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O Apocalipse PDF

14 Pages·2009·0.15 MB·Portuguese
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O Apocalipse Cânon, simbolismo, doutrina e parâmetro de avaliação histórica Hugo Hortêncio de Aguiar Sumário 1. Introdução. 2. O nome. 3. Literatura apo- calíptica. 4. A autoria. 5. O simbolismo. 6. O conflito doutrinário. 7. Conclusão. 1. Introdução Foi um programa do canal 51, “Disco- very Channel”, da série documentária “As Escrituras”, que nos fez escrever este artigo, abordando um tema tão discutido como o “Apocalipse”. Como o documentário fazia referência à descoberta arqueológica de um manus- crito no Egito que, em parte, refazia a tradição do simbólico número 666, pelo número 616, trazendo em conseqüência interpretações diversas dos eventos e personagens do manifesto escatológico, resolvemos colaborar com a nossa parte, mostrando não ser essa sugestão novi- dade, como também oferecendo ao leitor algumas curiosidades sobre a cabalística numerologia judaica. Durante os séculos XIX e XX, centenas e centenas de livros foram editados sobre a matéria, além de publicações diversas, ensaios, artigos de revistas e jornais, entrevistas pelos meios de comunicação enfocando os aspectos essenciais desse curioso documento bíblico, sendo o sim- Hugo Hortêncio de Aguiar é militar reforma- bolismo judaico, inegavelmente, o pólo de do e especialista em cultura do Oriente Médio. atração máxima do interesse dos leitores. Brasília a. 45 n. 178 abr./jun. 2008 321 RRiill117788LLIIVVRROO..iinnddbb 332211 1133//0088//22000088 0088::5533::4466 Assim, não vamos tratar o assunto como A maioria dos idiomas adota o signi- mais um exegeta, isto é, discutindo aspec- ficado “revelação” como tradução, o que tos doutrinários, o que delegamos para é legítimo, pois assim está explícito em pastores e dirigentes espirituais das várias qualquer dicionário grego bilíngüe. No seitas cristãs, pois reconhecemos a nossa entanto, uma minoria de línguas, como é limitação no conhecimento básico especia- o caso do português, mantém a palavra lizado, imprescindível para tal, o que não original grega transliterada, com a natural é nenhum demérito, uma vez que nenhum diferença de pronúncia. Acontece que, dos analistas, pesquisadores, historiadores nessa segunda opção, o termo “apocalipse” dos mais renomados do mundo conseguiu tem um indisfarçável sentido de “fim de até hoje, de modo completo e irrefutável, mundo”, prevalecendo sobre os aspectos dominar a essência escatológica de tão fa- históricos e doutrinários. buloso documento doutrinário e profético. No segundo caso, é o misticismo su- As pesquisas e tentativas arqueológicas têm perando a semântica, indo ao encontro da sido exaustivas, sendo a citada pelo referido preocupação natural de grande número de seriado de TV apenas uma a mais, entre leitores ávidos por predições escatológicas, as inúmeras, na ansiosa busca de solução ansiosos por uma antevisão do futuro deste desse intricado quebra-cabeças. nosso conturbado planeta, dando ao termo É isso que pretendemos mostrar ao uma irrefutável autenticidade. leitor, quase a título de curiosidade, enfo- A aceitação do “Apocalipse” somente cando especialmente a simbologia numé- como repertório de eventos históricos e rica judaica e abordando, somente quando bíblicos, ou apenas como veículo de propa- absolutamente necessário, a temática gação doutrinária, de que ele é de fato um doutrinária. E isso só faremos no item 6 e exemplo substancial, limita sua abrangên- na “conclusão”, pois não podemos deixar cia milenar e o seu fascínio como previsão de caracterizar o papel fundamental repre- profética, às vezes pessimista, o que tanta sentado pelo Apocalipse no antagonismo perturbação causou nos primeiros séculos doutrinário, o mais sério problema nos da Era Cristã, com reflexos sensíveis até primeiros anos do Cristianismo, deixando nossos dias, entre dirigentes espirituais e marcas profundas, por que não dizermos, exegetas das diversas seitas religiosas, espe- até os dias de hoje. cialmente entre os menos preparados para a apreciação de tão polêmico documento. 