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O inhanduvá (Prosopis affinis Spreng.) no Rio Grande do Sul. 3 – Parque da Cabanha do Loreto, São Vicente do Sul PDF

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BALDUINIA, n. 24, p. 22-31, 30-IX-2010 o INHANDUV Á (PROSOPIS AFFINIS SPRENG) NO RIO GRANDE DO SUL. 3- PARQUE DA CABANHA DO LORETO, SÃO VICENTE DO SUV JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORF FABIANO DA SILVAALVES3 EDUARDO ALONSO PAZ' RESUMO Aocorrência natural de inhanduvá (Prosopis affinis Spreng., Fabaceae) épresentemente estendida ao muni- cípio de São Vicente do Sul (Rio Grande do Sul- Brasil), com apresente descrição de um parque existente no topo de uma colina de solos arenosos, com blocos de rochas, próxima ao rio Jaguari. Palavras-chave: Prosopis affinis, Fitogeografia, São Vicente do Sul, Rio Grande do Sul. SUMMARY [Prosopis affinis Spreng. in Rio Grande do Sul state, BraziI. 3 - Natural occurrence in the municipality of São Vicente do Sul]. The occurrence of Prosopis affinis Spreng. (Fabaceae) is presently extended to the municipality of São Vicente doSul (Rio Grande doSul state - Brazil), due the present description ofanatural stand found onthe top of asand hill, with small rocks, dose to Jaguari river. Keywords: Prosopis affinis, Phytogeography, São Vicente do Sul, Rio Grande do Sul state - Brazil. INTRODUÇÃO Parque Estadual do Espinilho constitui "o úni- Tema controvertido, a distribuição geográ- co ambiente de ocorrência de Prosopis affinis fica do inhanduvá (Prosopis affinis Spreng.) Griseb. eProsopis nigra (Gris.) Hieron. noEsta- apresenta duas correntes divergentes na litera- do do Rio Grande do Sul eno Brasil"6.Entre os tura sul-rio-grandense, havendo autores que re- que postulam uma área de ocorrência mais am- ferem, para aespécie, uma área restrita aos ar- pla, incluem-se: Veloso & Góes-Filho (1982), redores de Barra do Quaraí eoutros que postu- Marchiori etalo(1983, 1985)eMarchiori (2004). lam uma distribuição mais ampla, no centro- De acordo com Veloso &Góes-Filho (1982), oeste do Estado. Entre os primeiros, Galvani oinhanduvá limita-se asolos aluviais próximos (2003) chega afirmar, nas "Considerações Fi- ao rio Uruguai, de Barra do Quaraí até nais" de suaTese de DoutoradoS, que aárea do Uruguaiana7• Marchiori et aI. (1983, 1985) re- ferem aocorrência em "pontos isolados daCam- panha do Sudoeste, notadamente ao longo da Recebido em 30-7-2010 e aceito para publicação em I 25-10-2010. bacia do rio Ibicuí". Marchiori (2004), por sua 2 Engenheiro Florestal, Dr.Professor Titular doDeparta- vez, assinala a presença da espécie em alguns mento de Ciências Florestais, UFSM. Bolsista de Pro- pontos da bacia do Ibicuí, inclusive no "muni- dutividade em Pesquisa (CNPq - Brasil). 3 Biólogo, MSc. Doutorando do Programa de Pós-Gra- cípio de São Vicente do Sul, sempre associado duação em Engenharia Florestal- UFSM. Professor da adepósitos aluviais" Universidade daRegião daCampanha - URCAMP (Ale- 8. grete, RS). Biólogo, Professor de Botânica na Faculdade de Quí- 4 mica. Universidad de laRepublica, Montevideo - Uru- 6 GALVANI, 2003. Oy.cit., p. 87. guai. 7 VELOSO, H.B.; GOES-FILHO, L. Fitogeografia bra- sileira - Classificação fisionômico-ecológica da vege- 5 GALVANI, ER. Vegetação e aspectos ecológicos do Parque Estadual do Espinilho, Barra do Quaraí, RS. tação neotropical. Salvador: Projeto RADAMBRASIL, Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do 1982.80 p. (Boletim Técnico, Ser.Vegetação, v. I). Sul, 2003.132f. Tese de Doutorado (Programa de Pós- 8 MARCHIORI, J.N.C. Fitogeografia do Rio Grande do Graduação em Botânica). Sul. Campos sulinos. Porto Alegre: EST, 2004. p. 63. 