BALDUINLA, n.33, p.27-31, 30-1-20J2 NOTA SOBRE ADISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DE PELTOPHORUM DUBIUM (SPRENG.) TAUB. NO RIO GRANDE DO SUV JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORF FABIANO DA SILVAALVES3 RESUMO Éanalisada adistribuição geográfica dacanafístula (Peltophorum dubium (Spreng.) Taub.) noestado doRio Grande do Sul.Aespécie, uma das mais representativas daFloresta EstacionaI doAlto Uruguai, acompanha a mata ciliar do grande rio até o município de Barra do Quaraí, alcançando o departamento uruguaio de Artigas eonordeste da província argentina de Entre Rios. Palavras-chave: Caesalpiniaceae, Caesalpinioideae, Fabaceae, Leguminosae, Peltophorum dubium, Flora do Rio Grande do Sul. ABSTRACT [The geographic distribution of Peltophorum dubium (Spreng.) Taub. in Rio Grande do Sul state, Brazil]. The geographjc djstribution ofPeltophorum dubium (Spreng.) Taub. (Fabaceae) inRio Grande do Sul state (Brazil) is presently discussed. One of the most representative trees inUpper Uruguay Seasonal Forest, the species also grows along Uruguay river bordering forest uptothe municipality ofBarra doQuaraí, reaching the uruguayan department of Artigas and the northeast of Entre Rios province, inArgentina. Key words: Caesalpiniaceae, Caesalpinioideae, Fabaceae, Leguminosae, Peltophorum dubium, Flora ofRio Grande do Sul. INTRODUÇÃO REVISÃO DE LITERATURA Árvore ornamental e de madeira valiosa, a Com base em farta documentação bibliográ- canafístula (Peltophorum dubium (Spreng.) fica, Carvalho (2003) indica que a canafístula Taub.) é uma das espécies mais conspícuas na (Peltophorum dubium (Spreng.) Taub.) apresen- Floresta Latifoliada doAlto Uruguai, tanto pelo ta ampla distribuição natural no Brasil, ocor- grande porte de seus indivíduos, que integram rendo desde oestado da Paraíba (7°S) até alati- o dosseI, como pela vistosa florada estival. tude de 29°S, no Rio Grande do Sul, atingindo Motivo de informações desencontradas na seu limite austral em Artigas (30° 25' S), no literatura sul-rio-grandense, opresente trabalho Uruguai4• De acordo com Siminski etaI.(2011), tem o objetivo de analisar a distribuição geo- aespécie cresce em altitudes que variam de 30 gráfica desta importante essência florestal e msobre onível domar (Rio deJaneiro) até 1300 madeireira no Rio Grande do Sul, à luz de ob- m (Minas Gerais), sendo freqüente nas flores- servações pessoais ede referências bibliográfi- tas estacionais Sernidecidual e Decidual, bem cas, com o singelo objetivo de contribuir ao es- como no Cerradão e em encraves da região clarecimento do tema. Nordeste ePantanal. A partir de coletas realizadas na "Floresta Pluvial do Rio Uruguai", no noroeste do Rio Grande do Sul, Rambo (1966) informou que a I Recebido em 10-8-2011 e aceito para publicação em espécie seestende atéaRepública doUruguai5 • 28-9-2011. De acordo com Reitz et aI. (1983), a 2 Engenheiro Florestal, Dr.Professor Titular do Departa- canafístula éespécie restrita à"Floresta Latifo- mento de Ciências Florestais, Universidade Federal de Santa Maria. Bolsista de Produtividade em Pesquisa (CNPQ - Brasil). 3 Biólogo, MSc. Professor daUniversidade da Região da 4 CARVALHO, P.E.R. Espécies arbóreas brasileiras. Campanha (URCAMP-Alegrete). Doutorando doPro- Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2003. v.1. grama de Pós-Graduação em Engenharia Florestal, p.284. UFSM. 5 "Rain forest beltinthebend ofthe Upper Uruguay River 27 FIGURA L- Canafístula de grande porte, frente aoTerminal deArtigas, Uruguai (antiga estação ferroviária da cidade). O texto afixado em placa ao pé da árvore ressalta a importância histórica do indivíduo, por sua vincuLação ao prócer uruguaio (Retono directo del que brindara protección al Prócer en sus anos de exilio). liada do Alto Uruguai", ocorrendo desde Rolante, na bacia do Rio dos Sinos; a este res- Marcelino Ramos, Nonoai, Palmeira, Tenente peito, Reitz et aI.