Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP Instituto de Estudos da Linguagem - IEL Departamento de Lingüística – DL LUCY ANA DE BEM O amor e a guerra no livro I d’Os Amores de Ovídio Campinas 2007 LUCY ANA DE BEM O amor e a guerra no livro I d’Os Amores de Ovídio Dissertação a ser apresentada ao Curso de Pós- Graduação em Lingüística do Insituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, como requisito parcial à obtenção do título de mestre na área de Letras Clássicas. Orientador: Prof. Dr. Paulo Sérgio de Vasconcellos Campinas 2007 3 Bem, Lucy Ana de. O amor e a guerra no livro I d’Os Amores de Ovídio / Lucy Ana de Bem. -- Campinas, SP : [s.n.], 2007. Orientador : Paulo Sérgio de Vasconcellos. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. B42a 1. Ovidio. Os amores - Crítica e interpretação. 2. Poesia latina - História e crítica. 3. Tradução e interpretação. 4. Gêneros discursivos. I. Barbosa, Plínio Almeida. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título. Título em inglês: Love and War in book I from Ovid’s Loves. Palavras-chaves em inglês (Keywords): Ovidio. The loves. - Criticism and interpretation; Latin poetry - History and criticism; Translating and interpreting; Discursive genres. Área de concentração: Lingüística. Titulação: Mestre em Lingüística. Banca examinadora: Prof. Dr. Paulo Sérgio de Vasconcellos (orientador), Prof. Dr. Marcos Aurelio Pereira e Prof. Dr. João Angelo Oliva Neto. Suplentes: Prof. Dr. Flávio Ribeiro de Oliveira e Profa. Dra. Elaine Cristine Sartorelli. Data da defesa: 23/02/2007. Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação em Lingüística, IEL, UNICAMP. 4 5 Agradecimentos Ao Prof. Dr. Paulo Sérgio de Vasconcellos, orientador e amigo em todas as etapas deste trabalho. À Fapesp, por seu auxílio imprescindível. Ao Prof. Dr. Marcos Aurelio Pereira e ao Prof. Dr. João Angelo Oliva Neto pela prestatividade e atenção. A meus pais, Glória e Geraldo, por fornecerem o maior e o melhor de todos os exemplos. À minha família, George e Fábia em especial, pela confiança e motivação. A Heitor de Oliveira Bem, que, mesmo tão pequeno, conseguiu trazer grandes alegrias numa fase delicada de minha vida. Aos amigos e colegas, pela força e pelo apoio ao longo desta jornada. Aos professores e colegas de curso, pois me auxiliaram a trilhar uma importante etapa de minha vida. A Carlos José de Souza, pela ajuda, sempre bem-humorada, nos trâmites acadêmicos. A todos que, com boa intenção, colaboraram para a realização e finalização deste estudo. 7 A Luiz Jr., TV MIHI SOLVS PLACES. 9 Resumo Este trabalho de pós-graduação propõe a tradução latina-portuguesa e a análise lingüística e literária do livro I d’Os Amores de Ovídio. Essa análise visa principalmente o(s) discurso(s) que compõem o volumen: acreditamos que o discurso elegíaco, típico da poesia amorosa da época de Augusto, seja em si mesmo um lugar de encontro e confronto de diversos discursos, entre eles o épico (o bélico), o cômico, o amoroso e o trágico. Através de nossa análise, demonstramos que Ovídio deixou manifesta essa mistura discursiva, tão própria da elegia em seus Amores – a todo o momento vemos que, para o poeta, o amor e a guerra constituem milícias importantes, ora distintas, ora semelhantes. Dessa forma, podemos entender que o poeta, através de sua postura n’Os Amores, tenta valorizar aquele que se dedicava ao amor (entenda-se a poesia amorosa) em vez dos assuntos militares e da vida pública. Podemos dizer, também, que o(s) discurso(s) que ele utiliza para compor Os Amores revelam o quanto a vida militar (e sua violência peculiar) e seu discurso se encontravam presentes nas mais distintas esferas da vida romana. Finalmente, também podemos dizer que essa obra demonstra, claramente, que nenhum discurso é isolado em si mesmo, mas que é permeado por muitos gêneros e tipos de discursos. Palavras-chave: Ovídio, Os Amores, elegia romana, tradução, gêneros e tipos discursivos, análise do discurso. Abstract This post-graduating work proposes the translation from Latin to Portuguese and the linguistic and literary analysis of the book one from Ovid’s Loves. This analysis aims, especially at discourses that integrate the volumen: we believe that the elegiac discourse, typical of the love poetry of Augustan age, is in itself a point of meeting and confrontation of many other discourses, and among them, the epic (warlike), the comic, the love and the tragic discourses. Through our analysis, we demonstrate that Ovid let evident this blend of speeches, so usual in the elegy of his Amores – all the time we can see that, for the poet himself, love and war are significant armies, sometimes distinct, sometimes similar. Thus, we can see that the poet, in the posture his persona adopts in the Loves, tries to valorize that one who dedicates himself to love (and to the poetry of love) instead of military matters and public life. We also can say that the discourses in the Loves show how the military life (and the violence inherent to it) and his peculiar speech were present in the most distinct areas of private life from the Roman Empire. At last, we can also say that this work shows, clearly, that no speech is isolated in itself, but that it is permeated by a lot of genres and types of discourses. Keywords: Ovid, Loves, Latin love elegy, translation, genres and types of discourse, analysis of speech. 