Jean BaptisteN ardi Ao Sul da História -- Heóe /b4arü/ b7aHosd e Casfro Escravidão Africana: América Latina e Caribe -- HeróeN S Klein Escravo ou Camponês? -- Cóo E/amarlonC ardbso O FUMO NO BRASIL-COLÓNIA Estrutura e Dinâmica do Antigo Sistema Colonial -- Ferrando A. Navais Formacão do Brasil Contemporâneo -- Ca/o Fiado Jr. História Económica do Brasil -- Ca/o Prado Jr. O Negro no Brasil -- Ju/b Jasé Ch/avena#o Tumbeiros -- O tráfico escravista para o Brasil -- HoóeN Edgar Conrad Coleção Tudo é História e A Civilização do Açúcar -- Vara Z.. .4. Ferü}/ Coleção Redescobrindo o Brasil Da Colónia ao Império -- Um Brasil para inglês ver e latifundiário nenhum botar defeito -- Z.JZh /L#orzfz Schwarcz/Miguel Priva editora brasiliense DIVIDINDO OPIN10ES MULTlnlCANBO CULTURA 1 9 8 7 CopyrzgAf © Jean Baptiste Nardi Capa e ilustrações: Samuel Ribeiro Jr Revisão: Carmen T. S. Costa Mârió R. Q. Moraes ÍNDICE Cultura e manufatura do fumo 7 Grandeza e deficiência de uma administração 14 Um género muito entrapado (.1570-17 74) 29 O escambo: uma forma de autonomia 51 O sopro da Independência (.17 74-1830) 63 Conclusão 72 Indica ções para leitura 74 editorab rasilieines .a rua da consolação. 2697 01416- sãop aulo- sp. forte 1011)2 80-1222 telex:l l IB271 DBLMB R CULTURA E MANUFATURA DO FUMO O fumo foi descobertop ela expediçãod e Cris- tóvão Colombo, em 1492, na ilha de Cuba. Seu rá- pido e crescente consumo na Europa foi, sem dúvida, a principal causa do início de sua cultura nas coló- nias americanas. No Brasil, outro motivof oi a dete- rioração das relações entre os colonos e os índios. Desde os primeiros anos da colonização, os por- tuguesess e preocuparam mais com o comércio do pau-brasil do que em estabelecer núcleos de povoa- mento. Eram então os índios que forneciam os man- timentos necessários aos colonos. Estes os obtinham com a troca de mercadorias européias de pouco va- lor: anzóis, pentes, espelhosf, erramentas,e tc. Po- rém, quando a presença portuguesa se fixou, com a criação de capitanias e do primeiro governo-geral, e se começou a tentativa de escravizaçãod os índios para desenvolvear cultura da cana-de-açúcar,a s re- Jean Baptiste Nar( 9 8 ifumo no Brasil-Colónia lações de troca entre ambas as comunidades não con- fumo. Esta começou e progrediu nas áreas onde os seguiram se manter por muito tempo. As guerras núcleos eram mais sólidos: Recôncavo Baiana, Ser- ocorridas a partir da segunda metade do século XVI, gípe do Conde e litoral pernambucanod o rio São e sobretudo na década de 60, obrigaram os colonos a Francisco até Olinda, sendo a parte mais famosa a abandonar o sistema de trocas com os nativos e a ini- ''das Alagoas'' ciar a cultura dos géneros alimentícios de que preci- Principiou-se, também, em outros lugares si- tuadosn o Maranhão,n o litoralc entro-sulm; as a savam, isto é, por volta de 1570. cultura raramente conseguiu ultrapassar o nível de A aquisição do fumo pelos colonos seguiu o mes- subsistência, visto que a colonização dessas regiões mo processo, e seu cultivo começou, portanto, na foi mais lenta, e porque não houve uma estrutura su- Mesma época. ficiente para permitir seu comércio. Não se tratava, porém, de uma cultura impor- Em Pernambuco, o fumo foi prejudicado pela tante. O fumo era cultivado nas hortas ou quintais, ocupação holandesa. Os invasores fizeram um certo ao lado das cenouras, berinjelas, pepinos, melancias, comércio do produto, mas a desestabilizaçãod a ca- abóboras e demais géneros, como descreveu o autor pitania deu uma importante vantagem à Bahia, que àns Diálogos das grandezas do Brasil. se tornou durante esses anos a maior região de pro- Depois, quando o fumo começou a ter um certo dução. E Pernambuco nunca mais conseguiu se recu- vulto comercial, sua cultura passou para a roça: ao perar do seu atraso com relação à Bahia. lado da mandioca e, mais tarde, do milho e do feijão. No início, os colonosn ão conheciamn enhum Os primeiros consumidoresd o fumo no Brasil método para cultivar o fumo e, por este motivo, ado- foram os que pertenciam às camadas mais baixas da taram, como para outros