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O declínio da Idade Média PDF

261 Pages·1985·1.617 MB·Portuguese
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JOHAN HUIZINGA O D D I M ECLÍNIO A DADE ÉDIA EDITORA ULISSEIA 2.a edição © Copyright by The Huizinga Estate Título original The Waning of the Middle Ages Tradução de Augusto Abelaira Capa de José Antunes Direitos de tradução para a língua portuguesa reservados pela Editora Ulisseia Execução gráfica da Tipografia Lousanense — Lousã Dep. legal n.° 7626/85 Sumário PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO ..................................................................... 5 1 - O TEOR VIOLENTO DA VIDA ...................................................................... 6 2 - O PESSIMISMO E O IDEAL DE VIDA SUBLIME ..................................... 22 3 - A CONCEPÇÃO HIERÁRQUICA DA SOCIEDADE .................................. 41 4 - A IDEIA DA CAVALARIA ........................................................................... 49 5 - O SONHO DO HEROÍSMO E DO AMOR .................................................... 57 6 - ORDENS DA CAVALARIA E VOTOS ........................................................ 63 7 - O VALOR POLÍTICO E MILITAR DAS IDEIAS DA CAVALARIA ......... 70 8 - O AMOR ESTILIZADO ................................................................................. 80 9 - AS CONVENÇÕES AMOROSAS ................................................................. 89 10 - A VISÃO IDÍLICA DA VIDA ..................................................................... 96 11 - A VISÃO DA MORTE ............................................................................... 104 12 - O PENSAMENTO RELIGIOSO CRISTALIZA-SE EM IMAGENS ........ 114 13 - TIPOS DE VIDA RELIGIOSA ................................................................... 133 14 - SENSIBILIDADE E IMAGINAÇÃO RELIGIOSAS ................................ 143 15 - O SIMBOLISMO NO DECLÍNIO ............................................................. 150 16 - OS EFEITOS DO REALISMO ................................................................... 160 17 - O PENSAMENTO RELIGIOSO PARA ALÉM DOS LIMITES DA IMAGINAÇÃO ................................................................................. 165 18 - AS FORMAS DO PENSAMENTO E A VIDA PRÁTICA ........................ 169 19 - A ARTE E A VIDA .................................................................................... 181 20 - O SENTIMENTO ESTÉTICO .................................................................... 197 21 - AS EXPRESSÕES VERBAL E PLÁSTICA COMPARADAS ................. 204 22 - AS EXPRESSÕES VERBAL E PLÁSTICA COMPARADAS ................. 225 23 - O ADVENTO DA NOVA FORMA ........................................................... 240 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 249 PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO A História sempre tratou mais dos problemas de origem do que dos de declínio e queda. Ao estudarmos qualquer período estamos sempre à procura da promessa daquilo que o seguinte trará. Desde Heródoto, e mesmo antes, as questões que se nos impõe têm estado relacionadas com a ascensão de famílias, nações, reinos, formas sociais ou ideias. Desta forma, na história medieval, temos buscado tão diligentemente as origens da cultura moderna que parece por vezes que o período a que chamamos Idade Média pouco mais foi do que o prelúdio ao Renascimento. Mas, na História como na natureza, nascimento e morte estão equilibrados entre si. A decadência de formas de civilização em adiantado estado de maturação é tão sugestiva como o espectáculo do crescimento de novas formas. E sucede ocasionalmente que um período em que se tenha especialmente procurado o nascimento de coisas novas se revela de súbito como uma época de declínio e decadência. A presente obra trata da história dos séculos XIV e XV encarados como período de termo, de fecho da Idade Média. Tal visão destes séculos apresentou-se ao autor deste volume