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O conhecimento ictiológico tradicional e prevenção à saúde dos pescadores do município de Paranaguá - Paraná PDF

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F. R. de Freitas, C. R. Sampaio, H. R. de Freitas, R. B. da Silva, M. Clauzet O conhecimento ictiológico tradicional e prevenção à saúde dos pescadores do município de Paranaguá - Paraná Fernanda Ribeiro de Freitas1, Cristiane Ramon Sampaio2, Heluize Ribeiro de Freitas3, Rayane Silva Bueno4, Mariana Clauzet5 1 Laboratório de Ficologia e Qualidade de água marinha - LAQUAMAR Email: [email protected] 2 Docente do Programa de Graduação em Licenciatura em Química EaD, Universidade Metropolitana de Santos, SP, Brasil 3 Licenciada em História pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR)– Campus FAFIPAR 4 Acadêmica em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) – Campus FAFIPAR 5 Docente do Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade em Ecossistemas marinhos - UNISANTA Resumo A pesca no litoral do Paraná abrange realidades tão diversas quanto à multiplicidade de espaços aquáticos disponíveis para a captura do pescado. A atividade pesqueira é de alto risco, mas, entretanto, na maioria das vezes acidentes com barcos de pesca e com os pescadores não costumam ganhar destaque na imprensa em geral. O objetivo é registrar o conhecimento local dos pescadores do município de Paranaguá - PR relacionado com a taxonomia, o comportamento e a ecologia dos peixes, considerando-se, ainda, a saúde destes pescadores em relação aos potenciais acidentes de trabalho da sua profissão. Os pescadores artesanais locais foram entrevistados por meio do método bola de neve, e para tabulação, estatística descritiva e análise dos dados foi utilizado o programa Excel 2010. Palavras-chave: Etnoictiologia, Pesca artesanal, Acidente de trabalho Abstract Fishing on the coast of Paraná encompasses realities as diverse as the multiplicity of aquatic spaces available for catching fish. Fishing is a high-risk activity, but in the majority of cases accidents with fishing boats and fishermen usually do not appear in the press in general. The objective is to record the local knowledge of the fishermen of Paranaguá - PR related to taxonomy, behavior and ecology of the fish, considering also the health of these fishermen in relation to the potential accidents of work of their profession. Local artisanal fishers were interviewed using the snowball method, and for tabulation, descriptive statistics and data analysis the Excel 2010 program was used. Keywords: Ethno-cytology, Small-scale fishing, Work accident Introdução com outras atividades produtivas, como a maricultura de mexilhões e ostras, e econômicas, como as atividades Ao longo do litoral brasileiro, a relacionadas ao turismo. A pesca pesca artesanal é uma das principais artesanal no Brasil é fonte de emprego e atividades de extrativismo de recursos alimento para muitas comunidades locais, marinhos e, atualmente, divide espaço contribuindo entre 40% e 60% da UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 3 (2018) p. 274-285. Página 274 F. R. de Freitas, C. R. Sampaio, H. R. de Freitas, R. B. da Silva, M. Clauzet produção total de pesca marinha continental rasa. Os principais tipos de (SILVANO, 2004). embarcações utilizados na pesca do O litoral do Paraná é constituído litoral paranaense segundo Chaves & por sete municípios: Antonina, Roberts (2003) são canoas de madeira, Guaraqueçaba, Guaratuba, Matinhos, canoas de fibra-de-vidro, botes, Morretes, Pontal do Paraná e Paranaguá. bateirinhas, bateiras e baleeiras. A região abrange uma superfície pouco As relações entre os homens e superior a 6.000 km2 entre o Oceano ambiente podem ser estudadas pela Atlântico e a Serra do