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O Futuro Chegou PDF

743 Pages·2013·3.31 MB·Portuguese
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Ficha Técnica Copyright © 2013 Domenico de Masi Copyright © 2013 Casa da Palavra Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.2.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora. Este livro foi revisado segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Direção editorial: Martha Ribas Ana Cecilia Impellizieri Martins Curadoria: Ricardo Amaral Editora: Fernanda Cardoso Zimmerhansl Editora assistente: Beatriz Sarlo Preparação de originais: Daniela Beccaccia Versiani; Marluce Melo Revisão: André Marinho; Lilia Zanetti Projeto gráfico de capa: Angelo Allevato Bottino Projeto gráfico de miolo: Sérgio Campante CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ D445f De Masi, Domenico, 1938 O futuro chegou / Domenico de Masi ; [tradução Marcelo Costa Sievers]. – 1. ed. – Rio de Janeiro : Casa da Palavra, 2013. Tradução de: Il futuro e' arrivato ISBN 9788577344284 1. Antropologia filosófica. 2 Filosofia. 3. Sociologia. I. Título. 13-04916 CDD: 128 CDU: 128 CASA DA PALAVRA PRODUÇÃO EDITORIAL Av. Calógeras, 6, 1001 – Rio de Janeiro – RJ – 20030-070 21.2222 3167 21.2224 7461 [email protected] www.casadapalavra.com.br Para Irene, Edoardo, Jacopo, Arianna Introdução Emigrantes de proa Nenhum vento é favorável para o marujo que não sabe para onde ir. Sêneca A natureza não impôs limites às nossas esperanças. Condorcet Aos quinze anos decidi aprender. Aos trinta, estava firme na Via. Aos quarenta não tinha mais dúvidas. Aos cinquenta, compreendi a lei do Céu. Aos sessenta, o meu ouvido estava perfeitamente afinado. Aos setenta, eu agia conforme mandava o meu coração. Confúcio O que estou fazendo aqui? O mundo irrequieto. Vamos imaginar que podemos renascer escolhendo onde e quando. Escolheríamos o Oriente ou o Ocidente? Um país frio ou um país quente? Capitalista ou comunista? Monoteísta ou politeísta? Gostaríamos de reviver em nós a Atenas de Péricles ou a Meca de Maomé? A Paris de Napoleão ou o Brasil de Juscelino Kubitschek? E, escolhendo um país atual, optaríamos pelos Estados Unidos ou pela China, pelo gradiente árabe ou pelo da Europa setentrional? Não seria fácil tomar uma decisão, nem arriscar conselhos a respeito. Viajando pelo planeta, encontram-se pouquíssimas pessoas satisfeitas com o tempo e o lugar em que vivem. Muitos adultos se queixam de não morar alhures; muitos jovens, estimulados por irrequieta agitação, mudam continuamente de cidade e de país em busca de um lugar onde “pendurar o chapéu”, como diria Bruce Chatwin. Mas logo que acham tê-lo encontrado perguntam a si mesmos “Que diabos estou fazendo aqui?” e retomam o seu caminho de eternos andarilhos. Nos últimos dois séculos milhões de pessoas, atraídas pelo mito do capitalismo americano, deixaram a Europa para desembarcar em Ellis Island ou em Baltimore; outros milhões, fascinados por aventura, liberdade e imensidão das terras, chegaram à Austrália ou à América do Sul vindos da Europa e da Ásia; nos últimos cem anos milhões de outras pessoas confiaram suas esperanças aos grandes laboratórios do comunismo real – Rússia, China, Cuba –, onde surgiria o sol do futuro. Agora milhões de retirantes fogem da miséria, dos desastres naturais, das perseguições políticas e religiosas para se abrigar em países mais afortunados e acolhedores. E também há os new global, que mudam de país em busca de escolas mais prestigiosas, de trabalhos mais bem remunerados, de melhores condições de vida. Não há progresso sem felicidade. Fala-se em crise do Ocidente, mas nesta altura todo o planeta experimenta um mal-estar que os profetas da desventura pressagiam irreversível. Não faltam as empresas, os supermercados, os exércitos, as frotas, os depósitos cheios de bombas de hidrogênio, os cofres repletos de barras de ouro, as igrejas, as entidades transnacionais, as universidades, os laboratórios de pesquisas científicas, os centros produtores de mídia, as tecnologias capazes de ligar todos a todos em tempo real. Não faltam leis ou tribunais, direitos civis, welfare, liberdade de expressão e de movimento. Nunca como agora tantos estados adotaram um regime democrático e republicano. Nunca como agora os filhos recebem instrução e conforto num nível