sucedem-se e constituem o modo específico com o qual esse passado continua a existir). Cornelli reconstrói, portanto, a história destes problemas, começando pela famosa controvérsia sobre a distinção entre a dimensão religiosa e a dimensão científica presentes no primeiro pitagorismo, que de Burnet a Cornford até aos nossos dias continua a fazer discutir os estudiosos, e que viu emergir as soluções mais diversas, que ainda hoje se mostram dificilmente conciliáveis. O segundo capítulo enfrenta precisamente a questão do pitagorismo como “categoria historiográfica” e ele é visto com a consciência da sua dupla dimensão, diacrônica e sincrónica. Cornelli está justamente da parte de quem se propõe superar as rígidas dicotomias de uma historiografia habituada a distinguir ciência de magia, ou escrita de oralidade. E com este método enfrenta questões importantes como o caráter elitista da “escola” pitagórica, a questão da vida em comum e da comunhão de bens, a questão da amizade, até chegar à famigerada distinção entre acusmáticos e matemáticos no interior da escola e, por conseguinte, à questão do “silêncio pitagórico”. É precisamente do exame destas questões que Cornelli faz emergir as contradições que derivam da rígida aplicação daquelas dicotomias: Hípaso, por exemplo, era e é apresentado ou como acusmático ou como matemático. E a propósito desta última distinção, acho que talvez se possa concordar com Cornelli quando diz que ela não dizia respeito a dois graus distintos da afiliação à koinonía pitagórica, mas a dois grupos no interior do próprio movimento pitagórico. E este é precisamente um daqueles casos de que falava antes, isto é, de uma “tradição” consolidada, sim, mas que deve ser completamente interpretada com os nossos instrumentos hermenêuticos. 10 Introducción - Objetivo y contenidos del libro O terceiro capítulo enfrenta um dos temas mais candentes da tradição pitagórica, o da imortalidade da alma e da metempsicose. Pessoalmente, reconheço, estou convencido de que este tema sempre foi tratado inevitavelmente partindo de convicções pessoais e próprias do intérprete, que em seguida reflete sobre os documentos antigos. É uma questão sobre a qual, mais do que sobre todas as outras, as posições dos intérpretes são decisivamente contrapostas e tenazmente defendidas com uma capacidade, para não dizer casmurrice, de encontrar nos antigos documentos suportes para a própria e pessoal perspetiva. Este é também o ponto sobre o qual as opiniões de quem escreve e as do Autor divergem; mas naturalmente este não é o momento para expor as minhas argumentações. Cornelli examina as fontes antigas, de Heraclito a Heródoto, até Platão e Aristóteles, para chegar a uma aceitação das duas doutrinas da imortalidade da alma e da metempsicose referidas aos primeiros Pitagóricos. Embora discorde pessoalmente das conclusões de Cornelli, quero realçar pelo menos um ponto sobre o qual não há desacordo, que é o destaque do sentido com o qual Platão se apropria de (segundo Cornelli), usa as (na minha opinião) doutrinas pitagóricas e as órficas, que é precisamente um sentido ético, com vista a uma refundação moral da vida humana. O quarto capítulo diz respeito a outro aspeto importante das doutrinas pitagóricas, o dos números. Naturalmente os testemunhos mais importantes sobre este aspeto são os aristotélicos, que Cornelli examina de maneira crítica, juntamente com as mais importantes tomadas de posição historiográfica, como a de Cherniss, por exemplo. No âmbito deste problema o Autor enfrenta uma questão muito debatida hoje, a da autenticidade dos fragmentos de, e das informações sobre, Filolau de Crotona. Questão que Cornelli resolve positivamente, grosso modo, parece-me, na esteira das recentes e sólidas tomadas de posição historiográficas. Para chegar, por fim, a uma tese historiográfica própria e partilhável: Filolau não defende, ao contrário do que lhe atribui Aristóteles, que toda a realidade é número, mas – coerentemente com o que me parece ser uma conotação importante do primeiro pitagorismo – que a realidade é cognoscível através do número. Concluindo, penso, como já disse, que este trabalho constitui uma utilíssima ferramenta para quem queira orientar-se com uma maior consciência histórica e hermenêutica na intrincada “questão pitagórica”. Giovanni Casertano (tradução de Maria da Graça Gomes de Pina) 11
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