(1983) informam que não en- PorteIa, Santa Rosa e Santo Ângelo, até São contraram aespécie naBacia doRio Jacuí, ape- Borja6, município referido como "limite aus- sar das "meticulosas e atentas observações" re- tral da espécie no Brasil". Embora "não muito alizadas no ano de 1981.8 freqüente" no Estado, os autores referem-se à Na área do "Parque Estadual do Espinilho", árvore como uma das mais características na município de Barra do Quaraí, Galvani (2003) tipologia florestal em que seencontra, devido a assinalou a presença da canafístula "junto às seu grande porte e vistosas inflorescências ter- margens do rio Uruguai", ressaltando ser esta a minais? .De maior interesse, no presente caso, primeira citação da espécie "na fronteira oeste é a indicação da ocorrência pretérita de "algu- do Rio Grande do SUl"9. mas gigantescas canafístulas" no município de Em contraponto aregistros anteriores, Sobral etaI.(2006) afirmam que noRio Grande do Sul aespécie seencontra apenas naFloresta doAlto down to the Republic of Uruguay" (RAMBO, B. Leguminosae riograndenses. Pesquisas, Botânica, São Uruguai 10• Leopoldo, n. 23, p.65, 1966). 6 No mapa de distribuição geográfica apresentado pelos autores (Reitz etaI, 1983.Op. cit., p. 198), omunicípio 8 REITZ et aI., 1983. op. cit" p. 198. de São Borja é o único assinalado, ao sul da Região GALVANI, ER. Vegetação e Aspectos ecológicos do 9 Fitogeográfica do Alto Uruguai. Resta acrescentar que Parque Estadual do Espinilho, Barra do Quaraí, RS. os referidos autores incluíram os municípios de São Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Nicolau, São Borja eItaqui na região fitogeográfica da Sul, 2003. Tese de Doutorado (Programa de Pós-Gra- "Bacia do Rio Ibicuí". duação em Botânica). f. 67. 7 REITZ, R.; KLEIN, R.M.; REIS, A. Projeto Madeira la SOBRAL, M.; JARENKOW, J.A.; BRACK, P., do Rio Grande do Sul. Sellowia, Itajaí, n.34-35, 1983, IRGANG, B., LAROCCA, J.;RODRIGUES, R.S. Flo- p.197. raarbórea earborescente do Rio Grande do Sul, Bra- 28 FIGURA 2- Canafístula degrande porte namata ciliar dorioUruguai, emBarra doQuaraí, próximo aomonumento que assinala afronteira do Brasil com oUruguai eaArgentina. Para aRepública Oriental do Uruguai, o re- phorum dubium em bosques ribeirinhos do rio gistro pioneiro sedeve aLombardo (1943), que Uruguai, no departamento de Artigas. assinalou aocorrência natural dePelthophorum Para aArgentina, Burkart (1987) informa que dubium tanto nacosta como em ilhasdorioUru- aespécie vegeta em ilhas epartes altas da mar- guai, no departamento de Artigas 11. O autor gem do rio Uruguai, no nordeste da província comenta que a espécie, até então considerada de Entre Ríos (Concórdia, Federación)13. exótica, é conhecida localmente pelos nomes populares de ibirapitá e árbol de Artigas, o úl- DISTRIBUIÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL timo dos quais devido asua estreita vinculação Árvore típica da Floresta EstacionaI doAlto com Dom José Gervasio Artigas, herói uruguaio Uruguai, acanafístula também participa, noRio que viveu exilado seus últimos anos de vida no Grande do Sul, da composição da mata ciliar Paraguai 12. Acerca do tema, Izaguirre & adjacente ao grande rio, alcançando o sul do Beyhaut (2003) acrescentam ser comum o cul- departamento uruguaio deArtigas e o nordeste tivo de indivíduos da espécie em escolas e da província argentina de Entre Rios, onde se comisarías rurais do país, como homenagem a encontra o limite austral de distribuição da es- Artigas (Figura 1).Brussa &Grela (2007), por pécie. sua vez, referem aocorrência natural de Pelto- Na mata ciliar, acanafístula habita aspartes média ealta dos barrancos, como bem salienta- do por Burkart (1987), locais somente alcança- sil, São Carlos: RiMa: Novo Ambiente, 2006. p. 112. dos pelas grandes enchentes, crescendo junta- II LOMBARDO, A. Noticia de la vegetación de la costa mente com o ingazeiro (Inga vera Willd.), o oriental dei Río Uruguay en los departamentos de pessegueiro-do-mato (Eugenia myrcianthes Paysandu, Salto yArtigas. Comunicaciones Botánicas dei Museo de Historia Naturai de Montevideo, n. 4, p.4, 1943. 