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O Contestado PDF

43 Pages·1994·16.223 MB·Portuguese
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ES É , UM! | sé ]AE f | aT;EÁd |m e ia,r vm a é Voss ; ra TZ a s A ES ui | ut RD P, ra PR N - PA H TE Evi lr DUIA 9- 7 Di S D q Il e jaR ES cSi Te, ; MON E EFEE: Ea O CONTESTADO ovas Eduardo José Afonso | LIVRO DO PROFESSOR O Contestado 4 Santa Catarina 5 A disputa pela terra / O “monge” João Maria 11 José Maria 12 A Monarquia Celeste 14 A Batalha do Irani 16 O país e o conflito 19 À ressurreição 23 Os fazendeiros reagem 26 Caraguatá: a guerra civil 27 O movimento toma outro rumo 29 De fanáticos a jagunços 91 O general Setembrino e o confronto final 32 O Contestado e a República air PES RID 38 Editor: João Guizzo * Coordenação da edição e edição de texto: Maria Izabel Simões Gonçalves * Pesquisa iconográfica: Maria Alice Silva Bragança * Pesquisa cartográfica: Remberto Francisco Kuhnen * Fotos das páginas 6, 8, 9, 13, 22, 24, 27, 29. 32, 36, 37 e 38 extraídas de: Governo do Estado de Santa Catarina e Fundação Catarinense de Cultura. Contestado. Rio de Janeiro, Fundação Roberto Marinho/Index, 1987 e Edição de arte: Milton Takeda * Diagramação: Valter M. Nakao e Ilustrações: Valter Húne e Arte: Fernando T. Zaha e Capa: Adelfo M. Suzuki e Gisé * Cartografia: Maria Azevedo e Vivian Jordan * Revisão: Dilma Dias Ratto | E Chegando a Taquaruçu, já na casa do pai, Benedito Chato ouve um foguetório. Diz ao pai: — Essa coisa não é boa... ainda vai dar encrenca... O melhor é a gente ir embora daqui. — Qual nada, vamos ficar pra ver. Ficaram. Benedito adoece gravemente de paratifo. De madrugada, delirando de febre, vê um homem velho na borda da cama: é São João Maria, sonha o doente. O velho manda-o beber cachaça com incenso e tomar banho com umas ervas. E diz que ele deve ir juntar-se aos irmãos. O rapaz obedece em tudo. Fica curado e segue para Santa Maria. No arraial, ja cercado pelas tropas do governo, resolve fugir para não morrer de fome. Escapam com ele 45 pessoas — homens, mulheres e crianças. Nessa altura não havia escolha, para comer era o que viesse: “saco de boi, saco de cavalo, mijador de vaca, bainha de facão, cinta, miolo de xaxim, fruta de imbuia torrada, cabeça de butiá, xarope feito de fruta de guaçantuba. Não vi comerem cachorro. Cavalo sim”. Essa é a história de Benedito Pedro de Oliveira, o Benedito Chato. Nasceu - em 1886 em Butiazinho, no municipio catarinense de Campos Novos, filho de Cirino Chato e de Guilhermina Maria Vidal. Ex-rebelde, participante ativo da “guerra santa”. O que você vai ler agora é a história desse grande movimento, que | envolveu milhares de camponeses pobres no Sul do Brasil, de 1912 a 1916. É a história da Guerra do Contestado. O Contestado Contestar significa reclamar, questionar, discutir. Contestado, então, é aquilo que se discute ou que se questiona. No início do século, a região denominada Contestado ocupava uma área de 30 000 ou 40 000 quilômetros quadrados, entre os rios Negro e Iguaçu, ao norte, e Uruguai, ao sul. Ainda não oficialmente demarcada, essa vasta superfície era disputada pelos Estados do Para- ná e de Santa Catarina. A questão de limites entre os dois Estados vinha desde o século XVII, quando os bandeirantes paulistas começaram a invadir aque- les sertões à caça de índios para escravizar. No século XVIII foi aber- to o caminho do Sul, que ligava o Rio Grande do Sul a Sorocaba, em São Paulo. Por ali era conduzido o gado e passavam as tropas de mu- las que transportavam couro e charque rumo à feira de animais de Sorocaba. Foi nos pontos de parada dos tropeiros, ao longo do cami- nho, que surgiram os primeiros povoados e vilas. O povoamento cres- ceu com a expansão da pecuária e do cultivo da erva-mate. Era uma região selvagem, de grandes precipícios e mata densa, assolada por invernos muito frios. Apesar disso, muita gente se fixou nessa área, * Guerra dos Farrapos: Revolução passagem obrigatória entre São Paulo e o Rio Grande do Sul. ocormda no Rio Grande do Sul entre Em 1776 foi fundada a cidade