O NOVO TESTAMENTO INTERPRETADO v e rsíc u lo p o r v e rsíc u lo por Russell Norman Champlin, Ph. D. Volume 2 LUCAS REIS BOOK JOÃO ★★★ 'k'k'k ~k~k-k Direitos Reservados UAGNOS Editora Hagnos Rua Belarmino Cardoso de Andrade, 108 Cidade Dutra - São Paulo - SP - CEP 04809-270 Copyright © 2002 por Editora Hagnos Coordenadora editorial: Marílene G. Terrengui Coordenador de produção: Mauro W. Terrengui 10a reimpressão - Dezembro de 1998 Ia edição - Editora Hagnos - Janeiro de 2002 5000 exemplares Reimpressão - Outubro de 2003 - 3000 exemplares Reimpressão - Fevereiro de 2005 - 5000 exemplares Editoração, fotolito, impressão e acabamento: Imprensa da fé Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Champlin, Russell Norman, 1933 - O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo: Volume 2: Lucas, João / Russell Norman Champlin. São Paulo: Hagnos, 2002. 1. Bíblia N.T. - Crítica e interpretação I. Título 01-5625 CDD-225.6 índices para cátalogo sistemático: 1. Novo Testamento: Interpretação e crítica 225.6 ISBN 85-88234-32-7 Todos os direitos desta edição reservados à: Editora Hagnos Ltda Rua Belarmino Cardoso de Andrade, 108 São Paulo - SP 04809-270 Tel/Fax: (XXI 1)5668-5668 E-mail: [email protected] www.hagnos.com.br EVANGELHO DELUCAS ESBOÇO: Observações Gerais 1. Autoria: Unidade de Lucas-Atos 2. Data 3. Propósito do Evangelho de Lucas 4. Fontes a. Muitas fontes b. Evangelho de Marcos c. Q d. L e. A Influência de Paulo f. Diagrama das Fontes do Evangelho de Lucas 5. Conteúdo a. Breve esboço N.B. Quando aparecem textos paralelos em Mateus e Lucas, apresentamos a b. Esboço pormenorizado exposição em Mateus; em Lucas, acrescentamos apenas algumas notas suplementares. c. Material encontrado só em Lucas 6. Bibliografia ★ ★ O mesmo eminente erudito, Ernest Renan, que designou o que consubstanciam a autoria lucana desses dois documentos evangelho de Mateus como «o mais importante livro que sagrados. jamais foi escrito», declarou que o evangelho de Lucas é «o 2. DATA E LUGAR mais belo livro que jamais foi escrito». Buckner B. Trawick Ver o tratamento mais completo sobre este assunto na («The New Testament as Literature», Gospels and Acts, pág. introdução a Atos, sob o mesmo título. 50), acredita que o evangelho de Lucas é o mais amado dos livros. E é amado por todos porque seu próprio autor sempre Ê provável que o livro de Atos tenha sido escrito pouco demonstrou sinais de ternura. Contentou-se em perder-se depois do evangelho de Lucas (segundo fica subentendido no inteiramente em Alguém maior do que ele, e o seu livro mostra trecho de Atos 1:1-3), além do fato de que realmente temos nos que ele amava à humanidade com uma afeição genuína. Era o dois volumes uma única obra literária. Portanto, não é «médico amado» conforme o apóstolo Paulo o chamou (ver provável que o autor se tenha demorado em demasia a escrever Col. 4:14). a segunda porção de sua obra. Poderíamos supor que o livro de Atos foi escrito não muito depois de terem ocorrido os últimos 1. AUTORIA acontecimentos ali registrados, isto é, quando alguns dos Ver o tratamento muito mais completo sobre este assunto apóstolos ainda estavam vivos. Ao mesmo tempo, o evangelho na introdução a Atos, sob o mesmo título. Lá também é dada a de Lucas e o livro de Atos devem ter sido escritos depois do descrição da pessoa de Lucas no último parágrafo. evangelho de Marcos, visto que esta é uma das principais Unidade de Lucas-Atos —fontes informativas—do evangelho de Lucas. Se aceitarmos os anos de 50 ou 60 D.C. como a data do evangelho de Marcos, Considerados juntamente, os livros do evangelho de então poríamos o evangelho de Lucas entre os anos 60 e 80 Lucas e dos Atos dos Apóstolos representam pouco mais do D.C. O livro de Atos se situaria no período final desse cálculo. que um quarto do volume do N.T. Isso significa que Lucas Alguns crêem que há evidências que indicam que esse contribuiu com mais material, para o volume total do N.T., do evangelho foi escrito após a destruição de Jerusalém, o que que qualquer outro autor sagrado, porquanto Lucas-Atos também é verdade quanto ao evangelho de Mateus, o que o contém mais material do que as treze epistolas paulinas (se situaria entre 70 e 80 D.C., como data de sua autoria. Todavia, não considerarmos como paulina a epistola aos Hebreus). pode ter precedido a esse acontecimento; e, nesse caso, Ainda que não houvesse outro motivo além do volume, poderia ser situado entre 60 e 70 D.C. Lucas teve contactos Lucas-Atos teria de ser uma importante consideração no constantes com Marcos (ver Col. 4:10,14; Filemom 24; Atos estudo do N.T. A autoria comum desses dois documentos, e o 12:12,25; 13:13; 15:37,41; II Tim. 4:11-13), pelo que teve fato de que Lucas foi esse autor, é um fato óbvio e acesso ao seu evangelho, provavelmente pouco tempo depois universalmente reconhecido. Constituem dois volumes do de haver sido completado. mesmo esforço literário. A passagem de Atos 1:1 mostra que os dois volumes constituem uma unidade e têm origem O lugar de sua composição tem de ser deixado na área das comum. Já no ano de 185 D.C. (no livro de Irineu, Contra conjecturas, porquanto não temos qualquer evidência positiva Heresias 3:1,14), encontramos uma afirmação sobre a autoria a esse respeito. A tradição antiga associa Lucas a Antioquia lucana desses dois livros. O testemunho do Cânon Muratoria- da Síria; mas, ainda que essa fosse a verdade, não poderíamos no, dos fins do século II da era cristã, confirma essa afirmar que, só por isso, Lucas ali escreveu o seu evangelho. declaração. Testemunhos similares são dados por Tertuliano As cidades de Roma, Êfeso e Corinto também têm sido (Marc. IV.2), Orígenes, Eusébio (História, VI.25) e Jerônimo sugeridas. Não é impossível, posto que Lucas visitou tantas (Vir. illustr. 7). Pelos fins do século II D.C. essa era uma testemunhas oculares dos muitos acontecimentos, e, portanto, tradição comum na igreja de Roma. Evidências lingüísticas que tantas viagens fez, que grande parte de seu evangelho comprovam as reivindicações da lautoria de Lucas, bem como tenha sido escrita em viagem, e que mais tarde ele reuniu o as declarações da tradição citada acima. Quase duas vezes material e o editou. mais são as palavras peculiares dos livros de Lucas e Atos, no 3. PROPÓSITO DO EVANGELHO DE LUCAS N.T., do que nos outros dois evangelhos sinópticos e em Atos; O próprio autor declara peremptoriamente um dos e muitas palavras e expressões características do estilo de propósitos que teve, ao escrever a sua obra, no prefácio deste Lucas se encontram em ambos os documentos. Essas evangelho (1:1-4). Muitas pessoas haviam escrito a respeito de declarações têm sido desafiadas (como no livro de A.C. Clark, Jesus e sua vida admirável, talvez de maneiras incompletas e «The Acts of the Apostles», sobre argumentos lingüísticos. quiçá contraditórias; e Lucas desejava suprir uma narrativa Mas quase universalmente esses desafios não são reputados em ordem e digna de confiança para Teófilo (que evidentemen convincentes, especialmente à luz de muitas provas positivas te era um alto oficial romano, possivelmente recém-convertido i LUCAS ao cristianismo). Todavia, também é possível que Teófilo não Senhor prometeu a mesma bênção aos seus discípulos, fosse o único destinatário porque Lucas pode ter tido o especialmente após a sua ressurreição. O livro de Atos dá interesse de suprir um evangelho em ordem e completo para continuação ao mesmo notável pormenor, pois neste livro é leitores não-judeus. E Lucas também queria esclarecer, ao que o Espírito Santo recebe mesmo proeminência. governo imperial de Roma, que os cristãos não eram alguma Lucas salientou a vida de oração de Jesus mais do que seita sediciosa e subversiva, e nem mera facção do judaísmo; qualquer dos demais evangelhos. Vemos isso logo após o seu pelo contrário, que a sua mensagem é universal, e, por isso batismo, imediatamente antes de haver selecionado os doze, mesmo, importante para todos os povos. Também desejava quando passou a noite inteira em oração, e por ocasião de sua apresentar um Salvador universal, um grande e compassivo transfiguração, e até mesmo no momento da morte: «Pai, em Médico, Mestre e Profeta, que viera aliviar os sofrimentos tuas mãos entrego o meu espírito». A prática da oração, por humanos e salvar as almas dos homens. 