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O fetichismo das mercadorias PDF

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O FETICHISMO DAS MERCADORIAS Fredy Perlman Tradução: Flautista de Hamelin Introdução de Fredy Perlman, escrita em 1968, para o livro de Isaak Illich Rubin "Essays on Marx's Theory of Value" (Black Rose Books, Montreal, 1973). Perlman faz um brilhante resumo dos temas principais do livro, como o da continuidade e transformação da teoria da alienação do jovem Marx na teoria da reificação e do fetichismo das mercadorias. 2 | O FETICHISMO DAS MERCADORIAS De acordo com economistas cujas teorias atualmente prevalecem na América, a economia substituiu a economia política, e ela trata de escassez, preços e alocação de recursos. Na definição de Paul Samuelson, “economia, ou, como se dizia, economia política... é o estudo de como o homem ou a sociedade escolhem, com ou sem o uso de dinheiro, empregar recursos produtivos escassos, que poderiam ter usos alternativos, para produzir diversos bens ao longo do tempo e distribuí-los para consumo, agora ou no futuro, entre as várias pessoas e grupos na sociedade” 1. De acordo com Robert Campbell, “Uma das preocupações centrais da economia sempre foi o que determina o preço” 2. Nas palavras de outro especialista, “Qualquer comunidade, como as introduções explicam, deve lidar com o problema econômico pervasivo: como determinar os usos dos recursos disponíveis, incluindo não apenas os bens e serviços que podem ser aplicados produtivamente mas também outros de disponibilidade escassa” 3. Se economia é meramente um novo nome para economia política, e se o campo de estudo que foi anteriormente coberto pelo título economia política é agora coberto pela economia, então a economia substituiu a economia política. Entretanto, se o campo de estudo da economia política não é o mesmo da economia, essa “substituição” da economia política é na verdade a omissão de um campo de conhecimento. Se a economia responde a questões diferentes das levantadas pela economia política, e se as questões omitidas referem-se à forma e à qualidade da vida humana dentro do sistema sócio-econômico dominante, então essa omissão pode ser chamada de uma “grande evasiva” 4. FREDY PERLMAN | 3 O teórico econômico e historiador soviético Isaak Illich Rubin sugeriu uma definição de economia política que não tem nada em comum com a definição de economia citada acima. De acordo com Rubin, “A economia política trata da atividade laboral humana, não do ponto de vista dos métodos técnicos e dos instrumentos de trabalho, mas do ponto de vista de sua forma social. Ela trata das relações de produção que são estabelecidas entre as pessoas no processo de produção” 5. Nesta definição, a economia política não é o estudo dos preços ou de recursos escassos, mas o estudo das relações sociais, um estudo da cultura. A economia política pergunta o porquê das forças produtivas da sociedade se desenvolverem dentro de uma forma particular, o porquê do aprimoramento das máquinas se desenvolver dentro da empresa de negócios, o porquê da industrialização tomar a forma de desenvolvimento capitalista. A economia política pergunta como a atividade de trabalho de pessoas é regulada em uma forma específica e histórica de economia. A definição americana contemporânea de economia citada previamente claramente lida com problemas diferentes, levanta questões diferentes, e referem-se a assuntos diferentes dos da economia política tal como definida por Rubin. De duas, uma: (a) ou economia e economia política são duas áreas de conhecimento, caso em que a “substituição” da economia política pela economia significa simplesmente que os profissionais americanos de uma área substituíram os de outra área, ou (b) economia é o novo nome para o que “costumava-se chamar” economia política; nesse caso, ao definir a economia como o estudo da escassez, preços, e alocação de recursos, os economistas americanos estão dizendo que as relações de produção entre pessoas não são um campo de 4 | O FETICHISMO DAS MERCADORIAS estudos legítimo. Neste caso, os economistas acima citados estão se colocando como legisladores do que é e do que não é um assunto legítimo de preocupação intelectual; eles estão definindo os limites do conhecimento. Esse tipo de legislação intelectual levou a conseqüências previsíveis em outros tempos e sociedades: levou a uma total ignorância no campo de conhecimento excluído, e levou a enormes lacunas e pontos cegos nos campos de conhecimento relacionados. Uma justificação para a exclusão da economia política do conhecimento americano foi dada por Samuelson. Na sua linguagem equilibrada e objetiva de professor americano, Samuelson diz: “Um bilhão de pessoas, um terço da população mundial, considera cegamente o Das Kapital como uma bíblia econômica. E, entretanto, sem o estudo disciplinado da ciência econômica, como alguém poderia formar