de Lages. A partir dela e também 1835 e 1845. Os rebeldes farroupilhas pretendiam transformar o Brasil numa de Curitiba — uma cidade mais antiga, fundada em 1693 —, a área República federativa. Chegaram a foi sendo intensamente ocupada no começo do século XIX, sempre proclamar a República Rio-Grandense, tendo como base o caminho das tropas que subiam do Sul. separada do resto do país. Vencidos À partir de meados do século XIX, chegaram novas levas, for- pelas tropas do Império, os farroupilhas madas principalmente por sulistas que fugiam da violência e da insta- assinaram um tratado de paz com o governo imperial, pondo fim ao conflito. bilidade da Guerra dos Farrapos! e da Revolução Federalista”. Eram famílias que procuravam um pouco de paz, outras que buscavam ter- ? Revolução Federalista: Revolta ra para cultivar e ainda refugiados políticos e criminosos de todo ti- ocormda no Rio Grande do Sul de 1893 a 1895. De um lado, estavam os po. Estes últimos sabiam que ali estariam em segurança, pois essa ter- federalistas ou maragatos, que ra de ninguém estava fora do alcance das autoridades tanto do Para- lutavam pela autonomia do Estado; ná quanto de Santa Catarina. do outro, os pica-paus, que De início, os recém-chegados construíam casas e criavam gado defendiam o governo do presidente solto no pasto. Com o tempo, os campos foram sendo cercados, pois Floriano Peixoto. As forças governamentais dominaram a revolta e começaram as disputas pela terra entre as famílias já instaladas e as os rebeldes foram obrigados a fugir para que continuavam a chegar. Havia ainda problemas de convivência outros Estados ou a se exilar no com os indígenas da região, os Kaingang e os Xocleng. exterior. é ES de Em bm Mi Com a formação de grandes fazendas desenvolveu-se aos pou- cos uma sociedade com características próprias, de gente rude e mui- to presa ao apadrinhamento e aos favores dos senhores locais. Só a exibição de poder ou o uso efetivo da violência fazia respeitar os limi- tes das grandes propriedades. Os fazendeiros recorriam então à ajuda de um bom número de agregados” e peões*, que, além de serem em- pregados como trabalhadores, eram usados como força militar. No começo do século XX, a região já estava toda sob domínio de podero- sos fazendeiros, ligados ao Paraná ou a Santa Catarina. Santa Catarina Em 1908 viviam em Santa Catarina 500 000 pessoas. O interior mal alcançava 80 000 habitantes, fixados principalmente nas cidades de Lages, São Joaquim e Coxilha Rica. Apenas 33% do território ca- tarinense era ocupado. O restante apresentava uma população tão pequena que quase não aparecia nas estatísticas oficiais. À região do Contestado, bem para dentro, devia ter 56 000 ha- bitantes. Eram 15 000 em Campos Novos, fundada em 1882; 11 000 em Curitibanos, fundada em 1869; 10 000 em Canoinhas, fundada no início do século XX; e 10 000 distribuídos pelos municípios de Porto União e Itaiópolis. Os mapas da época nada mostram nessa área; in- dicam apenas uma região desconhecida e inexplorada. Poucas cida- des e muitos vilarejos dispersos numa extensão de terras sem fim: isso era a região do Contestado, disputada por Santa Catarina e pelo Pa- raná. Parte dessa área foi envolvida pela guerra dos sertanejos, cha- mada por isso de Guerra do Contestado. Tanto a questão de limites como a guerra sertaneja foram resolvidas em 1916. Os coronéis Como outros Estados brasileitos, Santa Catarina e Paraná ga- nharam força política com a instalação da República. O poder local, * Agregado: Aquele que vive de favor em nas mãos dos grandes proprietários, tornou-se o meio de controle da terras de um grande proprietário, ordem pública. Esse poder cresceu ainda mais ao se associar a gran- prestando sermços e recebendo sua des empresas, que desenvolviam importantes projetos de construção proteção. de estradas de ferro, extração de madeira e colonização. Tudo isso * Peão: Trabalhador que lida com com o apoio dos governos estaduais e do governo federal. animais em fazendas de criação. Cada município tinha seu chefe local, o coronel, dono de mui tas