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O Paraíso Proibido. A censura ao paraíso brasileiro, a Igreja Portuguesa e a Restauração de Portugal entre Salvador, Lisboa e Roma. PDF

131 Pages·2016·40.14 MB·Portuguese
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o Paraíso Proibido CARLOS ZILLER CAMENIETZKI o Paraíso Proibido A censura ao paraíso brasileiro, a Igreja Portuguesa e a Restauração de Portugal entre Salvador, Lisboa e Roma Multifoco EDITORA MULTIFOCO RiodeJaneiro, 2014 EDITORA MULTIFOCO Simmer & Amorim Edição e Comunicação Ltda. Av. Mem de Sã, 126, Lapa Rio de janeiro - Rj CEP 20230-152 À memória de Adriano da Gama Kury REVISÃO Flavia Ramos CAPAjoão Carlos Guedes Pereira DIAGRAMAÇÃO Wallace Escobar O Paraíso Proibido CAMENIETZKI, CarIos Ziller 1a Edição Julho de 2014 ISBN: 978-85-8273-783-5 Todos os direitos reservados. Éproibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem prévia autorização do autor e da Editora MuItifoco. Sumário Introdução Capítulo I - Urna Crônica e seus Problemas 24 Capítulo 11- Briga de Padres Os orientações de urna Visitação 53 Os desfeitos da Visitação 72 O desfecho da Visitação 84 Capítulo 111- O Paraíso Censurado 102 Capítulo IV - O Serviço de Deus A Igreja Portuguesa em época de tensão 128 O pleito dos padres 149 Capítulo V - Fare il Portoghese 166 Capítulo VI -A Política e a Igreja Portuguesa A Política e seus escritores 196 Murmúrios de Rompimento 218 Conclusão 236 Bibliografia 241 CarIo s ZiII er CarTH' fi I{' t '/.I(I Introdução A matriz de quase todos os problemas que enfrentamos apoia-se num curioso dado da realidade: o Brasil tem muita Geografia e pouca IIistória. Essa característica nos persegue insistentemente ao longo dos últimos quinhentos anos e tudo indica que deverá prosseguir nos as- sombrando, a menos que uma gigantesca onda de imigração possibilite a ocupação plena, rápida e densa do território. Uma das severas consequências culturais desse problema são as in- terpretações de conjunto, voltadas a criar uma imagem do Brasil que consiga cobrir os centros urbanos do já largo litoral e a vastíssima re- gião ainda fracamente ocupada do interior até a densa floresta. É cla- ro, os problemas ligados às populosas cidades contrastam com aqueles vividos pelas pessoas de um interior praticamente ilimitado e cada vez mais produtivo, porém ocupado muito recentemente ou ainda restrito ao extrativismo silvestre ou à pecuária. Basta lembrar que a extensão dos direitos trabalhistas eprevidenciários aos trabalhadores rurais data dos derradeiros anos do século XX, enquanto que sua aplicação às po- pulações urbanas já conta quase um século, com a desonrosa exceção dos empregados domésticos, que só foi resolvida legalmente em 2013. Crer que essa disparidade entre a disponibilidade de chão e a ca- rência de gente pudesse ser indiferente aos feitos de cultura é fechar os olhos para uma realidade que sempre cobra sua presença, sobretudo em épocas de transformações intensas. As primeiras décadas do século XX,por exemplo, foram um tempo de grandes mudanças na vida cultural dos principais centros da política hrasileira etestemunharam uma curiosa discussão sobre aexcelência do Brasil.Aobra que de certa maneira chamou aatenção nesse novo tempo 9 o Paraíso Proibido Carlos Ziller Camenietzki eacabou por concentrar os debates é"Porque me ufano de meu país': de ufanista. O modernista se opõe em toda a extensão de sua obra, e em Afonso Celso, publicada pela primeira vez no abrir do novo século, em scus fundamentos, aos ditos epropostos de Afonso Celso. O povo triste 19011 O livro serviu como síntese de um esforço realizado nos derra- lluCvivia numa terra radiosa podia ver as curiosas eprovocativas espe- • deiros tempos do Império e nos primeiros da República em celebrar as culações do autor acerca da formação moral dos brasileiros;a luxúria, a grandezas do país, os feitos de seus moradores esua exuberante nature- ganância e a violência teriam deixado marcas bastantes para caracteri- za. Ao longo do século, o tema retornou em diversas ocasiões, servindo zar a tristeza que ele anuncia na primeira frase de seu livro. a projetos bastante diferentes