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O movimento de democratização do rádio no panorama latino-americano PDF

16 Pages·2009·0.21 MB·Portuguese
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O movimento de democratização do rádio no panorama latino-americano Bruno Araújo TORRES Doutor em Comunicação UNIPAC – Juiz de Fora - MG Resumo O baixo custo fez com que o rádio fosse o primeiro dos grandes meios eletrônicos de comunicação a chegar ao continente latino-americano. Pode-se dizer que as primeiras experiências de rádio livre se iniciaram na América Latina há mais de meio século e durante muitos anos os povos indígenas, sindicatos, universidades, igrejas, setores privados e Estados combinaram seus esforços, fazendo que o rádio desta região fosse o mais dinâmico e diverso do mundo. É sobre essa diversidade de emissoras e suas respectivas origens, que faremos um breve repasso sobre as principais e mais influentes rádios livres do continente latino- americano. Palavras-chave: Rádio; rádio comunitária; história da comunicação comunitária; As chamadas rádios livres existem há mais de 50 anos na América Latina e influenciaram tanto a história de seus povos como seus governos. Estas emissoras latino- americanas, posteriormente denominadas rádios comunitárias, educaram seus povos, melhoraram a situação de pequenas populações, combateram ditaduras e participaram de vários feitos históricos neste continente. E são, definitivamente, um exemplo do bom uso dos meios de comunicação, mostrando a capacidade socializadora do rádio. Nascidas com vocação educativa e evangelizadora, hoje se adaptam aos tempos com programas de rearticulação civil e desenvolvimento. Em 1947, a Rádio Sutatenza começava um projeto que serviria de modelo a muitas outras rádios na América Latina. O padre José Joaquín Salcedo tinha chegado ao povo da Sutatenza, na Colômbia, com vontade de melhorar a vida de seus habitantes, dar-lhes novos motivos para lutar, e ele o fez com seu transmissor de 90 watts de potência e uma ideia: levar a educação aos 80% de camponeses analfabetos pelo rádio. Assim, respaldada pela Igreja, nascia a primeira rádio comunitária da América Latina que logo seria imitada em todos os lugares, de Caracas até a Terra do Fogo. A história foi encarregada de remodelar este projeto. A década de 60 foi crucial, a Revolução Cubana de Castro, a Teologia da Libertação, e, em geral, o auge dos movimentos populares e de resistência paralelos à criação de regimes totalitários ampliaram o conceito da rádio social, convertendo-a, em alguns casos, em verdadeiros focos de resistência diante de injustiças sociais, políticas repressivas e, inclusive, golpes de estado. É o caso das rádios mineiras da Bolívia, emissoras sindicais que informaram o golpe militar do General García Meza, em 1980, até que os disparos substituíram a voz do locutor. Ou o caso da Rádio Quillabamba no Peru, que era a única que contava os enfrentamentos entre o Sendero Luminoso e o exército quando ninguém queria falar do tema. Para compreender o surgimento da rádio comunitária na América Latina, também é necessário remontar-se às origens da rádio na Europa - principalmente as rádios livres da França e Itália. Isto nos ajudará a localizar a real dimensão do que significa a rádio comunitária na América Latina, onde se adotaram alguns elementos destes modelos, mas com predomínio da rádio comercial sobre a rádio pública. Entretanto, esta mescla deu lugar a uma variedade de tipos de rádio, entre elas, as rádios comunitárias do Brasil Na metade dos anos quarenta, três décadas antes que se generalizasse na Europa a diversidade nos meios de comunicação, na América Latina, as pequenas comunidades de camponeses ou mineiros já estavam em condições de operar suas próprias emissoras de rádio, não somente como um desafio ao monopólio estatal dos meios, mas também para expressar, pela primeira vez, suas próprias vozes. “As lutas sociais dos anos sessenta e setenta e a resistência às ditaduras militares que chegaram ao poder por cortesia da CIA, não fizeram a não ser contribuir e multiplicar por milhares as rádios comunitárias e independentes1”. Regina Festa2 (1986, p. 35) desenha-nos o contexto político no momento em que começaram a surgir