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O Caos e a Harmonia - a Fabricação do Real PDF

486 Pages·1999·8.1 MB·Portuguese
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TRINH XUÀN THUAN O CAOS E A HAR MONIA a fabricação do real Terramar FICHA TÉCNICA © Librairie Artheme Fayard, 1998 Título original: Le Chaos et l 'Harmonie – la fabrication du réel Edição original: Fayard, Paris, 1998 1. edição portuguesa: Terramar, Outubro de 1999 Tradução: Maria José Figueiredo Revisão: Francisco Rodrigues Capa: Fernando Felgueiras Paginação: Neograf Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda. Depósito legal: 142195/99 ISBN: 972-710-245-X Todos os direitos desta edição reservados por TERRAMAR Editores, Distribuidores e Livreiros, Ltda Av. António Augusto de Aguiar, 74 r/c Esq. 1069-129 LISBOA - PORTUGAL Telefones: 315 68 74 - 316 08 97 - Fax: 314 22 48 E-Mail: [email protected] À memória do meu Pai e a todos aqueles que procuram a beleza e a harmonia. PREFÁCIO Assistimos, neste final do século XX, a uma verdadeira reviravolta na nossa forma de conceber o mundo. Depois de ter dominado o pensamento ocidental durante 300 anos, a visão newtoniana de um universo fragmentado, mecanicista e determinista deu lugar à visão de um mundo holístico, indeterminista e exuberante de criatividade. Para Newton, o universo mais não era que uma imensa máquina composta por partículas materialmente inertes, submetidas a forças cegas. A partir de um pequeno número de leis físicas, toda a história de um sistema podia ser explicada e prevista, desde que se conseguisse caracterizá-lo num dado instante. O futuro estava contido no presente e no passado, e o tempo era, de alguma forma, abolido. Encontrávamo-nos, pois, perante uma estranha dicotomia: por um lado, leis da Natureza invariantes e intemporais; por outro, um mundo mutável e contingente; por um lado, leis da física, que não conhecem a direcção do tempo; por outro, um tempo termodinâmico e psicológico, que progride constantemente. Um castelo não conservado cai em ruínas, uma flor morre e os nossos cabelos embranquecem com o passar do tempo; nunca o inverso. O Universo estava encerrado numa rígida camisa de forças que lhe retirava toda a criatividade e lhe proibia em absoluto a inovação. Tudo estava irremediavelmente fixado à partida, e não era permitida qualquer surpresa. Circunstância que deu origem à célebre frase de Friedrich Hegel: «Nunca há nada de novo na Natureza». Era um mundo onde o reducionismo dominava como rei e senhor. Bastava decompor um sistema complexo nos seus elementos mais simples e estudar o comportamento das suas partes para compreender o todo. Porque o todo não era nem mais nem menos que a soma dos seus componentes. Existia uma relação direta entre a causa e o efeito. A amplitude do efeito era invariavelmente proporcional à intensidade da causa e podia ser determinada à partida. Este determinismo limitativo e esterilizante e este reducionismo rígido e desumanizador prevaleceram até ao final do século XIX. Foram abalados, transformados, e finalmente varridos por uma visão muito mais exaltante e libertadora, que se constituiu no decurso do século XX. A dimensão histórica entrou em força numa série de disciplinas científicas. A contingência ocupou o lugar que lhe competia por direito próprio em domínios tão variados como a cosmologia, a astrofísica, a geologia, a biologia, a genética. O Real deixou de ser determinado exclusivamente pelas leis naturais, aplicadas a condições iniciais particulares, passando a ser modelado e formado por uma sequência de acontecimentos contingentes e históricos. Alguns destes episódios, que modificaram e transformaram a realidade no seu nível mais profundo, estiveram na própria origem da nossa existência. Foi o que aconteceu com o bólido pedregoso que veio embater na nossa Terra há cerca de 65 milhões de anos; ao provocar o desaparecimento dos dinossáurios, favorecendo a proliferação dos nossos antepassados, os mamíferos, esse choque contingente foi responsável pela nossa emergência. Desfazia-se em estilhaços o sonho formulado por Laplace no século XVIII de uma inteligência que «englobasse na mesma fórmula os mais amplos movimentos dos maiores corpos do Universo e os do mais pequeno átomo» e para a qual «nada fosse incerto ... e o futuro estivesse, como o passado, presente aos seus olhos». A intrusão da história não foi a única responsável pela libertação da Natureza. As próprias leis tisicas perderam a sua rigidez. Com o advento da mecânica quântica, no início do século XX, o acaso e a fantasia entraram em força no mundo subatómico. E a fastidiosa certeza determinista foi substituída pela estimulante incerteza da imprecisão quântica. O reducionismo estreito e simplista foi varrido e a realidade fragmentada e localizada tomou-se holística e global. E nem o mundo macroscópico foi poupado: com a teoria do caos, o acaso e a indeterminação invadiram, não somente a vida de todos os dias, mas também o domínio dos planetas, das estrelas e das galáxias. O aleatório irrompeu num mundo regulado de forma excessivamente minuciosa. O recurso a uma simples relação de causa a efeito deixara de ser suficiente. A amplitude dos efeitos deixara de ser sempre proporcional à intensidade das causas. Determinados fenômenos eram tão sensíveis às condições iniciais que uma alteração ínfima no início podia conduzir, na evolução posterior do sistema, a uma alteração tal que todas as previsões se tomavam vãs. A afirmação de Poincaré em 1908 - «Uma causa