e até mesmo contrários aos modos de en- Diversas outras opções de interpretação se apresentaram com im- tender a condição brasileira, expostos por Afonso Celso'. Mas não haja pactos mais ou menos duradouros sobre os modos de encontrar uma dúvidas, exaltar a natureza do país, sua indiscutível beleza, e festejar o síntese da condição cultural esocial dos brasileiros. Algumas delas, mais privilégio de poder desfrutar disso tudo, são coisas que nos acompa- alicerçadas na objetividade fria das análises econômicas, contribuíram nham desde então. Não se trata aqui de um otimismo de circunstância, para a sedimentação da ideia de que vivíamos num vasto território a ser ou de exaltação patriótica eventual; o problema em foco é uma caracte- ocupado e explorado, portanto, transformado. Faziam também consis- rização de conjunto, que se queria permanente da brasilidade. tentes ponderações de que a riqueza do Brasil fora produzida pelo tra- No entanto, por mais que ainda perdure, essa celebração sempre halho compulsório de gerações e gerações de pessoas trazidas violenta- enfrentou seus contrários. As alternativas não vieram em aberta e ex- mente para cá e apropriada por gente que não morava aqui; primeiro os plícita contradição, sustentando uma singular feiura da terra, ou uma portugueses edepois osingleses e,mais tarde os americanos. Destaca-se clara inviabilidade do país e de sua gente; coisa certamente bastante di- nesse domínio de estudos a obra de Caio Prado [únior, com sua vasta e, fícil defender. Mas abriram frentes de confronto bastante nítidas, ressal- em alguns momentos, brilhante descendência intelectual', tando características do passado que não seriam motivo de orgulho de Porém, neste quadro proposto, é inegável que parte de nossos in- ninguém há uns cem anos. Afinal, o modernismo já batia às portas e a telectuais do século XX realizaram seu trabalho não para ir ao paraíso, sua pauta de considerações não incluía a celebração de realizações pre- como era feito há uns trezentos ou quatrocentos anos, mas para fazê-lo gressas; fossem elas econômicas, literárias, artísticas ou militares. Num vir ao Brasil. período que bem poderia ser caracterizado como o auge de suas realiza- De qualquer forma, um arranjo possível desses debates do século ções, o modernismo selançou no combate àsteses expostas por Afonso XX poderia ser organizado numa oposição bastante simples: por um Celso. Bom exemplo disso foiapublicação em 1928do Retrato do Brasil lado, a ideia de um Brasil radiante, objeto de entusiasmo e admiração, de Paulo Prado". Jáse havia passado um quarto de século e as enormes cujos feitos passados foram heroicos e devem ser celebrados, ecuja po- tensões sociais não permitiriam a celebração da história fantasiosa do pulação é excepcional e singular em suas realizações e em sua moral. Por outro, um Brasil sombrio, motivo de vergonha, cujo passado foi 1 Afonso Celso, Porque me ufano demeupaís. RiodeJaneiro: Laemmert, 1901. 2 Abibliografia que acompanha essadiscussão ébastante vasta. Háentão bons textos emque aqnestão é analisada. Para apermanência do tema em nossa cultura: JoséMurilo deCarvalho. "Omotivo edênico no imaginário Caio Prado Ir,"""'mllrdo do Brasil Contemporâneo. SãoPaulo; Martins, 1942.Sobre Caio Prado. a social brasileiro': lnRevista Brasileira de Ciêncías Sociais, SãoPaulo. vol. 13,n.38,1998. I'lhllografaa ébastante ólllll'!iI; <1c,I,l' ,\ 'tc' uohru deBcrnardo Rícúpero, Caio Prado Jr eanacionalização domarxismo no Paulo Prado, /(1'11'/110do Hnssíí. 1'fl.W;O sobre titristeza brnsileirtt, SãoPaulo: Duprat, 192R. Brasil. SàoPaulo: Editnm H,}Ot)lI 10 11 marcado pela violência perpetrada aos moradores, cuja realidade brutal que se queria transformar na cultura brasileiras. Afinal, aintelectualida- ainda permanece parcialmente eexige transformação. Os temas em dis- dejá era outra e o país vivia os anos JK com toda a sua carga de renova- cussão variavam bastante, incluindo a celebração de uma cordialidade çlo econômica, cultural epolítica. e generosidade dos brasileiros, a barbárie da escravidão e da violência Sérgio Buarque parte do princípio de que aspartições da cronologia .social e