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Notorios Rebeldes: A Expulsão da Companhia de Jesus da America Portuguesa PDF

306 Pages·2000·2.781 MB·Portuguese
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“Notórios rebeldes” A expulsâo da Companhia de Jesus da América portuguesa * Edgard Leite Fundación Histórica Tavera 2000 Para minha filha Beatriz. AGRADECIMENTOS Este estudo não teria sido realizado sem o apoio e confiança dos Professores Ciro Flamarion Cardoso e José Andrés-Gallego. Sou grato também aos estagiários da UERJ, Michel Camargo Siqueira, Raquel Pereira dos Santos e Sandra Caseira. Agradeço também a Paulo Alexandre Ferreira, que preparou os mapas que ilustram o presente texto e ao Prof. Benedicto Freitas. ABREVIATURAS UTILIZADAS AN: Arquivo Nacional, Rio de Janeiro AHU: Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa ARSI: Archivum Romanum Societatis Iesu, Roma IHGB: Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro Mapa 1: América portuguesa na época do Tratado de Madri (1750). INTRODUÇÃO “Para os Mbüa, ou melhor, para a maioria deles, a figura de ... Kétxuíta [jesuíta] ora se confunde com o deus solar ou outra divindade, ora é simplesmente um velho sacerdote da tribo que há muito tempo, atingindo o estado de aguydjê, foi morar no paraíso mítico... os Mbüa dão-lhe não somente o nome de Terra do Nunca Acabar, mas também o de terra do Kétxuíta... Kétxuíta, às vezes também descrito como um velho sacerdote Mbüa, morou outrora neste mundo... e foi para a terra da imortalidade, junto com seus companheiros, a chamado de Ñanderú Tenondé...”1 I- O tema e suas interpretações No dia 3 de setembro de 1759, o Rei de Portugal, D. José I, decidiu declarar os jesuítas “notórios rebeldes, traidores, adversários e agressores...ordenando que como tais sejam tidos, havidos e reputados”2. Do ponto de vista histórico tal decisão assinalou uma ruptura política de importantes conseqüências para a história do Brasil e de Portugal, inaugurando, além do mais, uma série de acontecimentos que terminariam com a própria extinção da Companhia de Jesus, por determinação papal. O papel privilegiado que os inacianos desempenharam na história da América portuguesa nos séculos anteriores tornou tal acontecimento único em sua dramaticidade; já que tratava-se de uma guinada numa política de alianças internas do Estado português que encontrava-se consolidada e mais ou menos estável por duzentos anos, e da denúncia de um acordo que concedera um perfil característico à colonização lusitana do continente americano. Um acontecimento de tamanha magnitude causou forte impressão, tanto negativa quanto positiva, aos contemporâneos. Esta refletiu-se nas interpretações que passaram então a ser feitas sobre a natureza histórica de tal evento. Tratava-se de um momento marcado pela difusão do pensamento ilustrado, intrinsecamente opositor da racionalidade escolástica e dos modelos cultural, ideológico e político dos quais os jesuítas consideravam-se os guardiões. Assim, pode-se dizer que foram muito poucas as vozes que se ergueram em desaprovação às medidas expropriadoras e draconianas do rei D. José I; em geral estas foram saudadas como benfeitoras da humanidade e da razão. Os que ousaram opor-se a tais atos foram presos ou então buscaram quer a proteção efêmera da Santa Sé, que logo também denunciaria a aliança com a Companhia de Jesus, quer, excepcionalmente, do estado Russo, que, como se sabe, a partir da decisão de Catarina II, abrigaria uns tantos jesuítas banidos. De qualquer forma, tais críticos não tinham maiores possibilidades de fazerem-se ouvir nos países da Europa ocidental, tomados pela fúria anti-jesuítica. Em que pese tal consenso obtido pela força, o impacto da expulsão da Companhia de Jesus, continuou, no século XIX, a centrar as atenções dos pensadores e políticos portugueses 1 SCHADEN, Egon: "Aculturação indígena: ensaio sobre fatores e tendências da mudança cultural de tribos índias em contato com o mundo dos brancos" in" in Revista de Antropologia 13: jun 1964-dez 1965. Pp.109 e 123. 