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O Menino que falava com Cães PDF

182 Pages·2015·0.8 MB·Portuguese
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Sinopse Um livro único e emocionante sobre o relacionamento entre homens e cachorros. Todos nós, em algum momento da vida, já nos sentimos desprezados e sem lugar no mundo. A impressão é que, nessas horas, apenas os animais são capazes de nos acolher profundamente, oferecendo um amor desinteressado e puro, sem pedir nada em troca. Essa é síntese da história de vida de Martin McKenna. Ainda criança, em uma pequena cidade da Irlanda, o garoto sentiu na pele o significado da palavra rejeição. Sofrendo bullying na escola e em casa, resolveu fugir e viver nas ruas, onde foi adotado por seis cachorros. A partir dessa convivência, Martin descobriu a linguagem, as leis de comportamento e os hábitos que definem o universo dos cães. Mais importante ainda, seus companheiros o ajudaram a entender o significado de conceitos como coragem e respeito por si próprio. Uma história emocionante, que serve de inspiração para todos aqueles que se sentem como Martin. Um livro único, com um olhar fascinante sobre o comportamento canino e como o nosso relacionamento com esses extraordinários seres ainda tem muito a ser desenvolvido. Prólogo Alguma coisa cobria o meu rosto, dificultando a minha respiração. Levantei a cabeça, raspando as unhas no meu rosto como se fosse uma criatura selvagem. Porém, em vez de encontrar um fazendeiro furioso tentando me sufocar enquanto eu dormia, como eu tinha sonhado, vi que era somente uma grande e estúpida moita de feno, que deve ter caído no meu rosto enquanto eu dormia. Meu nome é Martin. Naquela época, eu era um menino de rua irlandês com treze anos de idade, que vinha dormindo em celeiros por vários meses sem que ninguém percebesse, para escapar da chuva e do frio. Pelo menos eu não estava sozinho. Seis cães tinham me adotado quando fugi de casa pela primeira vez e iam comigo aonde eu fosse. Nós tínhamos formado uma gangue sem rumo e éramos melhores amigos. “Cachorros? Onde é que vocês se meteram?” Meus olhos vasculharam os montes de palha ao redor. Ainda devem estar dormindo, pensei. Quando faz frio, eles sempre se aninham bem no fundo. Lá no alto, notei alguns pingentes de gelo pendurados no teto de metal. Pelo tom cinza perolado da iluminação, percebi que era madrugada; então, ajeitei-me outra vez e cobri meu corpo com uma camada grossa de feno, para espantar o frio. Minha respiração pairava no ar sobre o meu rosto, como se fosse uma névoa. Eu estava morrendo de fome. Esfreguei a boca na manga do casaco e senti meu próprio cheiro. Que nojo! Depois de cinco meses naquela vida, eu definitivamente estava me transformando em um bicho. Não era de surpreender que os fazendeiros quisessem me perseguir com espingardas e porretes de ameixeira-brava: ninguém ia querer algo tão selvagem como eu rondando em suas terras. Eu não era nada bonito. Magro como um caniço. Sujo. Orelhas de abano. Nariz comprido num rosto igualmente alongado. Olhos verdes atrevidos, sem nada demais, além de uma boca insolente que em geral me rendia boas pancadas. O que me diferenciava instantaneamente dos outros garotos da área de Garryowen — além do bando de cachorros grudados o tempo todo nos meus calcanhares — era meu cabelo castanho sempre desgrenhado, que mais parecia pelo de rato. Minha aparência era um tanto medonha, o que era natural diante do fato de que há meses meu cabelo não via sabão, pente nem tesoura. Minhas roupas eram um casaco de lona preta “emprestado” do varal de um quintal, o mesmo jeans encardido com o qual eu havia fugido e um suéter de lã quintal, o mesmo jeans encardido com o qual eu havia fugido e um suéter de lã amarelo e surrado, que recolhi de um saco plástico do lixão local. Ainda mais precioso, meu par de botas fora achado em uma soleira de porta em Garryowen. Só as tirei na noite passada, porque estavam apertando meus pés. Estava procurando-as quando ouvi um ruído bem nítido. Congelei na hora. Porra! Era Sean Moss, fazendeiro psicopata e dono daquele celeiro. Ouvi seus passos na escada que leva até o sótão. Suas grandes botas afundavam no feno e suas mãos enormes e nodosas balançavam sua arma — um pesado galho de ameixeira-brava — em preguiçosos movimentos