2. O nome 3. Literatura apocalíptica A palavra “Apocalipse” é uma transli- teração, quase que em exata projeção grá- É muito vasta. Além dos apocalipses fica, do termo original grego, significando canônicos, um do Antigo e outro do Novo “revelação” em português. A pronúncia, Testamento, conhecidos respectivamente naturalmente, é diferente. A tônica, em gre- como de Daniel e de São João, há uma infi- go, é no segundo “a”, enquanto em nossa nidade de outros menos difundidos, como língua é no “i”. o de Abraão, o da Assunção de Moisés, o Assim, em grego transliterado, é “Apo- de Henoc (em três idiomas diferentes), o de cálipsis”; em português é “Apocalipse”. O Baruc, o de Isaías, o de Esdras, o dos Jubi- sinal da acentuação tônica é somente para leus, o do Testamento dos Doze Patriarcas, caracterizar a diferença de pronúncia; não os pequenos apocalipses dos Evangelhos, obedece às regras de pontuação, nem da o da Epístola de São Paulo e outros con- gramática grega, nem da gramática por- siderados apócrifos, pseudonímicos ou tuguesa. interpolações. 322 Revista de Informação Legislativa RRiill117788LLIIVVRROO..iinnddbb 332222 1133//0088//22000088 0088::5533::4466 A todos eles se podem aplicar consi- deu...” etc.; melhor identificação autoral derações semelhantes, respeitados alguns não existe. aspectos especiais, que se resumem nas Quando discutimos a chamada seguintes: “autoria”1 do Apocalipse de João, estamos – descrição de fatos passados, análise na realidade procurando identificar o vi- da situação presente e predições sobre o dente, o receptor da comunicação, o inter- futuro, tudo referido a períodos da história mediário da manifestação sobrenatural, que caracterizados por flutuações de poder de se autodenomina João, logo na Introdução. reinos e impérios, o que implica erros cro- No Espiritismo, sem descer a considerações nológicos e de onomástica, pois, pela falta precisas, é chamado “médium”. de recursos tecnológicos, as referências Há inúmeras correntes de opinião sobre eram inexatas; esse citado João, inclusive a de que ele seja – foram concebidos em períodos de um pseudônimo. Contudo, a esta altura crise, como conforto, projetando sempre, das análises, podemos assegurar que os como recompensa, uma promessa messi- pesquisadores estão grupados em duas ânica; correntes, quase que em sua totalidade, – eram pseudonímicos, para que seus adotando o seguinte: autores fugissem à perseguição dos opres- – o primeiro grupo, com menor número sores. O do Novo Testamento foge a essa de adeptos, mas com significativa expres- regra, substituindo esse recurso por um são, defende a idéia de que o João do Apo- simbolismo fantástico; calipse seja um outro João da Ásia Menor, – não havendo imprensa nem qualquer com especial indicação para o presbítero meio mecânico de reprodução, os docu- João de Hierápolis, cidade próxima a Éfeso mentos eram grafados manualmente por e de muita importância na época; redatores e copistas que se sucediam, às – o segundo grupo, em grande e tra- vezes, por gerações sucessivas, originando dicional maioria, não aceita outra autoria erros de datas e lugares, muitas vezes sig- para o Apocalipse do Novo Testamento nificativos, com adulteração do sentido – o diferente da do apóstolo e evangelista João, problema era constante; filho de Zebedeu e Salomé. – finalmente, o simbolismo, traço cultu- Vejamos as razões que são apresentadas ral do oriental, em geral, e do judeu, em par- em defesa das duas correntes de opinião: ticular, teve seu uso pleno nos apocalipses, a) do primeiro grupo, contrário à autoria chegando ao máximo no Apocalipse de São de João Evangelista: João, que, além de uma obra doutrinária – não há certeza da presença de João de magnitude, continua, como conjunto Evangelista em Éfeso; profético e apocalíptico, a desafiar, pelo seu – como em vários outros apocalipses, o simbolismo, a perspicácia dos estudiosos. nome João pode ter sido pseudônimo, como regra de fuga às perseguições que, no caso dos romanos, eram tão violentas em Éfeso 4. A autoria (capital asiática) quanto em Roma; No item anterior, dissemos que uma das – havia na região de Éfeso um presbíte- características dos apocalipses era a pseu- ro chamado João, mais ligado à cidade de donímia dos autores, como meio de fugir Hierápolis; segundo Papias, bispo dessa à repressão do poder constituído, e que o Apocalipse de João era uma exceção. 