0 governo romano conseguinte, tomou-se comum na igreja primitiva. havia aprendido a tolerar o judaísmo, quase inteiramente, por Muitos têm observado que o evangelho de Lucas demonstra ter antigas e profundas raízes culturais. É verdade que o um marcante interesse pelo papel das mulheres e a cristianismo tinha origem recente, mas isso não significava importância delas na tradição do evangelho. Portanto, um dos que não tivesse importância universal, motivo por que propósitos de Lucas foi o de mostrar os privilégios do sexo também deveria usufruir de aceitação por parte do estado mais fraco no seio da igreja. E por essa razão que ali romano. É interessante observarmos que este evangelho encontramos várias narrativas com essa ênfase: Maria, Isabel, exerceu pouco efeito na situação politica, e que as perseguições a profetisa Ana, as «filhas de Jerusalém», que lamentavam os de forma alguma se abrandaram; de fato, se prolongaram até sofrimentos e a morte de Jesus, etc. Mulheres também são os dias de Constantino (300 D.C.). Por conseguinte, a destacadas no livro de Atos, como Safira, Priscila, Drusila, legalidade do cristianismo não foi aceita, nem por causa deste Berenice, Maria (mãe de João Marcos), a criada Rode, Lídia, evangelho nem em vista de qualquer outro motivo. Damaris de Atenas, as quatro filhas de Filipe, que Não podemos deixar de notar, igualmente, que a mensagem profetizavam, e uma referência incidental de que Paulo tinha geral dos evangelhos sinópticos, e não apenas a do evangelho uma irmã (Atos 23:16). de Lucas, é que a igreja tinha por intenção suprimir a sinagoga Lucas procurou compensar certas grandes deficiências do como o verdadeiro Israel, e que por isso mesmo tinha o direito evangelho de Marcos, como, por exemplo, a falta de menção de ser reconhecida e até mesmo de ser protegida pelo estado, das aparições de Jesus após a sua ressurreição. O propósito de conforme este vinha fazendo com o judaísmo. Os cristãos—fo Lucas era fortalecer a fé na história do sepulcro vazio, e as ram perseguidos—tanto por Roma como pelos judeus. Os suas pesquisas preencheram admiravelmente essanecessidade. cristãos gostariam de ver removidos ambos esses fatores, ou 4. FONTES INFORMATIVAS então, pelo menos, de ter obtido, em alguma medida, alguma proteção romana contra as ações maldosas de determinados Parece perfeitamente óbvio que o próprio Lucas não foi uma elementos radicais, as autoridades religiosas dos judeus. Jesus testemunha ocular. Existem tradições que declaram que ele foi um dos setenta discípulos especiais enviados por Jesus, a fim comprovara ser o Messias das profecias judaicas, sobrenatu ralmente comprovado. Somente a perversão voluntária das de expandir o ministério dos doze apóstolos (conforme se vê em Epifânio, Her. 1:12). Talvez essa tradição se tenha massas populares judaicas havia forçado Paulo e Bamabé a se originado da observação de que somente Lucas registrou o lançarem em uma missão entre os pagãos. Os cristãos, ministério dos setenta discípulos. Porém, o prefácio do portanto, em realidade não eram apóstatas do judaísmo, mas representavam o verdadeiro Israel, porquanto a massa do evangelho de Lucas deixa—perfeitamente claro —que ele mesmo não era testemunha ocular, embora tivesse tido povo terreno de Israel se recusara obstinadamente a reconhecer a mensagem de Deus, entregue por intermédio do contacto com muitas delas. Eusébio (História Eclesiástica, III.4) diz-nos que Lucas era nativo de Antioquia da Síria, e seu próprio Messias. que os seus pais eram gentios (conforme também é indicado Apesar de suas origens judaicas, todavia, o cristianismo por Col. 4:11,14). Provavelmente se converteu desde cedo ao deveria ser reputado como religião universal, porque não cristianismo, depois da inauguração dos primeiros esforços reconhecia qualquer limitação racial ou cultural. O evangelho evangelísticos da igreja. A sua história, no livro de Atos, tem de Lucas traça a genealogia de Jesus até Adão, e não até ligações iniciais com Paulo, em Trôade (ver Atos 16:10), onde Abraão; e esse fato, por si mesmo, é extremamente a palavra nós subentende que naquele tempo o escritor era um significativo, porquanto subentende universalidade. Jesus foi dos companheiros do apóstolo. declarado pelo profeta Simeão como «...luzpara revelação aos gentios, e para glória do teu povo de Israel» (Lucas 2:32). No a. Muitas fontes. As fontes informativas foram muitas, evangelho de Lucas, em sèu sermão inaugural, Jesus tanto escritas como orais: Lucas declara em seu prólogo (Luc. asseverou que Elias não fora enviado às muitas viúvas de 1:1-4) que fez um intenso estudo da narrativa evangélica a fim Israel, e, sim, a Sarepta, na terra de Sidom, ao passo que de ser capaz de escrever uma narrativa digna de confiança e Eliseu não purificou nenhum dos muitos leprosos que havia em convincente da verdade sobre a grandeza de Jesus. Consultou Israel, mas tão-somente a Naamã, o sírio. Um samaritano, e a muitos dos que tinham tido conhecimento em primeira mão não um judeu, é o herói de uma das mais coloridas parábolas das palavras e das ações de Jesus. Ê provável que muitos dos do evangelho de Lucas. Quando Jesus curou os dez leprosos, incidentes registrados no evangelho de Lucas (que não se apenas um, um agradecido samaritano, regressou para louvar encontram nos evangelhos de Marcos ou de Mateus), tal como a Deus e dar-lhe graças. Além desses fatos, também devemos o aparecimento de Jesus, após a sua ressurreição, aos notar que o próprio evangelho de Lucas prepara o caminho discípulos de Emaús, foram acontecimentos registrados à base para o Úvro de Atos, que é, bem definidamente, uma descrição de apenas uma ou duas testemunhas. Uma delas é designada sobre a evangelização universal, feita pelos cristãos primitivos. pelo nome, isto é, Cléopas, sendo provável que ele é quem E é assim que ouvimos Pedro a pregar: «Reconheço por tenha suprido a história. Deve ter havido muitas outras verdade que Deus não faz acepção de pessoas; pelo contrário, narrativas e afirmações de Jesus, supridas a Lucas, por em qualquer nação, aquele que o teme e faz o que é justo lhe é diversas testemunhas oculares diferentes. As histórias sobre os aceitável» (Atos 10:34,35). E é ali, igualmente, que últimos dias de Jesus, em Jerusalém, foram narradas por tais encontramos as palavras de Paulo e Bamabé: «Eu te constituí testemunhas oculares, e gradualmente assumiram a forma de para luz dos gentios, a fim de que sejas para salvação até aos uma narrativa contínua. Paulo menciona quinhentas testemu confins da terra » (Atos 13:46,47). Por conseguinte, pode-se nhas oculares da ressurreição de Jesus, pois viram-no em ver claramente que um dos grandes temas deste evangelho é determinada ocasião; Marcos baseia sua crença no descobri a—universalidade—da mensagem cristã. mento feito pelas mulheres; Mateus acrescenta a isso o Existem outros propósitos, além dessas finalidades mais aparecimento de Jesus aos onze, na Galiléia. A narrativa de latas: Lucas dá proeminência à obra do Espirito Santó. Há Lucas contém ainda mais pormenores, resultantes de suas dezessete referências ao Espírito, no evangelho de Lucas, em pesquisas pessoais, ao invés de depender das tradições comparação com as seis referências no evangelho de Marcos, e apresentadas nos evangelhos de Marcos e Mateus. Outro com as doze referências no evangelho de Mateus. Assim é que, tanto pode-se dizer a respeito dos capítulos finais do evangelho já nos capítulos de introdução, lemos a informação do de João, e talvez também do evangelho não-canônico de enchimento de João Batista com o Espírito Santo. Maria Pedro. As diferenças nas versões envolvem, principalmente, recebeu a sua mensagem por agência do Espirito Santo. Jesus questões de