ISSN 1516-9162 REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE n. 43-44, jul.2012/jun.2013 O amor e a erótica ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE Porto Alegre ISSN 1516-9162 REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE EXPEDIENTE Publicação Interna n. 43-44, jul. 2012/jun. 2013 Título deste número: O amor e a erótica Editores: Maria Ângela Bulhões e Deborah Nagel Pinho Comissão Editorial: Cristian Giles, Deborah Nagel Pinho, Glaucia Escalier Braga, Joana Horst Rescigno Baldo, Maria Ângela Bulhões, Marisa Terezinha Garcia de Oliveira, Otávio Augusto W. Nunes, e Renata Almeida Colaboradores deste número: Álvaro B. Olmedo, Ana Costa, Mário Corso, Maria Lucia M. Stein, Sidnei Goldberg e Comissão de Aperiódicos da APPOA Editoração: Jaqueline M. Nascente Consultoria linguística: Dino del Pino Capa: Clóvis Borba Linha Editorial: A Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre é uma publicação semestral da APPOA que tem por objetivo a inserção, circulação e debate de produções na área da psicanálise. Contém es- tudos teóricos, contribuições clínicas, revisões críticas, crônicas e entrevistas reunidas em edições temáticas e agrupadas em quatro seções distintas: textos, história, entrevista e variações. Além da venda avulsa, a Revista é distribuída a assinantes e membros da APPOA e em permuta e/ou doação a instituições científicas de áreas afins, assim como bibliotecas universitárias do País. Associação Psicanalíticade Porto Alegre Rua Faria Santos, 258 Bairro: Petrópolis 90670-150 – Porto Alegre / RS Fone: (51) 3333.2140 – Fax: (51) 3333.7922 E-mail: [email protected] - Home-page: www.appoa.com.br R454 Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre / Associação Psicanalítica de Porto Alegre. - Vol. 1, n. 1 (1990). - Porto Alegre: APPOA, 1990, - Absorveu: Boletim da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Semestral ISSN 1516-9162 1. Psicanálise - Periódicos. I. Associação Psicanalítica de Porto Alegre CDU 159.964.2(05) CDD 616.891.7 Bibliotecária Responsável Luciane Alves Santini CRB 10/1837 Indexada na base de dados Index PSI – Indexador dos Periódicos Brasileiros na área de Psicologia (http:// www.bvs-psi.org.br/) Versão eletrônica disponível no site www.appoa.com.br Impressa em junho 2014. Tiragem 500 exemplares. O amor e a erótica SUMÁRIO EDITORIAL .................................. 07 As práticas de furar o corpo e a mácula pubertária TEXTOS Body piercing practices and the puberty smirch A carta 52 e a teoria Ana Costa ......................................... 97 da memória em Freud The letter 52 and the memory Alguns destinos do olhar theory on Freud e da voz na sexuação Alfredo Jerusalinsky .......................... 09 About the gaze and the voice in the sexuation process Um estudo sobre o amor Luciano Matuella ............................ 105 A study about the love Maria Ângela Bulhões ....................... 19 A escrita atapetada da voz: tempo e espaço na experiência Pérolas maternas do despertar Maternal pearls Writing carpeted by the voice: time and Eda Tavares ...................................... 27 space in the experience of awakening Luciana Brandão ............................. 116 A doença do amor(te) The disease of love Uma outra ética: Maria Rosane Pereira ....................... 40 entre a escrita e o gozo Another ethics between Erotismo e seus extremos writing and jouissance Eroticism and its extremes Maria Lucia Homem ........................ 139 Rosane Monteiro Ramalho ................ 50 Eros e autismo O hábito e o monge Eros and autism The habit and the monk Silvana Rabello ............................... 151 Marta Pedó ........................................ 65 Sintomas sexuais: uma escrita Existências entre deslocada da relação sexual masculino e feminino A disconnected writing of the intercourse Existences between Gérard Pommier ............................. 161 masculine and feminine Lúcia Alves Mees ............................... 72 ENTREVISTA O que os faz falar, homens e mulheres? Somos antes de tudo clínicos What makes them speak, men and women? Interview:Before anything we are clinics Cristian Giles ..................................... 81 Gérard Pommier ............................. 173 As modalidades de gozo: do corpo à fantasia RECORDAR, REPETIR, ELABORAR The modalities of jouissance: Questões sobre o Seminário Encore from body to fantasy Issues regarding the Seminar Encore Eduardo Mendes Ribeiro ................... 88 Contardo Calligaris ......................... 179 VARIAÇÕES Os números de Lacan The numbers of Lacan Ligia Gomes Víctora ........................ 