Celso Castro O ESPÍRITO MILITAR Um antropólogo na caserna 2ª edição revista Sumário Introdução 1.Militares e Paisanos 2.Os Espíritos das Armas 3.Digressão: Uma História da Academia Militar 4.Os Cadetes e o Mundo de Fora 5.Um Antropólogo na Caserna Notas Referências Bibliográficas Agradecimentos Masébomlembrarquesempreexisteo reversodamedalhaequeoquepodemos captar,dentrodaprecariedadedenosso conhecimento, sempre é uma aparência ou,pelomenos,umlado,umaversãode umtodomuitomaiscomplexo,cujosmis- térios se sucedem ininterruptamente, à medida que temos a ilusão de tê-los desvendado. GILBERTOVELHO Prefácio à 2ª edição A reediçãodestelivro,14anosapósseulançamento,me trazgrandesatisfação.Oespíritomilitartornou-serefer- ênciaparaboapartedaproduçãoacadêmicasobreosmil- itaresnoBrasil,poisfoiaprimeirapesquisadecampoan- tropológica realizada numa instituição militar – a Aca- demiaMilitardasAgulhasNegras(Aman).Acreditoqueas principais teses do livro continuam válidas para a com- preensãodaformaçãodosoficiaisdoExércitoaindahoje, pois referem-se a processos sociais de longa duração. Além de seu pioneirismo, O espírito militar permanece sendoumdospoucosestudosdogênerosobreasForças Armadas brasileiras.1 EscreverOespíritomilitarfoimuitoimportantepara minha trajetória acadêmica. Desde então, venho public- andooutrostrabalhosrelacionadosaotema.EmOsmilit- areseaRepública(1995),apresenteiavidanaAcademia Militar ao final do Império e o envolvimento de jovens nela formados no movimento que levou ao golpe repub- licanode15denovembrode1889.Maistarde,escreviA invençãodoExércitobrasileiro(2002),sobreoprocesso deinvençãodetradiçõesnainstituição.2Acombinaçãode antropologia e história sempre pautou minha trajetória acadêmica,gerandolivrosvoltadosparaacompreensãodo 6/247 papel do Exército e das Forças Armadas no cenário político nacional.3 QualfoiarepercussãodeOespíritomilitarjuntoaos militares? Mesmo após todos esses anos, continuo sem umarespostaprecisaparaessapergunta.Envieiadisser- tação,nodiaseguinteàsuadefesa,aocomandodaAman. Depois, fiz convites para o lançamento do livro (do qual doeidoisexemplaresparaabibliotecadainstituição).No entanto,nuncaobtiveumretornooficialarespeitodotra- balho.Imaginava quepudesseserconvidadoaconversar sobreolivropelocomandodaAcademiaoupelosoficiais envolvidoscomoprocessodeformaçãodoscadetes,oque não ocorreu.4 Emparte,essesilênciopodeserexplicadopelocaráter dinâmicodacarreiramilitar.Quandoolivrofoipublicado, muitosoficiaiseamaioriadoscadetescomosquaiscon- verseiduranteapesquisajáhaviamdeixadoaAman–por transferênciaouformatura.Duranteolançamento,apenas umcadeteapareceu.Disse-mequevárioscolegastinham planejando ir, mas não puderam devido a uma manobra marcada para aquele dia. Dessemodo,fiqueirestritoaopiniõesesparsas,colhi- dasaoacaso,aquieali.Soube,porexemplo,queumchefe doEstado-MaiordasForçasArmadas(EMFA)recomend- ou a seus subordinados a leitura do livro. Certa vez, um oficial me contou que ficou impressionado quando sua namorada, que desconhecia totalmente a rotina da vida militar, de repente começou a comentar detalhes do co- tidianodaAman.Poucodepois,eledescobriuqueafonte “secreta”eraOespíritomilitar.Emoutrasoportunidades, oficiais elogiaram a precisão com que a vida na Aman havia sido descrita. 7/247 Tivecontatoposteriorcomapenastrêsdoscadetesen- trevistados.Umdelesdissealgoquemeimpressionou:“O livromudouminhavida:nuncamaischameininguémde paisano.” Houvetambémreaçõesnegativasemrelaçãoaolivro, emboraalgumaspormotivoscuriososeinesperados.Um tenenteficouincomodadocomofatodeeutermantidoas gíriasealgunspalavrõesnafaladoscadetes(“Oqueéque oscivisvãopensar?”).Outroestranhouofatodeosímbolo da Intendência ter aparecido na capa e nas vinhetas ao longodotexto.Seriaumsinaldeminhapreferênciapela Intendência em detrimento das outras Armas? A ex- plicaçãoébemmaisprosaica:osímbolofoiescolhidopelo programador visual por motivos puramente estéticos. Nesta2ªedição,paranãorepetiromal-entendido,pedià editora que o símbolo fosse