Mar, abrigando perspectiva da Etnobiologia, ou seja, a uma população humana de 235.840 partir do conhecimento local que permite habitantes segundo o censo de 2000 o uso dos recursos naturais que fazem as (ANDRIGUETO FILHO et.al, 2006). As populações. No caso das atividades de principais comunidades pesqueiras do pesca, a disciplina que estuda estas município de Paranaguá são: Valadares, relações é chamada Etnoictiologia, Amparo, Piaçaguera, Vila São Miguel e investigando como os pescadores Eufrasina. interagem com os peixes e com os outros Grande parte da atividade recursos marinhos e versam sobre pesqueira no Paraná pode ser considerada diferentes temas da ecologia de peixes e artesanal, e ainda que parte da pesca seja da antropologia (MARQUES, 2001). executada através de embarcações com A etnobiologia como um todo é tração mecânica de redes de arrasto a mais do que um campo teórico de participação de pescadores para o pesquisa: é um campo prático para trabalho manual é imprescindível. Além estudar as relações homem/natureza da pesca, muitas comunidades litorâneas focado na interpretação da natureza que do estado se envolvem também em faz uma dada cultura e na adaptação atividades de turismo na estação de humana ao ambiente (BALEÉ, 1993). verão, adicionando relevante renda ao Para ter sucesso na sua pescaria, orçamento familiar destes meses. Os os pescadores artesanais lançam mão de pescadores do litoral paranaense também um detalhado conhecimento sobre o possuem uma época do ano na qual a sua ambiente marinho e as espécies que renda é maior, que é a época de veraneio, capturam. Trata-se do que a ciência uma vez que é neste período que o nomeia etnoconhecimento ictiológico, ou número de turistas aumenta muito na seja, um conhecimento adquirido através região e, consequentemente, o consumo das gerações contendo aspectos da de pescados (ANDRIGUETTO, 2002). ecologia de peixes, além de relações entre Os pescadores artesanais se essas espécies e as variáveis ambientais caracterizam, principalmente, pela que as cercam (CLAUZET et al 2007). simplicidade da tecnologia e pelo baixo Aprende-se com os “mais velhos” e com custo da produção, produzindo com a própria experiência. O domínio do equipes de trabalho formadas por saber-fazer é que forma o cerne da relações de parentesco e compadrio, sem profissão do pescador, e esse saber-fazer vínculo empregatício entre a tripulação e se configura na figura do “mestre” o mestre dos barcos (ou patrão da canoa). depositário dos segredos do mar A produção é em parte consumida pela (DIEGUES, 1995). A necessidade de família e em parte comercializada transmitir esse conhecimento ao longo (MALDONADO, 1986). das gerações é a medida de confiança A maioria das embarcações é de nele depositado e são os chamados baixa autonomia, isto é, dependem das mestres de pesca os que conseguem ser condições meteorológicas para realizar os guardiões da tradição. pescarias, por isso, a pesca se restringe à região estuarina e à plataforma UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 3 (2018) p. 274-285. Página 275 F. R. de Freitas, C. R. Sampaio, H. R. de Freitas, R. B. da Silva, M. Clauzet Para o pescador, a realidade por estudos que tentam englobar a excelência é aquela partilhada com seus complexidade dos aspectos sociais, pares e o seu meio ambiente. O tipo de econômicos e ambientais. conhecimento que se produz entre eles A pesca artesanal depende de pode ser confirmado na experiência, organizando-se como um saber bastante recursos naturais móveis do ambiente sistematizado. Daí a sua tendência (...) a marinho e, portanto, trata-se de uma confiar mais na experiência do que nos atividade na qual o pescador pode ser instrumentos, mesmo quando há uma entendido como um predador que deve mixagem de experiência e tecnologia