1 A partir deste ponto, vamos usar os termos “au- toria” e “autor” no sentido genérico, para facilidade De fato, esse apocalipse, já na primeira de exposição, pois já esclarecemos que o verdadeiro fase, identifica o seu verdadeiro autor: “O autor do Apocalipse é Jesus Cristo, como está explícito Apocalipse de Jesus Cristo, o que Deus lhe na Introdução do manifesto. Brasília a. 45 n. 178 abr./jun. 2008 323 RRiill117788LLIIVVRROO..iinnddbb 332233 1133//0088//22000088 0088::5533::4466 cidade, e uma fonte em Alexandria, o – o Apocalipse está escrito em grego presbítero João pode ter sido até discípulo elementar3, refletindo em verdadeira gran- de João Evangelista, pois eram da mesma deza a limitação cultural de João, filho de época; com certeza, adotava todos os prin- Zebedeu e Salomé, um Galileu que falava cípios cristãos; um inculto aramaico. Como sabemos, os – o documento apresentava conceitos e apóstolos, quando em missão, comunica- imagens não condizentes, aparentemente, vam-se com o povo do país que percorriam quanto ao ensino de Jesus, particularmente de acordo com o grau de cultura que eles, no aspecto pessimista, não apropriado a apóstolos, possuíam. Quanto ao conflito um seu apóstolo. com a doutrina de Jesus, comentaremos o b) do segundo grupo, que julga a autoria assunto no item 6 e na “Conclusão”; do apóstolo João como a única possível: – apenas uma curiosidade: até alguns – não há prova concreta da presença de anos passados (não sabemos se ainda conti- João Evangelista em Éfeso, mas há indícios nua assim), havia um passeio turístico para veementes de sua estada demorada naquela visita ao túmulo de Maria, em Éfeso. Essa região: conotações cronológicas e citações viagem de Maria, acompanhando o após- históricas correlatas de fatos e lugares dão tolo João a Éfeso, onde ela teria morrido, um peso muito grande às atividades do é uma tradição paralela, sendo a tradição Apóstolo na área, bem como a seu desterro principal que o seu passamento se deu mes- na ilha de Patmos; mo em Jerusalém, em condições especiais. – embora não seja uma prova decisiva, Concordamos com essa última, que mais a citação do nome de João no Apocalipse responde aos costumes judaicos. Maria não deixa de ser, pelo menos, um fator teria falecido cerca do ano 50 d.C. , mais ou sugestivo; menos com 70 ou 72 anos de idade. João, – não havia na região, segundo o que que a adotara, só depois teria se deslocado tem sido pesquisado, nenhum outro João, para Éfeso, sozinho, lá pelo ano 51 d.C. a não ser o presbítero de Hierápolis; Retornando à autoria do Apocalipse, – referido presbítero, mesmo com seu podemos afirmar que não somente as fontes provável Cristianismo, não possuía lide- cristãs, como renomados analistas de orien- rança carismática marcante na área para tação “racionalista” aceitam o apóstolo João escrever cartas de censura tão fortes quanto Evangelista como o verdadeiro autor do às dirigidas às Igrejas da Ásia Menor, qua- Apocalipse do Novo Testamento, o canô- lidade que João Evangelista apresentava nico, restando, atualmente, pouca oposição sobejamente. As poucas referências ao a essa corrente de opinião. presbítero de Hierápolis não tinham con- sistência para caracterizá-lo como autor de 5. O simbolismo manifesto de tal magnitude; – embora escrito em grego2, o docu- O uso exagerado do simbolismo era a mento é indiscutivelmente de inspiração forma de expressão literária preferida pelos judaico-cristã, redigido por alguém muito profetas, com especialidades nos trechos ligado aos cristãos de Jerusalém, conhe- escatológicos, em que, juntamente com a cedor profundo daquela cidade e de seus pseudonímia, procuravam fugir à ira dos costumes, o que indica a figura do apóstolo poderosos; como também, pela tradição João; 3 Segundo Antônio Freire, jesuíta português e uma 2 O Apocalipse pode ter sido, inicialmente, escrito autoridade em cultura helênica, as obras do Novo em aramaico ou hebraico e transcrito para o grego Testamento, da autoria de João Evangelista, são as que pelo próprio João Evangelista, ou por um escriba, seu mais se afastam da pureza da linguagem, sobretudo discípulo ou amigo. Isso era comum na época. o Apocalipse. 324 Revista de Informação Legislativa RRiill117788LLIIVVRROO..iinnddbb 332244 1133//0088//22000088 0088::5533::4466 bíblica, era um recurso muito simpático ao Assim, 666 significaria a maldade hu- grande público. mana em toda a sua plenitude. Isso era devido ao grande número de Os leitores certamente têm conhecimen- figurações de elementos da natureza, como to de outros números simbólicos, além do animais selvagens, ainda numerosos, e número 666. fenômenos atmosféricos, não identificados O número 7, que significa seqüência, sé- cientificamente. A linguagem era acessível rie, também expressa “perfeição terrestre”. porque traduzia aspectos práticos da vida O número 10 e seus múltiplos, aumento de dos habitantes; mas se complicou gradu- dimensões. O número 12 e seu quadrado almente quando o simbolismo enveredou (144), multidão, grande quantidade. pelos numerológicos esotéricos, exigindo Jesus de Nazaré utilizou muito o simbo- leitores “iniciados”. Esse tipo de simbo- lismo, em geral4. Perguntado quantas vezes lismo, sem dúvida mais elitista, restringiu devemos perdoar, respondeu 70 x 7, isto é o leque do rebanho receptivo. Por outro (7 x 10) x 7 (Mateus, XVIII, 20), que é uma lado, despertou mais interesse dos leitores, quantidade respeitável de vezes. sequiosos pela busca da verdade e fascina- No entanto, o número 666 é realmente o dos pelo teor cabalístico. Tomemos como que mais desperta a curiosidade, pois, além exemplo a atenção especial que o número dos fluidos esotéricos que lhe atribuem, 666 desperta. Depois de tudo que temos apresenta arranjos numéricos singulares: lido e relido sobre esse renomado núme- 36, quadrado de 6 (o número do “mal”), é ro, pouco temos a acrescentar, mas vamos triangular de 8 (a soma interior de números tentar, pelo menos, aumentar sua fama, inteiros de 1 a 8). Assim: 8 + 7 + 6 + ... + 1 citando algumas “curiosidades”. = 36. Por sua vez, 666 é triangular de 36 (a No cabalismo oriental, e particularmen- soma dos números inteiros de 1 a 36). As- te na tradição bíblica judaica (mais próxima sim: 36 + 35 + 34 + ... + 1 = 666. de nós), há muitas lendas a respeito desse De modo que 666 é a conseqüente de um número, que tem por base o algarismo 6, a arranjo matemático com base 8, aumentada “expressão do mal”. em dupla escala: número 8 esse que João O conceito vem de época muito antiga. Evangelista identifica com a “Besta”. Essa Vamos citar dois exemplos. identificação tem causado muito espanto Golias, o gigante filisteu, era um guer- às fontes cristãs, para as quais o número 8 reiro que representava a maldade contra é também símbolo de “perfeição celestial”. o reino de Israel, no tempo de David. Era Compreendamos tanto esoterismo... tido como possuidor de seis dedos, nas Mas João Evangelista declara (Apocalip- mãos e nos pés. se, cap. XIII, 18): “Aqui é preciso discerni- Depois do retorno da Babilônia, símbolo mento. Quem é inteligente calcule ...”. da corrupção e do poder, os judeus pro- O conceito de “Besta do Apocalipse”, palavam muitas estórias sobre edificações embora personificada esta num só homem, naquela cidade, quase sempre ligadas a é abrangente, referido não somente ao Im- deuses pagãos, cujas medidas eram seis pério Romano e seus Imperadores, mas a ou múltiplos de seis, referidas às unidades toda sociedade contaminada pela maldade básicas de então. e pela devassidão, particularmente a de O número 666 é uma repetição trialga- rítmica do número 6, ajustando-se perfei- 4 A parábola, muito usada por Jesus, é uma forma tamente ao espírito literário tradicional do de simbolismo em que são usadas figuras concretas, reais, para expressarem imagens virtuais. É uma judeu, que usa a repetição (além de duas forma indicada quando é grande a diferença de ní- outras formas) para expressar o superlativo vel cultural entre o locutor (pregador) e os ouvintes absoluto, inexistente em sua gramática. (doutrinados). Brasília a. 45 n. 178 abr./jun. 2008 325 RRiill117788LLIIVVRROO..iinnddbb 332255 1133//0088//22000088 0088::5533::4477 Roma, um exemplo histórico dessas duas pondência entre as letras e os números, em características. Todavia, nem todo mundo grego, para conseguirmos o resultado 616. aceita 666 como expressão numérica da Três foram as alternativas consideradas Besta do Apocalipse. para essa prospecção: A citação de uma descoberta arqueoló- 1) Foi considerado o número como título gica, pelo “Discovery Channel”, em Nag de quase todos os imperadores “César- Hammadi, Egito, foi o motivo principal que Deus”. Fazendo a transliteração do por- nos levou a escrever este artigo. tuguês para o grego, temos: César-Deus= O manuscrito descoberto (um deles) Kaisar-Teos (pronunciar “Késsar Theós”, fazia referência ao número 616, que ex- pois o T de Teos, em grego, é um “teta” e pressaria realmente a imagem da Besta, não um “t” e vale 9). Fazendo a correspon- descartando o tradicional 666. dência numérica, temos: Essas descobertas em Nag Hammadi são (K A I S A R) + (Th E O S) = consideradas, no mínimo, suspeitas, pois (20 + 1 + 10 + 200 + 1 + 100) + (9 + 5 um documento conhecido como “Heresia + 70 + 200) = de Basílides”5, constante de um documento (332) + (284) = 616 apócrifo, e fazendo parte dessa propalada 2) A segunda alternativa considera to- descoberta, relata como “farsa” a morte das as contagens da série de Imperadores de