22 Em publicação recente, Marchiori & Alves al., 2008), apresenta afloramento de pequenos (2010) abordam questões fitogeográficas e blocos de rocha, junto aos inhanduvás. terminológicas relativas aoinhanduvá, fornecen- A vegetação, com estrutura de parque, reú- do um embasamento para a investigação mais ne cerca de 50 inhanduvás adultos no estrato aprofundada dotema. Em artigo posterior, Alves arbóreo, sem espaçamento regular e com altu- &Marchiori (2010) comprovaram aocorrência ras e diâmetros variados (Figura 2), destacan- natural do inhanduvá no interior do município do-se alguns indivíduos de dimensões notavel- de Quaraí, em lente de solos arenosos próxima mente avantajadas para aespécie (Figura 3).No àencosta sul dos cerros do Jarau, com base em estrato herbáceo, muito prejudicado pelo elementos florísticos, da estrutura vegetacional pisoteio do gado, que busca a vegetação como eem documentos históricos. abrigo, salienta-se aausência docapim-caninha No presente trabalho, que visa a lançar no- (Andropogon lateralis Nees) e do alecrim-do- vos olhares sobre o parque de inhanduvá exis- campo (Vernonia nudiflora Lessing) à sombra tente em São Vicente do Sul- ereferido apenas dos inhanduvás, espécies dominantes no cam- de passagem, em publicação anterior9 -, esta po circunjacente, juntamente com a grama- singularidade vegetacional é analisada sob di- forquilha (Paspalum notatum Flüegge), opega- ferentes enfoques, com vistas à comprovação pega (Desmodium incanum DC.), o bibi de sua origem natural. (Herbertia lahue (Molina) Goldblatt), além de uma espécie decaraguatá (Eryngium sp.).Apre- DESCRIÇÃO DO PARQUE DE INHAN- sença abundante do capim-anoni (Eragrostis DUVÁ plana Nees), da guanxuma (Sida rhombifolia Conhecido pelo primeiro autor desde setem- L.) edaroseta (Soliva sessilis Ruiz &Pav.), por bro de 198210, o parque de inhanduvá de São sua vez, revelam intenso antropismo navegeta- Vicente doSulépresentemente investigado com ção campestre. Das epífitas, destacam-se: vistas ao registro de sua ocorrência e ao escla- Rhipsalis lumbricoides (Lem.) Lem., cactácea recimento de sua origem. abundante, sobretudo nos inhanduvás mais ve- Situado no topo de suave coxilha, na lhos, três cravos-do-mato (Tillandsia aeranthos Cabanha do Loreto, município de São Vicente (Loiseleur) L.B. Smith; Tillandsia recurvata L.; do Sul, os inhanduvás podem ser vistos da ro- Tillandsia tricholepis Baker), três pteridófitas dovia RS 241, notrecho entre oCerro doLoreto (Microgramma mortoniana de la Sota; e o rio Jaguari, pois ficam cerca de 1,5 km ao Pleopeltis pleopeltifolia (Raddi) Alston; sul da referida estrada (Figura 1).O local, defi- Pleopeltis squalida (Vell.)de la Sota) euma or- nido pelas coordenadas de 29° 42' 13" Se 54° quídea (Oncidium bifolium Sims). 56' 05" O, encontra-se a 125m de altitude, dis- Comparado com outras ocorrências naturais tando 2,3 km a leste do rio Jaguari, 3,3 km a de inhanduvá noEstado, chama atenção, na es- sudoeste do Cerro do Loreto e cerca de 9 km a trutura do parque, aausência de outros elemen- norte do rio Ibicuí. O solo da região, definido tos chaquenhos, como o espinilho (Vachellia como Argissolo Bruno Acinzentado (Streck et caven (Mol.) Seigler & Ebinger), o algarrobo (Prosopis nigra (Griseb.) Hieron.), oquebracho (Aspidosperma quebrachoblanco Schltdl.), a cina-cina (Parkinsonia aculeata L.), bem como 9 MARCmORI, 2004. Op. cit., p.63. 10Em 22de setembro de 1982, oparque deinhanduvá foi da arumbeva-de-flores-alaranjadas (Opuntia visitado, pela primeira vez, por José Newton Cardoso elata Salm Dick) e de dois cravos-do-mato Marchiori, Solon Jonas Longhi eLuiz Galvão. Como as (Tillandsia duratii Visiani e Tillandsia ixioides árvores estavam estéreis, não foram feitas coletas botâ- nicas da espécie na ocasião. Griseb.). 