11 ndice de assuntos Introdução I. Sobre Ovídio e sua obra............................................................................................................. 15 II. A elegia romana........................................................................................................................ 28 III. Os Amores............................................................................................................................... 33 i. Métrica e gênero........................................................................................................................ 44 ii. Estilo e retórica......................................................................................................................... 51 iii. O texto..................................................................................................................................... 58 iv. A tradução e seus problemas.................................................................................................... 60 Os discursos épico e elegíaco no livro I d’Os Amores de Ovídio............................................. 65 Os Amores de Públio Ovídio Nasão – livro I (texto latino, tradução e comentários)................ 91 Epigrama....................................................................................................................................... 92 I. Poema programático................................................................................................................. 96 II. Triunfo de Cupido.................................................................................................................... 104 III. Fidelidade literária.................................................................................................................. 114 IV. Código de sinais entre enamorados........................................................................................ 122 V. Amor na hora da sesta.............................................................................................................. 134 VI. Paraklausíthyron.................................................................................................................... 142 VII. Contenda entre amantes......................................................................................................... 156 VIII. A alcoviteira – magistra amoris........................................................................................... 168 IX. Amor e armas – comparação de milícias................................................................................ 188 X. Mulheres gananciosas.............................................................................................................. 198 XI. Bilhete de amor para a puella................................................................................................. 210 XII. Maldição sobre as tabellae.................................................................................................... 216 XIII. Suasoria à Aurora................................................................................................................ 222 XIV. Elogio ao cabelo da amada.................................................................................................. 230 XV. Imortalidade literária............................................................................................................. 240 Pequeno glossário de termos comuns na elegia........................................................................ 249 Referências Bibliográficas I. Os amores de Ovídio. Edições do texto latino, traduções e comentários.................................. 255 II. Artigos e Obras i. autores antigos........................................................................................................................... 255 ii. autores contemporâneos............................................................................................................ 256 III. Outros...................................................................................................................................... 