terras, temido por todos. Era ele que governava, com O apoio do governo estadual. Suas rel ações políticas com as autoridades estaduais baseavam-se na troca de favores. O governo atendia a seus pedidos, nomeava funcionários públicos por sua indicação, realizava as obras de seu interesse. Em contrapartida, ele garantia a eleição dos candi- datos do governo, pois os eleitores votavam segundo sua determina- ção, por medo ou respeito. No interior do Estado, tanto o poder político quanto o poder econômico eram controlados pelos grandes proprietários, que domi- navam a criação de gado e o cultivo de erva-mate. Eram os coronéis Juca Pimpão, no município de Palmas; Amazonas Marcondes, na re- gião de Porto União; Tomás Vieira, em Canoinhas; Artur de Paula, em Iguaçu; Henrique Rupp, em Campos Novos; e o chefe máximo, ligado diretamente à família mais poderosa de Santa Catarina, o co- ronel Francisco (Chiquinho) de Albuquerque, de Curitibanos. Família de colonos italianos do interior > catarinense no início do século. O poder desse grupo de coronéis era disputado por outro, um pouco mais fraco, que compunha a oposição política: Aleixo Gonçal- ves, Bonifácio Papudo e Antônio Bonifácio, na região de Canoinhas; Henriquinho de Almeida e a família Sampaio, em Curitibanos. Abaixo dos coronéis, numa rígida hierarquia de riqueza e po- der, estavam os fazendeiros. Para ser considerado fazendeiro, não bas- tava ter um pouco de gado ou qualquer pedaço de terra. Era preciso que as cabeças de gado fossem centenas, e os limites das propriedades abrangessem dezenas de alqueires. O fazendeiro só seria reconhecido se tivesse sob seu comando um grupo numeroso de pessoas, formado pela família — mulher, filhos, netos, noras, genros, etc. — e pela gente do fazendeiro, composta por agregados, capangas” e peões. Os agre- gados construíam suas moradas dentro das fazendas e eram obriga- dos a prestar serviços gratuitos ao fazendeiro. O pessoal que não era da família estava ligado ao fazendeiro por fortes laços de compadrio e afilhadagemº. Abaixo dos fazendeiros estavam os pequenos criadores de gado. Vinham depois os pequenos proprietários e posseiros”, vivendo de suas pequenas roças, e os estrangeiros — colonos poloneses, alemães e italianos. A disputa pela terra * Capanga: Homem armado a serviço de um coronel; jagunço. Em 1908, a empresa norte-americana Brazil Railway Company, ? Relações de compadrio e pertencente ao multimilionário Percival Farquhar, ganhou do gover- afilhadagem: Era comum o fazendeiro no do presidente Afonso Pena (1906-1910) uma faixa de terra de 30 ser padrinho de batismo dos filhos das familias que estavam. ligadas a ele, quilômetros de largura, ao longo de quatro Estados, para a constru- tornando-se assim compadre dos ção da Estrada de Ferro São Paulo—Rio Grande. Farquhar pôs em pais da criança, seu afilhado. O ação também a Southern Brazil Lumber and Colonization Co., que padrinho protegia e auxiliava seus tinha por objetivo extrair madeira da região e depois comercializá-la afilhados e compadres e era tratado no Brasil e no exterior. Além disso, a empresa ganhou também o di- por eles com grande respeito e obediência. reito de revender os terrenos desapropriados às margens da estrada de ferro. Esses terrenos seriam vendidos preferencialmente aos imi- Possetro: Pequeno agricultor que grantes estrangeiros que formavam suas colônias no Sul do Brasil, ocupou terras inexploradas e as cultiva por muitos anos, adquirindo por isso o darerto de posse sobre elas, embora sem dispor dos documentos legais de propriedade, O mc -— E a m - Es = a Instalações da serraria Lumber em Três Barras (50), na época o maior complexo madeireiro da América do Sul. À região atravessada pela ferrovia e explorada pela madeireira era habitada por posseiros e foi desapropriada por ordem do governo federal. Os posseiros foram expulsos. Nessa expulsão teve papel des- tacado o Dr. Afonso de Camargo, que era advogado da empresa ame- ricana e chefe da oligarquia” que governava o Paraná. Ele foi tam- bém o intermediário entre o governo e a Southern Brazil