conteúdo, ênfase e ordem de acontecimentos, e foi batizado no Espirito Santo. O Cristo, que saiu por toda disso não se pode deduzir qualquer coisa certa acerca da parte fazendo o bem, era guiado pelo Espírito Santo, e o legitimidade histórica comparativa de cada narrativa. LUCAS 3 b. Evangelho de Marcos. Quase universalmente se concorda fonte informativa «L»). hoje em dia que tanto Mateus como Lucas se utilizaram de c. Fonte informativa «Q». deriva-se do vocábulo germânico Marcos como esboços históricos básicos de seus respectivos quelle, que significa fonte. Cerca de—um quinto—do material evangelhos. As razões para essa crença são dadas no artigo da do evangelho de Lucas se deriva da fonte de tradições que se introdução a este comentário, intitulado O Problema tem convencionado chamar de «Q». Lucas usou esse material Sinóptico, onde o leitor poderá encontrar pormenores sobre em comum com Mateus; mas é provável que muitas das essa idéia. As fontes informativas do evangelho de Marcos são «declarações» que há no evangelho de Lucas não façam parte descritas na introdução àquele evangelho, pelo que essas desse documento, mas antes, representem outras fontes fontes, em sentido secundário, também são fontes informati escritas ou orais às quais Lucas teve acesso. Talvez a base de vas empregadas por Mateus e por Lucas. Lucas omite maior grande parte desse material fossem os chamados oráculos do porção de Marcos do que o fez Mateus (o qual empregou cerca Senhor, supostamente obra do apóstolo Mateus; e, embora de noventa e três por cento do material de Marcos), ao passo esse documento tivesse sido escrito em hebraico, com o que que Lucas conta com cerca de sessenta por cento dos seiscentos Papias queria dizer aramaico, não é impossível que tambem e sessenta e um versículos do evangelho de Marcos, de mistura existisse uma tradução para o grego. A fonte «Q» quase com seu próprio total de mil, cento e quarenta e oito certamente era um documento vazado no idioma grego. A versículos. Portanto, Marcos contribuiu com cerca de—um proveniência de quase toda a fonte informativa «Q» terço—do conteúdo total do evangelho de Lucas. Lucas segue provavelmente era palestiniana. Alguns têm suposto que quase exatamente a ordem de acontecimentos do evangelho de Mateus usou Lucas, ou então que Lucas usou Mateus como Marcos, desviando-se apenas duas vezes em sua seqüência fonte informativa, e que, por isso mesmo, aquilo que se histórica. No corpo de seu evangelho, Lucas usou cinco blocos chamou de fonte informativa «Q» é simplesmente uma cópia e de material do evangelho de Marcos, a saber: 4:31-44; 5:12 - adaptação de materiais que já existiam em forma escrita, em 6:16; 8:27- 9:50; 18:15-43 e 19:28 - 22:13. Juntamente com um ou outro desses dois evangelhos. Porém, os eruditos essas porções, Lucas entremeou combinações dos materiais modernos, em sua maioria, duvidam dessa possibilidade. «L» e «Q», ou apenas do material «L». (Ver discussões a Outros duvidam da própria existência de «Q». De qualquer respeito dessas outras fontes informativas). Os motivos de maneira, as nossas declarações sobre «fontes» são tentativas e Lucas, para omitir o material de Marcos, em contraste com a não dogmáticas. atitude de Mateus, que o usou praticamente todo, talvez d. Fonte informativa «L». Esta é a fortte do evangelho de sejam os seguintes: Lucas, por detrás dos materiais que se encontram somente 1. Melhorar o estilo e o conteúdo do evangelho de Marcos, nesse evangelho. Sua proveniência (tal como no caso da fonte substituindo-o por algum outro material. informativa «Q»), provavelmente é palestiniana. Cerca de—quarenta por cento—do evangelho de Lucas se deriva 2. Omitir incidentes secundários ou materiais considerados dessa fonte informativa «L», a qual, mui provavelmente, em de relativa importância. realidade era uma combinação de tradições, tanto escritas 3. Omitir incidentes que não pareciam adaptar-se bem com a quanto orais, algumas das quais certamente dependiam de ordem e o propósito de seu evangelho, tal como a maldição uma única testemunha ocular qualquer. A fonte informativa contra a figueira (Marc. 11:12-14,20-22). «L» representa as pesquisas pessoais de Lucas nas questões A mais notável omissão de material de Marcos, por parte de que cercaram a vida e as declarações do Senhor Jesus, acerca Lucas, é o trecho de Marc. 6:45 - 8:26, o que alguns estudiosos das quais somos informados no prólogo do evangelho de chamam de A Grande Omissão. Essa secção encerra os Lucas. Incluso na fonte informativa «L» acha-se o documento seguintes incidentes: Jesus anda por sobre a água; curas de viagem, Luc. 9:51 - 18:4, que descreve como que uma lenta operadas em Genezaré; controvérsia com os fariseus sobre a viagem da Galiléia até Jerusalém, onde são narrados muitos tradição dos anciãos; Jesus e a mulher siro-fenícia; cura do incidentes da vida de Jesus, como se tivessem ocorrido surdo-mudo, por meio de saliva; multiplicação dos pães para durante essa viagem. Entretanto, é provável que Lucas não os quatro mil homens; controvérsia com os fariseus acerca de quisesse que essa secção fosse assim compreendida, mas um sinal do céu; discurso em uma embarcação, quando Jesus e tão-somente estava expandindo o nosso conhecimento sobre a seus discípulos atravessaram o lago; e cura de um cego por vida terrena de Cristo. Foi provavelmente por acaso que essa meio de saliva. Alguns têm postulado uma forma mais antiga -secção foi posta no fim do material que Lucas tomou de do evangelho de Marcos, chamado de protomàrcos, que' Marcos por empréstimo, em cujo ponto a jornada a Jerusalém Lucas teria usado e que não encerrava esses incidentes, mas teve início. Tendo usado todo o material histórico de Marcos, isso não parece provável. Ë possível que parte dessa secção não Lucas ainda tinha muito a ser dito, e simplesmente pôs tudo fizesse parte do protomàrcos original, isto é, Marc. 8:1-26, em um único bloco, nesse ponto, sem intenção alguma de posto que essa secção éparalela a 6:30 - 7:37 (Marcos), e tomá-lo parte de uma longa e lenta viagem a Jerusalém. Dessa ambas comecem com a multiplicação miraculosa de pães e fonte informativa «L» também se deriva o tratamento especial terminem com a travessia do lago e uma discussão entre Jesus dado por Lucas à semana da paixão e às aparições de Jesus, e os seus discípulos. É possível que ambas tivessem alicerce após a sua ressurreição, que não se encontram nos outros numa única narrativa, ou que ambas fossem realmente evangelhos. Sua consideração especial para com as mulheres, variações da mesma tradição, e que uma delas (8:1-26) fosse para com o ladrão penitente, para com a forma como Jesus uma adição posterior. Mas, acerca disso, não podemos ter escapou da turba, em Nazaré, a extraordinária pesca de nenhum conhecimento certo; e mesmo que o tivessemos, não Simão, a ressurreição do filho da viúva de Naim, a cura de uma explicaria as outras porções onde Lucas omite essa longa mulher aleijada, a cura de um homem que sofria de hidropsia, secção. a cura de dez leprosos (com o grato samaritano que havia entre Abundam teorias sobre a razão pela qual ocorreu essa eles), tudo isso se deriva dessa fonte informativa. Essa omissão, mas em realidade nada sabemos com absoluta tradição retrata Jesus como profeta, mestre e médico, tendo certeza. Provavelmente Lucas dispunha de tanto material, afinidades com a profecia judaica e sua literatura de sabedoria. para possível uso, após suas diversas pesquisas, que A fonte informativa «L» era particularmente rica em simplesmente teve de deixar de fora certas informações, para parábolas. Existem treze parábolas contidas apenas no que seu evangelho não ficasse demasiadamente volumoso. evangelho de Lucas. (Ver a lista na secção seguinte, intitulada Parte do material de Marcos foi omitido porque Lucas, nessas «Conteúdo», sob o subtítulo «Material encontrado só em passagens, empregou outras fontes que apresentavam Lucas»). conteúdo similar. Essas passagens são: Marc. 1:16-20, a e. A influência de Paulo. Ê possível, que certas das chamada de Simão, Andre, Tiago e João (Luc. 5:1-11., da revelações dadas ao apóstolo Paulo tenham influenciado fonte informativa «L»); Marc. 3:19b-30, a controvérsia sobre algumas expressões e conceitos básicos do evangelho de Lucas Beízebu (Lucas 11:14-26, da fonte informativa «Q»); Marc. (tais como as que encontramos em Efé. 3:3; I Cor. 9:1 e 11:23). 