23 S27°00 • N S28°00 S29°00' 533'00' Parque deinhanduvá de • SãoVicente doSuVRS Escala: 1:50 km W52°00' W5,°00' WSO-OO' N , , , , , , 29·4 ) , ..~/ , '. , , , " s.11: "~OS/JI ........ .-", .....~-.-- ~ Parque de Inhanduvá , '., .•/. \! ", . Inhanduvás isolados \. " 29·43 ,// SededaCabanha do Loreto Cerro Batovi o:::J •....B. arragens ecursos d'água Escala:1:500m 54·57 54·56' 54·54' FIGURA I - Mapa de localização do Parque de Inhanduvá da Cabanha do Loreto. (Elaborado com base em mapas interativos do IBGE eimagens de satélite Google Earth 2010), 24 FIGURA 2- Três aspectos do parque de Inhanduvá. A- Vista parcial, com oCerro Batovi (Seio-de-Moça), àdireita. B - Velhos inhanduvás, com o Cerro do Loreto, ao fundo. C- Aspecto parcial, destacando aestrutura inequiânea do parque. 25 FIGURA 3- Dois aspectos do parque de Inhanduvá. A- Estrutura tipicamente inequiânea, demonstrada por indivíduo jovem (aocentro) eum velho inhanduvá (cerca de9m), àdireita. B- Eduardo Alonso Paz (aesquerda) eJosé Newton Cardoso Marchiori, ladeando velho inhanduvá do parque, com cerca de 50 cm de DAP. CONSIDERAÇÕES SOBRE AORIGEM antes do período jesuítico, uma vez que a área Aocorrência de inhanduvás em SãoVicente em questão seencontra notopo deuma coxilha, do Sul, objeto do presente trabalho, requer aná- em meio a campos nativos Outros pontos a 15. lise criteriosa sob os enfoques da documenta- salientar, narefutação desta hipótese antrópica, ção histórica eestrutura vegetacional, com vis- são afalta de registro documental sobre avalo- ~. tas àelucidação de sua origem. rização da referida espécie arbórea, por parte Situado no topo de uma colina, a sudoeste dos guaranis 16, bem como a grande distância do Cerro doLoreto epróximo aosrios Jaguari e que separa oparque em análise de outras áreas Ibicuí, o parque em estudo não fica distante do com vegetação semelhante, ou seja, da eventu- local onde foi levantada a segunda cruz!1em al fonte de sementes. terras do Rio Grande do Sul, no distante ano de Aregião do baixo Jaguari voltou aser palco 1627, e erigida uma tosca capela de pau-a-pi- de nova penetração jesuítica em 1632, com a que, coberta de palha, sob ainvocação de Nos- fundação de São Tomé, pelos padres Pedro sa Senhora da Candelária, obras do Padre Ro- Romero, Noel Bertot e Luís Ernot. De vida que González da Santa Cruz e de índios da al- efêmera, a redução foi abandonada em 1639, deia do cacique Tabacã!2.A literatura informa por receio das incursões bandeirantes. De acor- que esta iniciativa pioneira teve lugar, possivel- do com Félix de Azara, ela situava-se às mar- mente, na "altura da foz do rio Jaguari"13,pri- gens do "riachuelo Tebicuacuy"17, nas proxi- meiro local com população indígena numerosa midades do rio Ibicuí!8, em local não distante encontrada por este jesuíta ao penetrar no daárea emfoco.Acurta existência deSãoTomé, Tapel4, desde afoz do Ibicuí no rio Uruguai. bem como os motivos apontados no parágrafo Os índios referidos noparágrafo anterior, de anterior, desautorizam, igualmente, a introdu- língua guarani, habitavam áreas florestais epra- ção do inhanduvá neste período. ticavam agricultura itinerante, cultivando man- dioca, milho e outras plantas, em pequenas ro- ças obtidas pela queimada de parcelas de mata nativa. Mais avançados no tocante à cultura 15 Como dito anteriormente, osguaranis valiam-se de ter- material doque osrninuanos echarruas dasáreas ras florestais para seus cultivos. campestres, que viviam da coleta, caça epesca, 16Onome