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O Império Asiático Português, 1500-1700: uma História política e económica PDF

230 Pages·1995·54.253 MB·Portuguese
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M[MÓRIA e SOCI[OAO[ SAXJAY SUBRAHMANYAM - t_ ..__ Sanjay Subrahmanyam nasceu em Delhi em 1961, OI MPÉRIO ASIÁTICO PORTUGUÊS, 1500-1700 é Director da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris onde rege a cadeira de História Económica e Social da Índia C> UMA HISTÓRIA POLÍTICA EE CONÓMICA e do Oceano Índico (séculos XV-XVUI) e é, C> r--- também. professor de História Económica -~ .,....-! na Faculdade de Econornin da Universidade de Delhi. ""- CI ! Como professor convidado. tem leccionado C> u~_,. .. V""\ em diversas Universidades estrangeiras, inclusivamente em Ponugal, .,....-! ::E o quer em Lisboa quer flOUtras cidades, nomeadamente v:>~ z no Mestrado de História dos Descobrimentos e da Expansão Pmtuguesa <~ o ~ u da Universidade Nova de Lisboa. · '-' r.:&.:! É, igualmente, membro da Academia de Marinha de Lisboa. ~ t2 r.:&.:! Actualmente, ultima um estudo sobre Vasco da Gama < u o para a Cambridge Universi(v Press. ~ C-4 o '::::::3 Contínua a ser um paradoxo da História Moderna que Portugal, - o u uma pequena nação com cerca de um milhão de habitantes, ~ (enha construído um império mundial entre os séculos XV e XVII. E- ~ cuja presença em África durou até ~1.década de 70. ';:$ o v:> E---< Para explicar este paradoxo, Sanjay Subrahmanyam < C/') analisa a vertente asiática c leste-africana do império português, o ::c: conjugando nesta abordagem, a hi.stória da Europa com a da Ásia e de África. ~ ~ '~ ::;:::::, ~ Edição apoiada por: ~ Grupo de Trabalho do Ministério da oI--- < Educação para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses MfMÓR IA e SOC I[O AO[ FUNDAÇÃO ·~ O~ lENTE •] ~ e CENTRO DE ESTUDOS ORIENTAIS A colecção Memória e Socie Colecção dade dirige-se a um público MEMÓRIA E SOCIEDADE ·diversificado, composto por Almeida, Pedro Tavares de professores dos diversos graus Eleições e Caciquismo no Porlugal Oilocemista ( 1868-1890) de ensino, estudantes dos anos Blumemberg, Hans terminais do ensino secundário O Riso da Mulher de Trácia e do ensino universitário, qua Bourdieu, Pierre dros e empregados de serviços, O Poder Simb6/ico novas profissões liberais, agen Burke, Peter tes culturais de diferentes secto O Mundo como Teatro res, etc. Cabral, João de Pina Cobre um campo muito vasto, Os Coz!textos da Antropologia procurando apresentar estudos Chartier, Roger A História Culwral de reconhecida qualidade sobre entre Práticas e Representações os problemas pertinentes do Crespo, Jorge passado e do presente, cobrindo A História do Corpo uma área vasta das Ciências \ Elias, Norbert Sociais, da Antropologia à His \ A Condição Humana tória, da Economia à Sociologia, \Elias, Norbert e Erie Dunning das Ciências do Texto à Ciência A Busca da Excitaçcio das Formas. Geertz, Clifford As obras já publicadas foram Negara. O Estado Teatro no Século XIX escolhidas em função do seu Ginzburg, Carlo A Micro-História e Outros Ensaios p·apel inovador, quer quanto aos objectivos de análise, quer Luhmann, Niklas O Amor como Paixlio quanto aos métodos utilizados, Oliveira, António pondo em causa as di visões tra Poder e Oposição Política em Portllgal dicionais do saber. no Período Filipino ( 1580-1640) No quadro da sua programação, Pedreira, Jorge IVIiguel Viana tem-se procurado um equilíbrio Estrutura Industrial e Mercado Colonial