ser eficiente e flexível na busca por suas (BONIN, 1984, p.105). presas (os peixes) (BEGOSSI, 2004). Em relação aos acidentes de Diante do exposto acima, o trabalho, os pescadores enfrentam uma presente trabalho teve por objetivo diversidade de riscos, como: registrar o conhecimento local dos afogamentos, incluindo na lama do pescadores de Paranaguá relacionado manguezal; acidentes perfurantes e com a taxonomia, o comportamento e a cortantes na manipulação de mariscos e ecologia dos peixes, considerando-se, peixes, com os mais variados ainda, a saúde destes pescadores em instrumentos de pesca, corte de lenha e relação aos potenciais acidentes de preparo de mariscos; picadas de insetos; trabalho da sua profissão. acidentes ofídicos com animais terrestres e marinhos, peçonhentos e urticantes. Salienta-se que os riscos citados Metodologia apresentam particularidades agravantes ao incidirem na infância, em gestantes e O estudo se realizou no município idosos (PENA et al, 2014). de Paranaguá - PR com um total de 10 pescadores em novembro de 2016 após A atividade pesqueira é de alto risco, aprovação do Comitê de Ética em mas, entretanto, na maioria das vezes Pesquisa da Universidade Santa Cecília acidentes com barcos de pesca e com os pescadores não costumam ganhar sob o Protocolo destaque na imprensa em geral, no 58392816.4.0000.5513. acarretando em um desinteresse por parte Os pescadores artesanais locais das autoridades competentes, onde foram entrevistados por meio do método muitas vezes acidentes mais raros, bola de neve (BIERNACKI & envolvendo outros setores da navegação, são mais notados e sendo assim, chamam WALDORF, 1981), no qual o pescador mais a atenção pública (PIMENTA, entrevistado indica ao final da entrevista 2001). outro pescador local. Desse modo, será entrevistado o maior número possível de De acordo com Boffo & Reis pescadores artesanais. Esses métodos, (1992 in VALE, 2006), no Brasil, as largamente empregados em estudos de principais causas dos acidentes na pesca ecologia de pescadores, podem ser industrial e artesanal, são as condições do encontrados em Begossi et al. (2004). mar (ondas, quedas na água, O instrumento de pesquisa foi a visibilidade); condições do barco entrevista, adaptado de Souza (2004), (oscilações, piso escorregadio, ruído); com questionário semiestruturado trabalho excessivo (durante o pico da (Tabela 1), onde constavam perguntas faina), e equipamentos e máquinas de alto abertas e fechadas, sobre comportamento risco (sem mão de obra especializada). e ecologia da pesca local. Segundo Franco (2004), o Os pescadores entrevistados conhecimento sistemático da atividade foram todos do sexo masculino e maiores pesqueira realizada no litoral do Paraná de idade. O local das entrevistas foi ainda é limitado, existindo poucos UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 3 (2018) p. 274-285. Página 276 F. R. de Freitas, C. R. Sampaio, H. R. de Freitas, R. B. da Silva, M. Clauzet próximo ao Mercado municipal do peixe, Para a tabulação, estatística cujos pescadores chegam e descritiva e análise dos dados foi comercializam seus pescados. utilizado o programa Excel 2010 (Microsoft®). Tabela 1: Questionário aplicado aos pescadores artesanais de Paranaguá – PR. ETNOICTIOLOGIA Q1: “Quais as técnicas de captura é a mais utilizada?” Q2: “Quais as espécies mais abundantes?” Q3: “Quais as espécies menos abundantes?” Q4: “Quantas espécies de peixes existe nessa região?” Q5:“Cite uma espécie” “O que esse peixe come?” “Qual seu habitat?” “Qual sua época de reprodução?” ACIDENTE DE TRABALHO Q6: “Já sofreu algum tipo de acidente de trabalho?” Q7: “Tem algum trauma/doença adquirida da pesca?” Q8: “Jornada de trabalho diária: menos de 12hs ou mais de 12hs?” Q9: “Tipo de acidente: típico ou trajeto?” Q10: Causas: “lesão por animal, corte com faca ou tesoura, lesão por anzol, acidente por barco a remo ou lesão por motor de barco?”