Jesus de Nazaré na cruz, apresentando a partir de Calígula (em português Caio relatos parciais, de uma incoerência infan- César, em latim Gaius Caesar e em grego til. Como a nossa posição é lidar com os transliterado Gaios Kaisar). Temos a cor- elementos postos na mesa para discussão, respondência: principalmente os referentes a simbolismo, nosso objetivo neste item 5, vamos compa- (G A I O S) (K A I S A R) rar as duas correntes mais destacadas na (3 + 1 + 10 + 70 + 200) + (20 + 1 + 10 discussão dessa numerologia. + 200 + 1 + 100) A primeira corrente, embora menos 284 + 332 = 616 numerosa, é exatamente aquela que ad- Nessas duas alternativas, temos que mite como centro de toda essa simbologia fazer uma concessão histórica a seus de- numérica o número 616. Foi influenciada fensores: atribuirmos a Calígula o início naturalmente pela descoberta arqueológica das contagens, como se ele tivesse sido o no Egito e é constituída de dois grupos: centro ou o marco inicial das perseguições os pesquisadores conscienciosos, que só aos cristãos. No período de Calígula (37 têm como objetivo a busca da verdade, e d.C. a 41 d.C.), os primeiros judeus cristãos aqueles que dão crédito a qualquer fonte de estavam chegando em Roma e nem eram informação, contanto que seja concordante identificados. Somente no período do impe- com suas posições filosóficas. Nessa linha rador Cláudio, sucessor de Calígula, houve de pensamento, temos que fazer a corres- a primeira deportação de judeus (que não chegou a ser uma perseguição violenta), 5 Essa “Heresia de Basílides”, contida num docu- mento apócrifo, achado em Nag Hammadi, Egito, é cujo objeto de culto era um certo “Chrêsto” analiticamente incorreta e incompetente (realizamos (assim pronunciavam a palavra “Cristo”), uma pesquisa consistente, minuciosa e completa de e que os romanos pensavam ser os adep- toda a Paixão, no seu local exato). Nem o MI-5 ou o tos de uma seita judaica. Calígula nunca MI-6 da Inteligência da Inglaterra, país da primeira edição do livro “O Santo Graal e a Linguagem Sagra- perseguiu cristãos, mesmo porque não era da”, poderiam arquitetar e realizar uma proeza igual possível cronologicamente tal imputação, e, à que a publicação descreve nas págs. 294 a 300, 321 além disso, ele só se interessava pelo pró- e 322, constituindo, na realidade, um acinte à astúcia prio endeusamento. Era reconhecidamente e perspicácia dos dirigentes fariseus da época da crucifixão de Jesus. louco e intentou erigir uma estátua sua no 326 Revista de Informação Legislativa RRiill117788LLIIVVRROO..iinnddbb 332266 1133//0088//22000088 0088::5533::4477 Templo (Jerusalém), o que não conseguiu, pouco conheciam do hebraico ou do ara- tendo morrido logo. maico, pois a língua da elite em Roma era Essas duas alternativas têm a vantagem o grego, utilizando mais um artifício para de ser abrangentes, mormente a primeira, fugir ao cerco do poder romano. Além considerando a seqüência de imperadores, disso, no tempo do Apocalipse, o idioma todos eles deploráveis, e considerando-se, hebraico não possuía vogais, somente con- quase todos, representantes dos deuses. soantes, e a vocalização era muito difícil, o Todavia, por outro lado, dificultam que só foi corrigido muitos séculos depois. muito a interpretação histórica. Assim, se Ainda hoje, somente em livros escolares é Calígula não pôde ser o deflagrador da per- adotada a grafia vocalizada, para facilitar seguição ao Cristianismo (historicamente a pronúncia. Vejamos a correspondência provado), Diocleciano caracterizou a última em hebraico: perseguição aos cristãos em todo o Império, Nerón César = NRON QSR (pronun- sendo assim uma referência histórica. E ciar Nerón Quéssar) mais, baseava o seu poder na divindade; (N R O N) (Q S R) como seu prenome era também Gaius (em (50 + 200 + 6 + 50) + (100 + 60 + 200) latim; em grego Gaios), estava composta a 306 + 360 = 666 chapa para traduzir o número 616. Em hebraico, escrevemos da direita para Em contraposição, Diocleciano gover- a esquerda, o que resulta no mesmo. nou de 284 a 305 d.C., dois séculos após O “o” em português equivale a um a edição, ou melhor, a distribuição dos “vav” em hebraico e vale 6. manuscritos do Apocalipse. É um conflito Essa linha de pensamento atende às histórico ponderável. seguintes considerações: 3) A terceira alternativa argumenta com 1) abrangência do número 666 como a latinização do nome de Nerón para Nero, expressão da maldade humana, muito bem com o fim de facilitar a compreensão dos representada por