entre as obras de autores estran Portugal e Brasil ( 1780-1830) geiros e autores portugueses, Revel, Jacqucs A Invenção da Sociedade entre autores consagrados e Shils, Edward novos autores que partilham a Centro e Periferia mesma atitude de rigor e serie Thomaz, Luís Filipe F. R. dade. De Ceuta a Timor Sf.:RIE ESPECIAL AAVV Estudos Portugueses Homenagen1 a Liu:iana Stegagno Picchio Godinho, Vitorino Magalhães Mito e Mercadoria, Utopia e Prática de Navegar Dcswartc, Sylvie ldeias e Imagens em Portugal na Época dos Descobrimentos I SANJAY SUBRAHMANYAM O IMPÉRIO ASIÁTICO PORTUGUÊS 1500-1700 Uma História Política e Económica Tradução de PAULO JORGE SOUSA PINTO Memória t: Sociedade -]~E~~~sA AGRAOECii\IENTOS t\ nlltora agradece :'ts r\''11l'Ciivas entidade~ a :nnori~tr:to dv ~eguintc material: C:trolin:t 1\l':ldcmic Prcss pelo CJuadro 5. I do t':tpítulo de Joltn 'l'd':t~kt.:'s em fJn•clol/s Mewl.~ in lhe Lat er Medíel'lll wul l:'ar~r il/11(/('/'11 ll'lords. \'d. John F. r{ichards (r !)t!j); LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS Studerlllill~·r.nur i\ H. 1\lagbtrat.-riigen pelo Qu:tdro (>.l da Carracl.:s. Camcaw mui (.'ompanh•.,, 'f1w Structural crisis in Ih<• I:'IUY>/I<.'fiii·ASifl/1 frade in tlll' <'flrll• ser'(•llteenth ceutury. Nieb Stecn~g:rard ( 197.i); M:rcmill:tn l.td. pelo" Quadro~ 7.1. ~· 7..1 da Hnmomy mui Soci<'ly in lia roque l'oi'IIIJ.Illl. HíGS-1703. C:trl llanson ( 19t!J ). ACE A.~sentos do Consai!Jo ela J.;'stado, ed. de P. S. S. Pis surlencar AHU Arquivo llistórico Ultramarino, Lisboa ANTf Arquivo 1'\:tcional da Torn: do Tombo, Lisboa APO Arc!Jivo Fortup,uaz-Orie11tal, ed. de ). H. da Cunha Ri vara ARA Algcmccn H.ijksarchief, Haia BfUP Bolelim da Filmoteca Ultramarina Portup,ttesa Título nrigin.tl: Tlll' Porrugrmr l:.inpirr in AJirt 1500-1700 BNL Biblioteca Nacional de Lisboa © 199.1, l.ongman (;rnup üK Limitcd BNP Biblíoreque 1'\ationale de Paris Esta vcr~ão de O lmptfrio A.!iiÍtiaJ Portrtí(Uês 1500-1700-Um11 HistÓI'ÍII f'o/ltim e BPADE Biblioteca Pública e Arquivo Disrrital, Évora Erolll}micll, I :• Edição,~ public;~da com o ~çordo <k Longman Croup l.imircd, LonJr~s Todm m din·iros par~1 :1 publicação d~:~t:t ohra em língua porru~uc~a r~:,crvados pur: CAA Cartas de Afonso de Albuquerque, <:d. de R. A. de Bulh:io Paro e H. l.opes de Mendonça CC Corpo C:ronolúgico CST. Colccçi\o ele Siio Lourenço Ot'llmnin.tç.tn Soci.ll L>rFE1.112- r )ifusao Ediruri:cl, S ·•'. Sede Snütl Avrnid.r ,Jo Forre ..l I) lU Documentos Remetidos da Índia (publicados c iné F.difkiu Su~ci.t I - l'i,o 2 ditos) C.un••id•· IIAG Histori<:al An:hivcs, Panjim, Coa 27?S I.INPA-i\ VElllt\ I l'OR l'UCAL Tclt-f>.: 417 !4 67 • 'Í 17 .!4 (,X lOR L India Officc Library and Records, Londres F.lx: 4 17 l') 'J.I voe Vercnigdc Oost-1n dischc Compagnic C:cpit,tl Suci.tl (,() UUU ()()()$00 (5~S\CIIC:r milluks de c"'"d"s) Cuucribuint~.· n." SOI .\71l S.\7 Mauíllll.c 11.' !l(,80 \.un,ci'\',Ht\ria .lu lh·gi>ll> ( 'umn< i.cl de o.·ir.l\ CapJ: Fmll11> \'il11r Rt·,·i,,Jo 'l'i1m~r.ífil.1: J1111111tr!t1 Ft'"''.r,rlistlt Foi<Kompo,\i\.lO: (;r,~fiuxto, l.i~h(,,t lm(H"-''':tu 1.' .te.ah.uucnw: liJ~I.If.!litji,t (Jm·rr,t- \'i,t:u r kpó.>itu l.ct:.tl n." Kl!S.}S/'J'\ rSIII" ?7.!