quando procurava chegar a uma compreensão genuína da arte dos irmãos Van Eyck e dos seus contemporâneos, quer dizer, apreender o seu significado considerando-a em relação com um todo de vida da época. Sucede que o facto comum às várias manifestações daquele período se mostrou inerente mais aos elos que as ligavam ao passado do que aos germes que continham o futuro. O significado, não só dos artistas mas também dos teólogos, poetas, cronistas, príncipes e estadistas, podia ser mais bem apreciado se fossem considerados não como precursores de uma cultura vindoura, mas como agentes de aperfeiçoamento e conclusão de uma cultura antiga. A tradução inglesa não é uma simples versão do original holandês (segunda edição, 1921, primeira, 1919), mas o resultado de um trabalho de adaptação, redução e consolidação sob a direcção do autor. As referências, omitidas na tradução, podem ser encontradas na sua forma íntegra no original holandês. Citações de versos são dadas no francês original em toda a obra. Com vistas a evitar um indesejável aumento no volume, as citações em prosa são, regra geral, feitas somente em tradução, excepto nos capítulos finais, onde é discutida a expressão literária, como tal, e a língua se torna, por isso, importante. Também aqui a velha prosa francesa é transcrita integralmente. O autor deseja exprimir os seus agradecimentos a Sir J. Rennell Rodd, cujo amável interesse no livro deu origem à edição inglesa, e ao tradutor, Mr. F. Hopman, de Leiden, cuja clara percepção das exigências do seu trabalho tornou possível a versão inglesa, e cuja infinita paciência para com os desejos de um exigente autor transformou esta tarefa difícil num trabalho de amigável cooperação. Leiden, Abril de 1924. J. H. 1 - O TEOR VIOLENTO DA VIDA Para o mundo, quando era quinhentos anos mais novo, os contornos de todas as coisas pareciam mais nitidamente traçados do que nos nossos dias. O contraste entre o sofrimento e a alegria, entre a adversidade e a felicidade, aparecia mais forte. Todas as experiências tinham ainda para os homens o carácter directo e absoluto do prazer e da dor na vida infantil. Qualquer conhecimento, qualquer acção, estavam ainda integrados em formas expressivas e solenes, que os elevavam à dignidade de um ritual. Porque não eram somente os grandes momentos do nascimento, casamento e morte que, pela santidade do sacramento, eram elevados ao nível dos mistérios; incidentes de importância menor, como uma viagem, um empreendimento, uma visita, eram igualmente rodeados por mil formalidades: bênçãos, cerimónias, fórmulas. As calamidades e a indigência eram mais aflitivas que presentemente; era mais difícil proteger-se contra elas e encontrar-lhes o alívio. A doença e a saúde apresentavam um contraste mais chocante; o frio e a escuridão do Inverno eram males mais reais. Honrarias e riquezas eram desejadas com mais avidez e contrastavam mais vividamente com a miséria que as rodeava. Nós, hoje em dia, dificilmente compreendemos a que ponto eram então apreciados um casaco de peles, uma boa lareira aberta, um leito macio ou um copo de vinho. Então também todas as coisas na vida tinham uma orgulhosa ou cruel publicidade. Os leprosos faziam soar os seus guizos e passavam em procissões, os mendigos exibiam pelas igrejas as suas deformidades e misérias. Cada ordem ou dignidade, cada grau ou profissão, distinguia-se pelo trajo. Os grandes senhores nunca se deslocavam sem vistosa exibição de armas e escolta, excitando o temor e a inveja. Execuções e outros actos públicos de justiça, de falcoaria, casamentos ou enterros, eram anunciados por pregoeiros e procissões, cantigas e música. O amante usava as cores da sua dama; os companheiros, o emblema da sua fraternidade; os domésticos e servos, os emblemas ou brasões dos seus senhores. Entre a cidade e o campo o contraste era igualmente profundo. Uma cidade medieval não se perdia em extensos subúrbios, fábricas e casas de campo; cercada de muralhas, erguia-se como um todo compacto, eriçada de torres sem conta. Por