4:26-33, parábolas do crescimento secreto da semente e da Parece haver certo paralelismo nas palavras, e em tais ■emente de mostarda (Lucas 13:18-21, da fonte «Q»); Marc. comparações como Luc. 10:7 com I Cor. 10:27; Luc. 17:27-29 e 6:1-6, rejeição de Jesus em Nazaré (Lucas 4:16-30, da fonte 21:34,35 com I Tes. 5:2,3,6,7. Alguns também acreditam que informativa «L»); Marc. 10:42-45, afirmações sobre a a escolha de materiais, no evangelho de Lucas, especialmente •«uiludeira grandeza (Luc. 22:15-27, da fonte informativa «L»); a porção derivada da fonte informativa «L», tenha sido Marc. 12:28c-34, indagação sobre o grande mandamento, pelo influenciada pelos ensinamentos de Paulo, bem como da escriba (Luc. 10:25-28, da fonte informativa «L»; Marc. associação geral que Lucas teve com Paulo. Alguns eruditos l4i3-9. unção de Jesus em Betânia (Luc. 7:36-39,44-50, da têm negado essa influência, ou, pelo menos, têm-na diminuído 4 LUCAS grandemente: contudo, não podemos desconsiderá-la inteira- mente. f. Diagrama das fontes do evangelho de Lucas Muitas fontes: Evangelho de Marcos: «Q»- Cerca de 1/5 do orais e escritas Esboço histórico: 1/3 evangelho de Lucas: do evangelho de Lucas fonte do ensino Pales- tiniano: ditos de Jesus. Documento que Mateus também usou. EVANGELHO SEGUNDO LUCAS «L» - Material encontrado Influência de Paulo: Alguns só em Lucas: Fonte pales- conceitos básicos, expressões tiniana de história e ensinos. de idéia, escolha de parte do Cerca de 40% do evangelho. material a ser incluído. Muitos incidentes sobre os dias finais. Aparições da ressurreição. 5. CONTEÚDO a. Breve esboço A organização do material deste evangelho é similar à de f. Sobre os sinais, 11:29-36 Marcos, a saber: Introdução: Nascimento de João Batista e g. Denúncia contra as autoridades, 11:37-54 infância de Jesus - Caps. 1-2; Batismo e tentação de Jesus - h. Responsabilidades e privilégios do discipulado, Caps. 3:1 - 4:13; ministério na Galiléia - Caps. 4:14 - 9:50; 12:1-13:9 Ministério na Peréia - Caps. 9:51 - 10:28; Ministério na Judéia i. Ensino na sinagoga no sábado, 13:10-21 - Caps. 19:28 - 22:38; Aprisionamento, julgamentos, j. Ensino durante a viagem, 13:22-35 crucificação, ressurreição e ascensão de Jesus - Caps. 22:39 - k. Cura e ensinos, 14:1-24 24:53. 1. Condições do discipulado, 14:25-35 b. Esboço pormenorizado m.Amor de Deus pelos perdidos, 15:1-32 n. Uso e abuso das riquezas, 16:1-31 1. Prefácio , 1:1-4 0. O perdão, a fé, a graça e a ingratidão, 17:20-37 2. Nascimento e infância de Jesus, 1:5 - 2:52 p. O reino e o Filho de homem, 17:1-19 a. Anunciações a Zacarias e a Maria, 1:5-25 q. Prática da oração, 18:1-14 b. Promessa a Maria sobre o nascimento de Jesus, 1:25-56 r. Entrada no reino dos céus, 18:15-34 c. Nascimentos de João Batista e de Jesus 1:57- 2:20 s. Jesus em Jericó, 18:35-19:27 d. Infância e meninice de Jesus 2:21- 52 6. Ministério de Jesus em Jerusalém, 19:28-24:12 3. Introdução ao ministério público de Jesus, 3:1 - 4:13 a. Entrada, 19:28-46 a. Ministério de João Batista 3:1-20 b. Tentativas de incriminar a Jesus, 19:47-21:4 b. Prelúdio do ministério de Jesus, com seu batismo, c. O pequeno Apocalipse, 21:5-38 genealogia e tentação 3:21 - 4:13 d. A última ceia, 22:1-23 e. Discursos de despedida, 22:24-38 4. Ministério Galileu, 4:14 - 9:50 f. Aprisionamento de Jesus, 22:39-65 a. Inicio, volta à Galiléia, rejeição em Nazaré 4:14-30 g. Condenação de Jesus, 22:66-23:25 b. Ministério em Cafarnaum e cercanias, cura do h. O Calvário, 23:26-56 endemoninhado, da sogra de Simão, chamada dos 1. O túmulo vazio, 24:1-12 primeiros discípulos, cura de um leproso. 4:31:-5:16 7. O Cristo ressurrecto, 24:13-53 c. Controvérsias com as autoridades, cura de um paralí tico, chamada de Levi, parábola dos convidados ao a. Na estrada de Emaús 24:13-35 casamento, outras parábolas, colheita de grãos no b. Aparecimento de Cristo em Jerusalém 24:36-43 sábado, a escolha dos doze. 5:17-6:11 c. Mensagem final aos discípulos 24:44-49 d. A despedida 24:50-53 d. Grande sermão, paralelo do sermão do monte de Mateus. 6:12-49 c. Material encontrado só em Lucas e. Ministério de curas de Jesus. 7:1-17 Milagres: No evangelho de Lucas são narrados vinte f. Relações entre Jesus e João Batista. 7:18-35 milagres. Desses, quinze aparecem em Mateus, em Marcos ou g. Relação de Jesus com um pecador penitente. 7:36-50. em ambos. Um desses milagres (a pesca milagrosa) é contado h. Jesus como mestre itinerante e operador de milagres, exclusivamente por Lucas e João. Quatro milagres são parábola do semeador, da candeia e outras, parentesco historiados apenas por Lucas: a ressurreição do filho da viúva espiritual, acalmando a tempestade, o endemoninhado de Naum(7:ll-17), a cura da mulher defeituosa (13-10-17), a geraseno, a filha de Jairo, a mulher com hemorragia. cura de um homem com hidropsia (14:1-6), a cura dos dez 8:1-56 leprosos (17:11-19). i. Relações entre Jesus e os discípulos, missão dos doze, Parábolas-. O evangelho de Lucas é o melhor recontador das primeira multiplicação dos pães, confissão de Pedro, parábolas de Jesus. Ali são preservadas trinta parábolas, das primeira predição de Jesus sobre sua morte, a quais dez são peculiares a esse evangelho: os dois devedores transfiguração, exorcismo de demônios, segunda (7:36-50); o bom samaritano (10:25-37); o amigo importuno predição de Jesus sobre sua morte, disputa sobre (11:5-10); o rico insensato (12:16-21); a figueira estéril posições, amor aos discípulos desconhecidos. 9:1-50 (13:6-9); o intruso (14:7-11); o banquete (14:16-24); o cálculo 5. Viagem a Jerusalém, 9:51 - 19:27 do custo: duas parábolas concernentes ao discipulado a. Os samaritanos hostis, 9:51-56 (14:28-33); a moeda perdida (15:8-10); o filho pródigo b. Missão dos setenta, 10:1-24 (15:11-32); o mordomo desonesto (16:1-9); o rico e Lázaro c. Controvérsias e perguntas, 10:25-42 (16:19-31); o agricultor e seu servo (17:7-10); a viúva d. Ensino sobre a oração, 11:1-13 persistente e o juiz injusto (18:1-8); e o fariseu e o publicano e. Exorcismo de demônios, 11:14-28 (18:9-14). LUCAS 5 Outros incidentes: Álém do material que aborda os milagres 6 .BIBLIOGRAFIA e as parábolas, o evangelho de Lucas provê algumas O comentário sobre Lucas se baseia sobre quatorze comentários em série. Na informações históricas adicionais. A história das anunciações introdução (com a lista de abreviações largamente usadas) estas coleções são identificadas. Além destes livros, recomendamos os seguintes: a Zacarias e a Maria, a história do nascimento de João Batista, Creed, John Martin, The Gospel According to St. Luke: Londres: Macmillan a infância de Jesus, o incidente no templo, quando Jesus tinha Co., 1930. doze anos de idade, a ênfase sobre as mulheres, a profetisa Easton, Burton Scott, The Gospel According to St. Luke: New York: Charles Ana, a viúva de Naim, Marta e Maria, e a ministração às Scriber’s & Sons, 1926. mulheres. Este evangelho também historia, com exclusivida Enslin, Morton Scott, The Literature of the Christian Movement, part III of de,*) julgamento de Jesus perante Herodes, certas palavras Christian Beginnings, Harper and Brothers: New York: 1956. proferidas por Jesus na cruz, como «...perdoa-lhes...», o Titus, Eric Lane, Essentials ofNew Testament Study, New York: The Ronald arrependimento de um dos assaltantes crucificados, a viagem Press, 1958. até Emaús e a ascensão de Jesus (se o término do evangelho de Trawick, Buckner B., The New Testament as Literature (Gospels and Acts): nSr> ó nnfp.ntir-r.