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O Ídolo PDF

43 Pages·2018·0.238 MB·Portuguese
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Prefácio Já foi verificado que a história se repete, sempre se repete, não importam a época, as circunstâncias, os personagens. Tudo há de se repetir, de forma inesgotável, como se ninguém pudesse evitar. É como se estivéssemos presos a uma cadeia de acontecimentos imutável. Parece já estar tudo pré-determinado. Nosso destino é inescapável. Desenrolam-se estórias diante de nossos olhos e delas já conhecemos o final, o mesmo que aconteceu a fulano e beltrano... Podemos ver o futuro simplesmente olhando para o passado. O que se passa hoje nada mais é que uma reprise. Será o tempo circular? Será que vem tudo se repetindo desde o começo da história e haverá de continuar a se repetir até o final dos tempos? Parece que sim! 3 O ÍDOLO I Jogava num campinho de pelada. Nunca imaginou que sua vida mudaria inteiramente a partir daquele dia. Foi num torneio, que nem sequer ganhou. Quando deixou o campo, acabou surpreendido pela figura, o homem alto de terno e óculos escuros. "Que foi que eu fiz?", pensou o menino mirrado. Mas o homem sorriu e estendeu-lhe a mão. - Parabéns, garoto! Acabei de ver você jogar. Você é craque, menino, e vim contratar você! - disse o homem, a fala mansa, apertando sua mão com gosto. - Nossa vida vai mudar, meu filho! - anunciou o pai, ao seu lado, abrindo um sorriso de orelha a orelha. 4 O menino ficou contente, mas preocupado. Até então, sua vida era jogar naquele campinho, sem pensar em mais nada. Agora, parece que ia ter um monte de coisas para se preocupar. Horários, treinos, compromissos. - A partir de agora sou seu empresário - disse o homem de terno. - Estou levando outros meninos também, mas você é especial, garoto! Olha que eu já tinha boas informações de você, mas depois do que eu vi hoje, fiquei convencido: você tem um futuro brilhante! Ao lado, o pai do menino sacudia a cabeça. - Vai pra seleção, sem dúvida! Depois que o menino tomou banho, o empresário deu carona a ele e ao pai. Via-se como estava eufórico com sua nova aquisição. Passou todo tempo a se gabar de seu portfólio. - Conhecem o fulano, que jogou na seleção? - e sem esperar resposta: - É meu jogador. - E o sicrano, que está arrebentando na Europa? cria minha também! - falava, voltando-se de quando 5 em quando para ver a expressão do menino. - Vou fazer o mesmo com você, garoto, você vai ver! A partir de agora você vai ser meu jogador! Nada mais desses torneios de pelada. Vou colocar você para treinar num clube grande, com outros meninos da sua idade. Você vai jogar de chuteira, uniforme, num campo de dimensões oficiais, disputar o campeonato estadual contra os grandes... É, garoto, sua vida não será mais a mesma - e o empresário ria, vendo os olhos arregalados do guri. - Mas não se preocupe, não vou deixar faltar mais nada para vocês. Quantos anos você tem? - Doze! - o pai do moleque se intrometeu na conversa. - Doze? Ainda tem muito pela frente! Vou mudar vocês para uma casa maior, longe dessa periferia. Vou arranjar um carrinho de segunda mão para seu pai e um videogame para você. Hein? Que tal? - olhou para trás e viu o sorriso de satisfação do menino. - Só tem uma coisa! Você vai jogar no sub-10! É, pra levar vantagem. Você sabe, 6 maiorzinho, vai se dar melhor contra meninos menores e menos experientes - o empresário piscava o olho. - Portanto, já sabe! Se lhe perguntarem, diga que você tem dez anos! Deixe que eu providencio os documentos! II O menino passou a viver no melhor dos mundos. A família mudou para um bairro tranqüilo. Agora tinham seu próprio carro, para não dependerem mais do transporte público, e ele tinha seu videogame, como lhe prometera o empresário. Passava boa parte do dia fora, revezando-se entre a escola e o clube. A escola era difícil, e ele, que nunca fora muito de estudar, estava encontrando