daárvore, mesmo assim, vemdoguarani: nandu = = ema; ubáy, uváy comida, indicando servirem osle- é muito pouco provável que os guaranis, mes- gumes desta árvore como alimento para asemas (Rhea mo assim, tenham introduzido oinhanduvá em americana). Árvore nativa docentro deCorrientes para terras do atual município de São Vicente do Sul o sul, o inhanduvá foi utilizado como madeira apenas naredução deJapejú (Schulze-Hofer, M.C.; Marchiori, J.N.C. O uso da madeira nas reduções Jesuítico- Guarani do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: IPHAN, 2008. p.77). Autilização de sua madeira élimitada pe- 11 Aprimeira foi erigida emfins deabril ouem princípios lascaracterísticas do tronco: "pero como susramas son de maio de 1626, em São Nicolau (Porto, A. História tortuosas, cortas ypoco gruesas, apenas sirve mas que das Missões Orientais do Uruguai. Porto Alegre: Li- para empalizadas ypara quemar" (Azara, F.de. Viajes vraria Selbach, 1954. v. 1,p.78). por laAmérica Meridional. Madrid: Calpe, 1923a. 12 Porto, A., 1954. Op. cit., p. 78. p. 128). 13 Jaeger, P.L.G Roque González, Afonso Rodríguez eJoão 17 Antigo nome dorioJaguari; Tibiquari ouTevicuary, em del Castillo, mártires do Caaró ePirapó. Porto Alegre: outros textos. Apalavra significa "riodaregião dastum- Livraria Selbach, 1951. p. 200. bas" (tyvy = tumba, cuá = lugar, e ry = rio). O termo 14 Primeira designação atribuída às terras do atual Rio "riachuelo", utilizado por Don Félix de Azara, sugere Grande do Sul. Segundo Aurélio Porto, a palavra, que tratar-se do rio Jaguari-Mirim, afluente da margem di- significa "povoação grande", servia para designar a"di- reita do rio Jaguari eque tem sua foz acurta distância latada região confinada pelas serras do Mar e Geral, a da desembocadura deste rio no Ibicuí. entestar no alto Jacuí e, pelo curso deste, até se lançar 18 Azara, F., Viajes por laAmérica Meridional. Madrid: no mar" (Porto, A., 1954. Op. cit., p. 79). Calpe, 1923b. v.2. p. 202. 27 Em 1638, com o êxodo dos padres e índios seja pelo objetivo distinto das estâncias para amargem direita do rioUruguai, em terras jesuíticas, centrado na criação de gado, seja da atual Argentina, o vale do Ibicuí viu-se des- pelas dificuldades técnicas inerentes ao cultivo povoado dos antigos moradores (indígenas), da espécie, que éde crescimento lento erequer dando lugar àrecomposição natural das flores- proteção das mudas contra o pisoteio e tas. O gado bovino, por sua vez, que fora intro- herbivoria, por muitos anos, além do controle duzido em 1629 pelos jesuítas, proliferou rapi- de gramíneas e demais ervas. Outro fator a ser damente nas áreas campestres, favorecido por lembrado reside na abundância de madeira en- abundantes pastagens e aguadas. tão disponível, em matas ciliares e de encostas Ao voltarem para amargem ocidental do rio de montanhas, para o suprimento de uma de- Uruguai, os padres da Companhia19 restabele- manda quase inexistente. ceram seu domínio com os Sete Povos das Mis- Nos primeiros anos da Revolução sões e dividiram o restante das áreas campes- Farroupilha, as terras da antiga estância tres em grandes "estâncias" para criação de missioneira receberam boa parte da população gado. indígena emigrada das antigas reduções, bem Neste "segundo ciclo jesuítico", a área em como expressivo grupo de índios missioneiros estudo integrou uma estância pertencente ao que haviam sido levados por Frutuoso Rivera povo missioneiro de São Miguel, delimitada, em 1829 para Santa Rosa deZCuareim (atual perfeitamente, pelos rios Jaguari, Ibicuí, Toropi Rella Unión), no extremo noroeste do Uruguai. e,aonorte, pelos "alcantis da Serra Geral", onde Hemetério