ainda outros temas mais. histórica tradicional não permitem examinar, com a precisão desejada, Contudo, há que se notar que a simplicidade sempre foi compa- questões ligadas à cultura dos povos. Assim, ele se desloca no tempo e nheira da imprecisão e a presente reflexão não escapa dessa limitação. nas reflexões pregressas de personagens de primeiro plano na vida in- Mas para introduzir o tema de que se trata no momento, ela ésuficiente telectual de outrora em busca de respostas às suas interrogações acerca e auxilia a entender parte expressiva da vida intelectual brasileira, espe- do impacto cultural das descobertas ibéricas. Suas análises resultaram cialmente os temas que serão examinados neste trabalho. Trata-se de na constatação de uma continuidade consistente entre as fantasias me- buscar uma interpretação abrangente de acontecimentos pregressos, dievais de mundos distantes eas realizações marítimas dos séculos XV e praticamente confinados no século XVII, mas que são bastante signi- XVI,quando da chegada dos europeus ao Novo Mundo. Para oautor, os ficativos na nossa cultura e podem ser tomados como exemplares nos motivos edênicos ligados àAmérica vinculavam-se àsaspirações antigas mais variados contrastes sobre o Brasil que importam ao presente estu- de riqueza e abundância, permeadas por fantasias de felicidade eterna. do. O tema se relaciona à febre do ouro e à busca acelerada dos primeiros A configuração desta oposição sofreu forte abalo com a publicação tempos pelos metais preciosos, reunindo numa análise sólida elementos em 1959 do livro de Antônio Cândido, a "Formação da Literatura Bra- que, pelas tradições da historiografia de seu tempo, andavam separados. sileira': em que o autor sepropunha interrogações até então incomuns e ~ certo que sua operação necessitou reduzir os temas próprios do Re- conseguia escapar com facilidade das inúmeras armadilhas que acom- nascimento às dimensões artísticas e filosóficas, sempre mais ligadas à panhavam a oposição entre um Brasil motivo de orgulho e outro, mo- revalorização do hermetismo que aos temas do humanismo cívico e do tivo de vergonha. O ano em que a obra saiu publicada foi efetivamente seu papel nas transformações políticas. Nada de surpreendente, afinal um momento decisivo da intelectualidade brasileira; pois também em ele era historiador. 1959 veio à luz a primeira edição da obra mestra de Sérgio Buarque de No entanto, quando os nossos intelectuais ainda digeriam a subs- Holanda, professor da mesma Universidade de São Paulo/A Visão do tantiva alteração do plano das discussões sobre o paraíso, um naufrágio Paraíso". Com isso, o quadro das opostas valorações do país ganharam forçado alterou completamente nosso panorama cultural, e o que fora em consistência e diversificaram o espectro de questões em discussão. exaltação das virtudes brasílicas passou a se confundir com uma lógica Não setratava mais de um Brasil que deveria ser celebrado em seus mé- nacionalista demasiadamente cultivada pelos golpístas, novos dirigen- ritos, ou transformado em seus defeitos. O problema passava a ser bem tes da sociedade. Com isso, não havia outro território para quem se in- outro, envolvia a História e permitia dizer por seu intermédio aquilo Esta obra deSérgio Buarque deHolanda foianalisada inúmeras vezes, sobretudo recentemente, quando das celebrações do centenário deleu autnr, em2002. Bom exemplo desses estudos éotexto deLuizCosia Lima, "Sérgio Buarque deHolanda: JIi.,,)o cio /'''''''/.fI,·,ln R~vl.rlaUSP, n.53,p.42·53, março/maio 2002. 