os meios alternativos na América Latina. Os setores populares e suas 1 Alfonso Gumucio Dagron: www.comminit.com/la/lahaciendoolas/sld-931.hTML 2 No início dos anos 80, a investigadora Regina Festa levantou 33 termos utilizados para designar a comunicação comunitária. Entre eles, destacamos: comunicação alternativa, comunicação popular alternativa, comunicação participativa, comunicação comunitária, comunicação grupal, comunicação de base, comunicação emergente, comunicação de resistência, comunicação militante, comunicação dos marginalizados, comunicação libertadora, comunicação dialógica,, comunicação do oprimido, comunicação horizontal, imprensa pequena, imprensa popular, imprensa sindical. Em: FESTA, 1986, p. 35. organizações, limitadas de todo acesso aos meios comerciais ou controlados pelas ditaduras, começaram a utilizar outros meios de comunicação, como rádios e jornais comunitários, produções locais de vídeo e teatros de bairro. Do mesmo modo, Fox a respeito manifesta: “Os meios alternativos eram novos na América Latina. Historicamente, a região tinha albergado milhares de formas diversas e variadas de expressão cultural. Eram muitos os que utilizavam o rádio, os toca-fitas, as câmaras de vídeo e os aparelhos de gravação. Esses meios eram obras de indivíduos ou grupos que econômica, étnica, política, geográfica e culturalmente estavam excluídos do poder” (FOX, 1989, p. 44). Os meios alternativos substituíam ou suplantavam as funções de informação, opinião e entretenimento dos "mass-media" tradicionais. Além disso, eram uma forma de expressão e de protesto em uma sociedade que suspeitava que uma nova ideia constituía algo perigoso. Não obstante, o alternativo não constitui por si mesmo uma resposta providencial frente aos problemas comunicativos nem pretende substituir os meios tradicionais. Sem cair em extremismos, é preciso reconhecer sua capacidade de ação, suas possibilidades como ator de mudanças e seus limites ao enfrentar a complexa realidade das sociedades latino-americanas. A rádio comunitária, com sua persistência, deu e está dando uma resposta às necessidades comunicacionais em toda a América Latina. O baixo custo fez com que a rádio fosse o primeiro dos grandes meios eletrônicos de comunicação a chegar ao continente latino-americano há mais de 60 anos. E é na América Latina também onde mais vão proliferar nas últimas décadas as emissoras radiofônicas. No começo da década de 1960, havia 14 milhões de aparelhos receptores de rádio no continente. Se na América Latina a relação atual é de uma emissora para cada 17 mil receptores, no Canadá existe uma rádio para cada 75 mil ouvintes, e nos Estados Unidos, uma emissora para cada 82.200 receptores. Na Ex-Alemanha Ocidental, a relação chegava a 680 mil receptores para cada emissora3. Pode-se dizer que os povos indígenas, sindicatos, universidades, Igrejas, setores privados e Estado combinaram seus esforços, fazendo da rádio da região a mais dinâmica e diversificada do mundo. Era necessário preocupar-se não só com a soberania da informação no plano internacional, mas também se devia incluir a democratização interna dos meios que provessem ao público acesso ao controle de si mesmos. Assim, as experiências se iniciaram 3 Mensageiro – Revista Latino-americana de Comunicação. Quito, CIESPAL, N. 10. com as formas mais incipientes de fazer rádio (alto-falantes, transmissores de baixa potência) pretendiam dar voz às populações marginalizadas para que reconhecessem o valor do local e do nativo e tivessem as ferramentas para lutar por um sistema justo. E convencidas de que o desenvolvimento era gerado de baixo e por fora dos meios maciços, sua tarefa consistiu em devolver a voz ao povo4. As experiências de uso comunitário da rádio ganham novo incremento na década de 70. Em parte, em função do próprio surgimento da ALER5 com o papel de animadora e aglutinadora das experiências de rádios comunitárias. Mas em grande medida também porque aquele decênio pode ser considerado o marco de um novo impulso das organizações populares e ao mesmo tempo de um novo enfoque que nasce e ganha destaque nas propostas de educação nas sociedades latino-americanas: o enfoque da educação popular. “é uma educação que, ao contrário da educação