que seus pais jamais tiveram. Já somos 7 bilhões no mundo e, quando se fala nisso, logo pensamos em bocas esfomeadas, esquecendo que cada uma delas corresponde a um cérebro. Nunca como agora o planeta foi habitado por uma massa tão grande de matéria cinzenta escolarizada. Somos o maior cérebro coletivo que jamais existiu, que continuará crescendo nas próximas décadas. Mas não há progresso sem felicidade, e o mundo não é feliz porque oscila entre desorientação e medo, afastando-se cada vez mais da miragem das revoluções burguesas e proletárias que explodiram em nome de igualdade, equidade, liberdade, solidariedade. Atualmente vivemos oitenta anos – nove a mais que Confúcio, dez a mais que Sócrates – e percebemos que em poucas décadas a humanidade conseguiu prolongar a duração da vida média, decuplicar a população mundial, abolir a escravidão, construir obras surpreendentes, fazer descobertas científicas inimagináveis, escrever obras-primas literárias e músicas suaves, inventar próteses úteis e confortáveis, explorar células e planetas com a mesma precisão. Mas também perguntamos a nós mesmos por que ampliamos até este ponto a distância entre pobres e ricos, abandonamos ao seu destino tantos perseguidos, exploramos tantas crianças, torturamos tantos prisioneiros, marginalizamos tantas mulheres, discriminamos tantas minorias, entregamos o poder a tantos incapazes, confiamos o nosso destino a tantos criminosos, ferimos tão profundamente o meio ambiente, nos entregamos a tantas guerras sanguinárias, alienamos e manipulamos tantos seres pobres de espírito. Sempre encontramos uma saída culpando ora o capitalismo, ora o comunismo, os Estados nacionais, a ideologia leiga ou o fanatismo religioso, a secularização, o consumismo, o materialismo, os grilhões da tradição ou o estímulo da novidade, a competição pelo sucesso ou a desistência em nome de uma vida tranquila. Crise e projeto. Talvez nunca se tenha falado tanto em crise como a partir do momento em que começaram a difundir-se novas tecnologias que assumem o esforço físico do homem, fortalecem a sua capacidade de memória, de cálculo e até de inteligência, ajudam a sua saúde física, ampliam seus conhecimentos, descortinam novos horizontes para a biogenética, para a agricultura, os transportes e permitem – já aqui e agora – transformar o tempo do trabalho servil em tempo livre para o crescimento das pessoas e da coletividade. Diante desse paradoxo vemo-nos forçados a reconhecer que o que está em crise não é a realidade, mas, sim, a nossa maneira de interpretá-la, os nossos modelos: uma vez que as categorias mentais oriundas da época industrial já não são capazes de explicar o presente, acabamos sendo induzidos a desconfiar do futuro. Dificuldades parecidas também aconteceram na passagem da sociedade rural para a industrial, com uma diferença fundamental: a célula sobre a qual se baseava a sociedade industrial – isto é, a fábrica – tinha uma intrínseca lentidão de difusão. Por isso, dois séculos depois desse salto, ainda existem amplas zonas do planeta até hoje não alcançadas por assentamentos industriais ou até pelos seus produtos. Por mais rápidos que tenham sido os processos de industrialização, por mais traumáticos que tenham sido os efeitos das “catedrais no deserto”, tratou-se mesmo assim de transformações que levaram anos e que, em muitos casos, foram antecedidas e acompanhadas por intervenções normativas que visavam a atenuar o seu impacto. Quase sempre, além do mais, estes processos de industrialização comportavam um aumento da renda, do poder de compra, do bem-estar material que de alguma forma compensava o desconforto da modernização. No advento pós-industrial, por sua vez, um dos elementos principais é representado pela difusão das informações através da mídia e da rede: um fenômeno, portanto, caracterizado por uma propagação e uma penetração extremamente rápidas, que trazem diretamente à baila os modos de pensar, os esquemas mentais, as tradições, a cultura de milhões de pessoas. Além disso, ao contrário do que aconteceu na transição entre a sociedade rural e a industrial (quando se instaurava uma relação dialética entre a fábrica e o campo, limitada às áreas em vias de industrialização e aos trabalhadores de origem camponesa), na passagem da sociedade industrial à pós-industrial convivem de forma