Veronica Manole O DEBATE PARLAMENTAR EM PORTUGUÊS (PORTUGAL, BRASIL) E ROMENO: ANÁLISE PRAGMÁTICO-DISCURSIVA Casa Cărţii de Ştiinţă Cluj-Napoca - 2020 Referenţi ştiinţifici: Prof. dr. emerit Maria Helena Araújo Carreia (Universitatea Paris VIII) Prof. dr. Isabel Margarida Duarte (Universitatea din Porto) Coperta: Dumitru Furculiţă Editură acreditată CNCS - B Descrierea CIP a Bibliotecii Naţionale a României MANOLE, VERONICA O debate parlamentar em português (Portugal, Brasil) e romeno : análise pragmático-discursiva / Veronica Manole. - Cluj-Napoca : Casa Cărţii de Ştiinţă, 2020 Conţine bibliografie ISBN 978-606-17-1511-4 81 Tehnoredactare: Adrian Cristian Pop Casa Cărţii de Ştiinţă B-dul Eroilor nr. 6-8, Cluj-Napoca, 400129 Tel./fax: 0264-431920; e-mail: [email protected] “Tout l'art du dialogue politique consiste à parler tout seul à tour de rôle.” (André Frossard) “Don't answer the question you were asked. Answer the question you wish you were asked.” (Robert McNamara, político americano) “Le lieu du politique se caractérise par une donnée irréductible: on y discute entre soi tout en s’adressant à des tiers.” (Marc Abélès, Un ethnologue à l’Assemblée) ÍNDICE Introdução 1 Preâmbulo jurídico-político 5 1. O papel dos parlamentos nos sistemas políticos atuais 6 1.1 Parlamentarismo, presidencialismo, semi-presidencialismo 6 1.2 A relação com o executivo 8 1.3 A liberdade de expressão dos parlamentares 9 1.4 O contexto político em 2011 e 2012 em Portugal, no Brasil e na Roménia 11 2. A organização institucional das reuniões parlamentares 12 2.1 Tipos de reuniões 12 2.2 A tomada de palavra segundo os regimentos 13 2.3 A disposição espacial dos parlamentares 14 1. A ARQUITETURA DO DISCURSO PARLAMENTAR 17 1.1. Abordagens linguísticas do discurso parlamentar 18 1.1.1 Estado de arte 18 1.1.1.1 O discurso parlamentar português 22 1.1.1.2 O discurso parlamentar brasileiro 23 1.1.1.3 O discurso parlamentar romeno 23 1.1.2 Algumas definições 25 1.1.2.1 O discurso público 26 1.1.2.2 O discurso político 28 1.1.2.3 O discurso parlamentar 31 1.1.2.3.1. Sub-géneros do discurso parlamentar 33 1.1.2.3.2. Os atores do discurso parlamentar 34 1.1.2.3.3 A identidade (dos) parlamentar(es) 38 1.2 O corpus 41 1.2.1 Critérios de seleção 42 1.2.1.1 O sub-corpus português 43 1.2.1.2 O sub-corpus brasileiro 43 1.2.1.3 O sub-corpus romeno 44 1.2.2 Do oral à escrita 46 1.2.2.1 Os “beneditinos” da escrita 46 1.2.2.2 Oral vs. escrita? / Oral e escrita? 47 1.2.2.3 Correções e supressões de conteúdo 49 1.2.2.4 Correções gramaticais 51 1.2.2.5 Reformulações para esclarecer a mensagem 52 1.2.2.5.1 Explicação das siglas 52 1.2.2.5.2 Eliminação de traços de oralidade 53 1.2.2.6 O uso do registo formal 56 1.2.2.7 Alterações da dinâmica do turno de fala 57 1.3 A construção sequencial do debate parlamentar 61 1.3.1 A sequência de abertura 65 1.3.2 O corpo da interação 80 1.3.2.1 A exposição 81 1.3.2.2 A resposta detalhada 85 1.3.2.3 As perguntas dos requerentes 93 1.3.2.4 A sessão de questões e respostas 96 1.3.2.5 A conclusão 107 1.3.3 A sequência de fecho 112 1.4 A negociação do turno de fala 117 1.4.1 O papel do moderador 121 1.4.2 Estratégias de negociação 127 1.4.3 Uma tipologia das interrupções 135 1.5 Responder às perguntas 145 1.5.1 “Não responder às perguntas parlamentares é uma estratégia...” 