tradicional, quer converter o aluno em sujeito do processo educativo; está orientada a formar homens e mulheres conscientes e comprometidos com o mundo social e, para isso, impulsiona a organização popular. Surgem experiências de rádio que apoiam estes grupos e produzem programas educativos dentro da nova linha. É o momento da participação popular, especialmente das organizações do povo” (COGO, 1998, p. 44). Outro uso alternativo do rádio concerne a emissoras que nascem e operam dentro de processos revolucionários que envolvem luta armada e funcionam sob o poder de grupos políticos guerrilheiros em países da América Latina. Da Revolução Cubana, quando a Rádio Rebelde entra no ar para informar e ao mesmo tempo contribuir com a organização da luta dos revolucionários, a dimensão militante na colocação da rádio ganha destaque no cenário latino-americano. No Nicarágua destaca-se o trabalho realizado pela Rádio “Sandino”, em um contexto no qual os meios de comunicação desempenharam papel importante durante a guerra civil que pôs fim ao regime autoritário do ditador Somoza, aliado aos interesses norte-americanos na América Central. 4 GONZALEZ Paz, 2002; www.geocities.com/capitolHill/congress/2850/index.html 5 A ALER (Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica) nasceu em 1972 como iniciativa de 18 rádios que viram na união uma possibilidade de crescimento e desenvolvimento. Seus objetivos eram melhorar os programas educativos, capacitar o pessoal das emissoras e procurar apoio econômico para seguir crescendo. Nos 90, a ALER se abre a emissoras não católicas e cresce até formar o que é hoje uma associação que reúne a 98 rádios de toda a América Latina e que tem uma audiência de mais de 12 milhões de pessoas, quase todas pertencentes a setores excluídos ou com pouco acesso aos serviços públicos. As estações clandestinas da guerrilha contribuíram para os movimentos de liberação nacional em muitos países: “Rádio Venceremos” em El Salvador difundiu a luta do povo salvadorenho durante 11 anos antes de ser legalizada pelo tratado de paz entre a Frente Farabundo Marti e o Governo, em fevereiro de 1991. Para Cogo (1998), nenhuma proposta de uso da rádio em favor de um projeto revolucionário popular na América Latina foi conduzida com tanta habilidade e êxito quanto pelos guerrilheiros de El Salvador na luta contra a intervenção norte-americana. José Ignacio López Vigil é ilustrativo ao descrever as vicissitudes de Rádio Venceremos, em El Salvador: “Quando caiu a primeira grande operação contra Morazán, o objetivo era resistir (...) A primeira mensagem política da rádio consistia em mostrar aos amigos e ao inimigo que aí estávamos (...) E transmitimos aqueles dias sob o fogo dos morteiros. E transmitimos infinidade de dias clandestinamente, sob chuva, com os helicópteros em cima, com a maior teimosia de sair ao ar que tenha conhecido nenhuma rádio no mundo” (VIGIL, 2002). As primeiras rádios livres na América Latina foram rádios sindicais e revolucionárias. Na Bolívia, no começo dos anos 50, surgiram as rádios dos trabalhadores das minas. Segundo Jorge Mancilla Romero, que esteve ligado à Rádio Vanguarda no centro mineiro do Colquiri: “O complexo das emissoras mineiras nasce como uma necessidade da base, logo depois do triunfo da revolução nacional de 09 de abril de 1952 (...). as rádios Sucre e Bolívar (...) aparecem em 1952 e já em 53 saem do ar (...) depois surge a Voz do Mineiro, da mina Siglo XX, na época imediatamente posterior ao triunfo de abril, em que se deu a nacionalização das minas. (...) Em Catavi, surge a Rádio 21 de Dezembro, em homenagem aos mineiros mortos no massacre de 21 de dezembro de 1942. Imediatamente depois, surge a Rádio Nacional de Huanuni (...) isso provoca um a febre de emissoras sindicais que se espalha especialmente nos setores mineiros (...) Em 1963, havia 23 emissoras funcionando em todo o país” (MASSAGÃO, 1987, P. 19). Em fevereiro de 1958, os guerrilheiros cubanos faziam a primeira transmissão da Rádio Rebelde, ideia de Che Guevara, do território liberado de Sierra Maestra. Entre 58 e 59, transmitiam todas as tardes até o fim da luta contra a ditadura Batista, a partir do quartel- general da Plata. A rádio teve papel estratégico na luta revolucionária, pois