turbulenta sejam os resquícios rurais, sejam as presenças industriais, sejam as inovações pós-industriais. A transição de uma para outra fase, com efeito, não significa substituição radical da primeira por parte da segunda: só significa que um elemento se torna central no lugar do outro, que perde a sua hegemonia mas não sua presença e influência. Daí a nossa sensação de crise que reduz o desejo e a capacidade de planejar o futuro, projetando a sua sombra negativa também sobre as gerações futuras. Modelos de vida Eternos desafios. Ficamos à espera do vento favorável, mas não sabemos para onde ir. Sentimos crescer, dentro de nós e ao nosso redor, a exigência de um novo mundo consciente e solidário, a urgência de um novo modelo de vida capaz de orientar o progresso que, sem regras nem finalidade, se torna cada vez mais insensato. Mas a quem cabe o ônus de elaborar este novo modelo? Quem possui experiência, sabedoria e genialidade o bastante para esboçá-lo? Será que já existe algum tipo de embrião em algum lugar? Em qualquer época da história, em qualquer recanto do mundo, os seres humanos tiveram de enfrentar perenes desafios que a natureza parece gostar de aprontar para eles: como vencer a dor, as doenças, a morte? Como derrotar a miséria e a exaustão? Como eliminar a ignorância, o tédio, a solidão? Como nos livrar dos grilhões da tradição e da violência do autoritarismo? Como amenizar a tosca grosseria e embelezar a feiura? Cada um desses desafios foi enfrentado recorrendo-se a instrumentos específicos; todos juntos foram enfrentados criando-se sistemas sociais, modelos de vida. Alguns desses modelos baseiam-se na existência terrena, outros, na vida ultraterrena; uns confiam na introspecção, outros, na organização; alguns decorrem de algum livro sagrado, outros, de um plano profano; alguns celebram uma existência de dias de festa, outros, uma sobrevivência de dias úteis. Incipit. Muitos modelos são inspirados por um conjunto preciso de sagradas escrituras ou até por meros preceitos morais. Nesses casos, basta ler o incipit dos textos de referência para perceber as primeiras diferenças que os separam e as primeiras afinidades que os unem. Milhões de pessoas seguem o modelo taoista, cujo livro mais venerado – Tao Te Ching, o livro do caminho e da virtude – começa assim: “O tao que pode ser contado não é o tao eterno, o nome que pode ser mencionado não é o nome eterno. O princípio do céu e da terra não tem nome.” Outro livro fundamental do taoismo – Chen-Tzu, este é o verdadeiro livro de Nan-hua – começa assim: “No oceano setentrional vive um peixe chamado K’un, do tamanho de não sei quantos milhares de li. Quando impetuosamente levanta voo, suas asas são como nuvens suspensas no céu. Quando o mar está revolto, este pássaro se apronta a partir para o oceano meridional, que é o lago do céu.” Milhões de muçulmanos vivem e morrem em nome do Corão. Aqui está o seu início: Em nome de Alá, o Compadecido, o Misericordioso. O louvor [pertence] a Alá, Senhor dos mundos, o Compadecido, o Misericordioso. Rei do dia do Juízo. Nós Te adoramos e a Ti pedimos ajuda. Guiai-vos no reto caminho, o caminho daqueles que encheste de graça, não daqueles que [incorreram] na [Tua] ira, nem dos que perderam o rumo. Milhões de cristãos e judeus vivem conforme os ensinamentos da Bíblia, livro sagrado inspirado por Deus, que começa assim: “No princípio criou Deus o céu e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face das águas. E disse Deus: Haja luz; e houve luz.” Milhões de norte-americanos respeitam a Constituição subscrita pelos seus pais, que começa assim: Nós, o povo dos Estados Unidos, visando a aperfeiçoar a nossa União, garantir a justiça, assegurar a tranquilidade, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral, salvaguardarmos para nós e para os nossos descendentes o bem da liberdade, estabelecemos a presente Constituição como lei para os Estados Unidos da América. Milhões de comunistas lutaram, viveram e morreram em nome do Manifesto, escrito por Marx e Engels em 1848, que começa assim: “Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numa Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o czar, Metternich e Guizot, os radicais da França e os policiais da Alemanha.” Desde as primeiras palavras dos seus textos de referência torna-se difícil penetrar as