géneros, a técnica dos ín- sociedade: marinheiros, soldados, colonos mais po- dios: derrubada, queimada, etc. Mas, com a expe- bres e mamelucos. Quando começou a introdução de riênciti, a cultura se aperfeiçoou. Assim, a intro- negros, estes se tornaram grandes apreciadores. dução de gado no Brasil levou os lavradores a. uti- Foi somente no decorrer do século XVll que as lizar seu esterco como adubo desde o início do século demais classes adquiriram o gosto de fumar: merca- XVII. O conhecimento tecnológico dos europeus dores, senhores de engenho, funcionários; mas, mui- também permitiu a criação de máquinas para a fa- tas vezes, estes preferiam o fumo em pó. bricação dos rolos. Os lavradoresd e fumo não constituíamu ma O fortalecimento da colonização, o consumo In- terno crescente e o progresso do comércio com a Eu- classe l)articular da sociedade colonial. Distinguiam- ropa permitiram . o desenvolvimento da cultura .do se três categorias de produtores. 10 meanB aptiste Na\ 11 >Jumon o Brasil-Colónia A primeira se compunha dos pequenos colonos, de sua produção a este. moradoreso u arrendatários, que produziam também Esse aspecto da comercialização do fumo en- os génerosa limentícios.P ara produzir fumo não se ganou alguns historiadores que viram nos lavradores precisava de capital, a planta crescia naturalmente. de fumo uma classe de grandes produtores, de tipo Por este motivo, a cultura era facilmente acessível latifundiário. Na realidade, não cultivavam direta- aos pequenos produtores. A família era a base da mente o fumo (a não ser alguma exceção), mas, sim, unidade de produção. Todos, homens, mulheres e reuniam a produção de varias famílias de moradores crianças, participavam do trabalho. Cultivavam uma em suas terras, chegandod essa maneira a ''produ- ou duas tarefas (uma tarefa: 0,436 ha) de fumo e tor- zir'' importantes quantidades de fumo. No início do ciam as folhas a mão, sem ajuda de maquinaria. Po- séculoX Vlll, a produçãop odia alcançar até quatro diam produzir até cem arrobas por ano de um fumo mil arrobas. Formavam, assim, uma terceira cate- de baixa qualidade. Muitas vezes, pelo fato de dis- goria de lavradores de fumo, mas de carâter restrito e porem de poucos recursos, entregavama fabricação particular. dos rolos a pequenos ''industriais'' chamados de Finalmente, a noção de lavrador de fumo, como ''traficantes''. Nesta categoria ainda se encontravam classe social, confunde-se com a da segunda cate- os escravos, que cultivavam para seu próprio con- goria: a produção do fumo no período colonial (aliás, sumo os mantimentos e o fumo. comoh oje) era, portanto, de tipo familiar e minifun- A segunda categoria de lavradores era também diâria. composta por pequenos produtores, mas de maior No início, os produtores dispunham de toda a porte que os da categoria precedente. Possuíam, ge- liberdade para cultivar o fumo, mas, quando este co- ralmente, algumas cabeçasd e gado que lhes for- meçou a adquirir uma certa importância comercial, neciam o estercop ara a adubaçãod as terras. Quan- as autoridades coloniais impuseram limites à sua cul- do não tinham, emprestavam-nas.P ossuíam ainda tura, pois ocupava terra e trabalho em detrimento da alguns escravos que trabalhavam com a família na produção de mantimentos, em particular a da man- roça e na fabricação dos rolos. Podiam cultivar cerca dioca. Data de 5 de fevereiro de 1639 a primeira or- de duas a dez tarefase chegar a produzir umas 500 dem a esse respeito. Era editada pela Câmara de Sal- arrobas de fumo ao ano. A maioria vendia o fumo vador e mandava arrancar o fumo, punindo com dois diretamente aos negociantes, porém muitos deles, anos de degredop ara Angola e 100 cruzados (moeda que moravam em terras de um grande proprietário, antiga equivalente a 400 réis) de multa para quem senhor de engenho ou fazendeiro criador de gado, continuasse a planta-lo. Tal ordem atingia os lavra- entregavam uma parte -- e às vezes a totalidade -- dores que moravam nos arredores da cidade . 13 12 meanB aptiste Nç Prumo no Brasil-Cotânia A proibição se explica pelo fato de que se devia tratar em primeiro lugar do sustento dos colonosa n- Üi, âap=!