146 1.5.2 Uma tipologia das perguntas 152 1.5.3 Estratégias de evitamento 158 1.5.4 Vagueza e imprecisão 176 Conclusões parciais 191 2. O TRATAMENTO NO DISCURSO PARLAMENTAR 195 2.1 Considerações teóricas 197 2.1.1 Tratamento, adresare, referire em português e romeno 199 2.1.1.1 Elocução 199 2.1.1.2 Alocução 200 2.1.1.3 Delocução 208 2.1.2 Questões problemáticas 210 2.1.2.1 Alocução dupla e destinatário in absentia 211 2.1.2.2 Delocução in praesentia 213 2.1.3 Formas de tratamento e (des)cortesia parlamentar 216 2.2 A imagem de si: o tratamento pronominal elocutivo 221 2.2.1 Eu, nós e a gente 224 2.2.2 Eu, como... 231 2.2.3 Nós 233 2.2.3.1 Nós – genérico 234 1 2.2.2.2 Nós – eu 235 2 2.2.3.3 Nós3 – eu e o interlocutor 235 2.2.3.4 Nós4 – os da sala 236 2.2.3.5 Nós5 – os políticos 237 2.2.3.6 Nós6 – o partido 239 2.2.3.7 Nós – a oposição 242 7 2.2.3.8 Nós – os parlamentares 243 8 2.2.3.9 Nós – a instituição 244 9 2.2.3.10 Nós – os cidadãos 246 10 2.2.3.11 Nós – os do oeste do país 247 11 2.2.3.12 Nós – o país 249 12 2.2.3.13 Nós – polémico 250 13 2.2.4 Nós vs. os outros 251 2.2.5 Nós, nós, nós 253 2.3 A imagem do(s) outro(s): o tratamento pronominal alocutivo e delocutivo 257 2.3.1 Vossa Excelência 258 2.3.1.1 Usos congruentes 259 2.3.1.2 Usos neutros 260 2.3.1.3 Usos incongruentes 261 2.3.2 Dumneavoastră e domnia voastră 266 2.3.2.1 Dumneavoastră, domnule 266 2.3.2.2 Dumneavoastră, domnilor 274 2.3.2.3 Domnia voastră 279 2.3.3 Você(s), dumneata e voi 280 2.3.4 El, dânsul, dumnealui, domnia sa e Excelenţa Sa 289 2.3.5 Ele e eles 302 2.4 A imagem do(s) outro(s): o tratamento nominal alocutivo e delocutivo 307 2.4.1 Tratamento institucional 307 2.4.1.1 Estrutura interna 310 2.4.1.2 Função discursivo-textual 317 2.4.1.3 Função interlocutiva 325 2.4.2 Tratamento relacional 333 2.4.2.1 Amigo(s) 334 2.4.2.2 Colega(s) 338 2.4.2.3 Irmão(s) 345 2.4.3 Tratamento profissional e académico 347 2.4.4 Tratamento pessoal: o senhor + nome / apelido 352 2.4.5 Tratamento pessoal: nome / apelido 356 2.4.6 Tratamento genérico: o(s) senhor(es) 358 2.4.7 Tratamento genérico: doamnelor şi domnilor 362 2.5 A negociação do tratamento 369 2.5.1 Tratamento elocutivo 370 2.5.2 Tratamento alocutivo 371 2.5.3 Tratamento delocutivo 374 Conclusões parciais 379 Conclusões finais 381 Referências bibliográficas 385 Résumé en français 405 Introdução “A discussão vai larga e degenerada, ja principia a cansar a camara, e ha muito que enfastiou a Nação. E comtudo, eu espero d’ella um grande fructo, uma utilidade immensa, inappreciavel, com que não so a Camara mas toda a Nação hade ganhar muito: — a prova indirecta, o testimunho irrefragavel, a convicção unanime de que não era este o modo, de que não era certamente este o stylo de discutir a resposta a um discurso da Coroa.” (Almeida Garrett) Com esta avaliação metalinguística começava a 8 de fevereiro de 1840 um dos seus discursos parlamentares o visconde João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, deputado pela Ilha da Terceira: por um lado, lamentando a “degeneração” da “discussão” parlamentar da época e, ao mesmo tempo, mantendo a esperança quanto ao seu “fructo” para a Câmara e para a Nação. Nestas duas considerações do escritor e político português do século XIX encontra-se talvez a justificação desta análise, que se debruça sobre “a discussão” parlamentar com instrumentos oferecidos pelas ciências da linguagem e não pela ciência política. Tirando algumas particulariadades estilísticas típicas do português dos meados do séculos XIX, o breve trecho garrettiano é de uma atualidade surpreendente, dado que os debates parlamentares parecem tornar-se cada vez mais agressivos1 – ou “degeneram”, nas palavras de Almeida Garrett –, mas, ao mesmo tempo, mantêm a sua importância fundamental – o “fructo” – para a nação e para o funcionamento da democracia. Com base nestas reflexões sobre a natureza agonal dos debates parlamentares e a relevância das mesmas para as sociedades democráticas, tentaremos na nossa investigação responder à pergunta: “Como se fala hoje nos parlamentos de Portugal, do Brasil e da Roménia?”