-.!'10.1.!8·-1 l'roihid:t a r<"proJuç;.o Wtal ou parcial ~em a prévia :tutorinç:io do Editor PREFÁCIO EscREVER o PREFÁCIO DE UM liVRO é frequentemente wn prazer maior do que escrever o próprio livro, já que paga1· dívidas de gratidão é geralmente mais agrctdávet do que contraí-las. O embrião deste lim·o surgiu no Verão de 1988, ao proferir seminários e ao leccionm· em Paris e em Lisboa. Foi estimulado por conversas com amigos em ambos os locais, em especial pela e.:"igência das turmas do Mestrado de História dos Descobri mentos e da Expansão Portuguesa dc1 Universidade Nova de Lisboa. Pela oportunidade de teccionar em Lisboa, agradeço a Artur Teodoro de Matos e a Luís Filipe Thomaz. As ideias esl.í mulantes deste - certamente o mais impor·tante historiador português da Estado da Índia da actualidade - estão direc tarnente reflectidas aqui, e insuflaram wn sopro vital neste projecto; também lhe agradeço os seus comentários e sugestões ã primeira versão. A perspectiva do visitante estrangeiro em • I Portugal tende a estar demasiado centrada em Lisboa; uma visita a Braga e ao «Otttr·o» Por·tugal com Maria Augusta Lima Cruz e Arlindo Fagnndes fo1: muito 1ítil para ver Portugal sob outro ângulo, pc1ra além de ter sido um prazer em si próprio. Espero que todos perdoem as pretensões deste livro. No Outono de 1988, quando o esboço deste livro estava defi nido em Cambridge, Chris e Susan Bayly, que lá se encontravam, e Ke11 neth McPherson, que estava de visita a Londres, funcio IIOrf/111 como cai:v:as de ressonância. Geoffrey Parke1; generoso como sempre como correspondente. também ajudou a dar forma ri ideia, e uma linica mas proveitosa tarde com john Elliott COIIIrílmiu para clarificar algumas matérias ibén·cas. O público dos se111i11ârios em Cambridge e Leide11 reagiu positiiJalllente a X PREFÁCIO PREFÁCIO XI um primeiro esboço (agora lançado como ensaio conjunto com Anthony Disney, Maria Augusta Lima Cruz, Jorge Manuel L. F Thomaz em ]ames Tracy, ed., The Political Economy and Flores, Pierre-Yves Manguin, Salih 6zbaran, Michael Pearson, Mercham Empires, Cambridge/Nova York, 1991), assim como me George B. Souza, Niels Steensgaard, Luís Filipe Thomaz e ]ohn ajudotl a manter a confiança no projecto. Wills. É preciso acrescentar· que sem o trabalho de três pionei Enquanto autor de História Econômica residente na Índia, ros - Charles Boxet~ Vitorino Magc1lhães Godinho e A. H. de tive talvez tendência para ver as matérias sobre Portugal de um Oliveira Marques - um trabalho como este teria sido impos modo demasiado limitado e funcional, num trabalho anterior sível. A obra do arquivista e historiador goês P. S. S. Pissur (V. Subrahmanyam 1990). Este livro r-epresenta assim uma alte lencar, foi igualmente rnu·ilo útil como ponto de referência. ração de perspectiva, mas não tive intenção de abandonar a Por fim, uma palavra de apreço à Longman pela con História da Ásia. Do mesmo modo, este é um trabalho de síntese, fiança que depositou numa experiência de escrever História, mais preocupado com o todo do que com as partes; não é um e por ter aguardado pacientemente por um manuscrito atra livro sobre os pormenores da história social, política e econômi sado. Também lhes agradeço pela sábia decisão de dar a ler ca de Coa, Macau., Timor, Moçambique ou de outras possessões o rascunho a Peter Mar-shall, assim como agradeço a este os portuguesas na Ásia. Estes temas merecem um tratamento bem comentários encorajadores. Espero que a minha resposta tenha mais aprofundado do que o permitido numa obra desta enver tornado o fJt-oduto final bem mais acessível ao leitor. gadura e natureza. Deste modo, ao leitor que encontra lacunas ou trmamento inadequado deste ou daquele aspecto (seja a ideologia franciscana, a escravatura doméstica ou a histót·ia dos preços, para indicar três exemplos