. Resultados (Centropomus undecimalis) e a pescadinha (Cynoscion sp.) (Figura 1). Foram entrevistados 10 Em relação à quantidade de pescadores, 100% do sexo masculino. espécies na região 60% relataram haver Dos resultados encontrados, verificou-se mais de 20 espécies. que 70% dos pescadores utilizam a rede De acordo com os pescadores como técnica de captura, 60% usam a entrevistados a espécie menos abundante vara e 10% a tarrafa. As espécies mais é a pescada branca (Figura 2). abundantes na Baía de Paranaguá segundo a pesquisa são o robalo UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 3 (2018) p. 274-285. Página 277 F. R. de Freitas, C. R. Sampaio, H. R. de Freitas, R. B. da Silva, M. Clauzet Figura 1: Espécies mais abundantes no litoral de Paranaguá, Paraná. Figura 2: Espécies menos abundantes no litoral de Paranaguá, PR. Sobre os hábitos alimentares das espécies relaram que nunca tiveram, e não existentes no local de estudo foi possível possuem nenhum tipo de trauma e/ou verificar, através dos relatos dos doença adquirida que entendam advir das pescadores, que o conhecimento que eles atividades de pesca. Os outros 30% que têm sobre os hábitos alimentares dos responderam positivamente aos acidentes peixes está associado ao aprendizado com de trabalhos relataram: acidente gerações anteriores. ocasionao com rede ou tarrafa, traumas Com relaçao aos acidentes de por barco a remo e lesão por motor de trabalho (Figura 3), 70% dos pescadores barco. UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 3 (2018) p. 274-285. Página 278 F. R. de Freitas, C. R. Sampaio, H. R. de Freitas, R. B. da Silva, M. Clauzet Figura 3: Acidente de trabalho Sobre a jornada de trabalho diária na públicos, acadêmicos, seja a população pesca verificou-se que 50% dos de forma mais ampla que não conhece, ou que não consegue supor, que existam entrevistados trabalham menos de 12hs e mulheres pescadoras. Outra, diz respeito 50% mais de 12hs ao dia. ao contexto interno em que as famílias e A comercialização é feita por as próprias mulheres pescadoras, com atravessadores, dos quais os pescadores ênfase nas que atuam em terra, muitas dependem devido aos períodos de baixa vezes não se dão conta de que sem elas, a pesca não se reproduz. As mulheres com produção, quando este comerciante as quais convivi estavam em, fornece gêneros alimentícios de primeira praticamente, todas as etapas e formas necessidade. em que a pesca ocorre, seja pesca de cerco, de espera, de fundo, de anzol, de gaiola, de espinhel; de peixe, de camarão, de siri, de berbigão (GERBER, 2013, p.381 ). Discussão Rosso et al. (2016) destaca que está situação está presente no litoral do Há prevalência de indivíduos do Paraná, as mesmas não tem sexo masculino, entre os entrevistados. reconhecimento interno e trabalhista mas Resultados também encontrados por afirmam fazerem parte das comunidades Silva et al. (2009), Evangelista-Barreto et tradicionais, tendo os mesmos al. (2014), Mello et al. (2014) entre conhecimentos que os pescadores outros autores, destacando a atividade homens. como predominantemente masculina. A atividade pesqueira do litoral do Contudo, para Gerber (2013), apesar da Paraná (Tabela 2) possui pouca expressão falta do reconhecimento da mulher na no cenário da produção nacional, sendo pesca, pois em geral não trabalham considerada artesanal ou de pequena embarcadas, as mulheres estão presentes escala quando comparada à pesca dos no processo de limpeza e na demais estados das regiões sul e sudeste comercialização. A autora cita sobre as do Brasil. Embora não existam registros comunidades pesqueiras de Santa sistemáticos sobre o esforço pesqueiro, Catarina: sabe-se que