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O nacionalismo literário em os filhos da meia-noite, de Salman Rushdie PDF

63 Pages·2008·0.23 MB·Portuguese
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ O NACIONALISMO LITERÁRIO EM OS FILHOS DA MEIA-NOITE, DE SALMAN RUSHDIE CURITIBA 2006 2 JOSEPHYNE PICANÇO DE CARVALHO O NACIONALISMO LITERÁRIO EM OS FILHOS DA MEIA-NOITE, DE SALMAN RUSHDIE Monografia apresentada à disciplina de Orientação Monográfica II como requisito parcial à conclusão do Curso de Letras, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profª Drª Luci Collin Lavalle CURITIBA 2006 3 “Agora, olhando em retrocesso, posso dizer que somos mais ou menos parelhos, o mundo e eu. Nós dois estamos à altura algumas vezes e decepcionamos outras. Falando só por mim (não pretendo falar pelo mundo): no que tenho de pior, sou uma cacofonia, uma massa de ruídos humanos que não se soma numa sinfonia de um ser integrado. No que tenho de melhor, porém, o mundo canta para mim, e através de mim, como um cristal.” (RUSHDIE, O chão que ela pisa, p. 80) 4 Agradecimentos A minha mãe, Christiane Picanço, e meu irmão, Maurício Picanço, pela paciência e compreensão com minha variações de humor e minhas aflições neste último período letivo. A Leandro Cardoso por seu carinho, seu amor e seu incentivo. A minha querida orientadora, professora e amiga, Luci Collin, por todo o apoio e pelos estímulos às minhas descobertas literárias. Ao Dr. Nilson Becker pela medicação e pelos conselhos para manter minha sanidade mental. A minha amiga Maria, por toda a força, energia e boas vibrações que muito me ajudaram na realização deste trabalho. Enfim, a todos os que testemunharam e, de alguma forma, participaram do processo de criação da presente pesquisa. 5 Índice RESUMO................................................................................................................... 6 1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 7 2 NACIONALISMO LITERÁRIO.......................................................................9 2.1 NACIONALISMO COMO LITERATURA DE COLÔNIA............................. 15 3 OS FILHOS DA MEIA-NOITE........................................................................ 19 4 PANORAMA HISTÓRICO............................................................................. 24 5 GÊMEOS SIAMESES...................................................................................... 25 6 YIN E YANG..................................................................................................... 34 7 DEUS ENTRE DEUSES................................................................................... 42 8 HISTORY OR STORY?....................................................................................51 9 CONCLUSÃO................................................................................................... 58 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 60 ANEXOS.................................................................................................................. 62 6 Resumo A presente pesquisa tem por objetivo apresentar alguns aspectos do teor nacionalista no romance Os Filhos da Meia-Noite, de Salman Rushdie. Para tanto, faremos uma abordagem das definições de nacionalismo e de literatura nacionalista de acordo com os teóricos Edward W. Said e Benedict Anderson. As questões nacionalistas são identificadas no romance e confrontadas com a teoria sobre tais questões. Primeiramente, apresentamos de que maneira o narrador, nascido ao mesmo tempo em que a nação, se identifica com ela e que indícios ele nos dá de que ambos sejam irmãos. A seguir levantamos a questão da colonização e da influência intercultural mútua nos países colonizados assim como nos colonizadores. Então, expomos as diferenças entre as religiões existentes dentro do subcontinente e suas demonstrações de amor e ódio. Por fim, apresentamos as maneiras pelas quais a história pode ser manipulada e como tal manipulação aparece no romance analisado. Palavras-chave: nacionalismo literário, Salman, Rushdie, Os Filhos da Meia-Noite. 