ao acaso), só posso apresentclr as minhas desculpas e apontar para a bibliografia quando tal for possível. A obra foi acabada em circunstâncias bem mais difí ceis do que as existentes ao tempo do seu começo. A Delhi atravessada por tumultos em 1990-91 nâo era propriamente o ambiente acadêmico ou social mais apropriado. Porém, o cliá logo com amigos, especialmente .Muzcif.far Alam e Sunil Kumar, foi uma consolação; ambos leram uma pm·te e fizeram comen tários úteis ao manuscrito, como o .fizeram G. Balachandran, Kenneth McPherson e Cai! Alterman. A todos, os meus agmde cimentos, especialmenle para }aivi1· Singh, que foi um leitor paciente dos semiacabados rascunhos, apreciando particular mente as incursões na História do Japão. Enquanto tentativa de síntese, esta obra, mais do que as monografias, depende naturalmente do trabalho de colegas. Gostaria de t·eferir em particular os seguintes: Jean Aubin, Genevü3ve Bouchon, ]oâo Paulo Costa, Teotônio R. de Souza, INTRODUÇÃO: AS FACES MÍTICAS DA ÁSIA PORTUGUESA A POETRA AINDA MAL ASSENTOU sobre o colonialismo português. Foi há menos de duas décadas, no rescaldo da «Revolução dos Cravos» - a que os Portugueses se referem geralmente como 25 de .Abril, ficando subentendido o ano de 1974 - que os Portugueses deixaram as suas possessões coloniais em África. Na Ásia do Sueste, a sua última posição, Timor, foi arrancada à força pela República Indonésia; hoje apenas resLa Macau, de um i111pério em que em tempos o Sol praticamente nunca se punha. Mesmo hoje, os Portugueses, os Asiáticos e os Africanos man têm-se profundamente divididos sobre o modo de compreender e interpretar o edifício imperial que os Portugueses criaram nos séculos xvr e XVII: de facto, as dúvidas surgem logo em saber se os Portugueses realmente possuíram então, de algum modo, um império. Uma vez que a Expansão Portuguesa está intima mente ligada ao nacionalismo português e à identidade colectiva - tendo os dois mais enaltecidos poetas do Panteão Lusitano, o autor d'Os Lusíadas, Luís Vaz de Camões (1524-1580), e o autor «modernista» da Mensagem, Fernando Pessoa (1888-1935), emi tido fortes opiniões sobre o assunto - é realmente muito difícil separar o mito da História, e muitos não pretendem sequer tentar. Ao escrever este livro sob a forma ele um longo ensaio sin tético e interpretativo em vários capítulos, e não de uma forma enciclopédica, é minha intenção não me intrometer nas disputas coloniais. Do mesmo modo, este livro não é uma incursão nas inúmeras dimensões ela interacçâo cultural entre os Portugueses c a Ásia. Em vez disso, o livro é uma história política e econó mica, que tentará definir a presença portuguesa entre o Cabo da 2 INTRODUÇÃO AS FACES MÍTICAS DA ÁSIA PORTUGUESA 3 Boa Esperança e o Japão, nos séculos XVI e XVII, em dois planos do Holandês Jan Huyghen van Linschoten, documentação das cruzados. Por um lado, os Portugueses serão solidamente colo companhias de comércio elo século XVII, e também as memórias cados nos contextos asiáticos e leste-africanos; paralelamente, e a correspondência de mercadores italianos e alemães residen serão tratados no contexto europeu (e mais especificamente ibé tes na Ásia Portuguesa. -Há também materiais asiáticos e africa rico). Esta tarefa, que seria bem aborrecida sob as leis da geo nos, seja sob a forma escrita (como crónicas, relatos ele viagens metria de Euclides (onde a intersecção de dois pianos apenas e cartas), seja preservados como tradições orais (Isaacman 1972). nos deixa uma linha