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O desenvolvimento do monoteísmo entre os gregos PDF

38 Pages·1862·0.454 MB·Portuguese
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O DESENVOLVIMENTO DO MONOTEÍSMO ENTRE OS GREGOS 2 O DESENVOLVIMENTO DO MONOTEÍSMO ENTRE OS GREGOS Eduard Gottlob Zeller (1862) Tradução: Rerisson Araújo 3 Ilustração da capa: Júpiter, Mercúrio e Virtude, de Dosso Dossi, 1524. Óleo sobre tela. Domínio público. 4 SUMÁRIO Nota sobre a tradução O desenvolvimento do monoteísmo entre os gregos O autor 5 NOTA SOBRE A TRADUÇÃO O texto de Eduard Gottlob Zeller foi publicado originalmente em 1862, em alemão, com o título Entwickelung des Monotheismus bei den Griechen. A presente tradução ao português oferecida neste volume foi feita com base em duas versões inglesas do texto: i) a versão publicada em 1867 no volume IV da Contemporary Review (p. 359-379); não há informação sobre o tradutor, o que talvez indique que tenha sido feita pelo próprio Zeller. ii) a versão publicada em 1882 no volume 39, número 156 da Bibliotheca Sacra (p. 619-647), traduzida por Edwin D. Mead. 6 O DESENVOLVIMENTO DO MONOTEÍSMO ENTRE OS GREGOS O assunto deste artigo atrai o nosso interesse em mais de um aspecto. Se, naturalmente, já é uma grata tarefa seguir a história do pensamento humano quanto a uma de suas questões mais elevadas e entre um de seus povos mais cultos, o interesse por ela é grandemente elevado se está conectado a outras questões de importância universal. E é este precisamente o caso da presente investigação. Na história da religião, não há fatos mais relevantes, nem que ocupem uma posição mais importante, na vida moral e espiritual humana, do que a origem do monoteísmo e o surgimento do Cristianismo, mas nenhuma compreensão histórica mais completa desses fenômenos pode ser alcançada sem se esbarrar em grandes dificuldades. É, portanto, uma grande sorte que possamos encontrar, em um povo tão bem conhecido quanto os gregos, um processo que, quanto ao primeiro desses fatos – a gênese da crença monoteísta –, oferece ao menos uma analogia; e que, quanto ao segundo – a origem do Cristianismo –, contém um dos pressupostos fundamentais que o condicionaram historicamente. Se analisarmos como a crença na unidade da natureza divina se desenvolveu entre os gregos a partir do politeísmo, poderemos compreender melhor a mesma fé em outros povos, embora, é claro, esta possa ter surgido entre eles por outros meios e sob diferentes circunstâncias. Além disso, se o Cristianismo encontrou uma forma particular dessa mesma crença presente previamente na terra da cultura helênica, poderemos explicar mais facilmente como foi possível a este não apenas conquistar o mundo helênico em um período de tempo tão curto, mas também assumir a forma que veio a ter.[1] Como se sabe, a religião grega era originariamente politeísta, assim 7 como todas as religiões da natureza. Mas a mente humana não pode se contentar por muito tempo com a crença simplista na existência de uma multiplicidade de seres divinos. A convicção, produzida pela experiência, na sucessão de causa e efeito, bem como a necessidade que sentimos de uma ordem moral invariável no mundo, levou os homens a, de alguma forma, captar a unidade última por trás dessa multiplicidade de deuses. Por isso, em todas as religiões que se desenvolveram além de suas formas mais rústicas, encontramos a crença em uma Divindade suprema, um Rei dos deuses, concebido não apenas como habitante dos altos céus, mas como ele mesmo o céu que a tudo abarca. O mundo dos deuses gregos, como o conhecemos, tem em Zeus a sua figura máxima, o deus que lança trovões dos céus. Mas, nas tradições populares mais antigas, representadas pelos poemas de Homero e Hesíodo, a natureza desse deus parece ser limitada em três aspectos diferentes. Em primeiro lugar, acima dele se encontra a força obscura do Destino, à qual ele próprio precisa se submeter eventualmente, ainda que contra sua vontade e à revelia de seus protestos, como no caso da morte de seu filho Sarpedão, quando ele exclama: “Ai de mim, ai! Quis o Destino que Sarpedão, querido de mim dentre os homens, caísse pelas mãos de Pátroclo, filho de Menécio.” Em segundo lugar, ele tem a seu redor os demais membros do Olimpo, uma aristocracia muitas vezes rebelde, para a qual ele é, claramente, superior em poder e autoridade, mas que, em situações especiais não tão raras, opõe-se a ele ou o engana, atrapalhando seus planos ou colocando obstáculos à sua execução. E, em terceiro lugar, Zeus é sujeito a essa dupla limitação apenas porque sua natureza é também limitada em si mesma; porque ele não é inteiramente