7 1 Introdução Salman Rushdie1 nasceu em Bombaim, Índia, no ano de 1947. É um dos escritores mais importantes e conhecidos do nosso tempo; autor de vários romances, um livro de contos, três ensaios e de dois filmes documentais. Foi premiado como Autor do Ano na Alemanha, com seu romance polêmico Os Versos Satânicos, em 19892. Em 1993 Os Filhos da Meia-Noite foi considerado o Booker dos Booker Prizes, o melhor romance a ganhar o prêmio em seu 25 anos. No mesmo ano recebeu o Australian State Prize para a literatura européia. Com O Último Suspiro do Mouro recebeu, em 1995, o seu segundo Whitbread Prize, e em 1996 o Prêmio Literário Europeu Aristeion. É professor honorário de Humanidades no Massachusetts Institute of Technology e membro da Royal Society of Literature. Shalimar, o Equilibrista é seu mais recente romance, que teve seu lançamento mundial na semana literária de Parati, no Brasil, no ano de 2005. Devido à importância literária de Salman Rushdie, a presente pesquisa tem por objetivo abordar uma de suas obras mais representativas – o romance Os Filhos da Meia-Noite; como foco principal de nossa pesquisa temos a investigação do teor nacionalista deste romance, que será analisado sob três aspectos principais: influências culturais, contrapontos religiosos e manipulação da história. O primeiro capítulo, intitulado “Nacionalismo Literário”, faz uma contraposição das idéias apresentadas por dois teóricos da questão nacionalista, Edward W. Said e Benedict Anderson. O capítulo que se segue chama-se “Nacionalismo como Literatura de Colônia” e dá continuidade ao debate de idéias dos teóricos acima citados, tendo ,agora, seu foco voltado para a construção da literatura dos países colonizados. 1 A partir daqui, convenciona-se que autores cujos nomes aparecem seguidamente no texto serão mencionados com nome completo apenas na primeira referência. Das referências seguintes constarão apenas os sobrenomes. Assim, Salman Rushdie será, ao longo da pesquisa, mencionado como Rushdie. 2 Em 1989, com a publicação do romance Os Versos Satânicos, Rushdie foi condenado à morte pelos líderes religiosos Muçulmanos do Irã, que o acusaram de ter blasfemado contra a cultura iraniana nesta obra. (Cf. Merriam Webster’s Encyclopedia of Literature, p. 977). 8 A partir do terceiro capítulo, intitulado “Os Filhos da Meia-Noite”, começamos a apresentar o romance de mesmo nome, fazendo uma abordagem do enredo, seguindo-se outro capítulo para uma abordagem da história da Índia no período pré e pós-Independência. Pareceu-nos, desde sempre, positiva a inclusão de algumas informações históricas, uma vez que as consideramos essenciais à articulação, e subseqüente compreensão, de temas explorados por Rushdie em Os Filhos da Meia-Noite. Nos quatro capítulos seguintes, entramos mais a fundo no romance de Rushdie, explorando seu teor nacionalista sob os aspectos propostos. Em “Gêmeos Siameses” é traçada uma linha através da qual o romance se desenvolve, estabelecendo paralelos entre as histórias narradas, a do personagem Saleem e a da nação indiana. Já em “Yin e Yang” utilizamo-nos da teoria de Said para demonstrar de que maneira as culturas imperialista e colonizada se influenciam mutuamente, e como essa influência é retratada no romance. O capítulo seguinte, cujo título é “Deus entre Deuses”, trata das diferentes religiões que são praticadas em todo o subcontinente indiano, bem como as demonstrações de amor e ódio pelas pessoas seguidoras de tais religiões, que podem levar a guerras e/ou sacrifícios. Por fim, apresentamos “History or Story” – cujo título em inglês nos pareceu fazer mais sentido do que sua tradução para o português –, que apresenta as diversas formas de manipulação da história a ser contada, seja ela feita pelo próprio narrador ou pelo governo do país, no caso, a “verdade” de Indira Gandhi. Enfim, abordaremos em profundidade, baseados em teorias e expondo-as na prática, alguns dos aspectos da manifestação de cunho nacionalista dentro do romance de Salman Rushdie. 9 2 Nacionalismo literário A trajetória de nossa investigação a respeito da definição da expressão “nacionalismo literário” começa, intencionalmente, com uma consideração sobre o sentido denotativo da expressão. Assim, o que os verbetes de um dicionário convencional nos esclarecem é o seguinte: Nacionalismo: 1. Exaltação do sentimento nacional; preferência marcante por tudo quanto é próprio da nação à qual se pertence; patriotismo. 2. Doutrina baseada neste sentimento e que subordina toda a política interna de um país ao desenvolvimento do poderio nacional. 3. Doutrina política que reivindica para um povo o direito de formar uma nação. 4. Política de nacionalização de todas as atividades dum país – indústria, comércio, artes, etc. (AURÉLIO, 1993: 1177) Nação: 1. Agrupamento humano, em geral numeroso, cujos membros, fixados num território, são ligados por laços históricos, culturais, econômicos e lingüísticos. 