1 O Malho e o cinzel Temas maçônicos Luiz Caramaschi Luiz Caramaschi Editora Sociedade Filosófica Luiz Caramaschi Praça Arruda, 54 - Caixa Postal 44 - 18800-000 - Piraju - SP Fone (14) 3351.1900 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. 2 O Malho e o Cinzel Temas maçônicos "O túmulo vazio de Jesus não é a interpretação sacerdotal da ressurreição do corpo; é o símbolo da ressurreição do pensamento e do Espírito" "Trata, pois, de cinzelar teu caráter, abrilhantando de virtudes essa alma que deverá refletir, em algum dia da eternidade, a imagem e semelhança do seu Criador" PIRAJU - SP - 2006 - 3 PREFÁCIO Luiz Caramaschi é considerado pela comunidade maçônica de Piraju como uma fonte poderosa de luz que, por uma graça do Grande Arquiteto do Universo, por aqui transitou, espargindo seus raios de luz e sabedoria. Foi iniciado na Loja Maçônica "Cavalheiros do Sul", de Piraju, em 29 de novembro de 1947, tendo sido elevado ao Grau 33 em 7 de outubro de 1982. Permaneceu na Maçonaria toda a sua vida e, enquanto habitava entre nós, espargiu sua sabedoria através de palestras pronunciadas em diversas Lojas Maçônicase e em trabalhos publicados na imprensa e em livros. Sua temática, com pequenas exceções, é a filosofia, onde, com grande erudição e laborioso trabalho de pesquisa, procura demonstrar a natureza do nosso Criador e o comportamento dos seres humanos entre si e em face do mesmo Criador. Todavia, a maior parte da obra de Caramaschi foi deixada em manuscrito. Para tornar possível a edição e difusão das obras foi fundada a Associação Filosófica Luiz Caramaschi que, embora Entidade autônoma, funciona em anexo à Loja Maçônica Cavalheiros do Sul, de Piraju. E dois membros dessa Loja, os irmãos Antonio Arruda e Caleb Caramaschi, este, irmão carnal do filósofo, tomaram para si a árdua tarefa de editar as obras, aí incluindo desde a transposição dos manuscritos, trabalho difícil e demorado, pois além da caligrafia, que praticamente tem de ser decifrada, há diversos asteriscos indicando que no lugar deve entrar um texto escrito posteriormente. Nessas condições, era impossível digitar os escritos, diretamente dos originais, sendo necessário transcrevê-los primeiro. Esse trabalho era feito unicamente por D. Odila Prestes Caramaschi, esposa de Luiz Caramaschi. Após o falecimento de D. Odila esse serviço continuou sendo feito por Caleb Caramaschi. A feliz idéia de reunir em um livro os artigos de Caramaschi versando especificamente sobre a maçonaria foi dos abnegados irmãos acima mencionados. Como foi dito, a obra é extensa e o tema, sempre Filosofia. Considera Caramaschi que a Maçonaria é, no seio da humanidade, uma das poucas instituições que, pela pregação do amor e da fraternidade, contribui de maneira decisiva, para frear a degenerescência por que passa a humanidade, bem como ser capaz de leva-la a um porvir de paz e concórdia. Toda a sua obra é embasada por sólidos argumentos e por princípios universalmente aceitos e debatidos por intelectuais de diversas tendências e opções. Nesta obra os artigos selecionados têm por foco especificamente a Maçonaria que é esmiuçada sob uma ótica inédita, revelando aspectos impensados, só visíveis a uma inteligência arguta e preparada como a de Luiz Caramaschi. A Coletânea é composta por treze artigos que analisam a Maçonaria nos aspectos mais profundos e humanos, focalizando-a sob ângulos novos e surpreendentes, enriquecendo-a com as luzes do seu saber, com a riqueza e originalidade poucas vezes encontradas na literatura maçônica. Assim, no decorrer da leitura aprendemos que nem todas as pedras brutas são trabalháveis; sentimos um certo desalento quando discorre sobre a unificação da maçonaria, afirmando