recta!), tem, esperamos, um maior potencial Este último conjunto de informação tem sido frequentemente na mais flexível disciplina da História: os historiadores do impe ignorado pelos historiadores por diversos motivos. Em primeiro rialismo reconhecerão certamente aqui ecos do bem conhecido lugar, são tão dispersas e diferentes, e requerem tais habilita debate sobre as causas «eurocêntricas» e «excêntricas» ela ções linguísticas, que se mantêm apenas parcialmente explora expansão oitocentista europeia (Bayly 1989). E, ele facto, este das. Em segundo lugar, e mais importante, é o facto ele continuar trabalho é concebido como uma contribuição para o debate difundida a ideia ele que estes materiais não são ficleclignos, pois alargado sobre a natureza da construção dos impérios europeus envolvem os Portugueses numa névoa ele mito e não resistem na primeira fase ela Idade Moderna. Tentará então lidar não a testes elementares, em particular ao da precisão cronológica. apenas com os temas acima referidos, mas também com a espi No melhor elos casos, argumenta-se, podem ser utilizados para nhosa questão da continuidade e clescontinuidacle entre a mostrar que os Portugueses não eram importantes na Ásia (uma Expansão Ponuguesa na Ásia e a Holandesa e Inglesa. vez que as fomes asiáticas, em regra, iguoram-nos) ou que os Mas como se escreve afinal tal História? Em que fontes pode Asiáticos viviam demasiado absorvidos nas suas próprias activi o historiador que pretende escrever um «relato equilibrado» dades ou demasiado envolvidos culturalmente para precisarem confiar? Na maioria da vezes, temos que nos sujeitar às próprias de se preocupar com os forasteiros. fontes portuguesas, mas estas não são os únicos materiais dispo No entanto, esta última afirmação nem sempre era válida. níveis. É também 'verdade que mesmo o corpus ela documenta Vejamos o exemplo de um texto malaio, sem título, datado elos ção portuguesa não nos fala a uma única voz. Existem diferenças, finais do século xvu ou princípios elo século X'-;lll, que descreve dependendo ela natureza ela fonte (se é uma carta, um livro de a chegada dos Portugueses à grande cidade-porto sueste-asiática registos ou uma crónica), do estatuto social do escritor (pois de Maiaca, na ponta ela península Malaia, e relata como a captu mesmo os cronistas fornecem-nos claramente visões diferentes raram, fortificaram e a fizeram o cenrro do seu próprio comér consoante o grupo social a que pertencem) e da época ela cio, e como foram finalmente expulsos dela. Trata-se, portanto, reclacção (uma vez que a primeira metade elo século XVI dificil de um ciclo completo de ascensão, prosperidade e queda que mente surge tão gloriosa aos olhos elos Ponugueses da década nos é dado a ler, completo e com a sua própria lógica interna. ele 1540 como parece aos que escreveram em 1620). No caso O texto é o seguinte: dos autores pertencentes a ordens religiosas, depende da natu reza da própria ordem, pois a visão de um jesuíta sobre um «Eis uma história dos tempos de omrora: os Frangues chegam evento pode ser bem diferente ela de um agostinho. ü terra de Malaca. Quem conhece a história conta que houve, ao que se diz, dez Para além elas fontes portuguesas, existem outros materiais, navios portugueses que vier<lm ele Manila a traficar no país de na forma de relatos ele viagens de outros europeus, como o Malaca. Nesse tempo era rei o Sultão Ahmed Xá. Nessa época o famoso Itinerarío (Tiele e Burnell 1885), dos finais do século XVI, país de Malaca era assaz