era o elo entre o quartel-general da Plata e as várias frentes guerrilheiras. Era “constituída por vários transmissores que avançavam na direção de Havana. Em cada território tomado, um novo transmissor era montado, sempre em conexão com o quartel-general” (MASSAGÃO, 1987, P. 102). Essa tática seria reconquistada pelas Rádios Sandino de Nicarágua e Venceremos de El Salvador. Sobre as rádios revolucionárias Venceremos e Farabundo Martí de El Salvador, diz- nos Denise Maria Cogo: “Ligada às Forças Populares de Libertação (FLP) (...) a Rádio Farabundo Martí surge em janeiro de 1982, passando a ter mobilidade constante dentro das zonas de controle revolucionário, a partir da constituição de uma rede de correspondentes de guerra e de unidades móveis de informação. Voltada exclusivamente para as informações referentes à guerra, a programação é transmitida diariamente das 12h30min às 19h (...) Os problemas enfrentados pela emissora são semelhantes aos da rádio Venceremos e estão ligados à manutenção dos equipamentos, interferência e rastreamento por parte do inimigo. As dificuldades vão sendo superadas pela própria população (...) que tratou de criar círculos de escuta voltados para a formação política e núcleos de pessoas em torno da emissora. (Cogo, 1998, p.84). Mas o movimento de rádios livres no Brasil não é herdeiro dessas rádios revolucionárias latino-americanas. Até que se tentou, nos diz Rego (2002), mas no Brasil nunca se chegou a organizar grandes movimentos revolucionários ocupando territórios, e tendo o rádio como instrumento de luta. A inspiração mais próxima foi a dos movimentos de rádios livres, ligadas aos movimentos sociais, na Itália e na França, dos anos 70 até os 80. Trata-se de um outro momento, ou do início de um outro devir. E é fundamental que possamos distinguir e caracterizar com clareza essa ruptura de continuidade. Esse processo que se inicia, podemos dizer, a partir dos movimentos de 68, dá o “start” para um outro modo de fazer política, quando o anterior ainda não terminou. “Os movimentos, que estamos caracterizando como herdeiros de 68, têm como traço principal a pluralidade, a diversidade de direções, objetivos, modos de organização. Na Itália, integram estudantes, artistas e teórico universitários, a novas linhas radicais do movimento operário, que se desligam das correias do movimento sindical concentrado pela CGT, e do PCI. Na França, em Paris, por exemplo, são tantas as rádios que começaram a se misturar no dial, numa cacofonia delirante: rádios anarquistas, trotskistas, gays, anarco-lésbicas, ecologistas, orientalistas, e por aí vai. O que é mais explícito, mais claro, nessa produtividade transbordante de discursos e propostas irradiadas, é a alegria, a experiência de um novo mundo de liberdade, de formas de associação, de agenciamentos sociais e de pensamento, inaugurais” (REGO, 2002). Todas essas rádios foram ilegais e, pouco a pouco, na França e na Itália, como depois, no Brasil, começam a se organizar movimentos que reivindicam mudanças na legislação de telecomunicações, mudanças que definam meios específicos para a legislação destas práticas de comunicação. Machado, Magri e Massagão contam o que se passou: “O destino das rádios livres europeias foi selado com a sua legislação. Elas que haviam sabido resistir a todas as modalidades de repressão e não estavam preparadas para enfrentar a arma mais traiçoeira: a institucionalização. As duas formas de legalização adotadas na Europa lhes foram igualmente nocivas. A legalização de tipo empresarial (...) italiana, dando ênfase à competência técnica e econômica, com abertura ao suporte publicitário, esmagou as rádios verdadeiramente alternativas, pois os seus modestos transmissores não puderam enfrentar a hegemonia do grande capital. E a legalização do tipo burocrático, (...) francesa, dando ênfase à representatividade político-partidária, ao poder local e aos organismos corporativos e sindicais, acabou dissolvendo as emissoras não vinculadas aos aparelhos convencionais de representação e que não por acaso eram as mais criativas e as mais consequentes do movimento. (...) os movimentos da juventude e dos trabalhadores – o principal alimento de que elas se nutriam – entraram em refluxo. As