ser um problema simples, mas de solução complexa; ficamos surpresos ao depararmos com a lógica irretocável de que o enunciado do ternário maçônico Liberdade, Igualdade, Fraternidade deve ser corretamente enunciado como Fraternidade, Igualdade, Liberdade; sentimos a verdadeira dimensão do pavimento de mosaico ao vê-lo relacionado com o homem unitivo, qualidade inerente ao homem maçom, em contraposição ao homem sectário; aprendemos novos e profundos significados do salmo 133; descobrimos que podemos ter toda a ciência sem contudo, sermos sábios; vemos a variada gama de ensinamentos advindos de um instrumento chamado compasso e sua colocação sobre o coração durante os rituais; conscientizamo-nos de que devemos “nos cinzelarmos a nós mesmos para que possamos entrar como parte no edifício social da humanidade"; concordamos que o passado, ao contrário do que pregam os manuais de auto ajuda, “não desaparece, e antes, pervive em cada momento do presente”; ficamos convencidos do acerto do aforismo “não há penas nem recompensas, e sim conseqüências”; tomamos ciência da síntese entre o Criacionismo e o Evolucionismo e, finalmente, nos leva a um mergulho profundo sobre a nossa existência ao expor sua filosofia sobre o grau 18. Embora versando sobre altos graus da Maçonaria em alguns dos seus escritos, podem eles, e até seria conveniente, que fossem analisados pelos profanos. Caramaschi não desce aos assuntos privativos da Ordem, mas trata tão somente do seu pensamento filosófico, onde o tema principal não é a Maçonaria em si, mas a angústia da humanidade em seu caminhar atribulado. O autor procura mostrar o caminho ideal a ser seguido pelo ser humano, perante si mesmo, perante Deus e perante os seus semelhantes. Com a presente obra está a Ordem Maçônica cumprindo com um de seus postulados mais importantes: o de ser uma instituição filosófica, que prima pela investigação constante da Verdade, conforme preceitua o artigo primeiro de nossa Lei maior. Mário Felipe 4 Índice I - O que é a Maçonaria? II - Unificação da Maçonaria III - Inversão da Ordem do Ternário IV - Unitivos e facciosos V - Fraternidade VI - Sabedoria e ciência VII - As pontas do compasso sobre o coração VII - O malho e o cinzel VIII - Ampulheta IX - Aforismo X - Grandes pontífices XI - Minha filosofia e a linha do Grau 18 XII - Faça-se a luz XIII – Religiões e Crença XIV – Homem, Mundo e Deus XV – O que é o Espírito XVI – Conflito de Gerações 5 I - O que é a Maçonaria? A Maçonaria é uma instituição iniciática, como as muitas que existiram no passado. Sua simbologia e liturgia remontam-se a eras sem quantia. Quando, a partir do século 19, a arqueologia começou a fazer descobertas de civilizações desaparecidas das quais os homens haviam perdido todo o contato, foram desenterrados objetos em que figuravam símbolos maçônicos. A imutabilidade dos símbolos torna possível guardarem-se puros os preceitos e as práticas maçônicos que seriam deturpados se fossem expostos em longas dissertações. Além disso, a linguagem simbólica é uma linguagem sintética que condensa toda uma longa narrativa num simples símbolo. Pretendendo a Maçonaria ser a síntese de todo o progresso humano, não teve outro recurso senão condensar todo esse desenvolvimento na concisão dos símbolos. Eis, pois que a simbologia e a liturgia maçônicas são antiguíssimos, embora a forma moderna em que a Maçonaria se apresenta, date apenas de uns dois séculos ou seja, a partir de 1717. No entanto, recuando mais no tempo, podemos deparar com uma Maçonaria medieval, formada por pedreiros livres, isto é, não escravos, sendo esta uma corporação como as muitas outras vigentes então. Pode dizer-se franco-maçons ao invés de maçons, e a palavra "franco" vem de franquia, ou seja, do maçon que tinha trânsito livre, franco, para viajar de uma cidade para outra a serviço da sua Arte Real, isto é, a arte dignificada pelos reis, em virtude de, por ela, se construírem palácios, catedrais, obeliscos e túmulos. Já no Egito antigo os arquitetos eram agraciados com o título de nobreza, passando a pertencer à casa do faraó. Este prestígio não declinou, visto como sempre houve palácios, catedrais, monumentos comemorativos e mausoléus por construir. Todavia, quando todas as corporações medievais principiaram a declinar, igualmente as agremiações de pedreiros livres deram sinal de enfraquecimento. Por causa disto, essas agremiações começaram a admitir nobres e pessoas prestigiosas em seus quadros, fazendo que surgissem duas ordens de maçons que eram os operativos e os aceitos. Com o correr do tempo, o número dos aceitos sobrepujou o dos operativos, até que estes cessaram de existir, ficando só os aceitos. Os maçons aceitos, então, fizeram a transposição de significado dos objetos ou utensílios dos pedreiros para o plano moral e social, nascendo, deste modo, a Maçonaria moderna. Maçom, logo, é sinônimo de pedreiro, ou seja aquele que trabalha com o maço e com o cinzel ou escopro sobre pedras. Do maço saiu o ofício de mação ou maçom. Hoje a Maçonaria deixou de ser operativa no sentido de construções materiais, para ser construtora do edifício social. Para conseguir este objetivo, ela precisa congregar, como sempre o fez, homens unitivos. Já escrevemos sobre estes homens, mas é preciso insistir um pouco mais sobre este assunto, porque é só com tais homens que se pode construir o edifício social. Antes de encetar a edificação do social é preciso edificar o próprio homem fazendo-o passar de pedra bruta a pedra trabalhada, o que se faz com o maço e com o cinzel. Nem todas as pedras brutas se prestam ao trabalho do maço e do cinzel; umas porque moles (caráter humano frouxo, mole, acomodado, moluscóide), outras porque excessivamente duras (caráter obstinado, insubmisso, intransigente, com tendência ao fanatismo irracional). Quais, logo, são as pedras brutas trabalháveis? Ei-los: Todo homem unitivo é um pensador, porque, como diz Gusdorf, "o filósofo é o homem da totalidade, da composição global onde todas as significações são retomadas e arbitradas em 6 função da pessoa"1. "Tal como o rei Midas, que ao simples contato transformava em ouro os objetos mais vulgares, o metafísico (que é o mesmo que filósofo) eleva ao absoluto tudo aquilo em que toca"2. O parentese é nosso. Huberto Rohden afirma que "a inteligência humana é filosófica por natureza"3, e é certo isto, porque ela busca o nexo que tudo interliga na unidade até o absoluto. Falando de Smuts, diz Toynbee que "a «totalidade» era a chave de sua grandeza, assim como o era a da de Einstein. Einstein fez suas descobertas que marcaram época reunindo coisas que espíritos menores tinham deixado separadas. Sir Winston Churchill é outro grande homem do mesmo filão não-moderno. A amplidão de vistas destes três grandes homens é um elo entre si que transcende as diferenças de suas personalidades e suas carreiras. Todos três ter-se-iam sentido à vontade se tivessem nascido no mundo de Políbio, Catão, o Censor, e Arquimedes"4. Mais: "Tal como o filósofo da história islâmica do século XIV Ibn Khaldum e o filósofo ocidental da história do século XVIII Vico, Freeman tinha o dom de «ver o mundo em um grão de areia»"5. Sem esta característica de homem da totalidade, de homem unitivo a Maçonaria se enche de nulos com os quais nada se poderá construir. Em contrapartida, o homem só de fé, não de razão, abdica de sua inteligência para se pôr no cabresto daquele que