. Sendo esta interrogação demasiado geral e abrangente, pois abre perspectivas de pesquisa muito variadas – como comprova a diversidade dos estudos apresentados no estado de arte –, decidimos limitar as análises comparativas a dois aspetos que nos pareceram relevantes: a arquitetura dos debates parlamentares – com a sua estrutura sequencial, o funcionamento da negociação conversacional e a dinâmica do binómio pergunta-resposta – e a construção das relações interlocutivas, das imagens de si e dos outros através de usos estratégicos das formas de tratamento. 1 Maria Aldina Marques numa entrevista para o jornal Publico confirma que há um nível crescente de agressividade nos debates parlamentares: http://www.publico.pt/politica/ noticia/debates-na-assembleia-da-republica-estao-mais-agressi-vos-e-musculados-1595625 [última consulta 2.09.2015]. 1 Um primeiro desafio que enfrentámos nos momentos iniciais desta investigação foi compreender o contexto em que funcionam os debates parlamentares portugueses, brasileiros e romenos, ou seja os três sistemas políticos, resultantes de tradições políticas e de histórias diferentes. Dada a natureza essencialmente referencial de qualquer corpus político (Mayaffre 2005: 4), considerámos necessário entender o quadro institucional em que decorrem os trabalhos parlamentares, tanto do ponto de vista jurídico – através das normas constitucionais e regimentais –, como do ponto de vista político – atores envolvidos, ideologias veiculadas – para melhor analisar os debates. Os resultados das nossas tentativas de compreensão do papel do poder legislativo no âmbito dos sistemas políticos de Portugal, do Brasil e da Roménia encontram-se no Preâmbulo jurídico-político e no anexo intitulado Breve história parlamentar, em que fazemos uma análise comparada do funcionamento e da evolução dos três órgãos legislativos. Embora possam parecer demasiado detalhadas num trabalho que privilegia a análise linguística, estas abordagens complementares, que enfocam a dimensão jurídíca, política e histórica dos parlamentos, ajudaram-nos a selecionar um corpus de debates comparáveis do ponto de vista temático (ver a secção 1.2.1 Critérios de seleção). Por conseguinte, começamos o nosso trabalho por definir o discurso parlamentar em articulação com o discurso político e o discurso público. Em seguida, criamos um corpus com coerência cronológica e temática, composto por trinta e três debates que decorreram em 2011 e 2012 e em que o poder legislativo exerce a sua prerrogativa de fiscalizar o poder executivo: onze interpelações ao governo na Assembleia da República de Portugal, onze audiências públicas de membros do governo na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional du Brasil e onze reuniões plenárias do Parlamento da Roménia, em que os senadores e os deputados debateram moções simples ou moções de censura. Um segundo desafio da nossa investigação prende-se com as particularidades do corpus, tomando em consideração o processo de “retextualização” (Oliveira 2013) que ocorre nas transcrições oficiais feitas pelos serviços parlamentares de taquigrafia e arquivos. Sem afirmar a sua inadequação para o estudo linguístico2, fazemos uma comparação entre as gravações áudio e vídeo de três reuniões e as respetivas transcrições e destacamos algumas limitações que o uso deste corpus podia ter para o estudo linguístico, sendo as mais relevantes: a impossibilidade de fazer demasiadas 2 No que diz respeito às transcrições oficiais dos debates parlamentares, há autores, como Mollin (2007), que as carateriza como um pesadelo para os linguistas, mas há também abordagens menos categóricas, como Zafiu (2004), que destacam suas limitações, mas não os elimina de entre as fontes possíveis para as análises linguísticas. Nós situamo-nos na segunda categoria, considerando que as transcrições oficiais constituem um corpus que pode ser aproveitado nos estudos linguísticos, tomando em consideração a impossibilidade de fazer afirmações demasiado categóricas sobre os resultados obtidos. 2