circulares no ar, com espinhos afiados como navalha soltando um horrível assobio. Os olhos dele congelaram nos meus. “Você de novo!”, ele rosnou. “Eu avisei o que aconteceria com você se voltasse a choramingar por aqui, moleque.” Não havia a mínima chance de tentar explicar que o forte temporal tinha nos prendido ali naquela noite. Que eu estava com tanto frio e tão encharcado que arrisquei me esgueirar para lá depois da meia-noite. Não havia pessoa viva no mundo capaz de negociar com Sean Moss quando se tratava de proteger seu precioso território. De repente, ele atacou, erguendo bem alto o seu porrete. Eita! Felizmente, ele errou a pancada. “Onde estão aqueles seus malditos vira- latas?”, urrou. “Sei que estão em algum lugar por aqui!” Ao redor de mim, a palha explodia conforme meus cachorros subitamente despertavam. Eles correram para formar uma linha de defesa à minha frente. O latido deles era enlouquecedor. Sean nos encarou. “Boa! Agora peguei todos vocês de uma vez.” Ele levantou o porrete e deu um passo na nossa direção. Os cachorros latiam alto como tiros ecoando pelo celeiro. Agachado na palha, chocado, observei meus cães. Eu os conhecia há meses, mas nunca os tinha visto daquele jeito. Com os dentes à mostra e pelos eriçados, eles permaneciam lado a lado, ameaçando Sean como se fossem os guarda- costas mais leais do mundo. Se Sean tinha a intenção de me machucar, teria de passar por eles primeiro. Eles eram magníficos. O primeiro da fila, Blackie, um enorme e feroz terra- nova, estalava os dentes, com as pernas flexionadas e pronto para atacar. Ao lado dele estava Mossy, um springer spaniel de pelo malhado. Em seguida vinha Red, um alto foxhound ruivo e branco, depois, Pa, um labrador preto e gordo, e a sedosa skye terrier Missy. Por fim, havia Fergus, um terrier magrelo de focinho comprido. Eles eram os meus melhores amigos no mundo e estavam oferecendo suas vidas para me proteger. Sean Moss agarrou seu porrete com força, relaxou os ombros e esperou. Sabia que tínhamos de passar por ele para chegar à escada. “Moleque doido!”, gritou, berrando mais alto do que os latidos. “Você se acha muito esperto, não é? Só que nenhum de vocês vai escapar de umas pauladas desta vez!” Sem avisar, ele saltou num movimento rápido. Blackie tentou morder a perna do fazendeiro, mas foi lento demais. Sean golpeou-lhe na cabeça, e o grande cachorro tombou para trás, caindo do sótão. Ouvi o baque de seu corpo contra o chão de concreto, lá embaixo. Meu coração bateu em falso. O psicopata matou meu cão. O porrete assobiou rente a meu ouvido no exato momento em que me esquivei. Ele ia me matar também. Todos nós tínhamos de dar o fora dali, e bem rápido. Sean tentou me acertar na cabeça outra vez. Mergulhei para me livrar da paulada. A cada golpe perdido, a raiva dele aumentava. Os cães trabalhavam como um time, tentando afastá-lo da escada, mas ele estava determinado a não nos deixar escapar. “Estou farto de você e seus malditos cachorros tratando este lugar como se fosse seu hotel particular!”, berrou, tentando acertar os animais que se enroscavam em volta de suas pernas. “Desta vez vou matar todos vocês!” Só havia um jeito de escapar: avançar direto pela beirada do sótão. “Comigo! Agora! ”, gritei para os cachorros e lancei-me pela borda do sótão, deslizando sob o porrete de Sean e caindo sobre um monte íngreme de feno. Os cães despencaram atrás de mim, numa avalanche de pernas e pelos. Blackie, ainda de pernas bambas e com um olhar meio vago, esperava por nós lá embaixo. Não morreu, graças a Deus. Caímos em cima dele, desvencilhamos nossas pernas umas das outras e disparamos para a porta aberta do celeiro. “Não parem de correr!”, berrei. Atrás de nós, Sean abria caminho escada abaixo. Felizmente, ele não estava armado com a sua espingarda. Os cães corriam ao meu lado pelo terreiro da fazenda. O chão estava congelado sob meus pés descalços e eu os sentia queimando. Merda, deixei minhas botas no celeiro. Assim que consegui pular o baixo muro de pedras que cercava a propriedade, olhei para trás para conferir os cachorros em disparada, espremendo-se para passar sob o portão. Juntos, atravessamos o campo congelado, os cães arfando durante o galope. Meus pés estavam dormentes. Os cachorros espalharam-se à minha volta, soltando latidos de alívio. “Da