o sugestionou. Como, voluntariamente, se fez destituído de razão, nem usa sua inteligência, está impedido de pensar, de argumentar; daí porque suas reações são desabafos emocionais agressivos, próprios dos fanáticos, exclusivistas, separatistas e irracionais. Ora, a Maçonaria não poderá contar com homens desta espécie para construir o edifício social. Já os que usam a razão acabam concluindo que todos possuem a verdade e que apenas estiveram falando da mesma coisa por palavras diferentes. Então, que é a verdade? Pois não pode ela ser senão aquilo que há de comum em todas as diferentes afirmações. Mas fica isto para o próximo artigo. II - Unificação da Maçonaria Solução complexa para um problema simples O problema é muito simples. É só unificar. Não há óbices grandes a vencer. A Doutrina é a mesma. O patrimônio é de todos os maçons que se amam, que se respeitam, que se visitam, que se consideram irmãos. A ritualística e a liturgia são meios, e, não, um fim, sendo, portanto, de somenos importância. Embora, como se vê, o problema seja simples, sua resolução se faz dificílima, porque os maçons agem como quase a maioria dos seguidores de Cristo, os quais se abstinham em questionar, por exemplo, sobre se o batismo deve ser por imersão, ou se apenas se deve pôr água sobre a cabeça. Esta e outras questiúnculas foram condenadas pelo próprio Cristo ao dizer: "pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e desprezais os pontos mais importantes da lei"6. Por causa de os maçons, em sua maioria, serem misólogos, tal qual os divisionistas de Cristo, ficam ocupados com miuçalhas farisaicas que separam. Portanto, a solução do problema vai só depender de os maçons se tornarem em homens unitivos, de mentes abrangentes, capazes, por conseguinte, de grandes idéias, as só que unificam. 1 Georges Gusdorf, Tratado de Metafísica, 122 2 Georges Gusdorf, Tratado de Metafísica, 123 3 Huberto Rohden, Filosofia Universal, 1, 21 4 Arnold J. Toynbee, Experiências, 125 5 Arnold J. Toynbee, Experiências, 125 6 Mat 23, 23 7 Deste modo, o problema é muito simples, visto como, o que une é o ideal maior; pela recíproca, o que separa são as questiúnculas que são o regalo da gente filosoficamente miúda, quer dizer, sem nenhuma ofensa, não possuidoras de mentes abrangentes. O problema da unificação fica na dependência de os maçons serem homens de mentes abertas, totalizantes, que só nisto se resume o ser filósofo. Ora, isto só pode acontecer ao longo do tempo, e tem que começar na Loja de Aprendiz, pela aquisição de candidatos, seguindo-se um critério de seleção não só na base de livres e de bons costumes, mas também, e sobretudo, levando-se em conta a CAPACIDADE DE ABRANGÊNCIA MENTAL dos candidatos. Se os filósofos não entrarem pela porta dos Aprendizes, ninguém se admire de os maçons continuarem misóssofos, mesmo tendo chegado ao grau 33. Não se trata de encher as Lojas de doutores, porque um doutor, qualquer que seja sua especialidade, pode não ser filósofo, e, no entanto, um operário, sim, pode. Espinosa era polidor de lentes. Como a filosofia não dá de comer a ninguém, segue-se que todo o filósofo tem de ocupar-se com algo para ganhar o seu pão. E o doutor? Qualquer doutor pode ser um filósofo também; não raro, porém, ele não vai além de um homem de ciência, o qual, no dizer de Ortega, é um "sábio-ignorante". Não pode ele ser classificado como ignorante, porque é um homem de ciência, e conhece muito bem sua "porciúncula de universo"; não obstante, é um ignorante, porque "se comportará em todas as questões que ignora, não como um ignorante, mas com toda a petulância de quem na sua questão especial é um sábio"7. Tais doutores não servem para a Maçonaria, embora