Roma, e um exemplo romanos, permanecendo o título de César sugestivo da repetição na literatura judaica em hebraico. De fato, temos em hebraico o tradicional, com base no número 6, símbolo conjunto NERO CÉSAR formando 616, nú- do mal; mero resultante da supressão do “n” final 2) o número 666, personificando Ne- de Nerón, o que não é preciso demonstrar, rón César, pronúncia do pré-nome em pois valendo o “n” 50 (em hebraico), 666- hebraico, idioma litúrgico que João Evan- 50 = 616. gelista conhecia um pouco, mascarava um Uma segunda corrente de pesquisado- pouco para os romanos a identificação do res, a mais tradicionalista e numerosa, adota personagem mais visado pelo manifesto. uma outra linha de pensamento: considera Nero César foi uma síntese de todas as o número 666 como a verdadeira expressão características negativas dos Imperadores simbólica da “Besta”, personificada em Ne- Romanos que o sucederam, numa ante- rón César, como era conhecido na Judéia. cipação nefasta. Assim, dos primeiros Lembremo-nos que João era “judeu”6 e que bastaria citarmos a insensibilidade de levou o nome hebraico do Imperador para Tibério, a loucura de Calígula, a natureza a Ásia Menor. Ele sabia que os romanos sanguinária de Cláudio. Da segunda série foram exemplos marcantes a crueldade de 6 Sabemos que João Apóstolo era galileu, de Be- Domiciano, o rancor de Sétimo Severo e o thsaida, filho de Zebedeu e Salomé. Pela prevalência espírito de perseguição de Valeriano e de dos judeus (religiosa, política, cultural e econômica) Diocleciano. Para coroar a personalidade de em toda a Palestina, é comum o emprego desse termo Lucius Domitius Aenobarbus, conhecido a todos os habitantes da área, descendentes das tribos de Israel. na história como Nero, o tirano expressava Brasília a. 45 n. 178 abr./jun. 2008 327 RRiill117788LLIIVVRROO..iinnddbb 332277 1133//0088//22000088 0088::5533::4477 a vaidade e a arrogância da maioria dos dor e precursor dos Imperadores, mas Imperadores. assassinado logo; bem como Galba, Óton 3) sendo assim, a indicação de Nero e Vitélio, que, todos de mandato muito como centro de toda essa visão apocalíptica curto e às vezes superpostos, num único é perfeitamente compreensível, no aspecto ano tumultuado, foram, por esse motivo, “Anticristo”. ignorados em quase todas as interpreta- Várias alternativas têm aparecido para ções. Porque, de fato, há muitas concepções interpretar o Cap. XVIII, 9-12, do Apoca- para interpretação desse misterioso trecho lipse, um trecho misterioso e chave para do Apocalipse, tantas quantas a mente entendimento de outras partes. Uma das humana pode imaginar, dentro de certos mais sensatas é a constante do Novo Testa- parâmetros históricos. mento (versão da “Vulgata” de Don Vicente Não podemos, é compreensível, citar D. Zione e Comentário do Padre Tintori- muitas. Contudo, gostaríamos de abordar OFM), que interpreta “os cinco reis que já uma “sugestão” curiosa para desvendar morreram”, como Augusto, Tibério, Calí- esse controverso Cap. XVIII, 9-12: gula, Cláudio e Nero. O sexto, “que ainda – “os cinco reis que já morreram” seriam vive”, seria Vespasiano, e o sétimo, que “vai os Imperadores Calígula, Cláudio, Nero, durar pouco”, Tito. O oitavo, “a própria Vespasiano e Tito; imagem da Besta”, seria Domiciano. O gru- – o sexto, “que ainda vive”, seria Do- po dos “sete” seria a série de Imperadores. miciano; O restante do trecho é do consenso geral, – o sétimo, “que deve durar pouco”, sem muitas discordâncias. É claro que essa Nerva (não governou dois anos); interpretação é uma sugestão apenas. – o oitavo, também “imagem da Besta” e É muito equilibrada, mas apresenta um que “faz parte dos sete”, seria Trajano. desacordo histórico: declara que o “sexto” Surge logo uma objeção a essa idéia, pois “ainda vive”, na pessoa de Vespasiano; grande número de historiadores conceitua pressupõe que o Apocalipse foi redigido Trajano como fazendo parte da relação de de 69 a 79 d.C., o que era muito aceito no “bons Imperadores”. Como administrador, século passado, sendo que a totalidade dos talvez mereça essa cotação. Mas, para o analistas, hoje em dia, julga a época mais Cristianismo, não. Desde Nero, passando provável o final do século I, no governo de por Domiciano e até Nerva, os cristãos Domiciano, lá pelo ano 95 d.C. Essa linha foram perseguidos como elementos peri- atende às seguintes considerações: gosos, capazes de ações contra a sociedade; – respeita historicamente a seqüência mas não havia um delito, formalizado em de