José VeIosoda Silveira comenta que as crônicas informam que "vagavam 30.000 os índios seestabeleceram em Cavajuretã enos cabeças" degado20.Como estância jesuítica, ela arredores da vila de São Vicente, eque ogover- perdurou até a expulsão dos padres, em 1767, noprocurou reuni-los, "dando-lhes um diretor", passando à administração de funcionários es- providências que se mostraram inúteis, porque panhóis entre esta data ea"Conquista das Mis- eles se dispersavam e "vendiam à população sões" (1801), iniciativa de um grupo de patrio- branca os terrenos onde se arranchavam"22. tas gaúchos21. Sob o ponto de vista fitogeográfico, cabe Na área em foco, aintrodução doinhanduvá lembrar que em Bella Unión, cidade separada pode ser igualmente descartada neste período, de Barra do Quaraí pelo rio de mesmo nome, a vegetação natural compõe-se de matas ciliares eparques arbóreos, com inhanduvá eoutras es- 19 O mesmo quejesuítas ou inacianos. pécies chaquenhas. Seriam estes índios, osagen- 20 Silveira, H.J.V. da.As Missões Orientais eseus antigos tes introdutores do inhanduvá em São Vicente domínios. Porto Alegre: Typographia da Livraria Uni- versal de Carlos Echenique, 1909. p.580. do Sul? 21 A"Conquista dasMissões" aodomínio português, mais Embora plausível, em princípio, a hipótese do que obra de um grupo de aventureiros, resultou de aventada carece de comprovação, tanto em do- um longo processo de decadência dos Sete Povos, ini- ciado pela Guerra Guaranítica (1752 - 1756)eacelera- cumentos como pela tradição oral. Além disso, do após aexpulsão dosjesuítas. Odesfecho deu-se em cabe salientar que antes da vinda destes índios 1801, quando um grupo de patriotas gaúchos, coman- para oatual município de São Vicente, boa par- dados por Manoel dos Santos Pedroso, atacou aGuarda de São Martinho, conquistando este ponto estratégico te das terras já havia sido ocupada por estanci- aos castelhanos. Na seqüência, José Borges do Canto e eiros, "uns por compras feitas aocabildo de São Gabriel Ribeiro deAlmeida, àfrente de 40 homens, to- Miguel, outros por concessões dos comandan- maram os Sete Povos para os portugueses, defmindo, com esta façanha, umlitígio defrÓnteiras cujas origens maisremotas precedem ofamoso Tratado deTordesilhas (Marchiori, J.N.C. Esboço histórico de Jaguari. Santa Maria: Pallotti, 1999. p. 24). 22 Silveira, 1909. Op. cit., p. 580. 28 tes das Missões"23.Entre os primeiros, encon- temunham sobre aidade avançada dos mesmos, tra-se Luiz Carvalho da Silva, sesmeiro que ad- depondo favoravelmente, aomesmo tempo, so- quiriu em 1810 as quatro léguas quadradas da bre a antiguidade da vegetação no espaço regi- "Estância do Loreto", onde fica o parque de onal. Embora claramente inequiânea, são rela- inhanduvá em estudo. Não menos importante, tivamente escassas as regenerações eindivídu- ainda, é o testemunho de antigos moradores da osjovens (diâmetro < lOcm), fato que pode ser região, que são unânimes ao informar que o atribuído à permanente predação e pisoteio de parque deinhanduvá sempre existiu nolocal em brotações, exercidos pelo gado. Situado no alto que se encontra. de uma coxilha revestida por campo nativo, os No capítulo dedicado a São Vicente, inhanduvás servem de abrigo para o gado nas Hemetério José Veloso da Silveira não faz um horas mais quentes do dia, apesar da rala som- único comentário sobre vegetação, o que é de bra que fornecem. se lastimar, posto que o autor, na condição de Comparado aoParque Estadual doEspinilho, advogado, conheceu apessoalmente aregião no de Barra do Quaraí, avegetação em estudo dis- outono de 1859, em uma viagem de Cruz Alta à tingue-se, ainda, pela ocorrência de uma única "estância doLoreto"24.Como justificativa para espécie no estrato arbóreo - Prosopis affinis este lapso, cabe informar que, nesta época, a Spreng. -, assemelhando-se, neste aspecto, ao sede da antiga "Estância do Loreto" situava-se observado no parque do Jarau (Alves & em ponto distante do parque de inhanduvá. Marchiori, 2010). Comparado a este, todavia, Na ausência de evidências histórico-docu- há que salientar-se, no caso de São Vicente, a mentais sobre avegetação em foco, ainvestiga- ausência de Tillandsia duratii Visiani, um cra- ção acerca da origem pode ser direcionada a vo-do-mato de origem chaquenha, bem como aspectos de sua própria estrutura, bem como a da arumbeva-de-flores-alaranjadas (Opuntia características dendrológicas dos indivíduos elata Salm Dick). integrantes. Sobre o ponto acima comentado, resta sali- Neste sentido, chama atenção, em primeiro entar que asdiferenças observadas estão deacor- lugar, aausência de ordenamento no parque de do com a previsível diluição de elementos inhanduvá, pois os indivíduos distribuem-se ir- chaquenhos a partir do extremo oeste do Esta- regularmente, ao molde característico de vege- do: emBarra do Quaraí, acomposição doestra- tações naturais, que é muito distinto da padro- to arbóreo, mais biodiversa, inclui o espinilho nização buscada pela mão humana. (Vachellia caven (MoI.) Seigler & Ebinger), o O diâmetro e altura avantajados de alguns algarrobo (Prosopis nigra (Griseb.) Hieron.), o indivíduos, que ultrapassam os valores quebracho (Aspidosperma quebrachoblanco comumente encontrados na área do Parque Es- Schltdl.) eacina-cina (Parkinsonia aculeata L.). tadual doEspinilho25,em Barra do Quaraí, tes- Destes, o algarrobo e o quebracho limitam-se aoparque de Barra do Quaraí, acina-cina ocor- re em todo o sudoeste do Estado, e o espinilho apresenta distribuição ainda mais ampla, alcan- 23 Silveira, 1909. Op. cit., p. 581. çando o Planalto Médio, Depressão Central e 24 Silveira, 1909. Op. cit., p. 579. 25 Criado em 12/3/1975, com área de276 ha,pelo Decreto Serra do Sudeste (Sobral et aI., 2006). n° 23.798, do Governo do Estado do Rio Grande do Com relação ao inhanduvá, o presente re- Sul. A área foi ampliada 1.617,14 ha, em 28/2/2002, gistro de sua ocorrência natural em São Vicente mediante Decreto n°41.440, do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. A unidade de conservação visa a do Sul, bem como na região do Jarau, descrita preservar ofragmento mais representativo ebiodiverso por Alves & Marchiori (2010), demonstra o da Província do Espinhal (Espinal, em espanhol) no equívoco de Galvani (2003), ao afirmar que as Estado. 29 "duas espécies de Prosopis"26 (...) "somente vegetação ao longo do vale do rio Ibicuíjustifi- podem ser encontradas nas áreas mais secas, ca, por um lado, o desenvolvimento de novas formadas por solos dostipoGleissolo Melânico, pesquisas sobre otema; anão confirmação dos em áreas demaior elevação doterreno"27. Nem mesmos, todavia, pode ser mero resultado da uma coisa, nem outra: no Rio Grande do Sul, a ação antrópica exercida em séculos de ocupa- distribuição geográfica de Prosopis affinis não ção do espaço regional, posto serbem conheci- serestringe aos arredores de Barra do Quaraí; a do o desfavorecimento do inhanduvá frente a referida espécie, por sua vez, também não está espécies como o espinilho (Vachellia caven), intimamente vinculada a um determinado tipo fato demonstrado por Holleben (1969), na zona de solo, fato comprovado, cabalmente, nos par- serniárida do Chile central. ques naturais doJarau (Quaraf) ede SãoVicente do Sul. CONCLUSÃO A respeito da distribuição geográfica do Na ausência de registro