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O amor das sombras PDF

158 Pages·2015·0.68 MB·Portuguese
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© 2015 by Ronaldo Correia de Brito Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. Capa Raul Loureiro Imagem de capa Wayne Miller/ Magnum Photos/ Latinstock Revisão Eduardo Rosal Rita Godoy Ana Grillo Coordenação de e-book Marcelo Xavier Conversão para e-book Abreu’s System Ltda. CIP-Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ B877a Brito, Ronaldo Correia de O amor das sombras [recurso eletrônico] / Ronaldo Correia de Brito. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2015. recurso digital 161p. Formato: epub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-7962-414-8 (recurso eletrônico) 1. Ficção brasileira. 2. Livros eletrônicos. I. Título. 15-22962 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3 [2015] Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA OBJETIVA LTDA. Rua Cosme Velho, 103 22241-090 — Rio de Janeiro — RJ Telefone: (21) 2199-7824 Fax: (21) 2199-7825 www.objetiva.com.br Sumário Capa Folha de Rosto Créditos Dedicatória Noite Bilhar Força Magarefe Mellah Atlântico Helicópteros Perfeição Sombras Véu Amor Lua Nota do autor Devo este livro a Marcelo Ferroni Noite — Não acharam os corpos. Mariana decidiu ficar surda a qualquer notícia do afogamento. — O que você falou? — Os dois ainda não foram encontrados. — O barulho de caminhões não me deixa ouvir nada. Quando acaba essa obra? — Acho que nunca. Faltou dinheiro e reduziram os serviços à metade. Também, o que roubam! — Ah! Na seca de 32 foi a mesma coisa. Vinha comida pros retirantes e o administrador vendia. Nosso pai falava que muita gente ficou rica e outros morreram de fome. Não são apenas os caminhões e tratores, percorrendo a estrada de barro, que fazem alvoroço e levantam pó vermelho. As motos também zunem em suas idas e vindas, deixando uma nuvem escura atrás delas. — Evandro está inconsolável e culpa Rosário. — Pobrezinha. — Deixou de vigiar a filha um minuto. Um minuto, ela repete chorando. Distraiu-se com a televisão. Quando correu pra janela, só escutou a moto. Os dois já iam longe. — São os cavalos do cão essas motos. Mariana faz desenhos com os dedos na poeira sobre o tampo da mesa de jantar. — Não se chateie comigo, limpo dez vezes por dia e está sempre suja. É como as rolhas de cera dos seus ouvidos, o médico remove e cria novamente. — Ah! Pensa que eu ligo pra mouquice? Em velho aparece tudo o que não presta. Olhe a casa. Não adianta consertar, qualquer dia vai cair em cima de nós duas. Otília resmunga e caminha a esmo pela sala. Chega-se à casa erguida há quase duzentos anos, subindo uma fileira de degraus. A cal branca das paredes, os arcos amarelos em torno de portas e janelas, a pintura azul nas madeiras, tudo adquiriu o mesmo tom barrento, parecendo sujeira. De nada adianta mantê-la fechada, o pó desce pelas telhas, cobrindo o assoalho e os móveis. Foi Evandro quem sugeriu transformar a casa num museu, logo após a morte do avô. Em Mariana, os anos não gastaram a jocosidade. Ironiza que os visitantes, além de examinarem as tralhas inúteis, arrumadas aleatoriamente sem nenhuma catalogação museográfica, também podem conhecer duas velhas dinossauras: ela e a irmã Otília. — Venha comigo ao terraço! — Pra quê? — Vão abrir as comportas da barragem. — Evandro mandou fazer isso? — Mandou. — Se papai estivesse vivo, não deixava. — É a filha do nosso sobrinho, coitada. Todo mundo acredita que os dois ficaram presos na lama. — Eu duvido que estejam lá. — Como tem certeza? Mariana desconversa. — Só vi a barragem sem água na seca de 58. Você lembra? — Não dá pra esquecer. — Mamãe chorava muito, como se o corpo dela também secasse. Um útero que carregou e alimentou vinte e três filhos. Sempre achei que mamãe comparava a barriga crescendo com o açude ganhando água. Ela sentava numa cadeira, ali no terraço, e contemplava o espelho d’água. De tardezinha, na hora mais triste do dia. Por que ficamos melancólicos quando o sol vai embora? — Nunca pensei nisso. — Você é jovem, não pensa muita coisa. — Eu, jovem? Otília ri. As duas sentam num banco de ferro e assistem quando os trabalhadores abrem as comportas. Evandro comanda os homens, dando ordens aos gritos. Várias motos param, os motoristas dos caminhões diminuem a marcha. Olham os jorros d’água e não compreendem o desperdício em plena seca. As caçambas carregam barro, areia, brita, piçarra e cimento. Tubos gigantes chegam em carretas, quebrando galhos de árvores, atropelando raposas e cães. Construída num tempo em que o transporte se fazia em lombo de animais, carroças e automóveis pequenos, sem calçamento de pedra ou asfalto, a estrada não suporta o peso dos caminhões e afunda em diversos lugares. Alguns buracos se transformam em crateras, provocando acidentes. As obras recomeçam e param, os trabalhadores chegam e vão embora, deixando as marcas de sua passagem. Os vales e a floresta em torno parecem ter sido bombardeados, não havendo esperança de que a guerra termine algum dia. Fazem a transposição do São Francisco, o Velho Chico, um rio a cada ano mais doente e fragilizado, já não dando conta de tantas usinas e projetos de irrigação. — Não é só o homem que adoece. Os rios também sofrem mazelas. — Você diz cada uma. Papai admirava suas pilhérias e me pedia: Otília, seja inteligente como sua irmã. Ora, ora. Inteligência se nasce com ela. É ou não é? — Criei-me no meio de homens. Depois de mim, nasceram sete machinhos. Se eu não fosse esperta, eles acabavam comigo. — Duvido. — Quando saíam pra caçar, eu ia junto. Atirava melhor do que eles. Nunca perdi um tiro. Amansava cavalo igual a qualquer homem. Só nunca me deixavam frequentar os cabarés, mas sabia o nome das putas, quem era a paixão de cada um dos manos. Alcides fez loucuras por uma tal de Lindalva. Nosso pai mandou ele servir ao Exército, em Fortaleza, pra ver se arrancava a mulher da cabeça. Ficou tão bonito na farda. Lembra? Sempre esqueço, você é a mais nova, nasceu depois das tragédias. Não consenti que Evandro exibisse a fotografia no museu, onde nos expõe junto com as tralhas sem utilidade. A casa perdeu a função de morada. Evandro podia ter esperado que nós duas morrêssemos. Pelo menos isso. — Pare de reclamar do nosso sobrinho! — Ah! Você não esconde sua preferência. Começa a anoitecer e nem metade das águas foi drenada. Os trabalhos com as máquinas foram suspensos, como se todos dependessem do que irão encontrar na lama do açude. O jovem que conduzia Rafaela na moto operava guindastes. As escavadeiras se movimentam sem trégua nos últimos dias. Tentam recuperar os meses perdidos. Uma sucessão de embargos atrasou as obras. Os jornais e a não TV param de denunciar a corrupção praticada por políticos, empreiteiras, diretores de

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