sejam, como se exige, livres e de bons costumes, porque, como não são filósofos, e são doutores em alguma coisa, suas doutorices serão postas no lugar da filosofia, pelo que farão realçar as bagatelas que esses homens- massas, apesar de doutores, têm nas cabeças. Eis, pois, que não se pode perder de vista o dito por John Dewey: "A memória é a grande simuladora da inteligência", e o maçom tem que ser inteligente para não ficar ocupado com nadas como: forma de administração, observância meticulosa deste ou daquele ritual havido por verdadeiro, dando azo a infindáveis discussões como as medievais em que os escolásticos se propunham questões quais esta: quantos espíritos caberiam numa cabeça de alfinete? Modernamente: como fazer com o patrimônio?, se as Constituições não autorizam fundi-los num único? Quem vai aceitar o ritual e liturgia de quem?, e quais vão depor seus malhetes nas mãos de um único homem? E visto que se propõe haja um único mandante, como sofrerei eu não ser esse único? Tudo isto são o que chamamos miuçalhas! Sabedoria, portanto, não há de ser erudição, nem maçônica, nem profana, nem ambas juntas, mas capacidade de ver em globo, só indo para os pormenores, depois de apreendida a totalidade. Todo o mal, por conseguinte, consiste em querermos fazer grandes coisas, por exemplo: salvar a Maçonaria do divisionismo que a matará, como já matou outras instituições; salvar a civilização da sua queda iminente; fazer a Maçonaria constituir-se na CRISÁLIDA de que surgirá a nova civilização, a Jerusalem Celeste antevista nos graus 19 e 29, que, espera-se, estará acontecendo no terceiro milênio, a exemplo do que foi o Cristianismo em relação à nossa atual civilização ocidental, depois que a civilização greco-romana se esboroou nas mãos dos bárbaros; etc. Todo o mal consiste em ter pela frente tais grandes projetos, e contar, apenas, com homens pequenos quanto à abrangência mental. Serão homens boníssimos, amáveis, adoráveis, dignos de todo o respeito, e, por azar, ardorosos defensores de sua idéias miúdas, mas não serão filósofos capazes de integrar uma sociedade que é, primeiro que tudo, "essencialmente filosófica" (Const.) ... Por causa de não serem naturalmente, isto é, por natureza, filósofos, suas reuniões são monótonas, descoloridas, apartadas dos grandes problemas que o nosso tempo colocou, e que afligem, hoje, a humanidade inteira. Apesar disto, eles não se darão por achados, continuando a considerar-se como "líderes da sociedade", ou então, farão coro com um escritor que afirma ser a 7 J. Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas, 174 8 Maçonaria uma escola de líderes, esquecendo-se, ou não sabendo que o líder não se faz: ele é, do berço. Qualquer bando de moleques, assim como uma tropa de macacos, de zebras, ou de outros mamíferos quaisquer de grande porte, tem um líder; pois bem: pegue-se um liderado qualquer, animal ou homem, e faça-se dele um líder! Isto só se torna exeqüível, se banalizarmos o termo líder, fazendo-o confundir-se com chefia, como ocorre com os líderes das assembléias legislativas, eleitos por votos, pelo que, de cambulhada, também, se escolhe qualquer um para ser o vice-líder. Igualmente, numa "escola de líderes" qual se diz ser a Maçonaria, poder-se-ia forjicar líderes de nada como os das assembléias, que ora lideram, ora não lideram, como se isto fosse possível in natura; uma espécie de Moisés que ora é Moisés, ora é outro qualquer que lhe ocupa o cargo, assumindo-lhe a missão de ser o "libertador do povo"(?!), e isto, por eleição duma maioria embaída por politicalhos. Datã, Coré e Abirão tiveram o topete, a insolência, o descaramento de pretender ocupar o posto de Moisés. Cuidaram fosse viável