12 13 o Paraíso Proibido Carlos Ziller Camenietzki terrogava sobre o passado ebuscava os horizontes da liberdade política: Mello", relativa aos tempos coloniais, e"O Tempo Saquarema" de Ilmar o Brasil dos governos militares realinhou a intelectualidade. Diversos Rohloff de Matos", sobre os primeiros da Independência, são excelentes daqueles que mais forte e consistentemente investiram nos caminhos exemplos que nos carregam para longe da simplicidade da oposição que do paraíso ficaram premidos pela exigência de transformá -10 - é im- nos guia. Mas não setrata apenas dessas ede outras obras relativamente portante lembrar que um paraíso que precisa ser transformado mais se recentes; há que se considerar que a vida intelectual brasileira, desde os assemelha ao purgatório que aojardim das delícias. Foi o caso de Sérgio tempos do Império e anteriores, pautou-se por outros elementos mais Buarque de Holanda, intelectual engajado nas forças democráticas des- substantivos e importantes do que uma curiosa caracterização infernal de as primeiras horas; e o contraexemplo, Gilberto Freire, que insistiu ou paradisíaca do Brasil", em celebrar a harmonia da desigualdade social entre os brasileiros e os Embora tratando de coisas muito mais complexas que o exigido benefícios da miscigenação mesmo durante os governos militares. nesta introdução permite expor, o tema se manteve e se apresentou re- Mas os motivos edênicos do grande historiador se mantiveram de novado eaté mesmo com sinais de vigor revolucionário. Algumas inter- pé. Afinal, não se tratava de nada sequer parecido com o entusiasmo de pretações, no entanto, se destacaram por sugerir caminhos diversos que Afonso Celso, nem da tristeza de seu oposto citado mais acima, Paulo exploravam mais as ricas alternativas teóricas que então se apresenta- Prado. Sérgio Buarque inovou do ponto de vista metodológico etemáti- vam; no entanto, a oposição permanecia quase que como um princípio co ao examinar um problema ligado ao impacto cultural das descober- meta-histórico de organização do pensamento de grande parte dos inte- tas marítimas da época moderna. Sua obra perdurou e continua a ser lectuais brasileiros: viveríamos num paraíso ou num inferno? peça indispensável na formação intelectual de muita gente nas nossas Pouco tempo depois, como que anunciando uma nova oxigenação universidades. intelectual, com os militares ejetados da política, os temas do inferno No entanto, tendo superado a tensão dos primeiros tempos, o pro- retomaram com cores mais presas às opções de história da cultura bra- blema da caracterização do país como paraíso ou como inferno con- sileira' em títulos provocantes que aludiam diretamente ao problema tinuou nos perseguindo. Os trabalhos ligados a uma interpretação do em foco. A professora Laura de Mello e Souza, por exemplo, publicou Brasil como terra da violência continuaram a aparecer em temas de es- em 1986aprimeira edição do seu conhecidíssimo "O Diabo eaTerra de tudo ao longo dos anos setenta e oitenta. É importante registrar aqui Santa Cruz': como quem desejasse afugentar opróprio nome do país em que não se trata de buscar uma caracterização de conjunto da reflexão que sua História tem lugar", Aobra teve grande impacto literário ereco- sobre opassado brasileiro, ou de um exclusivo cultural ou historiográfi- locou oproblema do paraíso em termos mais chegados àsreligiosidades co; ao contrário, inúmeros trabalhos de peso em nada se relacionavam 6 Evaldo Cabral deMello,AFronda dos Mazombos. SãoPaulo: Companhia das Letras, 1995. 7 limar Rohloff deMattos, Otempo Saquarema. SãoPaulo: Hucitec, 1987. a esta temática, buscavam outros horizontes mais enriquecedores para 8 certamente notável que osúltimos vinte anos tenham revirado asbibliotecas embusca dos estudos sobre É a reflexão sobre as gentes, o passado e a política do Brasil. Refiro-me avida cultural eoEstado brusileiro. Cf.obrilhante estudo deGilda Marçal Bradão, "Linhagens dopensamento político brasileiro" Dados, Rio.1(''"nrlm, v.4R,n.2,2005, p.231-69. Háque seconsiderar também que algum tempo antes da aqui a estudos que não foram dominados por preocupações vinculadas edição desse trabalho fOI p"hhrndo olivro deLuizJorge Werneck Vianna, Arevolução passiva: iberismo eamericanismo noBrasil. Rio de Juncu« 1-111101111("VIlII, 11)l)7. a esta oposição, do que ''AFronda dos Mazombos" de Evaldo Cabral de 9 Laurutk MI'IIH"lUIII/••,(,dl.,b",. tiTerradeSanta Cruztfeitiçaria ereligiosidade popular noBrasil colonial. SãoPaulo: {:01ll1'.1II1I1••,t'IIlI.'IIItIl, jlJKt., 14 15 das populações antigas do Brasil. Os temas ligados ao paraíso ou a seu por uma plêiade de estudiosos que reconheceram aspossibilidades heu- oposto conheceram um revigoramento na historiografia brasileira dos rístlcas dessa abordagem