\ 7 New York: Bames and Noble, 1964. '' O Interpreter's Bible esta utilizado neste comentário pela gentil permissão da Abingdon-Cokesbury Press, Nashville. Desta obra, são citados, em Lucas, os autores S. Maclean Gilmour, Walter Russell Bowie, John Knox, George Arthur Buttrick e Paul Scherer. - ^ , Capitulo 1 X PREFÁCIO, 1:1-4 1:1- (Quanto a notas sobre o termo evangelho, ver Mat. 1:1 e Rom. 1:16. Quanto anotas sobre a autoria, data, lugar de escrita, propósitos, fontes informativas, conteúdo deste livro, ver a introdução a este evangelho). «Visto que muitos houve que empreenderam uma narração coordenada...» Nestas palavras vemos a importância da base histórica do cristianismo, bem como a fé dos primitivos cristãos de que essa base era digna de confiança. Grande parte do material que forma este evangelho de Lucas lhe foi transmitida por testemunhas oculares. A indicação é que ele viajou propositadamente e indagou àqueles que possuíam conhecimento em primeira mão. Lucas deixou entendido, como também fica declarado no segundo versículo, que ele mesmo não era testemunha ocular, negando assim aquela tradição que se tem criado em redor de sua pessoa, que faz dele um dos setenta discípulos. (Ver Epifânio Haer. 1:12). Havia em circulação muitos «evangelhos», alguns orais e outros escritos. Ê provável que entre esses figurasse também o evangelho de Marcos, que forma a base da narrativa histórica deste evangelho. Lucas fez uso de cerca de sessenta por cento daquele documento, ou diretamente, ou então, como é possível, do protomarcos, em alguma de suas formas. Lucas não era de opinião que o testemunho fora perfeito ou completamente cumprido, e lançou-se à tarefa de expor uma narrativa organizada da vida e do sentido da vida de Jesus, tendo usado muitas fontes informativas e tendo feito pesquisas pessoais para aumentar o valor de seu evangelho. Seu evangelho não é uma biografia no sentido verdadeiro da palavra, como os outros evangelhos também não o são, mas aproxima-se disso mais do que os demais evangelhos. Entre os muitos evangelhos que circulavam, paralelamente ao evangelho de Marcos, Lucas empregou a fonte informativa «Q», os materiais de ensino, talvez baseados nos Oráculos do Senhor, que Papias menciona como material escrito pelo apóstolo Mateus. A fonte informativa denominada «L» inclui porções das tradições preservadas nos muitos evangelhos, além de relatos individuais de diversos cristãos antigos. Provavelmente se deriva do solo da Palestina. (Quanto a detalhes sobre as fontes informativas do evangelho de Lucas, ver a introdução a este evangelho. No artigo intitulado «Fontes Informativas»). 1 'E-TTei&rjTrep 770ÀÀ01 eVe^eíp^crav àvará^aaêai 8irjyrjaiv rrepl tcòv 7re7rXrj po(j>oprj pbévtúv èv rjfilv Trpayjjiárajv, 1:1: Visto que muitos têm empreendido fazer uma narração coordenada dos fatos exemplo de equilíbrio retórico e de estrutura dos períodos. Seu estilo não que entre nós se realizaram, perde para o melhor modelo do grego, ao passo que a narrativa que se segue é caracteristicamente semítica. Não obstante, Lucas surge como um dos «... dos fatos que entre nós se realizaram...» É tradução melhor que a de melhores autores antigos do ponto de vista da polidez literária e do uso de algumas versões, as quais, ao invés de «se realizaram» dizem «são cridos». Não é que algumas coisas eram cridas apenas; mas, nos tempos de Lucas, um bom grego koiné. (Quanto a uma discussão acerca das diversas qualidades de grego, encontradas nas páginas do N.T., ver a secção da certos acontecimentos se realizaram. Não apenas os evangelhos, mas todo o N.T. proclama a convicção de que, na pessoa de Jesus, Deus entrou na introdução intitulada «A Linguagem do Novo Testamento»). história humana de maneira sem precedentes, o que jamais poderá ser É interessante observar que o prólogo de Lucas se assemelha ao prólogo ultrapassado. Por conseguinte, temos aqui uma indicação da natureza de Ariano, em seu Anábasis de Alexandre. única de Jesus e da mensagem da redenção e da transformação da «Se alguém indagar por que, após tantos historiadores, esta obra de humanidade, proporcionada por Jesus. O apóstolo Paulo expressa a mesma história também me ocorreu, quando esse alguém houver lido e investigado idéia como se fosse um mistério, a saber: «O mistério que estivera oculto dos tanto aquelas obras todas como também esta minha, que indague» séculos e das gerações; agora, todavia, se manifestou aos seus santos...» (Eusébio, Hist. Eccl. XXX.24,15). Por estas palavras vemos que Eusébio (Col. 1:26). Jesus inaugurou uma nova era, um novo tipo de criação, uma considerava esse prólogo de Lucas uma espécie de zombaria das tentativas criação espiritual. Grandes acontecimentos tiveram lugar entre os cristãos anteriores. Mas esse ponto de forma alguma é óbvio nas palavras do prólogo primitivos. Lucas queria apresentar uma narrativa organizada desses de Lucas. acontecimentos, especialmente para conhecimento do mundo gentílico, Quanto à natureza dos evangelhos anteriores, Bruce diz (in loc.)‘. «A conforme somos informados no terceiro versículo, pois ele escreveu a um expressão salienta uma série contínua de narrativas, em alguma ordem, oficial romano que provavelmente era recém-convertido ao cristianismo. O quer tópica quer cronológica, e não na forma de narrativas isoladas». evangelho de Lucas, portanto, é uma espécie de apologia, baseada nas Plummer diz: «Eles ‘os outros autores’ haviam produzido algo pouco mais narrativas de testemunhas oculares. do que meras notas ou comentários». Esses documentos, bem como o de Quando alguma antiga obra literária ultrapassava os limites físicos de um Lucas, se referiam aos acontecimentos como ocorrências «realizadas», único volume, era costume escrever um prefácio á obra inteira, no começo usando os termos gregospleres (cheio) ephero (trazer), o qu^Já o sentido do primeiro rolo ou códex, recapitulando-o no início de cada rolo ou códex de cumprir ou encher. Exemplos dessa palavra, encontrados em papiros, subseqüente. Lucas adota essa prática aqui, em seu prólogo, bem como na falam do término de alguma questão financeira. Deissmann (Light from passagem de Atos 1:1, por que esses dois livros constituem dois volumes do the Ancient East, pág. 86) fornece exemplos tirados dos papiros e mesmo esforço literário. Este prólogo, assim sendo, serve também de inscrições, os quais indicam o término de alguma tarefa ou o fato de que a introdução ao livro de Atos. Uma dedicação da obra escrita, a algum mente de alguém ficara convicta ou satisfeita. O trecho de Rom. 4:21 indivíduo, era também comum entre os literatos, costume esse que emprega a palavra para indicar a mais total persuasão. (Ver também Rom. prevalece até hoje. Portanto, esta obra de Lucas-Atos, que constitui cerca 14:5; Heb. 6:11 e 10:22). de um quarto do volume total do N.T., foi dedicada a um certo Teófilo, Os muitos evangelhos, neste caso, não podem ser os evangelhos apócrifos, conforme vemos no terceiro versículo. (Ver detalhes sobre a unidade de que só foram escritos mais tarde, e que não haviam' sido ainda iniciados Lucas-Atos na introdução ao evangelho de Lucas). Este prefácio é excelente quando Lucas compilou as suas fontes informativas. 