mais altas e ameaçadoras que fossem as casas dos nobres ou dos mercadores a massa imponente das igrejas sobressaía sempre no conjunto da cidade. O contraste entre o silêncio e o ruído, entre a luz e as trevas, do mesmo modo que entre o Verão e o Inverno, acentuava-se mais fortemente do que nos nossos dias. A cidade moderna mal conhece o silêncio ou a escuridão na sua pureza e o efeito de uma luz solitária ou de um grito isolado e distante. Tudo o que se apresentava ao espírito em contrastes violentos e em formas impressionantes emprestava à vida quotidiana um tom de excitação e tendia a produzir essa perpétua oscilação entre o desespero e a alegria descuidosa, entre a crueldade e a ternura, que caracterizaram a vida da Idade Média. Um som se erguia constantemente acima dos ruídos da vida activa e elevava todas as coisas a uma esfera de ordem e serenidade: o ressoar dos sinos. Eles eram para a vida quotidiana os bons espíritos que, nas suas vozes familiares, ora anunciavam o luto, ora chamavam para a alegria; ora avisavam do perigo, ora convidavam à oração. Eram conhecidos pelos seus nomes: a grande Jacqueline, o sino de Rolando. Toda a gente sabia o significado dos diversos toques que, apesar de serem incessantes, não perdiam o seu efeito no espírito dos ouvintes. Durante o famoso duelo judicial entre dois burgueses de Valenciennes, em 1455, o grande sino «que é horrível de ouvir», no dizer de Chastellain, nunca deixou de tocar. Que atordoamento não devia produzir o badalar dos sinos de todas as igrejas em todos os mosteiros de Paris ressoando desde manhã até ao anoitecer, e mesmo durante a noite, quando se concluía um tratado de paz ou era eleito um papa! As frequentes procissões eram também um contínuo motivo de piedosa agitação. Quando os tempos eram difíceis, como frequentemente sucedia, viam-se serpentear as procissões, dias seguidos, durante semanas. Em 1412 foi dada ordem em Paris para se organizarem procissões implorando a vitória do rei, que havia partido contra os Armanhaques. Duraram desde Maio até Julho e eram formadas por ordens e corporações sempre diferentes, sempre seguindo por diversas ruas e levando de cada vez novas relíquias. O Journal d'un Bourgeois, de Paris, chama-lhes «as mais comoventes procissões de que há memória». O povo contemplava ou acompanhava «chorando piedosamente, vertendo muitas lágrimas, com grande devoção». Todos iam descalços e em jejum, tanto os conselheiros do Parlamento como os burgueses pobres. Os que podiam levavam uma tocha ou um círio. Iam sempre muitas crianças. Os camponeses pobres dos arredores de Paris vinham também, descalços, juntar-se à procissão. No entanto em quase todos os dias a chuva caiu torrencialmente. Havia também a chegada dos príncipes, ataviados com todos os recursos da arte e do luxo próprios da época. Por fim, ainda mais frequentemente, quase pode dizer-se ininterruptamente, havia as execuções. A cruel excitação e a rude compaixão suscitadas por uma execução constituíam uma importante base do alimento espiritual do povo. Eram espectáculos nos quais se continha uma moral. Para os crimes horríveis a lei inventava punições atrozes. Em Bruxelas, um jovem incendiário e assassino foi colocado dentro de um círculo de feixes de lenha a arder e atado a uma corrente que girava em torno de um eixo. Ele dirigia aos espectadores apelos comoventes «e de tal modo enterneceu os corações que todos desataram a chorar e a sua morte foi considerada como a mais bela que jamais se viu». Durante o terror borgonhês em Paris, em 1411, uma das vítimas, o senhor Mansart du Bois, tendo-lhe o carrasco pedido perdão, segundo o costume, não só lho concede de todo o coração, mas ainda lhe diz que o abrace. «Havia sempre grande multidão de povo e quase todos derramavam comovidas lágrimas.» Quando os criminosos eram grandes senhores os homens do povo tinham a satisfação de ver aplicado o rigor da justiça e ao mesmo tempo verificar a inconstância da fortuna exemplificada por forma mais impressionante do que num sermão ou