=â.T==t?:lT;:: :.:;=;=\ tes de se poder explorar qualquer gênero colonial. dualidade. Ordem similar foi emitida também para Per- nambuco. Mas, em 1691,j â não eram mais aplicadas essasa ntigas ordens, e o rei, por carta de 19 de mar- ço, proibiu o plantio do fumo e a criação de gado (que servia para adubar a terra) nos arredores da Ba- hia e à beira-mar. Dez anos mais tarde, o problema ainda não estava solucionado, e a lei de 27 de feve- reiro de 1701 obrigou todos os senhores de engenho e outros lavradores a plantar 500 covas de mandioca por escravo possuído. Esta transferência (parcial) da produção de mantimentos dos pequenos lavradores .para os gran- des proprietários foi primordial na formação das três categorias de produtores de fumo. Certos latifundiários entregaram a produção de mandioca aos lavradores da segunda categoria, apro- veitandop ara também comercializar o fumo destese constituindo-se,d. essa maneira, em lavradores de fumo da terceira categoria. Outros deixaram os seus escravos cultivar a mandioca e estes, produzindo também o fumo, acrescentaram-se à primeira cate- goria. Por fim, os produtores da primeira e segunda categorias, independentes, dispuseram de mais ter- ras para produzir fumo, sendo parcialmente desobri- gados da produção de mandioca. A não ser essas consequências, as leis limitando a produção do fumo tiveram poucos efeitos sobre seu desenvolvimento. O principal obstáculo à cultura do 15 Ofumo no Brasil-Colónia u tlu8xiia us; posta de ministros: um presidente, cinco deputados; de oficiais secundários: um secretario, um tesoureiro GRANDEZA E DEFICIÊNCIA e um contador das dívidas; de funcionários: um por- teim e dois contínuos. Todos os ministros e oficiais se DE UMA ADMINISTRAÇÃO reuniam em conselho, ao qual assistiam o conser- vador e o procurador da Fazenda Real, a título con- sultivo. As decisões tomadas deviam sempre ser assi- nadas pelo rei. Tratava de todas as matérias relativas O fumo se distinguiu como produto, durante o ao fumo, de seu comércio e de sua administração, e período colonial, por sua administração original, ex- também julgava os crimes pertencentes ao fumo. tensa e poderosa, cuja criação teve fundamento na Cinco superintendentes constituíam a organi- crise económica que atravessou Portugal na segunda zaçãoj udiciária da Junta no reino, estabelecidae m metade'do século XVII. 1678. Eram juízes cuja jurisdição era a província. Para aumentar as rendas do Estado, foram esta- Tratavam dos descaminhosd o fumo e dos paga- belecidas várias contribuições, dentre as quais, em mentos das dívidas. O conservador da corte era outro 1674, a de 500 mil cruzados a cobrar sobre o fumo juiz, que tinha como ocupação principal a busca dos mediante o pagamento de uma taxa na Alfândega de fumos descaminhados nos navios da frota do Brasil. Lisboa. Simultaneamente, em 14 de julho, criou-se Nas colónias, a administraçãof oi modelada na um órgão específico encarregado de vigiar a sua arre- do reino. Na Índia se estabeleceu a Junta da .4dmí- cadação carreta: a Ju/zfa da .4dmílzürração do Za- rzísfraçâod o ,Esíanco Rea/ do Tabaco, e em Macau óaco. nomearam-se administradores. Era um tribunal' 'privativod e qualquero utra No Brasil foram estabelecidas duas Szzperlnfen- jurisdição'', isto é, dispondo de todos os poderes para dêncías, uma na Bahia, e outra em Pernambuco. legislar em matérias relativas ao fumo (comércio, Eram órgãos de pouca importância, constituídos administração), assim como julgar os crimes perten- apenas por um superintendente, assistido de um es- 16 meanB aptiste Na\ 17 IO/Ümo zo Brasa/-Co/ólzía crivão. O ministro tinha poucos poderes, sendo sim- registradoe m três livros: da Balança, da Confe- plesmente encarregado ''da assistência dos despa- rência, e da Receita. O peso era controlado pelo pro- chos, e boa arrecadação do tabaco'' na Alfândega, vedor, que calculava os direitos e os inseria no livro além de ter um papel consultivo. da Receita. Uma marca era aposta em cada rolo de Essas atribuições restritas se.explicam pelo fato fumo