várias culturas e os vários modelos de vida social. Torna-se árduo até comparar classificações aparentemente simples como, por exemplo, as das espécies animais. Num sistema sinóptico de tipo racional, escrito no Ocidente positivista, os animais são relacionados segundo o tipo de pele, a locomoção, o número de patas, a alimentação, a reprodução. Ou então são salomonicamente divididos entre vertebrados e invertebrados para em seguida subdividi-los ulteriormente em endotérmicos e exotérmicos; os invertebrados em esponjas, celenterados, anelídeos, moluscos, equinodermos e artrópodes. Por sua vez, na arqueologia das ciências humanas, com triplo salto vital, Michel Foucault menciona Borges que, por sua vez, cita uma enciclopédia chinesa na qual os animais são classificados assim: “a) pertencentes ao imperador; b) embalsamados; c) domesticados; d) leitõezinhos ainda não desmamados; e) sereias; f) mitológicos; g) cães sem dono; h) incluídos nesta classificação; i) que se mexem de forma doida e desordenada; et coetera; m) que fazem o amor; n) que de longe parecem moscas.” Quantos modelos de vida? As classificações estão na mente de quem classifica, assim como a beleza está nos olhos de quem vê, e a música, nos ouvidos de quem ouve. Se passarmos a analisar os modelos organizativos e comportamentais, descobriremos tantos deles quantos são os indivíduos, os casais, os grupos, cada um com seus hábitos, suas linguagens, seus rituais, seus conflitos e suas maneiras de resolvê-los. Mas, se ampliarmos a observação até os grandes modelos criados pela humanidade, percebemos que o seu número fica muito menor, e que todos os modelos individuais ou de grupo nada mais são que a modulação de uns poucos macromodelos históricos, profundamente diferenciados uns dos outros. Seu número depende dos critérios com que são definidos. Eu só levei em consideração aqueles que me pareceram preeminentes em relação à finalidade que me propusera: tirar dos principais modelos já experimentados os elementos fecundos a fim de elaborar um modelo novo, condizente com a nova humanidade e capaz de aumentar o seu nível de felicidade. Para ser realmente abrangente, talvez eu devesse ter dobrado ou triplicado o número de modelos examinados. Todo leitor que compartilha este meu propósito tem plena liberdade para acrescentar ou descartar alguns deles, para criticá- los, compô-los, desmembrá-los, compará-los: exercícios preciosos, todos eles, para nos aproximarmos da nossa meta. Modelos, maquetes, patterns. Hoje em dia, todos os modelos históricos com os quais se conformam e se defrontam 7 bilhões de seres humanos se mostram inadequados. Mas o que vem a ser um modelo? Alguns anos atrás, em 23 de setembro de 2000, eu tinha um encontro marcado com o meu amigo Oscar Niemeyer. Setenta dias antes, despudoradamente, eu lhe pedira de presente o projeto para um auditório a ser realizado na Itália, e ele, generoso e pontual, o tinha preparado. Bati à porta do seu estúdio, na Avenida Atlântica, Oscar abriu com o costumeiro carinho e, enquanto ainda nos abraçávamos, pude vislumbrar a maquete pronta na sua mesa de trabalho. A beleza surpreendente foi para mim como uma chicotada de energia humana. Aquela maquete era um “modelo”, na medida em que já continha, em escala reduzida, toda obra-prima que agora se pode admirar na Costa Amalfitana. Se, como diz Keats, a obra de arte é um prazer para sempre, aquele modelo era uma obra de arte que já representava, em si, como que liofilizada, toda alegria que proporcionaria aos que dela viessem a fruir ao longo dos séculos vindouros. Modelo é uma palavra densa. Os cientistas usam-na teoricamente na física e na química, na engenharia e na informática. Na economia, é uma construção matemática com a qual se representam processos e fenômenos através de variáveis ligadas por relações lógicas. A escultura e a arquitetura, a mecânica e o teatro privilegiam o modelo tridimensional ao qual dão o

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O Futuro Chegou. Modelos de Vida Para uma Sociedade Desorientada. Durante 450 anos o Brasil foi pressionado a copiar o modelo europeu; há 50 anos tem copiado o dos Estados Unidos. Agora que os EUA e a Europa estão em profunda crise, o Brasil está sozinho consigo mesmo e é obrigado a desenvolver
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