Imperadores, inclusive o sétimo, Tito, lei, caracterizando o movimento cristão. prevendo sua curta duração, o que é abso- Com Trajano, o Cristianismo passou a ser lutamente exato; “um crime contra o Estado” (então, poli- – a indicação de Domiciano como a teísta, pagão) e “hostil ao culto imperial”. segunda “Besta”, fazendo parte dos “sete” A pena de morte continuou a ser aplicada, (a seqüência de Imperadores perseguido- então “legalmente”, pois o Cristianismo res), responde ao conceito arraigado de era uma religião universal, repudiando a Domiciano tão cruel quanto Nero, tendo religião oficial de Roma. Para encobrir os levado a perseguição a quase toda a área verdadeiros intentos, Trajano abrandou do Império Romano; muitas medidas repressoras, como proibir – o fato de ser começada a relação de a invasão de domicílios cristãos e evitar imperadores com Augusto é justificado, denúncias infundadas. porque nenhuma hipótese inclui Julio Essa linha de pensamento apresenta César, considerado o mentor, organiza- pequenas restrições, mas tem a grande 328 Revista de Informação Legislativa RRiill117788LLIIVVRROO..iinnddbb 332288 1133//0088//22000088 0088::5533::4477 característica de ser uma das poucas a a simbologia está presente, como, por coincidir o período de Domiciano com a exemplo, na propaganda comercial, com o edição do Apocalipse, o que é um ajuste uso prático de produtos figurados. analítico notável. Nos nossos dias, para darmos um Além disso, admite um conceito implí- exemplo bem atual, e para resumir a gama cito de Anticristo para aqueles que, sem imensa de conceitos e idéias numa área tão usarem meios violentos, procuram atacar abrangente como a da informática, apoiada o Cristianismo, destruindo seus valores eletronicamente, somente o emprego de fundamentais. símbolos literais e gráficos permite atingir Como exemplo, nos tempos atuais, os objetivos almejados, criando uma lin- basta citarmos os governantes, legislado- guagem codificada, sem a qual não haveria res e comunicadores sociais que, na busca correspondência entre os membros dessa de lucros políticos ou interesses diversos, sofisticada comunidade. investem contra a tradicional família cristã, Poderíamos citar a medicina, com seu procurando agradar determinados círculos, repertório imprescindível de símbolos a pretexto de um falso liberalismo. literais. A verdade é que ninguém até hoje Porém há uma diferença fundamental. apresentou uma interpretação irrefutável e A simbologia das atividades seculares o melhor é apenas concordarmos com São tem por objetivo resumir, ou esclarecer, Gerônimo, que declara ser o Apocalipse ou sensibilizar; enquanto a simbologia da um Livro fechado, de elevadas profecias, literatura apocalíptica, com sua dose natu- onde há tantos mistérios quanto palavras ral de esoterismo, tem como preocupação e onde cada palavra tem inúmeros sig- maior “confundir os opressores”. nificados (Novo Testamento, versão da Vulgata, já referida neste item, pág. 727). 6. O conflito doutrinário São Gerônimo foi um doutor da Igreja e notável tradutor. No Evangelho de João, Cap. XXI, VV Apesar de toda dificuldade, pelo simbo- 20-23, o trecho é interpretado, pela quase lismo exagerado, o Apocalipse era entendi- totalidade dos analistas cristãos, como uma do por muita gente. Vamos citar a opinião censura de Jesus a Pedro sobre a longevida- de Samuel Sandmel, PhD, professor de de de João, a se estender até Sua vinda. Essa Bíblia e de Literatura Helenística, Hebrew “vinda” tem sido entendida como a Parusia Union College, Cincinnati, responsável ou Segunda Vinda, interpretação essa apre- pela Introdução Judaica ao Apocalipse sentada em forma de comentários. (Bíblia Sagrada – Edição Ecumênica – Barsa Humildemente, não concordamos com 1974): esse entendimento do trecho, pois Jesus “Embora aspectos do escrito apocalíp- não faria uma promessa de vida a João tico possam parecer sem sentido para o que não se iria realizar. Além disso, o ver- leitor moderno, quando essas obras foram bo usado foi “vir” (“até que eu venha”), escritas, elas tinham sentido completo”. não estabelecendo necessariamente um E observem os leitores que apenas abor- vínculo semântico com o retorno glorioso damos uma parte dos símbolos numéricos, identificado pelo Novo Testamento como de menor quantidade. Parusia ou Segunda Vinda. Julgamos ter Não é somente na literatura apocalíptica Jesus querido dizer que a João seria dado que os símbolos são usados. Deles abusa- viver até Sua manifestação individual ao ram o