activo no comt!rcio, e próspero, e em boa 4 INTRODUÇAO AS FACES MÍTICAS DA ÁSIA PORTUGUESA 5 ! ordem seu governo. Mas eis que passado tempo chegam os navios - Não se contristem os nosso amigos: tOmai a terra que vos portugueses ao país de Malaca. Ora nesse tempo as fortificações aprouver; se é de tal tamanho, possuí a terra. da cidade de Malaca eram de troncos de palmeira. Então o capitão português ficou assaz contente. E logo des Chega então o capitão do navio a traficar, com vários outros cem os Portugueses a terra, trazendo enxadas de cavar, tijolos e cal. capitães de navios, e trazem a el-Rei Sultão Ahmed Xá um presente E vão buscar a tal pele, fazem dela uma corda, e com ela medem de ouro, reais, roupas e cadeias de Manila; e fica o Sultão assaz con um quadrado. E fazem uma edificação grande em extremo, fortifi tente com o capitão português. E assim, ao cabo de pouco tempo, cada, e fazem ao mesmo tempo aberturas para canhões. E toda a quanto fosse desejo dos capitães, tudo era satisfeito pelo Sultão gente de Malaca inquiria: Ahmed Xã. Vários foram os bendaras e os timungâes que observaram - Mas que aberturas são essas? respeitosamente: E respondiam os Portugueses: - Não seja a Alteza de Meu Senhor demasiado confiante para - Isto são aberturas que a gente branca usa como janelas. com essa gente branca, pois na modesta opinião de todos os vossos E calou-se a gente de Malaca. Então, quando a gente se calou, velhos servidores não é bom proteger o Meu Senhor a estes recém por diversas vezes o bendara c o timungão observaram respeitosa -chegados. mente a el-Rei: Então o Sultão Ahmed Xá falou: - Meu Senhor! Não se consinta a esta gente branca fa:r.er uma - Meu tio bendara, e nobres timungães, não vejo como possa casa grande! esta geme branca provocar a perdição de nossa terra! E ei-Rei falou: Depois disto, no seu íntimo o bendara e o timungão não mais se - De modo nenhum pode esta gente branca causar ruína à sentiram bem; e observaram respeitosamente a ei-Rei: nossa terra! Bem vejo que os homens brancos não são muitos; e se - Quanto a esta gente branca, nada de bom virá a Vossa forem ntins os seus desígnios, nós observamos o seu procedimento; Alteza e Senhoria ... e senão mandam-se amoucos. .. Contudo, o bcndara e o timungão não puderam alcançar mais Depois disto o bendara e o timungão não licaram contentes em nada. seus corações, pois ambos eram homens avisados. E eis qual foi o Eis então que os capitães dos navios começaram a dar cadeias procedimento dos Portugueses: de noite, descarregaram bombardas de ouro de Manila aos vários notáveis do país de Malaca. E todos de seus navios, e espingardas metidas em caixas, dizendo que havia os nativos do país de Malaca quedam assaz agradados dos capitães roupas dentro delas: tal foi o procedimento dos Pottugueses para dos navios ponugueses. Quem não estava contente era apenas o iludir a geme de Malaca. E de tal modo o fizeram que a gente de bcndara c o timungão. Malaca não o entendeu. Emào. passado tempo, a casa de pedra ficou Os navios portugueses permaneceram então em Malaca, trafi concluída e rodas as suas armas prestes. E mais ou menos à meia cando, por espaço de quarenta dias, mais ou menos. E os Portu -noite, quando a geme toda dormia, eis que os Fmngues bombardeiam gueses vieram mais uma vez a terra oferecer reais às caixas e caixas, l a cidade de Malaca, e ficam em ruínas as casas todas dos malaqueiros e ouro e muitas roupas belíssimas que ofertavam a Sua Alteza o e mais o forte de troncos de palmeira. Sultão