existem mais de 70 vilas ou comunidades de pesca na região e que a ...a denominada invisibilidade feminina atividade é um setor importante no na pesca se dá de duas formas. Uma, por mercado regional, representando o meio parte de quem olha de fora, sejam órgãos UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 3 (2018) p. 274-285. Página 279 F. R. de Freitas, C. R. Sampaio, H. R. de Freitas, R. B. da Silva, M. Clauzet de vida de um número relevante de famílias (ANDRIGUETO, 2006). Tabela 2: Pescadores artesanais do Litoral do Paraná. Município Pescadores Antonina 742 Paranaguá 720 Pontal do Paraná 186 Fonte: APPA (Associação dos portos de Paranaguá e Antonina), 2016 O conhecimento ictiológico estar associadas a diferenças na qualidade (advindo do conhecimento tradicional) se ambiental, concluiu que nas duas regiões fez perceptível ao observar os pescadores a ictiofauna tem a mesma composição e entrevistados, evidenciando aspectos estrutura bastante semelhantes com outras ecológicos dos recursos pesqueiros regiões do estuário da Baía de Paranaguá. locais. Segundo Massena et al (2014), as Tais regiões são áreas de criação e informações locais deste conhecimento reprodução e, portanto, tendo a formação tradicional pode subsidiar planos de dos agregados aumenta-se a captura de pesca sustentáveis. Segundo Clauzet et cardumes. Nas duas regiões amostrais al. (2005) em análise comparativa em foram capturados 6338 peixes de 27 comunidades de pescadores caiçaras da famílias e 60 espécies. Predominaram em Barra do Una, litoral sul pertencente à termos numéricos as espécies Cathorops área do Mosaico de Unidades de spixii (bagre-amarelo), Genidens Conservação Juréia-Itatins e da Enseada genidens (bagre), Pomadasys do Mar Virado em Ubatuba no litoral corvinaeformis (coró-boca-roxa), Stellifer Norte, ambas em São Paulo, Brasil, nota- rastrifer (cangoá), Eucinostomus se que nas duas comunidades o argenteus (carapicu), Anchoa parva conhecimento é detalhado e transmitido (manjuba) e Etropus crossotus de geração para geração, sendo esta uma (linguado), com uma baixa frequência de característica cultural dos caiçaras. ocorrência nas demais espécies. As A disponibilidade de espécies curvas de abundância de espécies pode ser um fator determinante para o ranqueadas mostram alta dominância de tipo de técnica que será utilizada, espécies abundantes, relacionadas à espécies estas que são influenciadas captura de agregados de Cathorops spixii diretamente pelo funcionamento dos (bagre-amarelo), Pomadasys ecossistemas (NORTON 1995, DUMAY corvinaeformis (coró-boca-roxa) e et al. 2004). Genidens genidens (bagre). Em ambientes de estuários como Tais resultados vêm de encontro o de Paranaguá, Paraná as ações físicas e com o conhecimento local demonstrado químicas podem gerar estresse pelos pescadores artesanais entrevistados fisiológico, e definir a ocupação de nesta pesquisa, que relataram haver mais espécies n ambiente. Para uma de 20 espécies capturadas na região compreensão das comunidades de peixe estudada em Paranaguá. se faz necessário o estudo da diversidade Conforme o conhecimento filogenética e funcional (MANA et al. etnoictiológico, os pescadores artesanais 2013). estudados por Ramires et al (2007) nas Queiroz (2005) ao descrever comunidades caiçaras da Barra do mudanças temporais e espaciais na Ribeira e Jairê (Iguape), Carijo e Porto estrutura da ictiofauna demersal da Baía Cubatão (Cananéia) e Pedrinhas (Ilha das Laranjeiras e de Paranaguá e Comprida) citaram as seguintes identificar alterações na estrutura da Etnoespécies: Robalo, Robalão, Robalo- ictiofauna das duas áreas que possam chato, Robalo-flecha, Robalo-peva, UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 3 (2018) p. 274-285. Página 280 F. R. de Freitas, C. R. Sampaio, H. R. de