histórico-documen- inhanduvá, cabe salientar que a espécie se en- tal em contrário, a estrutura do parque de contra naturalmente desde acosta norte doPeru inhanduvá da Cabanha do Loreto, em São até aArgentina, incluindo oextremo sul da Bo- Vicente doSul, indica que avegetação édeocor- lívia, Paraguai, além do oeste do Uruguai eRio rência natural, não sendo resultante de introdu- Grande doSul(Izaguirre &Beyhaut, 2003). Para ção humana. aArgentina, Burkart (1987) assinala sua ocor- rência no sul de Corrientes, bem como nas pro- AGRADECIMENTOS víncias deEntre Rios, SantaFé, Córdoba, Chaco Os autores registram sinceros agradecimen- e Formosa, correspondendo a uma vasta área tos pela generosa acolhida que receberam dos no nordeste do pafs vizinho. A amplitude desta proprietários da Cabanha do Loreto, o Sr. distribuição geográfica é argumento suficiente Rodinei Ferrari Mello e digníssima esposa. para contestar a afirmativa de Galvani (2003) exposta no parágrafo anterior, pois não é con- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS cebível que em todas estas áreas de ocorrência ALVES, F.daS.;MARCHIORI, J.N.C. Oinhanduvá se encontre omesmo solo, por ele referido. No (Prosopis affinis Spreng.) noRio Grande doSul. caso do Uruguai, Izaguirre & Beyhaut (2003) 2 - Ocorrência natural na região do Jarau, informam que a espécie "habita en suelos pe- Quaraí. Balduinia, Santa Maria, n. 25, p. 1-9, dregosos, praderas llanas bien evolucionadas y 2010. no erosionadas y bosques riberefíos"28.Para o AZARA, F. de. Viajes por laAmérica Meridional. Rio Grande do Sul, no caso dos parques natu- Madrid: Calpe, 1923a. v. I. 309 p. rais doJarau ede São Vicente do Sul, vê-se que AZARA, F. de. Viajes por laAmérica Meridional. oinhanduvá também ocorre em solos arenosos Madrid: Calpe, 1923b. v.2. 233 p. e areno-pedregosos. BURKART, A. Leguminosae (= Fabaceae), A ocorrência natural do inhanduvá em São Leguminosas. In: BURKART, A.; BURKART, Vicente do Sul, além de disjunção notável, si- N.T.de;BACIGALUPO, N.M. Flora Ilustrada de Entre Rios (Argentina). Buenos Aires: naliza um caráter relitual para aespécie, no es- I.N.T.A., 1987. p. 442-738. tado do Rio Grande do Sul. Aausência ou des- GALVANI, F.R. Vegetação easpectos ecológicos do conhecimento de outros fragmentos com esta Parque Estadual doEspinilho, Barra doQuaraí, RS. 132 f. Porto Alegre: Universidade Federal doRio Grande doSul, 2003. TesedeDoutorado 26 Leia-se: Prosopis affinis eProsopis nigra. (Programa de Pós-Graduação em Botânica). 27 Galvani,2003. Op. cit., p. 63-64. 28 Izaguirre &Beyhaut, 2003. Op. cit., p. 95. 30 as. HOLLEBEN, von. Metodos de reforestación de Ciências Rurais, Santa Maria, v. 15,n. 4, p. com espino (Acacia caven (Mol.) Hook &Arn.) 319-334,1985. en la zona semiarida de Chile. Santiago: PORTO, A. História das Missões Orientais do Universidad de Chile, 1969. 134 f. Tese de Uruguai. Porto Alegre: Livraria Selbach, 1954. Graduación (Escuela de Ingenieria Forestal). v. 1.434 p. IZAGUIRRE, P.; BEYHAUT, R. Las leguminosas SCHULZE-HOFER, M.C.; MARCHIORI, 1.N.C. O em Uruguay y regiones vecinas. Montevideo: usodamadeira nas reduções Jesuítico-Guarani Editorial Hemisferio Sur, 2003. 301 p. do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: IPHAN, JAEGER, P.L.G Roque González, Afonso Rodríguez 2008.80 p. eJoão del Castillo, mártires doCaaró ePirapó. SILVEIRA, H.J.Y. da. As Missões Orientais e seus Porto Alegre: Livraria Selbach, 1951. 389p. antigos domínios. Porto Alegre: Livraria MARCHIORI, J.N.C. Esboço histórico de Jaguari. Universal de Carlos Echenique, 1909.702 p. Santa Maria: Pallotti, 1999. 183p. 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