fazerem-se líderes eleitos por maioria, antecipando o que agora se faz nas assembléias. E que lhes sucedeu a eles? Foram todos mortos com seus familiares e sequazes, e tudo, deles, tendas, pertences, enterrados nas areias do deserto, exceto os sequazes, duzentos e cinqüenta, que foram queimados com fogo8. Tal é o líder, e ele não se forja em escolas! Tudo, então, tem que começar na Loja de Aprendiz pela seleção de candidatos, não servindo para a Maçonaria os bonacheirões, os pacíficos de gênio9, os amodorrados, os que não se exaltam por nada, os que não brigam por um ideal distante que não enxergam, mas que sempre estão atentos à execução cuidadosa das liturgias e rituais... Não serão estes que formarão a Maçonaria do futuro, porque, se houver Maçonaria no futuro, tais homens não estarão nela, e, se estiverem, ela já não será mais Maçonaria. Escreve Bertrand Russell: "A maioria dos homens prefere deixar-se matar a pensar. A história o atesta". Pois a Maçonaria do futuro, se ela existir no futuro, não será constituída de tais misóssofos. O Ir\ Theobaldo Varoli está equivocado quando escreve: "Não se pretenda, com isso, fazer da Maçonaria um presunçoso cenáculo de sábios. Não, pois a Instituição se firma em três colunas: SABEDORIA, FORÇA E BELEZA. O que está faltando à Ordem é mais sabedoria e mais ação ou força, pois a Maçonaria jamais perdeu a própria beleza"10. Varoli não disse o que entende por sábios, e bem pode ser que, os dele, sejam os mesmos sábios-ignorantes de Ortega, visto que tais, sim, são sábios presumidos, ou que têm a pretensão de sábios. Todavia, se ser sábio é possuir mente abrangente, totalizante, então, sim senhor!, as Lojas devem ser cenáculos de sábios! Se ocorrer o contrário disto, ninguém se admire de que a unificação possa ser tão impossível como a resolução matemática da quadratura do círculo, ou, a mecânica, do moto contínuo. Se o enchermos as Lojas de misóssofos continuar sendo a regra, para o futuro será assim: um Grão Mestre fará a unificação, em parte; depois dele, as coisas correrão, algum tempo, mais ou menos bem, até que tudo retorna ao estado anterior. Aí, então, outro Grão Mestre fará nova unificação, em parte ainda menor, e assim por diante, até que a Sublime Instituição que, como disse o Ir\ Varoli, já perdeu muito da sua força e da sua sabedoria, se esfacele por crescentes divisões, a exemplo do Protestantismo fragmentário, até que se extinga para sempre, como se extinguiram outras respeitáveis instituições iniciáticas do passado, como o Baquismo, o Orfismo, o Pitagorismo, sem lhes valer de nada quanto tinham em si de Belas! E não se trata de "presunçoso cenáculo de sábios", como o afirma o Ir\ Varoli, porque o presunçoso é o que presume, que supõe, que imagina, e o caso é de ser, de fato, de possuir, por 8 Num 16 a 35 9 O pacifismo tem que ser uma opção voluntária, e ser adquirido às duras penas, semelhante ao que disse Cristo do reino de Deus. "Desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus adquire-se à força, e são os violentos que o arrebatam" (Mat 11, 12). Quer dizer: Não há lugar para os frouxos. "Eu sei as tuas obras, que nem és frio nem quente: oxalá foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não é frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca" (Apc 3, 15 e 16). 