Ahmed Xá. E o sultão Ahmed Xá estava contente. Depois disto, sob o bombardeamento dos Frangues, à hora da Então de novo falou o Sultão Ahmed Xá ao capitão português: meia-noite, eis que ei-Rei Ahmed Xá com todo o povo fogem sem - Que m~is ainda desejam de nós estes nossos amigos, que saber para onde, sem terem ocasião de resistir. E os Frangues apos tfto belo preseme nos tntzem? sam-se de Malaca. O Sultão Ahmed Xá foge para Muar; e de Muar, Disseram-lhe ent:lo os capitães todos dos navios: não muito tempo depois, muda-se para johor, a fazer uma cidade; - Nós desejaríamos pedir uma só coisa ao nosso bom amigo; e de johor muda-se de novo para Ointiio. Tal é :1 história dos Fran isto se o nosso bom amigo deseja manter amizade connosco, geme gues que arrancaram a cidade ele Malaca elas mãos elo Sultflo Ahmed branca. Xá, em tempos de outrora. E assim lhes respondeu o Sultão Ahmcd Xá: Conta a história como os Frangucs se quedaram na cidade ele I - Dizei-o pois, podemos escutar! Se é coisa que tenhamos, Malaca por espaço de uns três meses de tempo. Então mandaram sem dúvida satisfaremos o desejo de nossos amigos! os Frangues uma carta à sua cidade principal, que se chama Goa, Disseram então os capitães dos navios: dizendo que Malaca fora tomada pelos Prangucs. Então logo que o - Nós desejaríamos pedir um naco de terra, tamanho como grande rei elos Frangues escutou a nova em como Malaca era uma pele de animal seca. tomada, quedou assaz contente. E p:tssado algum tempo, aí uns dois E ei-Rei falou: meses, des::.a carta lhe ter chegado :ls mãos, o grande rei deles 6 INTRODUÇÃO AS FACES MÍTICAS DA ÁSIA PORTUGUESA 7 respondeu com uma carta dizendo para erguerem um forte ele gra Chegados, pois, os navios holandeses à barra ele Malaca, logo os nito dentro da cidade de Malaca; quanto à forma desse forte devia Holandeses mandaram aos Portugueses uma carta, dizendo que se em tudo ser como o daquela grande cidade que se chama Goa. apercebessem, pois no dia imediato ao meio-dia haviam de atacar. E assim foi feita pelos Porrugueses a fortaleza de Malaca igual à do E responderam os Portugueses: país ele Goa. - Como quiserdes! Estamos prontos! Conta em seguida a história que ao chegar a carta del-rei de Então, no dia imediato, os Holandeses atacam, e combate-se Goa a Malaca, os Portugueses que havia na cidade mandaram a por cerca de dois meses. Mas Malaca ele modo algum se rende. gente de Malaca que restava a buscar granito. Pela primeira ve7. se Então, todos os navios holandeses se fazem à vela em direcção a foi a buscar granito, para fazer o forte de Malaca, a Cuala Langai, Bantâo. E após espaço de alguns dias chegam aqueles navios todos e a Pulo Upé, e a Bato Barus, e a Pulo Java, e a Tluc Emas e a à cidade de Bantão e aí :;e quedam fundeados, com intenção de Pisau Piringui, e à ilha dos Pássaros e ao sertão de Malaca. Foi assim voltar de novo para a Europa. que os malaqueiros foram a buscar granito. Quanto ao seu preço: Os Holandeses todos sentiam vergonha, diante da gente grada por cem pedras de granito pagavam os Portugueses trinta patacas, que vinha nos navios. Emào, passado tempo, a gente grada que pelo cento elas grandes, e vinte patacas pelo cento das pequeninas; vinha nos navios sentou-se a discutir, deliberando uns com os outros nesse tempo os ovos de galinha eram comprados pelos Portugueses atacar de novo. a um dinheiro novo cada um; e a cal, nesse tempo, a quinze patacas Então, pela segunda vez, os Holandeses atacam: Malaca não o coião. E os obreiros cavavam