dotado de uma perfeição intelectual e moral, a qual – uma vez que se assuma ser indispensável ao conceito de divindade – exclui imediatamente toda concepção de limitação ao poder divino. Certamente, mesmo o Zeus de Homero é, em certo sentido, um ser moral. Ele é o protetor do justo e o vingador do crime, o escudo do 8 Estado, a fonte da lei e da virtude sobre a Terra, o pai dos deuses e dos homens. Mas, além do despotismo arbitrário que aparece na narrativa de Homero sobre o governo do mundo (quando, por exemplo, é dito que Zeus possui diante de si dois barcos, um cheio de recompensas agradáveis, o outro cheio de males, que ele distribui como bem lhe parece), que opinião um grego perspicaz dos séculos posteriores teria sobre um rei dos deuses que, às vezes nos braços de Hera, às vezes nos de alguma mortal, esquece- se de suas obrigações como governante; que aflige a raça humana com toda a sorte de males porque Prometeu o iludira em sua oferenda; que, para agradar a Tétis, condena a armada aqueia à derrota; que envia a Agamenon um sonho falso para encorajá-lo à batalha? Etc. As fraquezas de uma natureza limitada e sensual são tão evidentes nos antigos deuses gregos, mesmo no mais alto deles, que o germe de uma concepção divina mais elevada – que certamente existe na teologia homérica – não poderia ter se desenvolvido sem profundas alterações.[2] Nos mistérios, que posteriormente foram muitas vezes considerados como a escola de uma crença religiosa mais pura, isso também não podia ser encontrado: há algo de contraditório na ideia de que uma doutrina monoteísta pudesse ter sido promulgada pelo culto de Ceres ou de Baco. Além disso, essas formas secretas de culto alcançaram um significado maior na vida grega popular apenas no século VI a.C., ou seja, após o período em que se desenvolveu a purificação gradual da tradição popular em direção ao monoteísmo. Essa purificação foi realizada de dois modos: parte pelo desenvolvimento e refinamento gradual das concepções de Zeus e de seu reinado sobre o mundo, de modo que de dentro do próprio politeísmo, sem o abandono de seu princípio, o elemento monoteísta que ali existia foi trazido em seu auxílio e o elemento politeísta foi a ele subordinado; e parte por ataques distintos à doutrina da pluralidade de deuses e ao antropomorfismo que a tradição popular atribuía a eles. Quanto ao primeiro aspecto, os poetas, trabalhando para completar sua mitologia, 9 também ajudaram em sua purificação; os filósofos acrescentaram a este o segundo método, e dessa união originou-se essa forma mais intelectual de pensamento, que, a partir dos tempos de Sócrates e Platão, espalhou-se em círculos cada vez maiores, e, antes mesmo do aparecimento do Cristianismo, tornou-se a religião da parte mais culta da população, onde quer que a influência da mentalidade grega tenha chegado. Os deuses gregos e sua história mítica são a criação do instinto poético e, portanto, foram principalmente os poetas que cultivaram e completaram essa mitologia, tão maleável e tão facilmente adaptável a todos os tipos de intenções distintas. Mas os poetas também a modificaram e a enobreceram, removendo todas as características mais grosseiras, e imprimindo nas tradições mais antigas o senso moral dos períodos mais cultos. Assim, os grandes poetas dos gregos também foram seus primeiros pensadores – os “sábios”, como eles são frequentemente chamados –, os mais antigos e mais populares professores da nação. Este processo de idealização afetaria primeiro a concepção de Zeus, que foi para os gregos a personificação de tudo de mais grandioso e sublime, de todas as ideias mais elevadas de um poder governante e de sabedoria, de ordem no mundo e da lei moral. Quanto mais elevado Zeus foi sendo colocado em termos morais, e quanto mais foi desaparecendo o antropomorfismo mitológico diante da ideia de um ser perfeito, justo, compassivo, um governante onisciente do mundo, mais o monoteísmo foi tomando o lugar do politeísmo. Os primeiros poetas já tinham, como dissemos, glorificado Zeus como o defensor do justo, o protetor da lei moral. O que Homero e Hesíodo disseram nesse sentido, os poetas posteriores repetiram com uma força bem maior. Zeus, como pode ser lido em Arquíloco (cerca de 700 a.C.), contempla das alturas os feitos dos homens, dos justos e dos ímpios; nem mesmo o bem e o mal feitos pelos animais lhe escapam; a ele devemos dedicar tudo. Ele é, como pouco depois Terpandro lhe chama, o fundador e líder de todos; como o poeta Simônides de Amorgos diz, ele tem em suas mãos o fim de todas as coisas e dirige tudo conforme sua 10

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