próxima vez que pegar vocês invadindo aqui, vou atirar em um por um, ouviram?”, o grito de Sean ecoou lá atrás. Tá bem, tá bem. Você não pode nos machucar agora, seu psicopata idiota. Sean Moss era apavorante apenas enquanto nos mantinha encurralados no Sean Moss era apavorante apenas enquanto nos mantinha encurralados no celeiro, nos ameaçando com aquele imenso porrete de madeira nas mãos. Lá fora, a céu aberto, ele parecia apenas patético. Ergui a mão e acenei para ele, com insolência, mas sem parar de correr. “Até a próxima, Sean.” “Sabe de uma coisa, seu demente? Seu pai estava certo! Você é um merda que só dá problema! É tão inútil que nem ele quer saber de você por perto!” Se havia uma guerra particular entre mim e meu pai, certamente não era da conta daquele bastardo. O orgulho me fez estancar a corrida. Virei-me para encará-lo. A insolência era uma velha amiga minha. O ponto fraco de Sean era o mesmo de qualquer valentão — tudo o que eu tinha a fazer era zombar dele. Coloquei a mão em concha no ouvido e berrei: “O que você disse, Sean Moss? Não consegui entender, seu velho pão-duro!”. “Você ouviu muito bem”, ele gritou de volta, furioso. “Seu pai diz para todo mundo que você é um inútil, que nunca devia ter nascido e que ele nunca queria ter posto os olhos em você.” Meu pai me dizia coisas daquele tipo com tanta frequência que aquelas palavras não me afetaram. “É mesmo?”, respondi. “Sabe o que é ainda mais engraçado? O que todo mundo em Garryowen fala de você. Dizem que você é o pão-duro mais miserável de toda a Irlanda.” Não existe um irlandês vivo capaz de suportar um insulto como esse. Os olhos de Sean se esbugalharam de ódio. “Sean, é verdade o que dizem?”, gargalhei. “Que toda noite você conta cada fio de feno antes de dormir? Nossa, isso é que é mesquinharia, hein?” O rosto dele ficou vermelho. “Cala essa boca, moleque!” O diabinho da provocação me atentou outra vez. Arranquei um talo de feno que tinha ficado preso nas minhas calças e ergui sobre minha cabeça, agitando-o no ar. “Ah, não! Olha só, Sean!”, falei, fingindo preocupação. “Um precioso fio de palha que roubei daquele seu celeiro idiota. Que pena, acho que é menos um para você contar hoje à noite.” Os olhos dele estavam prestes a saltar do rosto. Eu realmente estava acabando com ele — com um simples talo de feno. Pus a palha na boca e disse: “Olhe e chore, Sean. Você nunca o terá de volta!”. Em seguida, comecei a engolir o talo. Mastiguei aquele estúpido e duro talo de feno como se fosse a refeição mais saborosa e elegante do mundo. Os olhos incharam de tal forma que achei que a cabeça de Sean fosse explodir. Que idiota. Por que simplesmente não virou as costas e me ignorou? Continuei mascando alegremente, com meus olhos pregados nos dele. Por fim, passei as mãos sobre a minha barriga, com um ar de satisfação. “Hummm. Obrigado pela maravilhosa hospitalidade, seu velho sovina duma figa.” “Volte aqui”, ele vociferou, “e a minha espingarda vai cuspir fogo e arrancar “Volte aqui”, ele vociferou, “e a minha espingarda vai cuspir fogo e arrancar essa boca insolente da sua cara!” “Tchau, Sean!” Com a minha autoestima restaurada, eu ri e pulei o portão para o campo vizinho. “Cachorros, cadê vocês? Podem vir agora.” Meu assobio perfurou a alvorada. Eles apareceram através de uma abertura na cerca-viva, com as patas cortando o ar e abrindo uma trilha de gelo pulverizado. Depois, enroscaram-se nas minhas pernas, ofegantes e contentes, aliviados por eu estar bem. Eu me agachei, passei as mãos sobre seus pelos para tirar os flocos de gelo e fiz carinho em suas orelhas. Eles olhavam para mim, abanando o rabo e com a língua à mostra, animados como sempre. Havia tanta confiança em seus olhos que eu chegava a ficar assustado. Ninguém poderia ter uma turma de amigos melhor do que aquela. “Parece que sobrevivemos juntos mais uma noite, não é?”, eu falei, sorrindo para eles. Em seguida, saí em disparada. “Vamos. Estou morrendo de fome!” 1 Dois cães e dez humanos Na década de 1970, as famílias irlandesas costumavam ser bastante numerosas e a nossa não era uma exceção. Formávamos um grupo grande na família Faul — dois cachorros e dez pessoas, na verdade. Na época, eu atendia pelo nome de Martin Faul. A família era formada por Sigrid, nossa mãe, Mick, nosso pai, Major e Rex, nossos dois