dificuldade. Tinha medo de ser reprovado no final do ano e perder a vaga no time, pois era o clube quem pagava o colégio. - Ora, não se preocupe que eu dou um jeito! - disse o empresário ao saber disso. - Para o craque 7 sempre tem lugar - falou com um sorriso cínico. - Sou empresário de todos aqueles meninos e lhe garanto que nenhum de vocês vai ser mandado embora do time por causa de notas baixas. - Ora, vocês são jogadores de futebol! Pra que se preocupar com esse negócio de escola? Deixe tudo comigo! E, de fato, o menino nunca teve preocupações com a escola. Pouco estudava, faltava boa parte das aulas, tirava notas ruins, mas ao final do ano, como que por milagre, era sempre aprovado. Nunca entendeu como. Sua vida dentro de campo também ia às mil maravilhas. Neste terreno era o pai, ex-jogador, seu conselheiro. - Meu filho, seja mais inteligente! Entre na área e se atire, menino! Você joga num time grande! O juiz vai dar pênalti na hora! Não sabe que eles tem medo de desagradar os grandes? - e vendo uma certa hesitação no filho: - Garoto, escute aqui: o que interessa é ganhar o jogo, tem que 8 ganhar de qualquer jeito, não importa como! A vida é assim, lugar de otário é no fim da fila! - o homem dava de ombros. Faça o que seu pai lhe diz, meu filho, não me decepcione! O menino passou a seguir o conselho do pai e em todo jogo cavava seus pênaltis. Depois, vendo a facilidade, passou a se atirar fora da área também, então no meio de campo. Bastava que tocassem nele para cair e o juiz corria para marcar, ainda que a falta não tivesse ocorrido. Ao final das partidas era parabenizado pelo pai e pelo empresário. - Garoto esperto! - dizia o empresário, abraçando- o. - Filho de peixe, peixinho é! Esse vai longe! Quando estreou no profissional, estranhou a movimentação em cima do seu nome. Logo pela manhã um programa esportivo anunciou sua estréia, então um desconhecido, como "o nascimento de uma estrela". Na entrada em campo, aglomeração de repórteres no gramado. "Que será que houve?", pensou. Assustou-se 9 quando todos os repórteres correram para cima dele, que havia se transformado numa celebridade de uma hora para outra e nem sabia como responder àquele assédio. Mas olhou para as tribunas e viu o pai ao lado do empresário, ambos sorrindo e acenando para ele, e então entendeu tudo. III Passados alguns dias, apresentaram-lhe um agente, uma figura conhecida, um ex-jogador de grande renome, agora gordo e careca, mas ídolo de infância do menino, que não sabia nem como se portar diante dele. - Pode me chamar de Ronny! - disse o agente, sorrindo, a exibir os dentes separados. Olha, menino! Vim cuidar da sua vida para fazer de você uma estrela! Lembra da recepção que você teve na estréia? Foi idéia minha. Vou usar do meu conhecimento sobre marketing e do meu prestígio para colocar você num grande clube 10 europeu, eu garanto. Em no máximo dois anos você estará na Europa. É claro que terei direito a uma comissãozinha, não? - e riu. - Bem, já que você vai ser uma estrela internacional em pouco tempo, terá de se portar como tal. Se quer ser estrela, precisa ser visto, precisa de exposição, ter as câmeras grudadas em você. Para isso, você terá de ser o batedor oficial de pênaltis, faltas e escanteios. Trate de impor isso ao seu treinador. Se ele recusar, mande a diretoria demitir! - e como visse a expressão de surpresa no rosto do aluno, Ronny continuou. - Você tem que ser um tubarão, menino, passar por cima de tudo e de todos. Você tem objetivos e não pode deixar que ninguém atrapalhe! Era isso que eu fazia quando jogava e só por isso cheguei onde cheguei - Ronny acendeu um cigarro e soltou uma baforada. - Já pensou quantas vezes vocês vai ser focalizado a cada vez que tiver uma bola parada? Dezenas! Vai ter uma super-exposição e isso ajuda a obter patrocinadores. Mas não é só isso! Seja o último a entrar em campo. Isso já garante

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