Antigo e o Novo Testamento, de um Apóstolo em Patmos, do mesmo modo modo geral. Também em outras atividades já manifestado a Saulo (depois Paulo), na humanas, desde o alvorecer da civilização, estrada de Damasco. Tanto o judeu Saulo Brasília a. 45 n. 178 abr./jun. 2008 329 RRiill117788LLIIVVRROO..iinnddbb 332299 1133//0088//22000088 0088::5533::4488 de Tarso como o “apóstolo predileto” Eis aí o conflito filosófico que atingiu o foram privilegiados com uma Parusia Cristianismo no seu nascedouro e por quase particular. todo o primeiro século. O primeiro, perseguidor cruel dos cris- É verdade que, durante o concílio de tãos, fariseu extremado, discípulo de Ga- Jerusalém (48 d.C.), as duas correntes maliel, dono de uma cultura invulgar para acertaram alguns pontos, pois não havia a época, fiscal rigoroso do cumprimento realmente uma discórdia entre as partes, da formal lei judaica, homologou esse cur- mas sim entre os judeus convertidos, a rículo com o patrocínio do apedrejamento sofrer com as influências helênicas. Assim, de Santo Estêvão. Paulo de Tarso complementou a Fé com a Escolhas curiosas: Caridade (Coríntios I, Cap. XIII, VV de 1 a Paulo de Tarso, com todo esse fervor de 13) e Pedro admitiu excluir os gentios con- Anticristianismo, é designado para levar vertidos da obrigação da circuncisão (Atos aos gentios, como mensagem, exatamente dos Apóstolos, XV, VV 1 a 12). o maior símbolo do Cristianismo: Jesus Era um primeiro passo na direção da Cristo; Deus-Filho Salvador7 e, paralela- unidade. Houve outros avanços, porque havia mente, as virtudes teologais: Fé, Esperança ainda algumas divergências, porém não e Caridade, sendo essa última a “maior”. cisão. Havia ainda o que conciliar, como se Como base para a salvação, a Fé. depreende da Epístola de São Tiago (Cap. Para líder da mensagem tradicional da II, VV 14 a 22) e da Epístola de São Paulo Lei Mosaica, foi designado Pedro (“apas- (Romanos, Cap. V, todo). centa minhas ovelhas”), exatamente o pri- Paulo de Tarso caminhou na direção das meiro a reconhecer Jesus como “O Cristo, “boas obras” e a “Turma de Jerusalém” na Filho de Deus Vivo”, em Cesaréia de Felipe. direção do valor da “Fé”, sendo as citações Esse rebanho entregue por Jesus a Pedro tão numerosas, de um e de outro lado, que era constituído da comunidade judaica, de não caberiam neste artigo. judeus já convertidos ou a converter, pois Todavia podemos resumir o final dessa Ele era um fiel cumpridor da Lei Mosaica polêmica: a fé é a base, é a condição “ne- até sua manifestação pública, quando cessária” à salvação. Mas não é “bastante”, transformou os preceitos formais judaicos “suficiente”. A fé deve ser complementada em autênticas “boas obras”, tirando-lhes o pelas “boas obras”, sem as quais se torna caráter formal e de exterioridade. vazia, inócua. No entanto algumas formalidades ainda Foi já com as “correntes” conciliadas, permaneciam com os Apóstolos, como, por com a morte de Pedro (64 ou 67 d.C.) e de exemplo, a circuncisão e o respeito absoluto Paulo de Tarso (67 d.C.) e de todos os outros aos sábados e outras. Apóstolos, exceto a do próprio João, e com Para Paulo de Tarso, a condição neces- os cristãos convertidos ainda confusos e sária à salvação era a Fé. Para o grupo de perseguidos por Domiciano, que surgiu o Jerusalém, liderado por Pedro, só “as boas Apocalipse (mais ou menos 95 d.C.). obras” davam acesso ao reino celeste. Seu privilegiado receptor foi João Apóstolo (Evangelista), aquele a quem 7 As iniciais gregas das palavras Jesus Cristo, fora previsto ficar vivo até que Ele, Jesus, Deus Filho Salvador, juntas, formam uma palavra significando “peixe”. Talvez seja a melhor opção “viesse”. A revelação foi na ilha de Patmos8, para explicar o desenho que os cristãos faziam em Roma, como código, para fugirem à repressão das 8 A ilha de Patmos fica no mar Egeu, cerca de autoridades romanas. A outra opção, mais conhecida, 110 km de Éfeso, na atual Turquia. Era um lugar de é que isso era devido à profissão dos apóstolos, em exílio para os condenados políticos, que tinham certa sua maioria “pescadores”. liberdade de trânsito pela ilha e podiam facilmente 330 Revista de Informação Legislativa RRiill117788LLIIVVRROO..iinnddbb 333300 1133//0088//22000088 0088::5533::4488

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Hugo Hortêncio de Aguiar é militar reforma- do e especialista em cultura do . em aramaico ou hebraico e transcrito para o grego pelo próprio João
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