que saía para a exportação. Cada saída de de que o fumo, sendo um género brasileiro, era admi- fumo era registrada nuú livro. Além disso, existiam nistrado como os demais produtos coloniais pelo go- livrosd e contas internas, tal como o livro de des- vernador do Brasil e os capitães-generais. Aliás, o ofí- pesas. cio de superintendente do tabaco era atribuído a mi- O sistema alfandegário que se estabeleceu no nistros quejâ tinham uma ocupação mais importante : Brasil era similar ao da Alfândega do Tabaco de Lis- o desembargador da Relação na Bahia e o ouvidor em boa. Mas, no caso, não se tratava unicamente de co- Pernambuco. brar impostos, mas ainda de controlar a circulação Abaixo dessesó rgãos administrativoss e situa- do fumo desde o lavrador até o embarque no navio, vam as repartições de recolhimentod os impostos. A para evitar os extravios. Por esse motivo foram pu- mais importante era a .4Z/ãndega do 7'abafo de Lis- blicadas, em 8 de setembro de 1699, instruções sob o boa título: Regime/zfo qzzes e #á de obsen,ar no Brasa/ na Um provedor a dirigia, assistido de dois mestres arrecadação do tabaco. examinadores, dois escrivães da Receita, o tesoureiro O fumo era recolhido em onze armazéns: Ca- da Junta e seu escrivão. Havia também um juiz da choeira, Santo Amara, Maragogipe, Rio Real, Ser- Balança com seu escrivão, feitores, guardas e por- gipe del Rei, Rio São Francisco, Alagoas e Torre. teiros, bem como carregadores. Depois, uma vez por ano, era transportadop ara a Suas instalações consistiam em dois armazéns: o Bahia em sumacas ou lanchas, sob a responsabili- Grande Armazém e o ''Jardim do Tabaco'', onde se dade dos coronéis, sargentos-mores, capitães e mais beneficiavao fumo, isto é, se separavamo s fumos oficiais. AÍ era armazenado num único trapiche, o do bons dos ruins. sargento-mor Domingo Pares de Carvalho. S6 saíam Cada deslocamentdoo fumo dava lugar a um dele as bolas ou ''paos'', isto é, simples cordas de impressionante número de operações fiscais. Ele che- fumo para serem enroladas e transformadas em rolo gava do Brasil com registros que os mestres entre- numa casa particular. gavam ao provedor. Uma lista de cada navio era es- Antes de carregar os navios dá frota, o fumo tabelecida num outro livro. Na descarga, os feitores passava pela Casa da .Arrecadação do 7'abafo, o tinham que assinar uma guia. O peso do fumo era equivalented a Alfândega do Tabaco de Lisboa. Era 18 19 mean. Bapfüfe Xajt/umo rzo. Brasa/-Co/órfã compostad o superintendented o tabaco, do juiz da Balança e de três escrivães, que efetuavam o registro e a arrecadação do fumo reunidos em Mesa Grande. O fumo era pesado e carimbado com a marca de fer- ro do navio. Cada carregamento era registrado em dois livros, da Ementa e do Registro, que eram de- pois fechados e selados com as armas reais e levados pelos capitães dos navios para serem entregues ao provedor da Alfândega de Lisboa. Ainda que o regimento não mencionasse o fato, os impostos que o fumo pagava no Brasil eram reco- lhidos nessa mesma casa. O fumo era constantementvei giado por uma tropa de guardas sob o comando de um guarda-mor. Este tinha sob sua jurisdição o trapiche, a Casa da Arrecadação e o mar. Dispunha de três lanchas, que .àB-l .l, rondavam dia e noite, em tempo de carregamento dos navios, a fim de impedir os eventuais desvios. O fumo era sempre carregado de um ponto para outro em presença de guardas. Além das atribuiçõesre feridas,a Junta da Administração do Tabaco tinha sob sua jurisdição direta dois contratos. O mais importante foi o Cbnfrafo Gera/ do Ta- baco de Portugal, Reino de Atgawe e Ilhas Adja- centes, estabelecidoe m 1700. O direito de exercer esse contrato era arrendado a homens de negócios, individualmente ou reunidos O contratador dispunha de certos privilégios, como o de em sociedade; em leilão, por um prazo de três anos; e ser abastecido em primeiro !usar quando da chegada do por um preço variável, não incluindo os ordenados fumo em Portugal, e de uma vez por ano mandar um pagos aos ministros e oficiais da Junta. O contra- navio buscarfumo diretamente no Brasil.