Freitas, R. B. da Silva, M. Clauzet Robalo-cambuiapeva, Robalo-galhudo, friagem, ventos frios, ondas fortes), Robalo-peba-guaçu, Robalo-tirrinha, físicos (lesões nas mãos e nos pés), Robalo-água-branca, Manjuba, químicos (contato com secreções Manjubão, Manjuba-prego, Preguinho, venenosas ou de substâncias químicas) e Tainha, Tainha-tara, Tainha-grande, biológicos (contato com algas e Virote, Virotão, Tainhota, Virotinho, coliformes fecais) de acordo com Parati, Parati-guaçú, Parati-pema, Parati- Organização Pan-Americana da Saúde poá, Parati-chorão, Parati-flecha, Parati- (OPAS, 2001). do-rio, Parati-sabão, Parati-barbado, Em estudo realizado por Silva et Pescada, Pescadinha, Pescada-amarela, al. (2006) ficou constadado alterações Pescada-branca, Pescada-jaguara, labiais em pescadores da ilha de Santa Pescada-olhuda, Pescada-cambucu, Catarina, devido a alta exposição ao sol Pescada-sacu, Pescada-banana, Pescada- sem os devidos cuidados tais como: foguete, Sororoca e Cavala (RAMIRES et chapéu/boné ou protetor solar/labial. al, 2007). Observando pescadores de Valença (BA) Assim como registrado em ao praticarem a pesca artesanal Borges et Oliveira (2011), Ramires et al (2007) e al. (2016) constatou que estes estão Clauzet et al (2007) entre outros estudos expostos além dos raios ultravioletas, ao ao longo do litoral do Brasil, o frio, umidade, riscos de tempestades, instrumento que os pescadores ventanias, ressacas de marés, correntes entrevistados mais utilizam é a rede de marinhas fortes, a vazamentos do pesca (70%), pois captura grande combustível, vapores de óleo diesel, variedade de espécies. riscos a infecção causados por Todo o conhecimento, a ferimentos, esforço físico excessivo. O necessidade econômica e fatores naturais tempo levado para se conseguir uma definem a jornada de trabalho dos pesca rendavel pode levar os pescadores a pescadores. Verificou-se que 50% doenças psíquicas, e ao consumo de trabalham menos de 12hs e 50% mais de álcool e drogas ilicitas (TELES e 12hs. Embora neste estudo 70% dos VIDAL, 2000). Pode-se também pescadores relataram que nunca tiveram constatar o estresse, a insônia, pressão nenhum tipo de trauma e/ou doença alta, depressão grave (BARBOSA, 2004). adquirida da pesca, esta percentagem não De acordo com Doimo et al. é a ideal, pois todo e qualquer trabalhador (2013) os pescadores do Perequê deve exercer suas atividades trabalhistas (Guarujá, SP) e Bertioga (SP) de maneira 100% segura, mantendo sua desconhecem as legislações de prevenção integridade fisica e psiquica. Os outros e amparo a saúde, bem como os efeitos 30% dos entrevistados relataram as de acidentes ou enfermidades. Cinco seguintes doenças e/ou traumas: acidente entrevistados sofreram amputações de ocasionao com rede ou tarrafa, traumas falanges e 1 sofreu amputação de MSD por barco a remo e lesão por motor de durante a atividade de trabalho. As barco. regiões anatômicas atingidas pelas lesões Na literatura, existem diversos foram os membros superiores, cabeça, o trabalhos relatando os acidentes e tronco e um caso de hipotermia, tendo doenças adquiridas pela prática da pesca como incidência de acidentes encontrados artesanal e industrial. De acordo com de 19,6%. Pimenta e Vidal (2000), a atividade de O contato com pescadores é pesca deixa os trabalhadores expostos a fundamental, pois, permite a coleta de situações imprevisiveis e de alto risco. informações para um entendimento da Riscos estes que podem ser: ergonômicos fauna ictiológica local, incluindo aspectos (problemas de postura), naturais de sua identificação, dieta, reprodução, (incidência de sol na pele e olhos, abundancia e comportamento. Esse UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 3 (2018) p. 274-285. Página 281 F. R. de Freitas, C. R. Sampaio, H. R. de Freitas, R. B. da