rádios livres não poderiam sozinhas transformar em barulho o silêncio da maioria (...) Enquadrada a rebeldia, institucionalizada a liberdade, policiada a desobediência civil, o movimento das rádios livres apenas acompanhou o refluxo geral da sociedade européia.” (MASSAGÃO, 1987, P.77-78). Logo, a partir da expansão da FM, aparecem mais tipos de rádios comunitárias mas todas vinculadas à sociedade civil. Aparecem as rádios "barriales" na Argentina e muitas outras na região. Isto enriquece o panorama, e só nos últimos anos aparecem algumas municipais. Mas, como aponta Roncagliolo (1999, p. 262), “as rádios municipais (ou locais) não necessariamente se consideram a si mesmas rádios comunitárias”. O desenvolvimento das rádios comunitárias as levou à cena do massivo, a procurar e captar audiências, a inserir-se na dinâmica política e econômica do sistema social e até a competir pelo bolo publicitário. O processo não esteve isento de problemas. Quando a rádio comunitária estava circunscrita ao local, ao micro, não representava maior importância nem para o Estado nem para a empresa privada de radiodifusão. Segundo Roncagliolo (1999, p. 264), na América Latina há dois modelos iniciais de rádios comunitárias, e que têm uma realidade distinta da europeia. O primeiro modelo foi a radio Sutatenza inaugurada na Colômbia em 1947, e o outro modelo que inspira as rádios comunitárias é o das rádios dos sindicatos mineiros da Bolívia, geradas a partir da revolução boliviana de 1952. Para Cogo (1998, p. 39), na maior parte dos países latino-americanos, a comunicação popular emerge no interior dos movimentos e organizações sociais no meio de uma conjuntura de profunda insatisfação por parte do povo e de profundas restrições às liberdades de expressão. A inserção nos movimentos populares atribui, portanto, sentido político à comunicação popular à medida que as práticas e experiências comunicativas cumprem um papel instrumental na defesa dos interesses e na expressão das reclamações dos grupos populares. A comunicação comunitária está, assim, relacionada com as necessidades dos movimentos de resistência e reivindicação e, em cada um deles, vai ganhando significado e identidade próprios, conforme constata Luiz Gonzaga Motta: “(...) a forma que assume a comunicação alternativa popular em cada movimento depende do tipo de reivindicação em questão, da correlação de força dos grupos envolvidos, do grau de organização dos setores populares, do tipo de informação buscada ou por difundir-se, dos recursos disponíveis, do apoio encontrado, das facilidades para contatos pessoais e muitos outros aspectos” (MOTTA, 1987, p. 46). Como chama a atenção José Martinez Terrero (1988, p. 51), “a comunicação é popular não por se contrapor à burguesia, mas sim pela forma de inserir-se em um processo de transformação da realidade”. Segundo Utria (1969, p. 55), a participação popular, em sentido amplo, no âmbito da América Latina, “começa com um lento e articulado processo de tomada de consciência, pelo qual os indivíduos adquirem uma vivência real de sua situação e de seu destino no universo social e político que os rodeia, elaboram e definem uma imagem de seus autênticos interesses e os contrastam, analiticamente, com a ordem social, política e econômica. (...) Nessas condições, homem e comunidade estão potencialmente preparados para iniciar o complexo processo de participação popular”. Na mesma linha, também Kaplún (1987, p. 70), analisando sua experiência com o "cassete foro” 6 no Uruguai, chega à conclusão de que a participação popular “é um processo longo e lento, que não se dá de um dia para o outro nem ao longo de um ano de trabalho. Pode 6 O Cassete Foro tinha o objetivo de reverter a unidirecionalidade comunicacional e recuperar o sentido dialógico da comunicação, frente ao paradigma dominante de informação. levar muito tempo até que um grupo chegue ao grau de maturidade e consciência crítica que lhe permita superar seus conhecimentos culturais e dialógicos, possibilitando uma efetiva participação autônoma na comunicação”. Neste sentido, diz que não basta criar mecanismos e canais de participação. Para o Peruzzo (1998, p. 295), na verdade, não existe acordo nem estão encerrados os debates sobre a questão da participação