uma opinião razoável sobre os méritos ou falta de méritos na tradicional, clássica, economia?”6. Se “um bilhão de pessoas” considera Das Kapital uma “bíblia econômica”, é claramente relevante perguntar porque apenas uns poucos milhões de Americanos consideram a economia de Samuelson “uma bíblia econômica”. Talvez uma resposta equilibrada e objetiva seja que “um bilhão de pessoas” vê pouco que seja relevante ou significativo nas celebrações de Samuelson do capitalismo americano e seus exercícios em geometria bidimensional, onde poucos milhões de americanos não tem outra escolha que não aprender os “méritos da tradicional, clássica, economia”. A questão retórica de Samuelson – “E, entretanto, sem o estudo disciplinado da ciência econômica, como alguém poderia formar uma opinião razoável sobre os méritos...” – é claramente uma faca de dois gumes, desde que tal questão pode ser levantada FREDY PERLMAN | 5 sobre qualquer teoria econômica importante, não meramente a de Samuelson: e cabe claramente ao estudante produzir suas próprias conclusões e fazer sua própria escolha depois de um “estudo disciplinado” de todas as maiores teorias econômicas, não apenas a de Samuelson. Apesar de Samuelson, em seu manual introdutório, devotar uma grande atenção a Marx, este ensaio vai mostrar que o tratamento de Samuelson dificilmente aproxima-se de um “estudo disciplinado” da economia política de Marx. O presente ensaio vai descrever alguns dos temas centrais da economia política de Marx, particularmente os temas que são tratados em “Ensaios sobre a Teoria do Valor de Marx”. O livro de Rubin é uma exposição argumentativa abrangente e firme da essência da obra de Marx - a teoria do fetichismo das mercadorias e a teoria do valor. Rubin, esclarece concepções erradas que resultaram, e ainda resultam, de uma leitura superficial e de um tratamento evasivo da obra de Marx. O principal objetivo de Marx não foi estudar escassez, ou explicar o preço, ou como alocar recursos, mas analisar como a atividade laboral das pessoas é regulada numa economia capitalista. O tema da análise é uma determinada estrutura social, uma cultura particular, no caso, mercantil-capitalista, uma forma social na qual a relação entre pessoas não são reguladas diretamente, mas através de coisas. Conseqüentemente, “o caráter específico da teoria econômica como uma ciência que lida com a economia mercantil-capitalista reside precisamente no fato de que ela lida com relações de produção que adquirem formas materiais (Rubin, 47). 6 | O FETICHISMO DAS MERCADORIAS O tema central de Marx foi a criatividade humana, particularmente os determinantes e os reguladores que dispõem essa atividade na forma capitalista de economia. O rigoroso estudo de Rubin torna claro que essa não é apenas a principal questão do “jovem Marx” ou “do velho Marx”, mas que permaneceu central a Marx em todos os seus trabalhos teóricos e históricos, que se estendem por meio século. Rubin mostra que esse tema unifica em uma única obra cinquenta anos de pesquisa e escrita, que esse tema é o conteúdo da teoria do valor-trabalho, e assim que a teoria econômica de Marx pode ser compreendida apenas dentro do quadro desse tema principal. A vasta obra de Marx não é uma série de episódios desconectados, cada um com problemas específicos que serão depois abandonados. Conseqüentemente, o freqüente contraste traçado entre o “jovem Marx idealista” preocupado com problemas filosóficos da existência humana, e o “velho Marx realista” preocupado com problemas econômicos técnicos, 7 é superficial e perde de vista a unidade essencial da obra inteira. Rubin mostra que o tema central do “jovem Marx” ainda estava sendo refinado nas páginas finais das últimas obras publicadas de Marx; Marx continuamente aprimorou seus conceitos e frequentemente mudou sua terminologia, mas suas questões não foram substituídas. Rubin demonstrou isto investigando os temas centrais de seus escritos desde o começo da década de 1840 até o terceiro volume de O Capital, publicado por Engels em 1894. Nos diferentes períodos produtivos de sua vida, Marx expressou sua preocupação com a criatividade humana através de diferentes, embora relacionados, conceitos. Em seus primeiros trabalhos, Marx unificou suas ideias em torno do conceito de “alienação” ou “estranhamento”. Mais tarde, quando Marx refinou FREDY PERLMAN | 7 suas ideias de trabalho “reificado” (coisificado N.T) ou “congelado”, a teoria de fetichismo das mercadorias proveu um foco, um quadro unificado para sua análise. No trabalho tardio de Marx, a teoria do fetichismo das mercadorias, ou seja, a teoria de uma sociedade na qual as relações entre pessoas tomam a forma de relações entre coisas, a teoria de uma sociedade na qual relações de produções são reificadas (coisificadas) torna-se a “teoria geral das relações de produção da economia mercantil-capitalista” de Marx (Rubin, p 3). Assim, a teoria do valor, a