Silva, M. Clauzet conhecimento tradicional contribuiu para destacamos a importância de novos reconhecer os peixes da região que estão estudos de caráter de saúde entre estes precisando de maior atenção, com pescadores para aprofundar a temática e declínio de população ou em vias de identificar como melhorar a pratica de desaparecimento local. Em diversos pesca nesta região. estudos as perdas de espécies e/ou alterações da estrutura de comunidades têm sido associadas com poluição Referências bibliográficas (MARQUES, 2001). A pesca no litoral do Paraná ANDRIGUETTO FILHO, J. M. Os abrange realidades tão diversas quanto à sistemas de produção pesqueira. In: multiplicidade de espaços aquáticos Desenvolvimento no litoral do Paraná: disponíveis para a captura do pescado. subsídios à ação. LIMA, R. E. & Observamos num extremo a existência de NEGRELLE, R. B. Curitiba: NIMAD- uma pesca de subsistência, realizada com UFPR, 2002 equipamentos bastante simples. E no outro, a presença da pesca ANDRIGUETTO-FILHO, J. M.; industrial/empresarial de frota tecnificada CHAVES, P. T.; SANTOS, C.; e que emprega de maneira formal e LIBERATI, S. A. (2006). Diagnóstico da informalmente na captura e no pesca no litoral do estado do Paraná. beneficiamento. Todos atuam no estoque In: ISAAC, V.J.; MARTINS, A. S.; de recursos marinhos disponíveis e HAIMOCIC, M.; ANDRIGUETTO- influenciam a economia e a sociedade da FILH O, J.M. (Ed.). A pesca marinha e região costeira. estuarina do Brasil no início do século Sobre a saúde dos pescadores, é XXI: recursos, tecnologias, aspectos possível refletir que o curto tempo de socioeconômicos e institucionais. trabalho de campo desta pesquisa, ou o Belém: Editoria Universitária da UFPA. numero ainda reduzido de entrevistas v.1. p. 117-140. tenha direcionado o resultado relacionado a doenças decorrentes da atividade de BALEÉ, W. 1993 Footprints of the pesca. Outra hipótese é de que os forest: Kaápor ethnobotany- the pescadores não tenham associado, nos historical ecology of plant utilization momentos das entrevistas, suas doenças by an Amazonian people. New York, ou traumas existentes às suas práticas de Columbia University Press, 396 p. pesca. BARBOSA, S.R.C.S. Identidade social Conclusão e dores da alma entre pescadores artesanais em Itaipu, RJ. Revista Conclui-se que os pescadores Ambiente & Sociedade - v. 7, n. 1, jan. / entrevistados em Paranaguá pescam jun. 2004. espécies semelhantes a outras comunidades do litoral sudeste do Brasil, BEGOSSI, A.; SILVA, A.; SEIXAS, C.; com aparelhagens semelhantes e não CASTRO, F.; PEZZUTI, J.; associam a pesca a traumas ou doenças HANAZAKI, N.; PERONI, N. and de saúde. Vale destacar a existência do SILVANO, R. 2004. Ecologia de detalhado conhecimento sobre os pescadores da Mata Atlântica e da recursos que exploram e está em Amazônia. São Paulo, Hucitec, 332 p. conformidade com pescadores de outras localidades do Brasil, mostrando BIERNACKI, P. and WALDORF, D., identidade cultural entre as diferentes 1981. Snowball sampling: Problems comunidades litorâneas. Por fim, and techniques of chain referral UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 3 (2018) p. 274-285. Página 282 F. R. de Freitas, C. R. Sampaio, H. R. de Freitas, R. B. da Silva, M. Clauzet sampling. Sociological methods & marítima. São Paulo: NUPAUB-USP, . 1995. research, 10(2), pp.141-163 DOIMO, R.A. F.; BARRELLA, W.; BOFFO, M. S., REIS, G. E. Atividade MELLO, A.L.R.; RAMIRES, M. A pesqueira da frota de média escala no importância do uso do Equipamento de extremo sul do Brasil. FURG – proteção individual para a redução de Departamento de Oceanografia acidentes no trabalho dos pescadores Laboratório de Recursos Pesqueiros artesanais da Baixada Santista. Artesanais. 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