e bem souberam colocar essas populações e tempos coloniais com considerações originais e contribuíram ao seu seus anseios num lugar de importância em nosso passado. modo para ajudar a resolver os dilemas culturais em que o país estava Não será descabido considerar que a oposição entre paraíso einfer- . mergulhado. Tratava-se da entrada no debate de uma gente, e de seus no na caracterização do Brasil seguiu eainda segue como mote para boa afazeres, que pouco fizera na historiografia do século xx. O estudo de parte da nossa historiografia, integrando essa tensão aos mais variados manifestações populares de uma religiosidade abandonada, composta fluxos da vida intelectual. Afinal, os autores buscam no material de que de fragmentos do sagrado cristão, veio ao cenário não mais como des- dispõem os elementos de sua reflexão e não o contrário, como se open- vio a ser combatido, ao modo dos tempos pregressos, ou celebrado, mas samento que já foiexposto edigerido pudesse influenciar areflexão pre- como expressão de um mal estar real numa sociedade. Quase dez anos lente. Os mortos não influenciam os vivos. São esses últimos que bus- depois, a mesma autora lança seu "Inferno Atlântico" 10,já em contraste cam no passado recente, ou distante, aquilo que lhes interessa debater. direto e aberto às teses de Sérgio Buarque de Holanda. Esta obra não Por exemplo, a ideia de que vivemos na periferia de qualquer coisa, apresentou méritos temáticos, literários e metodológicos assemelhados do "mundo desenvolvido", dos principais centros de produção cultural aos da anterior enão conheceu o mesmo prestígio. Afinal, opaís vivia o e econômica, pode ser integrada a essa antiga opção de caracterização conturbado governo do primeiro presidente eleito pela população que infernal do país. A ideia central baseia-se na crença de que os povos insistia nas teses do atraso econômico eindustrial do país, após duas dé- ibéricos teriam perdido o ritmo do desenvolvimento político e econô- cadas de militares e de Brasil Grande. A contar com o que estava ocor- mico do Ocidente, assistindo passivos à emersão de novas relações de rendo quando da edição do "Inferno Atlântico': oreavivar desse tema se trabalho, novas noções sobre a organização da vida social, e repetindo encontrava trancado em um beco, saindo do proscênio pela porta dos antigos temas medievais relativos ao "bem comum" e sua defesa Ten- 11. amaldiçoados, talvez montado numa das carroças que o país produzia do sido pedaço transplantado da Europa ibérica durante trezentos anos, naqueles tempos, segundo a interpretação dominante. ()Brasil veria suas principais características infernais decorrentes desse A grande marca deixada por essas duas obras foi bem mais a preo- traço de origem. Afinal tivemos mais tempo como portugueses do Brasil cupação com os costumes dos brasileiros que não apareceram nas obras que como brasileiros: cerca de duzentos e cinquenta anos como domí- do início do século, comentadas rapidamente aqui. Os homens que nio de Portugal eduzentos como nação independente. De fato, Portugal eram apresentados como nobres, valorosos, isentos, quase estoicos e e a outra antiga metrópole peninsular navegaram boa parte do século merecedores das suavidades da terra, por Afonso Celso, ou tristes per- XXentre a febre de cores fascistas, nas versões salazarista ou falangista, sonagens engolfados pela cobiça e pela luxúria de Paulo Prado, agora eacorrida pela semelhança às grandes potências do Velho Mundo. Não vêm ao primeiro plano como desviantes portadores de uma religiosi- estranha que eles mesmos se interrogassem sobre um seu atraso econô- dade indomável. O deslocamento do eixo de reflexão foi acompanhado mico, político ecultural. Aos brasileiros caberia a melancólica constata- 10 Laura deMello eSouza. Inferno Atlântico: demonologia ecolonização - séculos XVI-XVIII. SãoPaulo: II Um bom balanço .Ir,,".110"'0340 pode servisto nolivro deRubem Barboza Filho, Tradição eartifício: Companhia das Letras, 1993. '''''rbmo ~barroco nuformação """"'/,',11I". Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000. 16 17

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