2 Kaôàis 7rapé8o<jav rjjxlv ol air' âp-^rjs avróirrcu Kal vttt) per ai yevó/xevoi rov Àóyov, 2 ol...aúr<Wai jn 15.27 1:2: segundo no-los transmitiram os que desde 0 principio foram testemunhas próprios apóstolos. A disposição de Lucas havia documentos escritos e oculares e ministros da palavra, muitas declarações verbais. Aqueles que escreveram antes dele «...desde o princípio... testemunhas oculares...». Apesar de ser tinham recebido suas informações ou diretamente, ou da tradição oral que convencional, naquele tempo afirmar que se contava com muitas se desenvolvera em torno da pessoa de Jesus. Paulo menciona mais de autoridades em apoio às obras literárias, não temos razão alguma para quinhentos irmãos (ver I Cor. 15) que eram testemunhas oculares da duvidar desta asseveração de Lucas. Sendo—companheiro—dos apóstolos, ressurreição, isto é, das aparições de Jesus após a sua ressurreição. Muitos ele deve ter tido magníficas oportunidades de conhecer pessoas que tinham deles continuavam vivos nos dias de Lucas, e alguns haviam dado visto os acontecimentos descritos neste evangelho, sem falar sobre as muitas informação de vários incidentes que estão contidos neste evangelho. Lucas narrativas e descrições que ele mesmo deve ter ouvido diretamente dos confirma a crença de que os evangelhos que temos apresentam de modo 6 LUCAS fidedigno a pessoa histórica de Jesus, e essa é uma das questões de maior livro, de cerca de quarenta anos, não deixara a sua memória difusa, e que importância, para nossa consideração, ao estudarmos os evangelhos. Pois podemos confiar que a apresentação é essencialmente válida. Quanto mais queremos saber se o Jesus real era aquele que os evangelhos descrevem, ou vívida deve ter sido a impressão que o incomparável Jesus exerceu sobre as então se o Jesus ali apresentado não passa de um «Jesus teológico», não memórias daqueles que finalmente escreveram a seu respeito. Outrossim, muito semelhante ao autêntico Jesus histórico. A verdade religiosa pode não temos razão para crer que os primeiros «evangelhos» tivessem sido existir sem o alicerce histórico, porque Deus não está limitado à seqüência escritos muitos anos após a morte de Jesus, a despeito do fato de que os dos eventos históricos para declarar e revelar a sua verdade aos homens. evangelhos com que atualmente contamos nas páginas do N.T. tivessem Não obstante, o cristianismo conta com esse benefício adicional de ter sido escritos comparativamente tarde. eventos históricos fidedignos por detrás dos dogmas. Jesus viveu; foi Além disso, é importante notar que o grande impulso para escrever, por indivíduo dotado de grande poder, simpatia e bondade, tal como os si mesmo serve de confirmação da grandeza da pessoa de Jesus. A grandeza evangelhos nos informam. Ele morreu, mas também ressuscitou de entre os do Mestre provocou uma intensa atividade de escritas. (Quanto a detalhes mortos. A sua vitória sobre a morte foi demonstrada por acontecimentos sobre essa questão, ver a secção da introdução ao comentário intitulada históricos dignos de confiança, os quais foram testemunhados por muitas «Historicidade»), pessoas. Aquela forma de crítica moderna que quer levar-nos a crer que os «...ministros da palavra...» Provavelmente temos aqui uma referencia evangelhos se compõem de tradições comunais nebulosas, fragmentos de direta aos apóstolos, embora possa ser suficientemente ampla para incluir sermões acerca de Jesus, impressões em segunda mão, etc., não leva em outros importantes líderes cristãos primitivos. Essa palavra é usada com consideração os fatos declarados neste prólogo do evangelho de Lucas, o relação a Marcos, no trecho de Atos 13:5. O termo palavra, neste caso, que constitui uma das declarações mais importantes de que dispomos se refere à mensagem evangélica, a mensagem que fala sobre Jesus, e que já acerca da natureza fidedigna e da historicidade da nossa fé cristã. assumira uma forma sistemática. É empregada pelo apóstolo Paulo quase TODAS as grandes personalidades podem projetar-se tão profundam ente exatamente com o mesmo sentido, em I Cor. 1:18. João personalizou o na memória de seus amigos e adeptos, que um quadro vívido sobre as termo, fazendo com que «Verbo» (do vocábulo grego «logos») se tornasse mesmas pode ser retido e transmitido mesmo depois de muitos anos. Nos uma referência pessoal ao Cristo encarnado. (Ver João 1:1). tempos modernos, temos exemplos disso na biografia de Phillips Brooks, Este segundo versículo, conforme tem sido observado no comentário feita por William Lawrence, bispo do estado norte-americano de relativo ao primeiro versículo, subentende que Lucas figurava entre a Massachusetts. Na introdução ao seu livro, declara ele que escreveu tudo de «segunda geração» de crentes, provavelmente um dos primeiros convertidos memória, mas que o intervalo entre o falecimento de Brooks e a escrita do dos primeiros esforços evangelísticos da igreja de Jerusalém. 3 e8o£e Kâfiol TTaprjKoXovdrjKÓTi, ãvwdev vâaiv àKpifiâ>s Kadetjrjs croi ypcú/fcu, npáriOTe @eó<£iÀe, 3 (fa/toi] adi (Act. 15.28) et spiritui sanctoi Jvg(3)got S Ac 1.1 Vários copistas, insatisfeitos ante o fato de que Lucas não faz qualquer menção explícita de inspiração, em conexão com o ato de escrever seu evangelho, adicionaram as palavras, «pareceu ‘bom’ a mim e ao Espírito Santo.. .escrevei uma narrativa ordeira...» (itb,q vg3 mas goth). O suplemento se deriva de Atos 15:28 («pareceu bem ao Espírito Santo e a nós»). 1:3: também a mim, depois de haver investigada tudo cuidadosamente desde 0 começo, pareceu-me bem, ó excelentíssimo Teófilo, escrever-te uma narração em o conteúdo dos capítulos 1:5 a 2:52, o evangelho da infância, bem como os ordem. primeiros acontecimentos narrados sobre o ministério ativo de Jesus. Paulo «...igualmente a mim me pareceu bem...» Lucas achava-se especialmente empregou a mesma palavra em Atos 21:17, a fim de designar 0 início de sua capaz de melhorar e expandir a obra literária de seus antecessores. Ele vida entre os judeus, antes de sua conversão. Lucas, que conhecia a Tiago conhecia pessoalmente muitas testemunhas oculares, e com algum esforço (Atos 21:17), provavelmente também ficou conhecendo a Maria, mãe de pôs-se à cata de outras. Desejava produzir uma narrativa mais completa e Jesus, além de pelo menos alguns de seus irmãos. Alguns têm conjecturado sistemática, e teve excelentes oportunidades para conseguir exatamente que Lucas, ao escrever a sua história da natividade, lançou mão da isso. Era médico por profissão, e isso lhe dava boa medida de instrução, narrativa originalmente registrada, talvez preparada por Tiago ou por pelo menos mais que as pessoas médias, o que lhe propiciava a capacidade algum outro dos irmãos do Senhor Jesus, ou então por alguma outra das de fazer bom uso das fontes informativas. O seu grego serve de outra prova primitivas testemunhas oculares; ou ainda, como resultado da combinação de ser homem culto, servindo também de teste da natureza fidedigna da de diversas narrativas orais, de testemunhas oculares primitivas. obra que ele produziu. Aprendemos disso, bem como do fato de que «...excelentíssimo Teófilo...» O nome desse personagem desconhecido diversos outros se haviam lançado na tarefa de preservar, em forma escrita, significa «aquele que ama a Deus» ou amigo de Deus, mas a palavra é um as histórias e tradições que rodeavam a vida de Jesus, que a igreja primitiva nome próprio bastante comum, 0 que não lhe dá qualquer intenção não se compunha exclusivamente de pessoas simples, predispostas a aceitar simbólica especial neste evangelho. As conjecturas acerca da identidade qualquer coisa; pelo contrário, havia em seu seio elementos que tinham desse homem são intermináveis, mas são essencialmente destituídas de respeito por testemunhos fidedignos e por exatidão histórica. Em uma valor, posto que nada sabemos sobre sua verdadeira identidade. comunidade onde muitos tiveram—alguma forma—de contacto direto com Teofilacto (in loc.) diz que pertencia à ordem dos senadores romanos, Jesus, ou pelo menos contacto íntimo com as testemunhas oculares talvez um nobre ou príncipe. Provavelmente era gentio, e muitos têm originais, não seria tarefa fácil passar uma obra fraudulenta como obra conjecturado que morava em Roma. Os livros antigos, tal como também digna de confiança. Deve ter havido muitas pessoas que cuidavam em sucede nos tempos modernos, eram dedicados a alguém, usualmente uma preservar, em boa ordem, tudo quanto se sabia a respeito do Senhor Jesus. pessoa importante ou bem-conhecida, ou mesmo algum amigo especial do Por semelhante modo, não nos devemos esquecer que, por muitos anos, autor; e o volume de Lucas-Atos foi dedicado a esse Teófilo. à base dessa continuavam vivos muitos discípulos pessoais de Jesus, os quais eram tidos circunstância podemos conjecturar corretamente que era um amigo íntimo em alta honra. O testemunho deles era sempre disponível no tocante a de Lucas, e que deve ter sido homem de considerável importância no mundo questões de fatos históricos; e, à