Lumber na venda das terras desapropriadas. O novo tipo de exploração madei- reira acabou com a atividade dos pequenos produtores locais e inten- sificou a disputa das terras daquela imensa região. A disputa pela terra aumentou ainda mais quando a Brazil Railway passou a contratar trabalhadores em outros Estados para a construção da estrada de ferro, pagando salários muito baixos. Em “* Oligarquia: Neste sentido, o grupo de 1910, quando a ferrovia ficou pronta, a empresa mandou embora to- familias poderosas, que dominavam a politica de uma região, de um dos os seus funcionários — mais ou menos 8 000 homens. Sem casa, municipio ou de um Estado. sem dinheiro e sem ter como voltar para seus Estados, eles passaram ty Jagunço: : Capanga, homem armado a a perambular pela região, saqueando, invadindo propriedades e até seruiço de um coronel. Receberam esse se oferecendo como jagunços” aos coronéis. Tudo isso fez crescer nome também os rebeldes de Canudos e muito as tensões sociais e políticas na região. do Contestado. 8 A TT o ão F 4 “ is = e ai aa = ej prenda ' E PR Po E a pr ; - e p m E É Lodipan igilw = 4 y mondo Ed E eA MP IT AS, du = TeR monEdo SNg TDa r ERAS CARIPAL Ê do DD= DO 1TieL = dtçõão fam EE= pa E e a site . da E ia emi s e a o SaT e não ama s d e e PfisoÕo— E F o. a eg a cg fics sema” 2 Doo E E Rosi mus o Sage a e O EST E FEDODOO DDT Str Oo” Etraçgos cdrer oerer v oip amada eia oo ta mini ci nes Meo fare RAIIITAmrarA Es pAsRESiR So SE a pEnas es ENE a ge ETs or lom OIL TIE Rs ea = é MAM ETTA ENT rd mama o Sa A o ar si pla ao om É Pigs e pi oh MEC a E a ça a dedo a aa a cai da gm Mui rn que o o Sd e O hr iz E “a Relógio usado nas eso ri gr e ri mo eiala al k | es mp E mgção o la La! dica di dam mario Lo a elo de aa a nrirg ar estações da ferrovia São Paulo—Rio Grande. 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No início do século XX, de acordo com seus planos, já controlava a empresa de eletricidade de Cuba e uma companhia de estradas de ferro na Guatemala. Em 1904, comprou a Rio de Janeiro Light & Power Co. e as concessões da Société du Gaz, Percival Farquhar também no Rio. Comprou tambem a em- presa que mais tarde seria a Companhia Colonization Co. Em 1911, iniciou no Pa- Telefônica Brasileira. Em 1905 montou a raná a exploração madeireira em grande Bahia Tramway Light & Power Co. e ob- escala, criando a Southern Brazil Lumber teve a concessão das obras do porto de & Colonization Co. Recebeu do governo Belém. Em 1906, adquiriu a concessão da federal, como doação, 60 000 quilômetros Estrada de Ferro São Paulo— Rio Gran- quadrados de terras no extremo norte do de e em 1907 construiu a Estrada de Ferro Brasil. Chegou a ser chamado de o “do- Madeira—Mamoré. Em 1908, comprou no” do Brasil. 27% das ações da Companhia de Estra- Em 1913, devido a aplicações malisu- da de Ferro Mogiana e 38% da Paulista. cedidas na Bolsa de Valores de Nova Em 1909 formou a Companhia de Nave- York, perdeu tudo e teve de vender as em- gação do Amazonas e a Amazon Land & presas para pagar seus credores. Messianismo e milenarismo do acreditavam que seguindo esse envia- do de Deus estariam alcançando na ter- Os sertanejos do Contestado, depois de ra aquilo que Deus prometera aos mais muito esperarem das autoridades melho- humildes: felicidade, paz e justiça. res condições de vida, saúde e justiça, Os movimentos messiânicos costu- procuraram consolo para suas aflições se- mam intensificar-se na passagem do sé- guindo a palavra de líderes religiosos, que culo ou do milênio, vista como início de os guiariam para um novo tempo de feli- um novo tempo, sem as desgraças e 0 so- cidade e justiça. Esse fenômeno — co- frimento do que ficou para trás. Na histó- nhecido por messianismo — alimenta-se, ria do Brasil, o messianismo caracterizou portanto, da crença na vinda de um mes- não apenas o Contestado, mas outros mo- sias, de um enviado de Deus, que trará vimentos, como o de Canudos, ocorrido uma nova era. Os caboclos do Contesta- no sertão da Bahia, na final do século XIX. LO

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