Arthur Eduardo Grupillo Chagas O HOMEM DE GOSTO E O EGOÍSTA LÓGICO: O princípio de Kant da comunicabilidade estética à luz de sua teoria do conhecimento 2 Arthur Eduardo Grupillo Chagas O HOMEM DE GOSTO E O EGOÍSTA LÓGICO: O princípio de Kant da comunicabilidade estética à luz de sua teoria do conhecimento Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Filosofia. Linha de Pesquisa: Estética e Filosofia da Arte Orientadora: Profa. Dra. Virginia de Araújo Figueiredo BELO HORIZONTE Universidade Federal de Minas Gerais 2006 3 100 Chagas, Arthur Eduardo Grupillo C433h O homem de gosto e o egoísta lógico : o princípio de Kant da 2006 comunicabilidade estética à luz de sua teoria do conhecimento / Arthur Eduardo Grupillo Chagas. – 2006. 162 f. Orientador: Virginia de Araújo Figueiredo. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. 1. Kant, Immanuel, 1724-1806. 2.Filosofia -Teses 3. Filosofia alemã –Séc. XVIII – Teses 4. Filosofia moderna –Séc. XVIII - Teses 5. Teoria do conhecimento I. Figueiredo, Virginia Araújo l II. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas III. Título 4 Resumo Trata-se de uma investigação ou análise de cunho lógico-argumentativo da Dedução dos Juízos Estéticos Puros da Crítica da Faculdade do Juízo de Kant. Isso com a intenção profunda de avaliar a viabilidade de um princípio de comunicabilidade estética segundo os limites impostos pela própria teoria kantiana do conhecimento. Partindo-se das proposições sobre estética do Kant pré-crítico e perpassando-se cada momento de sua estética madura (Analítica do Belo), se verá eleito como princípio a priori e universal do gosto em Kant o conceito de sensus communis, o qual deveria então ser provido de uma dedução transcendental; isto é, deve-se legitimar o direito de um sujeito referir-se a priori e universalmente aos estados de ânimo de outros sujeitos. O métron avaliador é o próprio modelo de dedução transcendental empregado na Crítica da Razão Pura, também porque o filósofo pretende deduzir a universal comunicabilidade dos juízos de gosto puros a partir da universal comunicabilidade do conhecimento em geral. Para tanto, tomaram-se as múltiplas tentativas de dedução espraiadas pelo texto inconcluso e mosaicamente redigido por Kant na terceira Crítica, todas insatisfatórias, afinal. Os resultados apontam uma redefinição do princípio kantiano do gosto puro, o sensus communis, em direção a um estatuto fraco e apenas regulativo, agora sim, não só compatível, como também atrelado, como uma roda dentada, ao modelo kantiano de dedução desse último tipo de princípio. Palavras-chave: Kant, Crítica da Faculdade do Juízo, Dedução, Sensus Communis 5 Abstract It is an analysis or a logical-argumentative investigation of the Deduction of the Pure Aesthetic Judgements of Kant´s Critique of Judgement, with the profound interest in evaluating the viability of a principle of aesthetic communicability according to the limits imposed by the proper Kantian theory of knowledge. Starting with the Kantian pre-critical propositions on aesthetics and staying in full detail at every moment of his mature aesthetics (Analytic of the Beautiful), the concept of sensus communis is erected as the a priori, universal principle of taste. This concept should be then provided of a transcendental deduction; that is, the right of a subject to refer universally (a priori) to the mental states of other subjects must be legitimated. The appraiser metron is the proper model of transcendental deduction employed in the Critique of Pure Reason, because the philosopher also intends to deduce the universal communicability of pure judgements of taste starting from the universal communicability of knowledge in general. In order to do this, we examine the multiple deduction attempts spread in the unconcluded and mosaicly written text of Kant in the third Critique, finding them all unsatisfactory. The results point a redefinition of the Kantian principle of pure taste, sensus communis, towards a weak and just regulative statute, now not only compatible, as well as harnessed, like a jagged wheel, to the Kantian model of deduction of this latter sort of principle. Key-words: Kant, Critique of Judgement, Deduction, Sensus Communis 6 AGRADECIMENTOS Sem nenhuma dúvida, este trabalho deve-se primeiramente à minha família, ao amor incondicional dos meus pais, Castro e Rosa, simplesmente por tudo; o sustento material foi uma ínfima parte do que até hoje me proporcionaram. Agradeço ao meu amigo, meu irmão, Fábio Tenório, atencioso estudante da obra de Kant, pela amizade, compreensão, paciência, bom humor e, como se não bastasse, pelas preciosas conversas filosóficas