base do prólogo do evangelho de Lucas, gentílico. Além disso, nada podemos afirmar de definido. Lucas chamou-o que aqui encontramos, nos vss. 1-4 do primeiro capítulo, ficamos sabendo de «excelentíssimo», e o notável arqueólogo, Sir William Ramsay, que 0 testemunho desses discípulos foi convenientemente usado. informa-nos que esse título era semelhante ao nosso Vossa Excelência, o «...depois de acurada investigação...», que algumas traduções dão como que indicaria alguma alta posição oficial, provavelmente da ordem «...tendo seguido tudo bem de perto...» Em muitos autores que escreveram eqüestre. É empregado para indicar Félix, no trecho de Atos 23:26, bem em grego encontramos construções similares a esta, para asseverar como Festo, em Atos 26:25, e esses homens eram procuradores romanos. O familiaridade com o curso dos acontecimentos. Quanto ao volume de seu título aparece com freqüência na literatura greco-romana para indicar os evangelho, Lucas obteve essa familiaridade por meio de pesquisas diretas. altos oficiais do governo. A passagem de Atos 23:8 indica que o homem não O grego diz aqui, literalmente, «...depois de seguir cuidadosamente...» era de nacionalidade judaica. Os capítulos vinte e sete e vinte e oito do livro Certo autor (Galeno) empregou esse verbo para indicar as investigações dos de Atos contam com anotações geográficas cada vez mais precisas sintomas das enfermidades. O advérbio aqui utilizado, «akribos» (descrevendo a aproximação de Paulo da cidade de Roma e a sua chegada (acuradamente), significa descer até os mínimos detalhes, pois se deriva do ali), e alguns acreditam que Lucas assim fez, pelo menos em parte porque o vocábulo «akron», que indica o ápice de qualquer coisa. seu leitor, Teófilo, estaria bem familiarizado com as áreas ali mencionadas, ....desde sua origem...» Parece que aqui Lucas se refere às questões que e que disso poderia tirar algum benefício, posto que apreciaria as descrições estão ligadas ao começo mesmo da vida e do ministério de Cristo, como seja, sobre sua terra natal. 4 iva imyv(tís irepl cSv Kar-qx^dr/s Àóywv ttjv ào(f>áÁeiav. 1:4; para que confccpis plenamente a verdade das coisas em que foste instruído. Lucas. Porém, apesar de podermos concordar com a possibilidade de «...para que tenhas plena certeza...«. Este versículo está sujeito a duas tentativa de Lucas em demonstrar a universalidade do cristianismo e interpretações totalmente diferentes. A maioria dós comentaristas aceita-o também que de forma alguma era uma seita subversiva, conforme vinha como indicação de que Teófilo já era cristão, já recebera uma cuidadosa sendo acusado de ser, essa interpretação tem mais uma natureza política, instrução cristã, e que Lucas queria aprimorar essa instrução, com a não sendo digna do elevado caráter de Lucas. Parece melhor concordar com intenção de aumentar ainda mais a confiança que Teófilo expressava na a maioria dos estudiosos, que afirma a primeira dessas duas interpretações, revelação cristã. Outros, porém, acreditam que relatórios adversos e embora reconheçamos, ao mesmo tempo, que Lucas tinha determinados negativos tinham chegado aos ouvidos de Teófilo, o qual não seria um propósitos em mente, ao dedicar o volume a um bem-conhecido oficial crente, e, sim,—uma autoridade influente—em Roma, e que por isso gentio, embora fosse cristão. íPrecisamoS observar,; novamente, que a mesmo Lucas teria dedicado 0 volume de Lucas-Atos a ele, no esforço de verdade da revelação cristã se fundamenta na realidade das ocorrências conquistar-lhe as graças para a causa cristã, e especialmente para históricas, e isso por meio das narrativas fidedignas, de testemunhas mostrar-lhe que o cristianismo é uma religião universal, digna da proteção oculares. E possível exagerar a inquirição pelo Jesus histórico, o que romana. Nesse caso, nem seria necessário que Teófilo fosse conhecido de algumas vezes chega a ser pouco mais do que a tentativa de alguns, de LUCAS 7 ensinarem idéias preconcebidas ou especulações sem qualquer base, exceto evangelho de Marcos-, o qual, sem a menor dúvida, foi uma de suas a imaginação de seres humanos. Lucas procurou mostrar que o Jesus principais fonte de informação. Entretanto, ele acrescenta muitos histórico é exatamente o mesmo descrito em seu evangelho, e embora seja pormenores derivados de outras fontes também. Lucas conta com sessenta ele apresentado como indivíduo dotado de fantástico desenvolvimento por cento de material semelhante a Marcos. (Quanto aos detalhes disso ver espiritual, tal caracterização é verdadeira. Certamente que o grande impulso a nota introdutória ao evangelho de Marcos). O esboço da vida e do para escrever sobre Jesus, e a sua contínua influência neste mundo, até os ministério de Cristo é como segue: tempos atuais, indicam que ele foi aquilo que os evangelhos dizem a seu *Nascimento miraculoso - Luc. 1 e 2; Mat. 1 respeito. Lucas queria que Teófilo e todos os leitores ficassem melhor informados sobre esse grande homem, o mestre da Galiléia, o qual, no * Infância e meninice - Luc. 2:25-52 tempo em que foi escrito este evangelho de Lucas, continuava bem vívido na *Crescimento até a maturidade memória de muitos que o conheceram pessoalmente. O N.T. não nos fornece qualquer registro dos anos intermediários entre a Alguns teólogos têm preferido criar um Jesus inteiramente místico, um meninice de Jesus e a sua idade adulta (quando surgiu publicamente, com Cristo que pouca ou nenhuma conexão tem com os acontecimentos cerca de trinta anos de idade). E o testemunho dos evangelhos apócrifos, históricos, e têm assim abandonado qualquer tentativa de compreender a que pretende preencher os detalhes desse período, não é digno de confiança. vida terrena de Jesus. Mas isso é um abandono desnecessário. Podemos Pelo testemunho de diversos escritores antigos, incluindo Justino Mártir simpatizar com a idéia de que a verdade religiosa não precisa depender das (150 D.C.), ficamos sabendo que Jesus trabalhou como carpinteiro, ocorrências históricas, porque isso expressa a verdade. No entanto, a fé provavelmente tendo substituído a José na oficina de carpintaria. cristã mantém vários—alicerces históricos—como prova de sua validade. Comumente se aceita que José morreu quando Cristo era muito novo, posto C.H. Dodd escreveu como segue, no tocante a essa questão (History and the que nenhuma menção sobre ele ocorre, exceto durante a infância de Jesus e Gospel, New York: Charles Scribner’s Sons, 1938, pág. IS): «Algumas o começo de sua adolescência. Justino Mártir mencionou o fato de que religões podem ser indiferentes aos fatos históricos, movimentando-se certos artigos de madeira, fabricados por Jesus, eram procurados como inteiramente no plano da verdade desligada do tempo. O cristianismo não relíquias, em seus dias. Ê possível que Jesus tivesse ficado encarregado do pode ser indiferente a isso. Repousa sobre as afirmações de que sucedeu sustento da „família, por ser o primogênito de Maria, numa família de certa série de acontecimentos, na qual Deus revelou-se por meio de muitos filhos. (Ver a nota em Mat. 12:46,47 onde há uma discussão determinadas ações, visando a salvação dos homens». Outra palavra de completa sobre os irmãos e as irmãs de Jesus). Durante esse tempo, embora interpretação, com essa mesma mensagem, nos vem da pena de Donald M. atarefado com o trabalho necessário, Jesus desenvolveu notáveis dimensões Bailie {God was in Christ, New York: Charles Scribner’s Sons, 1948, pág. de vida espiritual, mediante a comunhão com o Pai e com o Espírito Santo. 