2 “Lei da Expulsão da Companhia de Jesus de Portugal e seus domínios 3 de setembro de 1759” in MENDONÇA, Marcos Carneiro de: O Marques de Pombal e o Brasil. São Paulo, C.E.N., 1960. p.59. e, em menor escala, brasileiros. Em grande medida porque tal ato foi conjugado, pelo governo português, com a adoção de um conjunto de reformas políticas e econômicas autonomistas e industrializantes- aliás fracassadas-, que traumatizaram profundamente a sociedade. Tais reformas, entre outras conseqüências, tornaram visíveis as potencialidades e limitações de Portugal. Intelectuais liberais, portanto, prosseguiram na perspectiva de ver na Companhia de Jesus uma inimiga da humanidade, dotada de um caráter sinistro- comprovado pela suposta monita secreta- e principal responsável pela estagnação lusitana e, em conseqüência, da própria inviabilidade das reformas. Pensadores católicos e jesuítas continuaram igualmente a entender as ações que culminaram na expulsão como atos de inaceitável violência e arbrítrio estatais, subtrações criminosas das tradições cristãs que deveriam nortear as políticas governamentais. A observância desse conflito entre, por um lado, o entusiasmo com o ímpeto reformador do despotismo esclarecido e, por outro, a admiração e o respeito pela obra dos inacianos- e a revolta pela sua expulsão dos domínios portugueses- marcou a historiografia lusitana do século XIX e muitas das reflexões políticas de então. No Brasil, a historiografia oficial do Estado independente, patrocinada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, instaurou a tradição de tratar o tema da expulsão dos jesuítas como um apêndice ou parte menor das ações do Rei D. José I na colônia. Buscando- se uma posição “equilibrada” sobre o assunto, historiadores do século XIX não esconderam o seu marcante viés anti-jesuítico, em grande parte devido, como veremos, à formação ilustrada que será própria das elites brasileiras desde o século XVIII. O eminente historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, em sua História Geral do Brasil, em meados do século XIX, afirmou simplesmente que: “quanto a Companhia de Jesus, respeitável por tantos títulos... justo é confessar que prestou ao Brasil alguns serviços, bem que, por outro lado, parcialismo ou demência fora negar, quando os fatos o evidenciam que, por vezes, pela ambição e orgulho de seus membros, chegou a provocar no país não poucos distúrbios”. Tal afirmação apontava a Companhia, assim, como entidade algo meritória mas responsável por diversas altercações que tiveram lugar na colônia, geradas explicitamente pelas suas distorções morais. Além do mais, sua avaliação sobre a obra inaciana era sêca e não escondia o desprezo: “os proveitos que deles tirou o Brasil podem reduzir-se a três: conversão de índios, educação da mocidade e construção de alguns edifícios públicos...”. Na verdade todos esses três “proveitos” possuiam, para Varnhagen, uma importância ambígua; já que índios existiam na sua época, mas não eram cristãos, a educação jesuítica há muito não exercia um papel preponderante na sociedade e a quantidade de prédios jesuíticos já representava então uma pequena percentagem do total de edificações públicas. Tratava-se portanto de uma contribuição menor e duvidosa. O que nos interessa mais precisamente é que, segundo Varnhagen, “a abolição da Companhia foi favorável aos povos, pela desamortização de seus bens”3; e com efeito, como poderemos observar, a transferência de bens das mãos jesuíticas para as dos colonos foi um dos motores do processo de expulsão. Assim, Varnhagen entendia, em geral, como positivos os atos de sequestro dos bens e de expulsão da Ordem. No século XX, com os temas do liberalismo dos séculos XVIII e XIX já superados pela eclosão de novos temas políticos globais, minimizou-se, de maneira compreensivel, o debate em torno do caráter maligno ou santo da Companhia de Jesus, ou civilizatório ou tirânico das 3 VARNHAGEN, Francisco Adolfo de: História Geral do Brasil. Tomo Quarto. Belo Horizonte, Itatiaia, 1981. pp.141-142. 10

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