numa pintura. O magistrado punha todo o cuidado em que nada faltasse para «efeito do espectáculo»: o condenado era conduzido ao cadafalso vestido com o garbo devido à sua elevada condição. Jean de Montaigu, grão- mestre do palácio do rei, vítima de João Sem Medo, é colocado numa carreta precedida por dois trombeteiros. Leva as suas vestes de gala, gorro, capa, as meias metade vermelhas metade brancas e as esporas de ouro. Estas são deixadas nos pés do corpo degolado, suspenso da trave. Por ordem especial de Luís XI a cabeça de Mestre Oudart de Bussy, que recusara um lugar no Parlamento, foi desenterrada e exposta na praça de Hesdin, coberta com um gorro escarlate forrado de peles «selon la mode des conseillers du Parlament» e com versos explicativos. Mais raros do que as procissões e as execuções eram os sermões dos pregadores itinerantes que vinham despertar o povo com a sua eloquência. O moderno leitor de jornais não é capaz de imaginar a violência da impressão causada pela palavra sobre espíritos ignorantes e desprovidos de qualquer ideal. O franciscano frei Ricardo pregou em Paris, em 1429, durante dez dias consecutivos. Começava às cinco horas da manhã e falava sem interrupção até às dez ou onze, quase sempre no Cemitério dos Inocentes. Quando, ao terminar o seu décimo sermão, anunciou que era o último porque não tinha permissão de pregar mais, «grandes e pequenos choraram tão comovida e amargamente como se estivessem a ver enterrar os melhores amigos; e ele também». Pensando que ele ia pregar mais um sermão no domingo, em S. Dinis, para lá se dirigiram no sábado os fiéis, passando a noite ao ar livre para conseguir bons lugares. Outro frade menor, António Fradin, proibido de pregar pelo magistrado de Paris por ter feito críticas ao governo, foi guardado dia e noite no convento da ordem por mulheres, postadas em volta do edifício, armadas de machados e pedras. Em todas as cidades onde o famoso dominicano Vicente Ferrer é esperado, o povo, os magistrados, o baixo clero e mesmo os prelados e os bispos vão ao seu encontro saudá-lo com cânticos. Ele viaja com numeroso e sempre crescente cortejo de adeptos que, todas as tardes, depois do pôr do Sol, dão volta à cidade em procissão, cantando e flagelando-se. Têm de nomear-se encarregados especiais para tratar do alojamento e da alimentação destas multidões. Grande número de frades de várias ordens religiosas acompanham-no a toda a parte para lhe assistir na celebração da missa e na confissão dos fiéis. Vão também alguns notários para lavrar no local as actas de reconciliação resultantes das pregações deste santo. O seu púlpito tem de ser protegido por vedações contra a pressão da massa de povo que quer beijar-lhe a mão ou as vestes. Sempre que ele prega um sermão o trabalho pára. Raramente deixa de comover os seus ouvintes até às lagrimas. Quando fala do Dia do Juízo, do Inferno, da Paixão, tanto ele como o auditório choram tão copiosamente que tem de suspender a prédica até que cessem os soluços. Os próprios malfeitores se rojam aos seus pés, primeiro que quaisquer outros, confessando os seus enormes pecados. Um dia, enquanto pregava, viu conduzir dois condenados à morte — um homem e uma mulher — para o local da execução. Pediu que adiassem o acto, mandou colocar os condenados junto do púlpito e continuou o seu sermão falando acerca dos pecados deles. Depois do sermão apenas se encontraram alguns ossos no lugar que os condenados ocupavam e o povo ficou convencido de que as palavras do santo tinham, ao mesmo tempo, conseguido a consumpção e a salvação dos dois. Depois de Olivier Maillard ter pregado os sermões da Quaresma em Orleães, os telhados das casas que rodeavam a praça donde ele se dirigia ao povo ficaram tão danificados pelos espectadores que para lá subiram que o pedreiro que os consertou apresentou uma conta de mais de sessenta dias de trabalho. As diatribes dos pregadores contra a dissolução e a luxúria produziam estados de excitação que se transformavam em actos. Muito antes de Savonarola