10 Theobaldo Varoli Filho, Curso de Maçonaria Simbólica, Grau de Aprendiz, 45 9 natureza, mente abrangente, totalizante, o que é uma característica do homem filosófico o qual, como o poeta, nasce, e não se faz. O filósofo está transitando por aí, angustiado e confuso, afligido por mil questões que não existem para o povoléu, e precisa ser despertado pela Maçonaria, como foi despertado Descartes pelo sábio holandês Beeckman, ocorrendo este despertar como um "Pentecostes da razão" como escreve Maritain. Daí a necessidade das Sessões Brancas de estudos mensais, para o fim destes despertamentos. Outros despertam-se sozinhos, tal como ocorreu com Nietzsche, com Pascal, com Kierkegaard, com Rousseau, com Malebranche. Este último "folheia, numa livraria, o Tratado do homem de Descartes, e exclama: «tambem eu sou filósofo...»"11. Tudo isto nada tem a ver com a presunção de sábio, de que fala Varoli; trata-se de um como batismo filosófico, de uma visitação, de um relâmpago fugacíssimo, de uma iluminação subtânea que os gregos chamavam de alétheia, antes de Pitágoras trocar este termo por filosofia, e que pode acontecer a qualquer homem, e a qualquer momento. "Kierkegaard e Nietzsche, querendo caracterizar esse momento, falaram também do «sismo» que faz vacilar em suas bases mais profundas o universo pessoal"12. De tais homens filosóficos é que se hão de encher as Lojas, uns de maior, outros de menos alcance, e é certo que eles jamais se embriagarão com os fumos do poder, se este, um dia, lhes cair nas mãos. Pelo contrário, a aceitação do mando por tais homens, é um ato de obediência, de renúncia, de humildade, imposto pela consciência de que alguém tem que mandar. O cargo ser-lhes-á encargo e carga, e, não motivo gratificante de fúteis honrarias e incensamentos. Por causa disto estariam em condições de jogar tudo, TUDO!, para manter a UNIDADE, vindo, como agora, a UNIFICAÇÃO em primeiríssimo lugar, pela imediata eleição de um só mandante, vindo o resto, porque é resto mesmo, em segundo lugar. Portanto, como devia ter sido conduzida a UNIFICAÇÃO que ainda está, em parte, por fazer-se? Muito simplesmente, UNINDO-SE AS CÚPULAS, do mesmo modo como lá se deu a DESUNIÃO. Tinha-se (agora se sabe claramente) de ter agido como Alexandre Magno: cortando o nó górdio. Por acaso, quando foi para separar, alguém foi consultar o Povo Maçônico? Não! E não se fez tudo ao arrepio da vontade soberana desse Povo? Sim! Não é fato que, apesar das recomendações de que os de ambas alas não se deviam visitar, cada maçom mandou essas recomendações às urtigas? É verdade também isso! Pois, então, o que manda é o Povo Maçônico, o único que está acima da Lei, e tanto, que se esta o atrapalhar, ele a muda. Coerente com esta verdade inexpugnável que a história atesta em todo o seu curso, a UNIFICAÇÃO havia-se de ter sido feita pelos dois Grãos Mestres, entre si somente, sem mais aquelas. Eles, sozinhos, haveriam feito aquilo para o que foram eleitos por vontade do Povo. Haviam de ter deposto seus malhetes nas mãos de um terceiro, e se postarem ao lado deste para o ajudar nas reformas, assessorados por aqueles só que, intransigentemente, desejassem essa UNIFICAÇÃO. Nada de unificar ouvindo as bases... que foram alguns, os das comissões, dando azo a que estes micrólogos ficassem interpondo nadas, como, reforma da Constituição, Mútua Maçônica e outras mais coisas que não diziam com o caso. Tais miudeiros nunca quiseram unificação nenhuma, mas apenas evidenciar suas minuscularias separatistas. Eis aí: uma solução complexa, dificílima, impossível até, para o momento, para um problema simples! Contudo, este é o caminho e única saída para uma sociedade que se diz, entre outras coisas, "essencialmente filosófica". Daqui não há fugir: a Maçonaria tem que ser o que promete ser: uma associação de filósofos... de fato, e não isto para ser entendido só "ritualisticamente"... como soem ser outras coisas dela. III - Inversão da Ordem do Ternário 11 Georges Gusdorf, Tratado de Metafísica, 44 12 Georges Gusdorf, Tratado de Metafísica, 44
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