52): «Sem dúvida é indispensável o retrato autêntico do Jesus histórico, Tais desenvolvimentos, entretanto, ocorreram nele como verdadeiro ligando aquelas reivindicações (quanto à sua significação divina), homem, tornando-se porções integrantes de sua personalidade. (Nisso ele firmemente com a realidade histórica. à parte disso, não sabemos por qual também nos mostrou o caminho, porquanto, embora se manifeste em nós o motivo diríamos essas coisas a respeito de um personagem histórico, em poder do Espírito, contudo, ao sermos transformados segundo a Sua particular, Jesus, o carpinteiro de Nazaré. Em suma, não saberíamos quem imagem, esses poderes passam a fazer parte integrante de nossa é esse sobre quem dizemos essas coisas admiráveis, e, por conseguinte, não personalidade, tornando-se verdadeiras possessões,porque é da vontade do sabemos dizer por qual razão as asseveramos». Não obstante, conforme diz Pai celeste moldar-nos dessa maneira). Nada disso nega a divindade de Walter Russel Bowie (in loc.): «Se a tomada de consciência do Jesus Jesus Cristo, mas serve para afirmar aquela verdade freqüentemente histórico é o princípio da fé, não é o fim da mesma. Lucas jamais ses olvidada, que ele também era homem, e teve de desenvolver-se conforme interessou pela narrativa do que se passou de Belém ao Calvário, como mera fazemos, ao assumir a nossa natureza humana. Cristo não pôs de lado a sua crônica. A história que ele escreveu também é teologia—história com divindade, mas esvaziou-se de seu uso (ver Fil. 2:6), a fim de que pudesse significação, e significação imensa. Trata-se da história daquele que veio ser tentado em todos os particulares, tal como nós o somos. (Ver as notas para ser o Cristo, o revelador de Deus, o redentor. É possível escrever uma em Mat. 3:13; 7:21-23; Marc. 1:29 e Fil. 2:6). vida de Jesus que não passe de mais um interessante drama humano. Mas não era isso que Lucas escrevia. Ele tinha a intenção de falar sobre uma *Batismo - Luc. 3:23 (cerca de 27 D.C., quando Jesus tinha cerca de carreira que transcendeu a todas as categorias ordinárias que produziu não trinta anos de idade). mera informação às mentes dos homens, mas também transformações em * Tentação por Satanás - Mat. 4. suas próprias almas». Houve um ministério nas áreas da Galiléia, Peréia, Judéia e Samaria, Finalmente, esta citação serve para interpretar a intenção do prefácio do antes dos ministérios conhecidos como ministério galileu (ver João 2,3 e 4). evangelho de Lucas. (Gerhard Kittel, «The Jesus of History», em G.K.A. Entretanto, alguns acreditam que esses acontecimentos não tiveram lugar Bell e D.A. Deissmann, eds., «Misterium Chris ti»'. Londres, Lingmans, no princípio do ministério de Jesus (pelo menos não os que ocorreram na Green and Co., 1930, pág. 49): «O Jesus da história não teria valor e nem área de Jerusalém), mas que seriam mais acertadamente situados, seria inteligível a menos que viesse a ser experimentado e confessado pela fé cronologicamente, no fim de seu ministério, pelo que também o ministério como o Cristo vivo. Porém, se quisermos ser leais ao Novo Testamento, de Cristo, que usualmente se aceita como de três anos de duração, perdurou teremos de reverter de imediato esse juízo. O Cristo da fé não tem apenas por cerca de um ano, cálculo esse feito de conformidade com os existência, e não passa de ruído e fumaça, à parte da realidade do Jesus evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas. Ver nota em Marcos, antes histórico. Esses dois estão totalmente inseparáveis no Novo Testamento. de 1:1, sob «evangelho»). Todavia, a passagem de João 2:11 aparentemente Nem mesmo podemos meditar neles como pessoas separadas. Não há discorda dessa idéia, porque ali se diz que o milagre da transformação de palavra acerca de Cristo que não se refira àquele que sofreu sob Pôncio água em vinho foi o «...princípio...» de seus sinais. Alguns poderiam Pilatos, a qual, ao mesmo tempo, conforme o evangelho, não seja aplicável continuar argumentando que esse milagre foi realizado em Caná da a todos os homens, de todos os lugares e em todos os tempos. Qualquer um Galiléia, e que isso não significa, necessariamente, que a passagem que se que tente primeiro separar os dois, e em seguida descreva só um desses segue, isto é, João 2:13 - 3:36, venha em seguida quanto à ordem aspectos, está inteiramente desligado do Novo Testamento, nada tendo em cronológica. De conformidade com esse ponto de vista, o evangelho de João comum com este». registrou os chamados «primeiros» incidentes da páscoa, como seja, a Este prefácio, portanto, indica o vivido interesse que estava sendo entrevista com Nicodemos, e, possivelmente também, o encontro com a demonstrado e experimentado por muitos ao tempo de Lucas, quando os mulher samaritana, incidentes que foram registrados nessa altura da apóstolos e outras testemunhas oculares contavam as experiências que narrativa para lançar bases doutrinárias para o evangelho de João, tendo tinham tido com o Senhor Jesus. As narrativas eram impressionantes, e deslocado mais para o começo da narrativa incidentes que só ocorreram muitos se lançaram à tarefa de preservá-las em forma escrita. Esses mais tarde no ministério de Jesus. Essa teoria evidentemente tem sido «pequenos evangelhos» chegaram à observação de Lucas, e ele era dotado de formulada por causa da circunstância de que os evangelhos sinópticos uma mente capaz de reunir a grande mensagem dos mesmos em uma registram acontecimentos que cobrem somente o espaço de cerca de um narrativa contínua e exata das atividades de Jesus, «desde o princípio», ano. Alguns acreditam, por isso mesmo, que a aparente extensão do chegando até às narrativas da ressurreição e da ascensão de Jesus, que não ministério de Jesus para três anos, conforme se vê no evangelho de João, por podem ser ultrapassadas. causa dos acontecimentos registrados nos caps. 2-4 desse evangelho, em No tocante à notável pureza do grego deste prefácio, disse Alford (in realidade não é uma extensão cronológica, mas tão-somente uma loc.): «O estilo peculiar deste prefácio—com seu grego mais puro do que o deslocação de determinadas ocorrências, para fora da ordem cronológica, a conteúdo do evangelho, e também mais trabalhado e formal—pode ser fim de servir de plano doutrinário desse evangelho de João. A narrativa que explicado, parcialmente por ser composição do próprio evangelista, não encontramos em João 4:46-54, com seus pormenores incidentais (como no tendo sido traduzido de fontes informativas hebraicas, como o resto (por vs. 54), entretanto, não dá apoio a essa conjectura. hebraico ele entende o aramaico), e parcialmente porque os prefácios, * Ministérios galileus. Evidentemente houve três excursões pela Galiléia: especialmente quando na forma de dedicatória, usualmente assumiam um 1. Mat. 3-8; Marc. 1; Luc. 3-4- Jesus vai com os quatro pescadores. 2. Jesus estilo redundante e artificial». Este prefácio foi vazado em excelente grego leva os doze—Mat. 10-13; Marc. 1; Luc. 3-5. 3. Jesus envia os doze à sua koiné literário, e não é ultrapassado pelos prefácios de quaisquer frente (e também os setenta mais tarde, Luc. 10:1-17), e vai após eles-Mat. historiadores gregos, incluindo Heródoto, Tucídides e Políbio. As 9,14-18; Marcos 6-9; Luc. 9-11. narrativas que se seguem, no corpo do próprio evangelho, em muitos casos podem ter tido uma origem aramaica; e apesar de Lucas manter um bom *Ministério na Peréia, durante a viagem para Jerusalém-Mat. 19,20 e 26; grego do principio ao fim de sua composição, nota-se que em diversos Marc. 10 e 14; Luc. 13-16; João 12:2-8. pontos houve a influência semita. *Semana final em Jerusalém. As harmonias dos evangelhos e os Nesta altura, à guisa de introdução, apresentamos um breve esboço do comentaristas mais antigos, bem como quase todos os intérpretes mais anti ministério de Jesus. Uma das secções da introdução ao comentário, gos, têm concordado em que os acontecimentos descritos nos capítulos intitulada «Jesus, Identificação, Ministério e Ensinos», é um tratamento finais dos evangelhos, de Mat. 21 até o fim, Marc. 11 e Lucas 19 até o fim, pormenorizado da vida e da importância de Jesus, e ali o leitor pode buscar apresentam uma única semana. Entretanto, alguns estudiosos de tempos informações mais detalhadas. mais recentes têm revisado essa opinião, posto que o evangelho de João está Ministério de Cristo: Lucas seguiu a ordem cronológica oferecida pelo sendo atualmente considerado como mais exato e importante, histórica-