iniciar as queimas dos objectos de luxo e de prazer em Florença, com irreparável perda para a arte, a prática de holocaustos desta natureza era já corrente tanto em França como na Itália. Às intimações de um pregador famoso, homens e mulheres apressaram-se a trazer cartas, dados e ornamentos para serem queimados com grande pompa. A renúncia ao pecado da vaidade, por este modo efectuada, tinha tomado uma forma definitiva e solene de manifestação pública, de acordo com a tendência da época para inventar um estilo para todas as coisas. Toda esta receptividade para as emoções, as lágrimas, os arrebatamentos do espírito, deve ser lembrada se se quiser compreender inteiramente como era tensa e violenta a vida daquele período. Um luto de carácter público tinha também o aspecto de uma calamidade geral. No enterro de Carlos VII o povo está completamente perturbado por ver o cortejo, constituído por todos os dignitários da corte «vestidos com o mais rigoroso luto que era doloroso observar; e por causa da grande tristeza e aflição que eles mostravam pela morte do seu senhor, muitas lágrimas se vertiam e lamentações se ouviam por toda a cidade». O povo sentiu-se particularmente comovido ao ver os seis pajens do rei montados em cavalos completamente cobertos de veludo verde. Um dos pajens, segundo constava, deixou de comer e beber durante quatro dias. «E Deus sabe quão magoados e piedosos lamentos eles fizeram pranteando a morte de seu amo.» Solenidades de carácter político davam também lugar a lágrimas abundantes. Um embaixador do rei de França várias vezes rompeu em choro enquanto se dirigia, num discurso cortês, a Filipe, o Bom. No encontro dos reis de França e de Inglaterra na recepção ao delfim, em Bruxelas; na partida de João de Coimbra da corte da Borgonha, todos os espectadores derramaram sentidas lágrimas. Chastellain descreve o delfim, o futuro Luís XI, durante o seu exílio voluntário em Brabante, como sendo sujeito a frequentes ataques de choro. Há por certo algum exagero nestas narrações dos cronistas. Ao descrever a emoção causada pela mensagem dos embaixadores ao Congresso da Paz, em Arras, em 1435, Jean Germain, bispo de Châlons, diz que os ouvintes se atiraram ao chão soluçando e gemendo. As coisas não terão acontecido assim, por certo, mas assim julgou o bispo conveniente escrevê-las, e esse exagero palpável deixa ver um fundo de verdade. Tal como para os sentimentais do século XVIII, as lágrimas eram então consideradas elegantes e honrosas. Mesmo hoje em dia o espectador indiferente de uma procissão pública se sente às vezes, inexplicavelmente, comovido até às lágrimas. Numa época cheia de reverência religiosa em face de toda a pompa ou solenidade, esta propensão aceita-se como perfeitamente natural. Um simples exemplo bastará para mostrar o grau de excitação que distingue a Idade Média do nosso tempo. Dificilmente conceberemos jogo mais pacífico do que o xadrez. No entanto, tal como a propósito das canções de gesta, alguns séculos antes, Olivier de la Marche menciona frequentes querelas em consequência desse jogo; «o mais sensato perde a paciência a jogá-lo». Um historiador da Idade Média que confiasse demasiadamente nos documentos oficiais — que raramente se referem às paixões, excepto à violência e à cupidez — arriscava-se, por vezes, a perder de vista a diferença de tonalidade que existe entre a vida daquela época e a dos nossos dias. Tais documentos far- nos-iam às vezes esquecer a veemência patética da vida medieval para a qual os cronistas, não obstante as deficiências no registo dos factos, nos chamam sempre a atenção. A vida mantinha ainda, de diversos aspectos, as cores dos contos de fadas; quer dizer, para os contemporâneos aparecia com esse colorido. Os cronistas da corte eram homens cultos e observavam de perto os príncipes cujos feitos registavam, mas esses mesmos dão a essas reportagens um ar de certo modo arcaico e hierático. A seguinte história, contada por Chastellain, serve para o

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