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Sua invenção é proclamada como um grande passo à frente – até que os donos da indústria têxtil da qual ele é empregado, ao lado dos dirigentes do sindicato que representam seus colegas de trabalho, percebem que o invento vai colocá-los fora dos negócios. Rapidamente esses eternos adversários unem forças para perseguir e encurralar Stratton e destruir o tecido que ele inventou, que usa sob a forma de um terno branco. Eles o perseguem, cercam e, quando parecem prestes a matá-lo, o tecido começa a se desintegrar. O fracasso do invento acaba salvando Stratton da indústria que ele ameaça e salva a indústria da obsolescência. Obviamente, qualquer paralelo estabelecido entre Sidney Stratton e Alan Turing – matemático inglês, inventor do computador moderno e arquiteto da máquina que quebrou o código da Enigma2 dos alemães durante a Segunda Guerra Mundial – deve por necessidade ser inexato. De um lado, esse paralelo exige que vejamos Stratton (especialmente como desempenhado pelo gay Guinness) como, no mínimo, uma figura proto-homossexual e interpretemos sua perseguição como uma metáfora para a mais generalizada perseguição dos homossexuais na Inglaterra, antes da descriminalização dos atos de “enorme indecência” entre homens adultos ocorrida em 1967. Essa é, certamente, uma leitura de O Homem do Terno Branco com a qual nem todos seus admiradores concordarão e contra a qual vários protestarão. Estabelecer um paralelo entre Sidney Stratton e Alan Turing também requereria de nós ignorar a diferença crucial entre os dois cientistas: enquanto Stratton é acossado por causa de sua descoberta, Turing foi perseguido a despeito dela. Longe do fracasso que é o terno branco de Stratton, as máquinas de Turing – tanto hipotéticas quanto reais – não apenas iniciaram a era do computador, mas desempenharam um papel crucial na vitória aliada sobre a Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Por que, então, insistir na comparação? Apenas porque, na minha visão, O Homem do Terno Branco tem muito a nos contar sobre as condições determinantes da curta vida de Alan Turing: a homossexualidade, a imaginação científica e a Inglaterra na primeira metade do século XX. Assim como Stratton, Turing era ingênuo, distraído e alheio às forças que o ameaçavam. Como Stratton, ele trabalhava sozinho. Como Stratton, ele estava interessado em ligar o teórico ao prático, interessando-se pela matemática em uma perspectiva que refletia o ethos industrial da Inglaterra na qual ele crescera. E finalmente, como Stratton, Turing foi “expulso do mundo” pelas forças que viam nele um perigo, quase da mesma forma que o herói epônimo de Maurice, de E. M. Forster,3 teme que será “expulso do mundo” se sua homossexualidade for descoberta. Considerado um risco para a segurança em virtude de seu heroico trabalho durante a Segunda Guerra Mundial, Turing foi preso e julgado um ano depois da estreia de O Homem do Terno Branco, sob a acusação de cometer atos de enorme indecência com outro homem. Como alternativa a uma condenação à prisão, ele foi forçado a submeter-se a uma humilhante série de injeções de estrogênio com o objetivo de “curá-lo”. Finalmente, em 1954, ele cometeu suicídio mordendo uma maçã embebida em cianeto – uma aparente reverência a um dos seus filmes favoritos, a versão de Branca de Neve e os Sete Anões feita pelos estúdios Disney, a que os escritos sobre Turing nos anos subsequentes deram grande importância. Em uma carta escrita a seu amigo Norman Routledge no final da vida, Turing ligou sua prisão a seus atos em um extraordinário silogismo: Turing acredita que as máquinas pensam Turing deita-se com homens4 Portanto as máquinas não podem pensar Seu temor parece ter sido o de que sua homossexualidade fosse utilizada não apenas contra ele, mas contra suas ideias. Também não foi acidental sua escolha da antiga locução bíblica “ter relações com”: Turing tinha perfeita consciência do grau de ameaça à religião estabelecida que tanto sua homossexualidade quanto sua crença na inteligência do computador representavam. Afinal de contas, sua insistência em questionar a pretensão da humanidade à exclusividade do pensamento lhe trouxera um bombardeio de críticas nos anos de 1940, talvez porque sua defesa de “tratamento justo” em relação às máquinas contivesse uma sutil crítica às normas sociais que negavam a uma outra população – a dos homens e mulheres homossexuais – o direito a uma existência legal e legítima. Pois Turing – de maneira notável, dada à época em que ele cresceu – parece ter entendido como fato que não havia nada de errado em ser homossexual; mais notavelmente, sua convicção acabou por impregnar até alguns dos seus escritos matemáticos mais obscuros. De alguma forma, sua habilidade em fazer ligações inesperadas refletia a natureza surpreendentemente original – e,ao mesmo tempo, surpreendentemente literal – de sua imaginação. Isso também adveio, em parte, de sua educação na Sherborne School, no King’s College, durante o apogeu de E. M. Forster e John Maynard Keynes, e em Princeton, durante o reinado de Einstein; de sua participação no famoso curso de Wittgenstein sobre os fundamentos da matemática; de seu trabalho secreto para o governo em Bletchley Park, onde a necessidade de lutar diariamente com um fugidio código secreto alemão exercitou sua engenhosidade e o compeliu a liberar sua mente já flexível. O resultado de sua prisão e de seu suicídio foi que durante anos sua contribuição para o desenvolvimento do computador moderno foi minimizada e, em alguns casos, apagada completamente, John von Neumann muitas vezes recebeu crédito por ideias que realmente se originaram com Turing.5 Na verdade, foi só depois da liberação de documentos considerados secretos e relacionados a seu trabalho em Bletchley Park, e da subsequente publicação da sua magistral biografia escrita por Andrew Hodges em 1983, que esse importante pensador começou a ter seus direitos reconhecidos. Agora ele é considerado um dos mais importantes cientistas do século XX. Mesmo assim, os mais populares relatos sobre seu trabalho ou falham em mencionar claramentesua homossexualidade, ou a apresentam como uma mancha repulsiva, e no final trágica, de uma carreira de outra forma considerada estelar. A primeira vez que ouvi falar em Alan Turing foi em meados dos anos de 1980, quando ele foi várias vezes relembrado como uma espécie de mártir da intolerância inglesa. Embora eu tenha feito um curso sobre cálculo no colégio, na universidade decidi evitar a matemática. E decidi, mais ainda, ficar de fora propositadamente da ciência da computação, mesmo que tenha crescido, como muitos americanos, cada vez mais dependente dos