muito pequena, que nos escapa, determina um efeito considerável que não conseguimos deixar de ver, e então dizemos que esse efeito se deve ao acaso» - não podia estar mais distante das formulações laplacianas. Desembaraçada da sua camisa de forças determinista, a Natureza pode dar livre curso à sua criatividade. As leis intemporais da tisica fornecem-lhe temas gerais à volta dos quais ela pode criar e improvisar. Elas delimitam o campo do possível e oferecem potencialidades diversas. Compete à Natureza realizá-las. Compete-lhe decidir o seu destino e definir o seu futuro. Para fabricar a complexidade, a Natureza vai jogar com o não equilíbrio, na medida em que as estruturas apenas nascem a partir de situações fora de equilíbrio. A simetria só é interessante a partir do momento em que é destruída. É afastada do equilíbrio que a matéria gera algo inédito. A ordem perfeita é estéril, enquanto a desordem controlada é criativa, e o caos determinista, portador de novidades. A Natureza inova; cria formas belas e variadas, que não podem continuar a ser representadas por linhas retas ou por simples figuras geométricas, mas apenas podem sê-lo por curvas mais complexas, a que Benoit Mandelbrot chamou «fractais». A matéria organiza-se de acordo com leis de organização e princípios de complexidade, e adquire propriedades «emergentes» que não podem ser deduzidas do estudo dos seus componentes . O reducionismo está claramente morto. Esta liberdade recuperada da Natureza lança uma nova luz sobre a antiga dicotomia entre as leis tisicas intemporais, eternas e imutáveis, e o mundo temporal, mutável e contingente: a Natureza está dentro do tempo porque pode inovar e criar à volta de leis que estão fora do tempo. Pretendi traçar aqui o desenvolvimento das ideias que conduziram a esta nova visão do mundo. A presente obra está organizada da seguinte maneira: O Capítulo 1 evoca a verdade e a beleza. A actividade científica é frequentemente considerada fria e impessoal, desprovida de qualquer sentimento estético. Nada mais falso. O Capítulo II conta a história do sistema solar, a fim de ilustrar o modo como o Real é determinado, a todos os níveis, pela acção conjugada do indeterminado e do determinado, do acaso e da necessidade. Enquanto assistimos ao nascimento do Sol e dos planetas, descobriremos de que forma os impactes dos bólidos rochosos na Terra são responsáveis, não apenas pela beleza florida da Primavera e pela doce claridade da Lua, mas também pela nossa própria existência. O Capítulo III descreve a teoria do caos. Através de exemplos retirados da astrofísica, da meteorologia, da economia, da biologia e da medicina, perceberemos de que forma o caos auxilia a Natureza a realizar as suas potencialidades de fabricação do Real. O Capítulo IV mostra como a Natureza se serve de subtis princípios de simetria para impor uma profunda unidade ao mundo tisico. Foram estes princípios de simetria que nos permitiram unificar a eletricidade com o magnetismo, o tempo com o espaço. Nele faremos ainda uma visita aos «buracos negros», onde o par espaçotempo atinge o seu estado mais estranho. No Capítulo V, entraremos no mundo dos átomos. Constataremos que aí reina a imprecisão quântica e que, nesse domínio, o Real deixa de ser objetivo e passa a depender do observador. Examinaremos de que forma os princípios de simetria nos ajudam a pôr ordem na espantosa variedade das partículas e nos aproximam de uma teoria unificada das forças fundamentais da Natureza. Descreveremos a mais recente teoria, de acordo com a qual as partículas elementares mais não são que vibrações de «extremidades de corda» infinitesimalmente pequenas num espaçotempo a dez dimensões! O Capítulo VI narra de que forma a Natureza, com a liberdade que lhe conferem o caos e a imprecisão quântica, exerce a sua criatividade. Nele examinaremos como realiza ela as potencialidades contidas nas leis físicas, a fim de criar a vida. Veremos que esta não pode, em caso algum, ser explicada de maneira puramente reducionista : um organismo vivo é mais do que a soma dos átomos e das moléculas que o compõem. Aqui, teremos de fazer apelo a princípios «emergentes» de auto-organização e de complexidade, que agem holisticamente, à escala global de todos os organismos. O Capítulo VII discute a «desrazoável eficácia» do homem na compreensão do Universo. Não somente as leis tisicas foram reguladas de maneira extremamente precisa para que a vida emergisse, como também permitiram o aparecimento da consciência. Por que razão têm essas leis urna natureza matemática? Poderá o homem compreender o Universo e dar-lhe um sentido? Esta obra é dirigida ao «homem comum» não provido de bagagem técnica, curioso, não apenas relativamente aos extraordinários avanços da ciência no século XX, mas também relativamente às suas implicações filosóficas e teológicas. Ao escrevê-lo, esforcei-me por ser tão preciso e rigoroso quanto possível utilizando uma linguagem não técnica. Para explicar conceitos científicos difíceis, recorri frequentemente a imagens. Para facilitar a leitura, reuni num glossário, no final do livro, uma lista de palavras não correntes, de que apresentei uma definição sucinta. Esforcei-me particularmente para que a sua forma, tão simples e agradável quanto possível, aligeirasse um discurso por vezes árido. Inseri ainda desenhos e fotografias destinados, não apenas a ilustrar as minhas afirmações, mas também a animá-las. TRINH XUAN THUAN Paris, Agosto de 1997

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