pastores-alemães, e oito de nós, crianças. Morávamos numa pequena casa semigeminada em Garryowen. Não na bela parte antiga do povoado, é bom esclarecer, mas em um conjunto de moradias instalado mais nos arredores. Se você procurar bem, o povoado de Garryowen fica perto de Limerick, uma cidade do sudoeste da Irlanda. Para mim, era o centro do universo. Nossa família era tão grande que às vezes ficava difícil espremer todo mundo no nosso casebre, especialmente nos dias de tempo ruim. Sempre que chovia parecia que a casa encolhia um pouco, como acontece com uma blusa de lã colocada na máquina de lavar por distração. O lugar também ficava bem mais barulhento. Dos oito filhos, quatro eram meninas e quatro, meninos. E, só para confundir ainda mais as coisas, entre os garotos havia trigêmeos idênticos — John, Andrew e eu. Podia parecer muita gente, mas a família dos McManuse, do final da rua, tinha dezesseis filhos, assim como os Maloneys e os McNamaras. E havia famílias ainda maiores. Major e Rex, os pastores-alemães, faziam parte da família tanto quanto nós, crianças. Eram enormes e peludos, com caudas espessas. Seus orelhões se moviam para todo lado, atentos, e as patas tinham o tamanho de pratos de sobremesa. Pareciam-se mais com lobos selvagens do que com bichos de estimação e assumiram a tarefa de ser nossas babás. Durante o dia, Major e Rex estavam sempre conosco, os trigêmeos, exceto na hora da escola. Quando os levávamos para passear, não tínhamos autorização de soltá-los das coleiras se puséssemos o pé para fora do quintal. Era uma das regras mais rígidas de nosso pai. “Eles não são uma porcaria de brinquedo”, dizia. “Por isso, quero os dois nas coleiras. Vou deixar em carne viva as costas do primeiro de vocês que andar com esses cachorros soltos.” Ele me agarrava pelos cabelos para conferir qual dos trigêmeos eu era, procurando pela identificadora mancha branca da parte de trás de minha cabeça. E, apontando um dedo severo entre meus olhos, dizia “Especialmente você”. Embora os cães estivessem conosco fazia tempo, o dia da chegada deles permanecia inesquecível. Papai chegara em casa do trabalho, pedalando sua velha bicicleta preta. Ele dava aulas de direção no Exército e trabalhava nas proximidades do quartel de Sarsfield. De vez em quando, ele chegava com um saco dependurado no ombro, cheio de sobras de pão da suja cozinha do quartel. Em geral, colocava o saco em cima da mesa para a mamãe desempacotar, mas daquela vez ele depositou o volume no chão com cuidado e, então, conferiu o que tinha lá dentro. “Venham. Olhem só.” John, Andrew e eu abrimos caminho para verificar a novidade antes dos outros. De repente, o saco se mexeu e tombou para trás. “O que é isso?”, assustou-se John. Papai recostou-se na cadeira e acendeu um cigarro. “Descubram. Abram o saco para ver o que sai de dentro.” Mamãe entregou a ele uma caneca de chá e olhou para o saco com desconfiança. “Mick”, ela disse com seu forte sotaque alemão. “O que tem nesse saco? É melhor que sejam os restos de pão que você prometeu.” Rastejamos para mais perto, abrimos o saco com cuidado e espiamos dentro. Dois filhotes fofinhos de pastor-alemão cambalearam para fora. Nervosamente, exploraram todo o chão da cozinha, farejando e nos encarando com seus grandes olhos. Suas orelhas enormes ficavam caindo e as grandes patas vacilavam. Ficamos admirados. “Oba! Filhotes de cachorro!” Mamãe esqueceu-se do pão e ajoelhou-se para passar a mão com suavidade sobre aqueles fofos dorsos negros. Nós, crianças, nos empurrávamos, tentando desesperadamente chegar mais perto. “Não esmaguem os bichinhos”, resmungou papai. “E também não os peguem no colo”, ameaçou. “Acabo com a mão do primeiro bastardo que se atrever. Quero que eles fiquem com as quatro patas no chão.” Ele nos encarou. “E se acontecer alguma briga por causa desses bichos, vou bater na cabeça dos dois.” Esse foi o seu modo de nos advertir que ele mataria os cachorrinhos com uma martelada. Sabíamos que aquilo era só uma brincadeira, mais ou menos. Ele ergueu sua caneca para mamãe, que sorria de orelha a orelha como uma garotinha. “Então é isso, Siggy”, disse para ela. “Eles vão crescer e ficar fortes e bonitos, para cuidar de vocês. Vieram do canil do Exército. Os nomes são Major e Rex.”

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