à mesa do jantar. À minha orientadora, Profa. Virginia Figueiredo, não somente pela orientação, mas pela amizade e preocupação com minhas condições humanas de trabalho. A Djali, que nos adotou aqui em Belo Horizonte, e seu estimado Vítor. A minha amiga Soraya, pelo alívio de compartilhar os sentimentos adversos. Ao Edu, Olavo, e demais membros do Grupo Kant, pelas importantes discussões que colaboraram grandemente para minha melhor compreensão da obra deste filósofo. Aos membros da linha de pesquisa em Estética da UFMG e aos professores que direta ou indiretamente contribuíram para esta dissertação: Prof. Rodrigo Duarte, Prof. Verlaine Freitas, Prof. Ernesto Perini, Profa. Lívia Guimarães, Profa. Telma Birchal, Prof. Ivan Domingues e Prof. Ricardo Barbosa (UERJ). Agradeço também a todos que puderam esconder de mim a solidão que ameaçava se instalar, em particular meu amigo Pablo Holmes, que sempre teve a paciência de ler as livres e excêntricas reflexões que eu produzia nos momentos em que minha mente não era assombrada pelo fantasma de Kant. Também a Ângelo Mongiovi, que me presenteou com importantes Reflexões sobre a Vida. A minha amiga Artêmis, com quem aprendi tanto, inclusive sobre o gosto. Ao Evaldo Sampaio, pela descoberta de uma dimensão microfilosófica. Aos amigos que fiz no Serro. Aos alunos tão divertidos. À amizade recém-descoberta, mas já valiosa, do Prof. Joaquim Márcio, que me mostrou as misérias do processo penal e os encantos da música mineira. Aos professores Aurélio, Carlos Wagner, José Bosco, Adalberto. Também à Cecília, pela inspiração secreta. Pelo menos, ao passar por essa vida, convivi com tanta beleza. Há, certamente, outros tantos nomes que poderiam ter sido citados, mas não foram. Ou porque minha fraca memória não permitiu, ou porque seja um caso de desagradecimento, e portanto contradiz o título no topo desta página. 7 “O conflito é o pensamento a lutar entre os opostos; e a síntese dos opostos é ainda ódio, antagonismo.” J. Krishnamurti, Reflexões sobre a Vida “Hans Castorp sorriu. ― E daí? ― perguntou. ― Eu pensava que o seu caso fosse diferente. Tenho a impressão que você se contradiz a si mesmo. Primeiro estabelece uma diferença e logo depois equipara. Isto é lero-lero...” Thomas Mann, A Montanha Mágica 8 SUMÁRIO Apresentação...................................................................................................................1 Introdução.......................................................................................................................5 1. ― Quid facti? ― Propõe o homem de gosto.........................................................16 I.i – Qualidade: o agradável, o bom e o belo...................................................................19 I.ii – Quantidade: da universalidade subjetiva à comunicabilidade universal................ 25 I.iii – Relação: um excurso objetivista na discussão da validade?..................................39 I.iiii – Modalidade: a fixação de um princípio de comunicabilidade..............................48 2. ― Quid juris? ― Duvida o egoísta lógico..............................................................56 II.i – §21. Primeira dedução do princípio de comunicabilidade? ...................................61 II.ii – §22. Da dificuldade de definir o estatuto do princípio do juízo estético..............70 II.iii – §§30-38. Segunda dedução do princípio de comunicabilidade? .........................76 II.iiii – §39. Como deduzir a comunicabilidade de um sentimento? ..............................93 3. Da comunicabilidade na Crítica da Razão Pura.............................................100 III.i – O problema fundamental do solipsismo metodológico.......................................102 III.ii – Da comunicabilidade do conhecimento em geral: o conceito de certeza...........111 III.iii – Da comunicabilidade do conhecimento em geral: o conceito de convicção.....119 III.iiii – Da comunicabilidade como interesse da razão especulativa............................129 Considerações finais.................................................................................................141 Apêndice A - Breve história do conceito de sensus communis .................................146 Bibliografia.................................................................................................................157 9 APRESENTAÇÃO É natural que um texto filosófico, sobretudo de cunho acadêmico, evite o uso do pronome pessoal reto na primeira do singular. Ou porque a universalidade e a natureza abstrata constitutiva do discurso filosófico exija a impessoalidade das palavras ou porque o raciocínio, se fala