parte mais frequentemente criticada de sua economia política, pode apenas ser compreendida no contexto da teoria do fetichismo das mercadorias, ou com as palavras de Rubin, o “fundamento da teoria de valor de Marx apenas pode ser dado com base em sua teoria do fetichismo das mercadorias, que analisa a estrutura geral da economia mercantil” (p. 61). Este ensaio vai examinar o relacionamento entre o conceito de alienação, a teoria de fetichismo das mercadorias e a teoria de valor, e mostrará que as três formulações são abordagens do mesmo problema: a determinação da atividade criativa das pessoas na forma capitalista de economia. Esse exame vai mostrar que Marx não tinha interesse per si em definir um padrão de valor, em desenvolver uma teoria do preço isolada de um modo historicamente específico de produção, ou na alocação eficiente de recursos. O trabalho de Marx é uma análise crítica de como as pessoas são reguladas na sociedade capitalista, e não um guia de como regular pessoas ou coisas. O subtítulo dos três volumes d’O Capital é “Crítica da Economia Política” e não “Manual para uma Administração Eficiente” . Isso não significa que Marx não considerava os problemas de alocação de recursos importantes, 8 | O FETICHISMO DAS MERCADORIAS significa que ele não considerava-os o tema central da economia política, como uma ciência de relações sociais. A primeira abordagem de Marx da análise das relações sociais na sociedade capitalista foi através do conceito de alienação, ou estranhamento. Embora tenha adotado o conceito de Hegel, mesmo nos seus trabalhos mais juvenis Marx já criticava o conteúdo que Hegel deu a esse conceito. “Para Hegel, a essência humana - o homem – é igual à autoconsciência. Todo estranhamento do ser humano portanto não é nada mais do que estranhamento da autoconsciência” 8. Para Marx em 1844, o tratamento de Hegel da consciência como essência humana é “uma crítica oculta e mistificadora”, mas Marx observa que “na medida em que ele apreende diretamente o estranhamento do homem, ainda que o homem surja apenas na forma de mente, subjaz encoberta nela todos os elementos da crítica, já preparados e elaborados de uma maneira que com frequência se eleva muito acima do ponto de vista hegeliano” 9. Assim, Marx adota o conceito de “estranhamento” como uma poderosa ferramenta de análise, mesmo que não concorde com Hegel sobre o que é alienado, isto é, ele não concorda que pensar é a essência do homem. Para Marx em 1844, a essência do homem é maior do que o pensamento e do que a autoconsciência, é a atividade criativa humana, seu trabalho, em todos aspectos. Marx considera a consciência como sendo apenas um aspecto da criatividade do homem. Assim, enquanto ele concede que Hegel “trata o trabalho como a essência do homem”, ele ressalta que “o único trabalho que Hegel conhece e reconhece é o trabalho mental abstrato” 10. Mas Hegel não apenas define a autoconsciência como a essência do homem, ele então procede a acomodar-se aos modos de consciência alienados, externalizados, FREDY PERLMAN | 9 ou seja, religião, filosofia e poder estatal. Hegel “confirma-os em sua forma alienada e toma-os como seu verdadeiro modo de ser - restabelece-os, e pretende estar em casa em seu ser-outro como tal . Assim, por exemplo, depois de anular e superar a religião, depois de reconhecer a religião como produto da autoalienação, ele ainda encontra a confirmação de si na religião como religião. Eis aqui a raiz do falso positivismo de Hegel, ou de sua crítica meramente aparente” 11. Entretanto, para Marx, “não pode mais haver portanto qualquer questão sobre o ato de acomodação”, e ele explica, “se eu conheço a religião como autoconsciência humana alienada, então o que eu sei dela como religião não é minha autoconsciência, mas minha consciência autoalienada...” 12. Em outras palavras, ainda que Hegel tenha formulado o conceito de alienação, ele foi hábil no entanto para acomodar-se à religião e ao poder estatal, isto é, a formas alienadas de existência que negam a essência humana até mesmo na definição de Hegel (como consciência). Assim, Marx preparou-se para duas metas: reformular o conceito de alienação, e redefinir a essência humana. Para esse propósito Marx recorreu a Feuerbach, que completou a primeira meta para ele, e então percorreu um longo caminho para providenciar uma solução temporária para a segunda. A solução de ambos os desafios poderia ser iniciada se a atividade prática, criativa e as relações de trabalho entre as pessoas se tornassem o centro, o ponto focal da teoria. Apenas então seria possível ver que a religião, bem como a filosofia, não são formas de pensamento mas antes formas de alienação da essência humana. Marx reconhecia sua dívida: ”A grande conquista de Feuerbach é: (1) provar que a filosofia não é nada senão religião trazida para o 10 | O FETICHISMO DAS MERCADORIAS

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