retirado. Aolongodessesanos,Oespíritomilitartornou-sebem conhecido dos militares, embora não tenha sido lido na mesma proporção. Percebi que para muitos oficiais, mesmosemlerolivro,aprincipalpreocupaçãoerasaber seeufalavabemoumaldoExército,seeuera“amigo”ou “inimigo”. Em parte, isso reflete a sensação de que a in- stituição era freqüentemente hostilizada na mídia e no mundo acadêmico. Também pode ser uma preocupação comum a quem exerce uma carreira voltada para um cenário de atuação no qual é preciso distinguir, com clareza,amigosdeinimigos.Afaltadeconsensodoscoleg- assobreolivroerasemprealgoperturbadorparaosmilit- ares, em geral pouco familiarizados com o estilo e a natureza da pesquisa acadêmica. Aoprepararesta2ªediçãodeOespíritomilitar,optei porfazerapenasalgumasmodificações,atualizandodados 8/247 comoosreferentesàorigemsocialeànaturalidadedosca- detes, apresentados no capítulo 4. Outras informações pontuais foram acrescentadas como “notas à 2ª edição”. Além de acreditar no valor e na atualidade das inform- ações e análises aqui apresentadas, quis manter o sabor original do texto, escrito aos 25 anos de idade. Atodosquecolaboraramnestaenasminhaspesquisas subseqüentes, meus renovados agradecimentos. Novembro de 2003 Introdução A AcademiaMilitardasAgulhasNegras(Aman)éoes- tabelecimento de ensino de nível superior responsável pelaformaçãobásicadosoficiaiscombatentesdaativado Exércitobrasileiro.Estálocalizadadesde1944nomunicí- pio de Resende (RJ), à margem da rodovia Presidente Dutra.Suasinstalaçõesocupamumaáreadequase70km2 queseestendeatéosopédomaciçodeItatiaia,cujopico das Agulhas Negras lhe dá o nome. Noiníciodoanoletivode1987aAcademiapossuíaum efetivode1.473alunosdistribuídospelosquatroanosdo curso. Em 1988 teve início um aumento gradual no número de alunos, conforme um dos objetivos traçados pelo plano de remodelação do Exército conhecido como FT-90,quepreviaquemaisde2.000alunosiniciassemo ano letivo de 1990. Os candidatos à Aman são recrutados em três fontes principais: a Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), localizada em Campinas, os diversos Colégios Militares existentes no país e o Concurso de Admissão. Também podem ser admitidos alunos oriundos das escolassecundáriasdaMarinha(ColégioNaval)edaAer- onáutica (Escola Preparatória de Cadetes do Ar).1 O númerodevagasaserempreenchidasporcandidatosde cadaumadessasprocedênciasédeterminadoanualmente 10/247 pelo Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP), órgão máximo do sistema educacional do Exército. Os alunos que concluíram o curso secundário da EsPCEx ou dos Colégios Militares podem ingressar automaticamente na Academia, embora os últimos precisem haver atingido umadeterminadamédianosestudos.OConcursodeAd- missãoéabertoacandidatosoriundosdecolégioscivise constadeprovasparaseleçãointelectual,alémdosexames físico,desaúdeepsicológico.Paratodososcandidatossão exigidos os seguintes requisitos: ser brasileiro nato, solteiro, haver concluído ou estar concluindo a última sériedo2ºgraueterentre17e22anosno1ºanodocurso daAman,admitindo-seumatolerânciademaisdoisanos para os concludentes da EsPCEx. AosermatriculadonaAman,ocandidatopassaaestar sujeito à legislação militar e recebe o título de “cadete”, que mantém até ofinal docurso, quando então recebe a patente de “aspirante a oficial”.2 O curso da Academia tem a duração de quatro anos. Durante esseperíodo oscadetes vivem emregime dein- ternato,comsaídasocasionaischamadasde“licenciamen- tos”.Oscadetesrecebemgratuitamente,3enopróprioloc- aldeestudo,moradia,alimentação,uniformes,serviçode lavanderia e assistência médica e dentária, além de um pequeno soldo. O ensino compreende duas áreas: “fundamental”e “profissional”.Oensinofundamental4visadaraocadeteo embasamento cultural necessário para o prosseguimento dacarreira.Nãohámatériaseletivas,todassãoobrigatóri- as.Pelocurrículoqueentrouemvigorem1988,asmatéri- as do ensino fundamental estão assim dispostas:5
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