a um auditório universal (o dos seres racionais), deve ser ele mesmo um orador universal. Mais do que natural é, por isso mesmo, que uma apresentação do mesmíssimo texto filosófico mostre-se com toda pessoalidade de que dispõe, evitando o plural majestático e entregando-se às tranqüilidades do verbo limpo que torna então patente a relevância do pronome. A apresentação deve ser como o esconderijo daquele que já não aparece como ser racional, mas como pessoa. E somente deste ponto de vista é que o texto impessoal pode justificar, não sua correção, mas sua existência. Este trabalho existe em virtude de uma desconfiança que tive quando da leitura da Dedução dos juízos estéticos puros da Crítica da Faculdade do Juízo de Kant. Ali, o filósofo pretende justificar o direito de se referir a priori ao juízo de outros sujeitos mediante um argumento como este: se o conhecimento é universalmente comunicável, então o estado de ânimo que é condição do conhecimento também deve sê-lo. Pensei comigo mesmo: se a água é líquida (pelo menos em condições normais de temperatura e pressão), também o hidrogênio, que é sua condição, deve sê-lo; uma conclusão que contraria o juízo saudável. Tive então a idéia de analisar com a maior atenção que pudesse a referida passagem, para ver se havia ali alguma falha lógica de Kant. No decorrer da pesquisa, percebi que a Dedução era uma espécie de ponto polêmico privilegiado por um número razoável de comentadores. A Dedução já configurava, portanto, o nó górdio de uma polêmica que se alimenta há algumas décadas entre os pesquisadores da obra em questão. Fiquei convencido de que há no argumento da Dedução uma falha lógica. Mas, como é bastante sabido, Kant é um filósofo transcendental, cuja lógica é muito mais do que aquela que eu estava empregando. Tive então de procurar compreender o máximo que pudesse a teoria do conhecimento de Kant, até o ponto de ficar satisfeito com relação à validade ou invalidade do argumento, 10 ou pelo menos perceber a coerência interna que aquele argumento mantém com a lógica transcendental de Kant. A partir de então, o que parecia ser apenas uma questão de non- sequitur plenamente particular ganhou novas proporções e permitiu-me, afinal, passear por boa parte do sistema kantiano, o que tanto pode alegrar quanto desanimar. A questão específica sobre o argumento da dedução é meu ponto de inflexão, o núcleo e o escol deste trabalho. Em torno deste núcleo gravitam outras questões igualmente importantes da filosofia de Kant, sobretudo de sua teoria do conhecimento, que mereceriam um cuidado minucioso, o que simplesmente estava fora dos limites de minha pretensão. Tentei pensar e harmonizar a dedução de acordo com os limites impostos pela filosofia kantiana do conhecimento. No que diz respeito à primeira questão, não vai ser difícil perceber que não há simplesmente como aceitar a validade do argumento da dedução. Mas isso não significa nada, dependendo do estatuto e do valor que é dado ao êxito demonstrativo. Quanto à tentativa de harmonização, por outro lado, parece que há uma solução para a questio iuris envolvida no juízo de gosto junto à teoria kantiana do conhecimento, mas só se nos restringimos a um interesse de coerência interpretativa. É surpreendente notar que, da parte dos filósofos, a instabilidade característica da terceira Crítica abriu e pode abrir um sem-número de propostas: a reinvenção de uma teologia, uma metafísica subterrânea, uma abertura para o Absoluto, uma modificação no conceito de liberdade, uma proposta de educação estética, um trampolim para o Idealismo Alemão, um retorno ao pensamento dogmático, uma teoria da imaginação, uma gravidez precoce do pragmatismo. É claro que também tenho suspeitas pessoais, mas este trabalho diz respeito apenas a Kant e, até onde foi possível, tentei amparar-me nas ricas e imprescindíveis interpretações disponíveis do texto kantiano de modo a acalmar a questão ainda de dentro da filosofia de Kant. Primeiramente, permito-me um resgate do tema do gosto no período pré-crítico, o que se revelou, ao longo da pesquisa, muito promissor, uma vez que, antes de consolidar a sua teoria crítica do conhecimento, Kant já se mostrava inclinado a fundamentar o gosto na vida social dos homens. Isso consta da minha Introdução. No primeiro capítulo, exponho, ao longo de quatro sub-capítulos, os quatro momentos da Analítica do Belo da Crítica da Faculdade do Juízo e seus conceitos fundamentais, assim caracterizando o juízo do belo segundo a quantidade, a qualidade, a relação e, finalmente, segundo a modalidade. No fio condutor deixado pelo último sub-capítulo,
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