no monte a urna rupia a jorna. cede. Quanto à fortificação da cidade de Malaca demorou, ao que Os Holandeses enviaram cartas a johor, a concertar-se com o Sul se julga, trinta e seis anos, três meses e catorze dias. E queda tão de johor para atacarem a cidade de Ma laca. E e l-Rei de johor ficou ram-se ainda os Portugueses em Malaca, ao que se estima, pelo contente; e daí os Holandeses com el-Rei de johor fizeram aliança e espaço de seis anos c um mês. Tal foi o caso dos Frangues que se juramento: Holandeses e Malaios tornaram-se como um só para irem quedaram em Malaca. E ao tempo 4uc us Punugueses se que atacar Malaca. Eis o compromisso dos Holandeses com el-Rei de 1::111 daram ele Malaca en1 a cidade assaz activa, e muitos o:; mercadores johor: os Holandeses atacariam por mar, a gente de johor por terra. que vinham a traficar ao porto. Assim conta a história elos tempo:; Outro compromisso entre o:; Holandeses e el-Rei de Johor: se se apo ele outrora. derassem de Malaca, então a cidade e a artilharia reverteriam para a Depois disto conta-se que veio um navio holandês a traficar em Holanda; e todas as riquezas seriam divididas em dua:; partes, uma Mal:lca. O nome do navio era «Aftar Lindir» e o nome do seu capitão parte para os Holandeses, outra parte para a gente de johor. E ficou Inybir. Foi este. o que veio a Malaca a traficar: e viu então Malaca firmado este conceno. muito bela, com sua fortaleza e seu fosso. E esse navio holandês Então a gente de johor e os navios dos Holandeses fazem-se à comerciou em Malac:.t durante quinze dias; e fez-se emào à vela para vda em direcção a Malaca; e durante uns quinze dias lutam com os a sua Europa. Frangues. Muitos foram os Frangues que morreram, mas dos Malaios Então, passado algum tempo, chegou o navio holandês à sua e Holandeses muitos morreram também. cidade principal; e o capitão do navio deu novas ao seu grande rei Depois disto todos os Malaios reflectiram: acerca de Malaca, que possuía activo trato, do seu forte e do seu - Ainda que combatamos gente branca desta sorte durante um belo fosso. Após o que diz o grande rei da Europa: ano inteiro, não se rendem! - Se tais são as novas, bom será então mandarmos atacar Foi por isso comum acordo de todos os bons Malaios que Malaca ... o melhor seria introduzirem-se na praça cinquenta pessoas e faze- E passado tempo, ci:; que o grande rei da Europa manda que rem-se amoucos lá dentro. vinte e cinco navios vão a atacar Malac~J. E os vinte e cinco navios Os Malaios fixaram o momento para o dia 21 do mês, à hora fazem-se prestes, todos equipados com soldado:;. :E ei-los que nave de começar a oração da aurora. F. entraram os Malaios na praça e gam em direcção à cidade de Bantão de Java. Havia nesse tempo fi7.cram-se amoucos. E os Frangues foram exterminados, alguns na cidade de Hantào da Java uma feitoria da Companhia Holandesa. houve que fugiram para o sertão de Malaca; nem sabiam par:~ onde Chegaram então aqueles vinte e cinco navios a Bantão da Java, ir, aqueles Portugueses! dizendo que queriam ir a atacar Malaca. Ora nesse tempo estavam E todos os ~lalaios obtiveram em Malaca uma enormíssima também em Bantào dois navios holandeses com uma galeota; c logo presa. Então, tal como estava no compromisso dos Holandeses com todos carregaram nos paióis toda a sorte de vitualhas; e sem detença :1 gente de johor assim exactamente foi, como prometido, partilhada se fizeram à vela cm direcçào a Malaca. toda a riquez:t obtida.

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