266 13 Introdução I. Ovídio e sua obra “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.” Fernando Pessoa – Cancioneiro. “Nascido na pequena cidade de Sulmona, na Itália, Ovídio integrava uma classe social abastada, o que permitiu, desde muito cedo, seu acesso aos renomados círculos de estudos da época: um caminho que certamente o levaria à próspera e prestigiada carreira política romana. Porém, sua genial habilidade literária, muito apreciada nos círculos artísticos da Vrbs, foi talvez a maior responsável por mantê-lo afastado dessas ocupações, consagrando-o como o último dos grandes poetas romanos. Contudo, a fama de seus versos não lhe rendeu apenas louvores: por sua causa experimentou o exílio e seus dissabores...” Ainda em nossos dias podemos encontrar inúmeros compêndios de literatura latina que nos mostram o homem e o poeta Ovídio representado através de informações tais, tão incompletas e resumidas, que nos é quase impossível distinguir os feitos do cidadão e do artista romano. 1 Contudo, é tentador discorrer com alguma segurança sobre a vida de Ovídio, uma vez que ele mesmo nos deixou uma série de poemas sobre os quais podemos alçar uma interpretação autobiográfica2. Ou seja, não precisamos confiar apenas em testemunhos (vagos) de outrem, tais como os de Suetônio e Donato (situação recorrente em muitos poetas da Antigüidade, como Catulo ou Virgílio, por exemplo), pois temos a própria 1 Em Jardim Jr. (1983: 9) e Vergna (1975: 7 e ss.), por exemplo, podemos encontrar introdução semelhante à exposta no parágrafo inicial desta dissertação. Pesquisas sobre “literatura latina” e “Ovídio” em portais de buscas (como Google, por exemplo) também nos oferecem informações resumidas e mesmo equivocadas sobre esses tópicos (cf., por exemplo: http://digilander.libero.it/Bukowski/ovidio.htm). 2 Tristes II e IV, 10, sobretudo. 15 voz de Ovídio nos relatando certos acontecimentos de sua vida. Mas seria realmente essa a “verdade” sobre o poeta? Posta à parte a questão sobre a conceituação do verdadeiro (o tempo, o espaço e o propósito deste estudo não nos permitem entrar nessa discussão de forma mais minuciosa) e assumindo uma postura mais simplificadora, é então que nos deparamos com uma problemática que pode partir dos poemas de cunho biográfico e englobar toda a obra do poeta: como podemos saber, com segurança, em quais pontos o poeta deixa transparecer a sua voz de artífice (o seu “eu-elegíaco”) ou de cidadão romano de carne e osso? Aceita esta essa dualidade da voz do poeta, podemos simplesmente dizer que se trata de uma mera questão interpretativa: qualquer leitor pode dar aos versos a vida e a cor que bem desejar, embora seja inegável que qualquer leitura sempre está impregnada de ideologia (assim, de uma perspectiva romântica, os versos ovidianos estariam imbuídos de subjetivismo lírico...)3. Mas essa postura não diz respeito ao presente estudo. Se nos é lícito manifestar a ideologia que permeia o campo dos estudos lingüísticos voltados para as Letras Clássicas (a de um Conte4, por exemplo), há lugar apenas para uma afirmação segura e que irá imperar por toda esta dissertação: as fontes antigas de que dispomos (os textos em si) e com as quais trabalharemos são a única verdade que podemos aceitar e, se elas mesmas não nos permitem estabelecer com precisão os limites entre o estritamente subjetivo e o puramente artístico (não estamos dizendo que não há nenhuma subjetividade na arte...), é patente que 3 Torna-se necessário dizer, a princípio, que o conceito de ideologia aqui utilizado diz respeito a uma “teoria da ideologia” que passou a ser difundida a partir do século XVIII: formações ideológicas comportam, necessariamente, uma ou mais formações discursivas que determinam o que pode e o que deve ser dito a partir de uma posição dada, em certa conjuntura, onde predominam algumas formas de poder (cf., por exemplo, a introdução de Eagleton, 1990 e Althusser, 1968: 74). Acreditamos que transportar um conceito contemporâneo para o pensamento antigo pode gerar certos anacronismos, se algumas ressalvas não forem feitas. Poderíamos argumentar dizendo que uma prática antiga remotamente equivalente à tarefa dos “ideólogos” atuais se encontra na retórica clássica, justamente pela forma como ela conduz a argumentação sobre certas deduções (de suposto cunho “científico”), submetidas aos critérios de “verdade” e de “erro” (ou seja, os “pro” e os “contra” de uma idéia exposta). Porém, assumiremos que a interpretação aqui presente sobre o conceito de ideologia é nossa e não dos antigos. As idéias que apresentamos neste estudo relacionam-se com leituras e interpretações que temos dos textos antigos sob a luz desse conceito moderno de ideologia. Quando discorremos sobre a relação da obra amatória de Ovídio e a ideologia de Augusto, estamos fazendo uma análise a partir de nosso ponto de vista, que se baseia em autores modernos, uma vez que os antigos desconheciam esse conceito tal qual postulamos atualmente. 4 The rhetoric of imitation, entre outras obras. 16
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