2. País. 3. O povo de um território organizado politicamente sob um único governo. 4. Pessoa jurídica formada pelo conjunto dos indivíduos regidos pela mesma constituição, distinta desses indivíduos, e titular da soberania. 5. Povo ou tribo indígena. 6. Raça, casta, espécie. 7. Terra natal; pátria. (AURÉLIO, 1993: 1177) O que as definições acima evidenciam é que, para começarmos a discutir o termo “nacionalismo”, é preciso discorrer um pouco sobre condições ou panoramas históricos e políticos também, pois, dependendo do contexto histórico da nação em questão, num dado momento, a expressão nacionalista se manifestará de diferentes maneiras. Aqui, vale observar que a própria teoria pós-colonial e, por derivação, do nacionalismo, enquanto inserido nesta, que nos interessa de modo direto nesta pesquisa, está intimamente ligada a condições históricas, como confirma Terry Eagleton: Como o feminismo e o pós-modernismo, e diferentemente da fenomenologia ou da teoria da recepção, a teoria pós-colonial está diretamente enraizada em desenvolvimentos históricos. O colapso dos grandes impérios europeus; sua substituição pela hegemonia econômica dos Estados Unidos; a constante erosão da nação-estado e das fronteiras geopolíticas tradicionais, ao lado de migrações globais em massa e da criação das assim chamadas 10 sociedades multiculturais; a exploração intensificada de grupos étnicos no Ocidente e de sociedades ‘periféricas’ em outros lugares; o impressionante poder das novas corporações trans-nacionais: tudo isto tem se desenvolvido rapidamente desde a década de 1960 e, com isto uma autêntica revolução em nossas noções de espaço, poder, língua e identidade. (EAGLETON, 1996: 204).3 Na presente pesquisa, portanto, nos interessará focalizar e conhecer um pouco da história da Índia e do Paquistão, analisar sua condição de colônia e, naturalmente, explorar alguns desdobramentos que advém desta condição. Contudo, ao invés de entrarmos diretamente no assunto da história desses países, falaremos um pouco das colônias de uma maneira geral. Quando abordamos o tema do colonialismo, muitas perguntas surgem de imediato: como definir o sentimento nacionalista de um povo colonizado? Seria esse o sentimento proveniente do colonizador? Ou seria um resquício – e possível tentativa de resgate – de um sentimento nativo? Um dos teóricos que pode nos ajudar a responder tais perguntas é Edward W. Said. Em seu livro Cultura e Imperialismo, Said levanta essas mesmas questões, dando, de início, a indicação de que nenhum sentimento presente existe sem a intervenção de um passado, e que, muitas vezes, esse passado se confunde com o presente, deixando o interlocutor sem saber para que ponto se dirigir: “A invocação do passado constitui uma das estratégias mais comuns nas interpretações do presente. O que inspira tais apelos não é apenas a divergência quanto ao que ocorreu no passado e o que teria sido esse passado, mas também a incerteza se o passado é de fato passado, morto e enterrado, ou se persiste, mesmo que talvez sob outras formas” (SAID, p. 33). 3 “Like feminism and postmodernism, and unlike phenomenology or reception theory, post-colonial theory is directly rooted in historical developments. The collapse of the great European empires;their replacement by the world economic hegemony of the United States; the steady erosion of the nation state and of traditional geopolitical frontiers, along with mass global migrations and the creation of the so-called multicultural societies; the intensified exploitation of etnic groups within the West and ‘peripheral’ societies elsewhere; the formidable power of the new transnational corporations: all of this has developed apace since the 1960s, and with a veritable revolution in our notions of space, power, language, identity.” (A partir daqui, as citações de textos originalmente em inglês serão traduzidas por mim, sendo que o texto original aparecerá em nota).

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“Agora, olhando em retrocesso, posso dizer que somos mais ou menos parelhos, o mundo e eu. Nós dois estamos à altura algumas vezes e decepcionamos outras. Falando só por mim (não pretendo falar pelo mundo): no que tenho de pior, sou uma cacofonia, uma massa de ruídos humanos que não
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