207 Ditirambos psicanalíticos Psychoanalytic ditirambos Denise Maurano .............................. 220 Elementos para uma crítica do uso do significante novo em psicanálise Elements for a critic of the use of significant new in psychoanalysis Alfredo Gil .................................... 231 EDITORIAL Apsicanálise afirma que o corpo tem seu traçado erótico demarcado des- de muito cedo, quando o bebê recebe a acolhida no mundo, marcando- o para a vida. Os cuidados da primeira infância acarretam uma geografia das superfícies e dos orifícios corporais que, mais tarde, permitem o exer- cício do desejo dentro de determinadas fronteiras. Mas é próprio ao amor que elas pareçam transponíveis. Às vezes, mesmo que sempre parcial, a satisfação erótica se encontra com o amor, ambos reunidos na busca em ultrapassar os limites próprios de cada um. Pois, se o erotismo tem determi- nações marcadas no corpo, o amor tende a ser incorpóreo, idealizado, e se pretende total. Ao mesmo tempo, amor e erótica afirmam a diferença entre ambos e apontam a falta que cada um carrega. Freud inaugurou os ensaios sobre a sexualidade, subvertendo posições moralistas e avançando a investigação psicanalítica no campo do erotismo e das escolhas sexuais, tema que segue nos ocupando na clínica e na cultura. As transformações pelas quais passamos hoje permitem pensar sobre a se- xualidade desde outro lugar – a hegemonia vitoriana dos tempos freudianos perde em vigência ou, pelo menos, declina generalizadamente, e buscam-se encontrar outros modos de nomear e inserir na língua aquilo que insiste em fazer sintoma. Sintoma que é não somente um modo de dizer, mas também um modo de gozar. Lacan, continuando a subversão de Freud, agrega ao tema a afirmação de que sob o corpo estão os restos, os objetos a. O corpo, sede das pulsões oral, anal, escópica e invocante, abriga os gozos que lhe correspondem, levando-nos a indagar sobre a relação desses e a sexuação. No seminário Mais, ainda, Lacan procura formalizar as posições mas- culina e feminina em sua relação com o gozo, não necessariamente sexual. 7 EDITORIAL As diferentes constituições do sujeito masculino e do feminino definem os modos diversos de laço com o gozo. Se o masculino se orienta por balizas culturalmente definidas e seu gozo é circunscrito a elas, o feminino se rela- ciona com as ausências de garantias e sua modalidade de gozo aponta a um mais além do determinado, conferindo caráter de enigma sobre o dese- jo. O quê, então, pode reunir a divergência das buscas? O que impossibilita o encontro entre masculino e o feminino? Dessas proposições é possível, e necessário, investigar alguns de seus desdobramentos, como as diversas modalidades de articulação entre identidades de gênero, sexo biológico e escolha de objeto, o que implica deslocar a referência da distinção anatômica para a dimensão da fanta- sia. Por esse caminho, abre-se também a possibilidade da superação das polarizações homem/mulher, feminino/masculino, ativo/passivo, etc., e do reconhecimento de uma diversidade de formas de gozo. Por outro lado, as fórmulas da sexuação fornecem um fundamento lógico às leis da linguagem que estruturam o laço social, que podem organizar a vida coletiva de dife- rentes maneiras, delimitando lugares que possibilitam ou impossibilitam ao sujeito e ao desejo, prescrevendo diferentes formas de gozo e modos de funcionamento institucional. Mesmo numa cultura em que são aceitas posições sexuais diferen- tes da identidade de gênero e das escolhas eróticas, mulheres e homens seguem com o desafio de se situarem frente ao estranhamento do sexual. Reconhecemos que esse estranhamento ao sexual produz consequências no real, simbólico e imaginário, promovendo desacomodação, retrocessos e avanços. Os textos aqui reunidos, efeitos do percurso de trabalho e estudo são atravessados por esses interrogantes. 8 Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, n. 43-44, p.09-18, jul. 2012/jun. 2013 TEXTOS A CARTA 521 E A TEORIA DA MEMÓRIA EM FREUD2 Alfredo Jerusalinsky3 Resumo: O autor apresenta a carta 52, da correspondência entre Freud e Fliess, como um dos textos em que Freud elabora os primórdios dos conceitos funda- mentais da psicanálise; conceitos que permitiram a passagem das observações que não davam como causa o sujeito para uma outra posição, que lhe outorga a condição de causa de sua história, de sua narrativa. Essa passagem é que dá nascimento à teoria do inconsciente e à psicanálise. Nessa carta, Freud trabalha as representações de palavra, as matrizes de elaboração e interpretação da rea- lidade, assim como a sensibilidade excitatória da palavra. Reúnem-se aí os ele- mentos que serão posteriormente enunciados por Lacan na formulação o humano é falasser – parlêtre. Palavras-chave: carta 52, teoria da memória, Freud, falasser, representação. THE LETTER 52 AND THE MEMORY THEORY ON FREUD Abstract: The author presents the letter 52, of the correspondence between Freud and Flies, as one of the texts in which Freud develops the beginnings of the funda- mental principles of psychoanalysis; concepts that allowed the passage of obser- vation that did not conceived the subject as a cause to another position, that grants the condition of cause of its history, of its narrative. This passage is what gives birth to the theory of the unconscious e to the psychoanalysis. In this letter, Freud goes over the representation of words, matrices of elaboration and interpretation of reality ,just as the excitatory sensibility of the word. Gathers then the elements that will posteriorly be enounced by Lacan at formulation the human is talkbe- parlêtre. Keywords: letter 52, memory theory,Freud, talkbe, parlêtre, representation. 1 Da correspondência entre Freud e Fliess, datada de Viena, 6 de dezembro de 1896. 2 Aula proferida no seminário Casos Clínicos, Eixo Inconsciente, no Percurso de Escola da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA), turma XII, em 27 de junho de 2012. 3 Psicanalista; Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA); do Instituto AP- POA; do Centro Lydia Coriat – Porto Alegre; do Núcleo de Estudos Sigmund Freud e da Associa- tion Lacaniènne Internationale; Doutor em Educação e Desenvolvimento Humano pela Universi- dade de São Paulo (USP). Autor dos livros: Psicanálise do autismo (Porto Alegre: Artes Médicas, 1994), Psicanálise e Desenvolvimento Infantil (2.ed., Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999), Semi- nário I, Seminário II, Seminário III, Seminário IV e Seminário V (São Paulo: USP) e Saber falar: como se adquire a língua? (Porto Alegre: Vozes, 2008). E-mail: [email protected] 9 Alfredo Jerusalinsky Em 1895, a psicanálise não existia; mesmo que Breuer e Freud tivessem atendido algumas pacientes, escutando-as com atenção, não quer dizer que a psicanálise existisse. É claro que, a posteriori, Freud vai recolher al- guns casos clínicos desde 1890, que, no modo como eram escutados por ele e por Breuer, anunciavam o advento da psicanálise. Mas, não havia método analítico específico. O que havia era uma disposição desses dois médicos de escutar com atenção e não julgar as pacientes histéricas nos padrões em que até então eram julgadas. Especialmente, digamos, pela vanguarda psiquiátrica daqueles tempos, a saber, Charcot e seus discípulos. Certa- mente, Freud e Breuer não eram os únicos psiquiatras, ou neuropsiquiatras, ou neurologistas que, naquela época, abordavam as questões psíquicas. Tinha havido certo deslocamento no que tange à clínica da doença mental, desde a década de 1870 a 1890, já que a influência do anatomismo tinha sido marcante naqueles anos. O anatomismo foi uma corrente relevante na medicina, e também no que tange à psiquiatria, pelas descobertas de correlações entre alterações anatômicas e doenças que se registravam. Isso era realizado post mortem, nas autópsias, no que se chamava a prática da anatomia patológica, ou seja, ir encontrar a patologia anatômica no organismo, para correlacioná-la com a doença que o sujeito tinha sofrido. E como há doenças que matam – e matavam –, e provocam alterações anatômicas, então, há alterações anatômicas que se correlacionam com as doenças. Às vezes, elas são a causa das doenças, e às vezes são a consequência da doença. Mas, quase invariavelmente, há alterações anatômicas, passíveis de serem registradas post mortem, sem que se saiba se essa alteração anatômica é causa ou é consequência. O anatomismo naquelas épocas tinha chegado a tal ponto que existia uma corrente da medicina que se chamava osteopatia. Ela está sendo ree- ditada, nos últimos dez anos. Supunha e supõe, ainda hoje, que as doenças são causadas por alterações, malformações ou distorções esqueléticas. Ou seja, que uma boa postura – lhes recomendo –, é preventiva das doenças. Não andem tortos, sentem-se adequadamente. Como, aliás, preconizava o pai de Schreber... Havia anatomistas de extrema expressão naquela data, como Lombro- so, que era um psiquiatra que propunha que as feições das pessoas reve- lariam seu caráter. Portanto, era possível detectar e diagnosticar um caráter assassino ou delinquente, simplesmente vendo a feição da pessoa. Claro que ele descreveu minuciosamente os traços que eram denotativos dessas características. Assim como da bondade, da boa disposição, da amabili- dade, do caráter, etc. Para isso, ele se dedicou a fotografar delinquentes 10
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