popular na comunicação. Alguns argumentam que ela é inviável devido às características dos próprios meios, sendo difícil, por exemplo, empenhar todo um grupo social na produção de um jornal. Entretanto, não se pode prescindir de mecanismos de representatividade nem de metodologias apropriadas para sua efetivação. É certo que nenhuma sociedade sobrevive e se organiza sem estrutura de poder. A questão não é acabar com ele, mas sim, pela participação, democratizá-lo. Nessa dinâmica, conta-nos Peruzzo (2003, p. 12), desenvolvem-se tanto os pequenos meios de comunicação como aqueles que procuram falar para audiências maiores, pois têm no horizonte a transformação social, que não seria apenas tópica, mas sim da sociedade como um todo. Havendo problemas iguais ou análogos em diferentes lugares e havendo experiências e propostas de avanço em toda parte, por que não interconectá-los? As emissoras de rádio e redes implicadas nesse tipo de processo, por exemplo, existem com grande expressividade na América Latina e no mundo. Mais que uma questão de tamanho ou de alcance, o que faz mais sentido na compreensão da comunicação comunitária no Brasil e na América Latina é a confluência de propósitos e o tipo de ação concreta desenvolvida em diferentes partes, mas que se encontram no objetivo estratégico do desenvolvimento social. Como dissemos no início deste artigo, em 1947, o padre José Salcedo, da aldeia colombiana da Sutatenza, instalou uma rádio elementar para apoiar as campanhas evangelizadoras e alfabetizadoras da Igreja Católica. No correr de uma década se formou uma cadeia de oito rádios, com patrocínio internacional e do governo nacional, para favorecer a educação não formal dos camponeses colombianos. As experiências das rádios educativas, quase todas cristãs, estenderam-se pela América Latina nos anos sessenta. Perto de meio milhar de rádios deste tipo surgiu em 15 países. Em um primeiro momento dirigiram sua atenção aos camponeses e indígenas e nos anos setenta também às populações suburbanas e marginalizadas. O surgimento das rádios sindicais na América-latina tem uma clara casualidade nas características organizativas e ideológicas do movimento operário. Essas condições lhe permitiram, em diversos países e em diferentes períodos, criar ou apropriar-se de distintos meios de difusão para respaldar suas reivindicações econômicas, sociais, políticas e culturais. Utilizaram múltiplas práticas para ter voz própria e escapar ao condicionamento dos meios maciços que, em boa medida, percebem como ligados aos próprios padrões com os quais mantêm conflitos. Relata Luiz Santoro que os mineiros bolivianos, não acreditando nas informações veiculadas pelas emissoras do governo, acabaram por forjar seu próprio aparato de informações por meio de emissoras de rádio. A rádio cumpre aí a função de informar, a nível local, pondera o autor, transformando-se em “um instrumento de informação, essencial como mobilizador e conscientizador em uma população quase nada alfabetizada” (Santoro, 1981, p. 98). Primeiro, os mineiros, depois os sindicatos fabris e os camponeses utilizaram a rádio para divulgar suas atividades, tornar pública suas reivindicações e promover os hábitos culturais de suas comunidades. Dezenas de movimentos insurgentes do Terceiro Mundo utilizaram a rádio, no que vai da segunda metade deste século, como elemento de luta. As emissoras clandestinas desempenharam um papel importante como elemento de comunicação entre as organizações político-militares e a população. São elas um tipo especial de rádio, que por fora do sistema estabelecido se expõem a "sanções" que vão muito além da clausura ou a expropriação de equipes. Hoje, é responsabilidade e dever das rádios comunitárias pensar e atuar local e globalmente, sem deixar de reconhecer e garantir a vigência das microculturas. Procuram ampliar suas fronteiras geográficas, mas sem se perder na globalização. São suscetíveis de converter-se em empresas de comunicação sem perder a noção de serviço público e de aprofundar a democracia. “Podem contribuir para que o Estado e os grandes meios comerciais reconheçam os meios comunitários e compreendam que existe uma lógica de rentabilidade

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