12 Diz-se que Artigas costumava matear à sombra de uma 13 BURKART, A. Leguminosae (= Fabaceae), Legu- frondosa canafístula existente nopátio de sua casa, nos minosas. In: BURKART, A.; BURKART, N.S.T. de; arredores deAssunção, local atualmente incorporado ao BACIGALUPO, N.M. Fiora Ilustrada de Entre Rios Jardim Botânico da cidade. (Argentina). Buenos Aires: INTA, 1987. p.530. 29 FIGURA 3- Frutos de Peltophorum dubium junto adetritos deixados na barranca do rio Quaraí, por ocasião de uma enchente (município de Barra do Quaraí). Nied.)'4, O açoita-cavalo (Luehea divaricata mente pelo vento, eles acabam por ser transpor- Mart.), oipê-roxo (Handroanthus heptaphyllus tados pelas águas, rio abaixo. Valenotar que esta (Vell.) J. Mattos), o angico (Parapiptadenia dispersão, verificada em meados do inverno e rigida (Benth.) Brenan) e a guajuvira (Cordia início da primavera (dejunho aoutubro), coin- americana), entre outras espécies arbóreas de cide com período de freqüentes cheias do rio. porte médio agrande. Delonga vitalidade, assementes sãocomumente Acanafístula éornamento conspícuo namata encontradas nos barrancos, junto adetritos dei- ciliar do rio Uruguai (Figura 2), sobretudo de xados pelas águas (Figura 3). dezembro aabril,quando oamarelo desuaabun- Do acima exposto, conclui-se que a dante floração contrasta com overde das outras canafístula, no Rio Grande do Sul, tem distri- árvores do dossel. Nas regiões fisiográficas das buição restrita à Floresta EstacionaI do Alto Missões e Campanha, a espécie não se encon- Uruguai e à mata ciliar deste rio até o extremo tra senão no trecho final dos afluentes do rio sudoeste do Estado, no município de Barra do Uruguai, casos do Ibicuí eQuaraí, fato sugesti- Quaraí. Indivíduos jovens e de grandes dimen- vodeeficiente dispersão hidrocórica, apesar dos sões são facilmente reconhecidos na estrutura frutos alados, próprios da espécie, serem tradi- da mata ciliar, mesmo em trechos próximos às cionalmente associados àanemocoria'5. Cum- pontes internacionais que ligam São Borja e pre salientar que oslegumes samaróides persis- Uruguaiana àArgentina. tem nos ramos após a queda completa das fo- lhas no outono, de modo que, dispersos inicial- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRUSSA SANTANDER, C.A.; GRELA GON- Por vezes, esta espécie consta, na literatura, como 14 ZÁLEZ, LA. Flora arbórea del Uruguay. Con Hexachlamys edulis (O. Berg) Kausel & D. Legrand, binômio atualmente reduzido àsinonímia. énfasis enlasespecies deRivera yTacuarembó. 15De acordo com Carvalho (2003), a canafístula é Montevideo: Cofusa, 2007. 542 p. autocórica, principalmente barocórica (por gravidade) BURKART, A. Leguminosae (= Fabaceae), Legu- eanemocórica (Op. cit., p. 284). minosas. In: BURKART, A.; BURKART, 30 N.S.T.; BACIGALUPO, N.M. Flora Ilustrada Montevideo, n.4, p. 1-9, 1943. deEntre Ríos (Argentina). Buenos Aires: INTA, RAMBO, B.Leguminosae riograndenses. Pesquisas, 1987. v. 6. 763 p. Botânica, São Leopoldo, n.23, p. 1-50, 1966. CARVALHO, P.E.R. Espéciesflorestais brasileiras. REITZ, R; KLEIN, RM., REIS, A. Projeto Madei- Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, radoRio Grande do Sul. Sellowia, Itajaí, n.34- 2003. v. 1. 1039 p. 35, p. 1-525, 1983. GALVANI,FR. Vegetação easpectos ecológicos do SIMINSKl, A.;SCHUCH, c.; FANTINI, A.c.; CAN- Parque Estadual doEspinilho, Barra doQuaraí, CI, I.J. Peltophorum dubium, Canafístula. In: RS. 132 f. Porto Alegre: Universidade Federal CORADIN, L.; SIMINSKl, A.; REIS, A. (Ed). do Rio Grande do Sul, 2003. Tese de Doutora- Espécies nativas daflora brasileira devaloreco- do (Programa de Pós-Graduação em Botânica). nômico atual oupotencial. Plantas para ofutu- IZAGUIRRE, P.;BEYHAUT, R. Las Leguminosas ro, Região Sul. Brasília: MMA, 2011. p. 507- en Uruguay y regiones vecinas. Montevideo: 511. Editorial Hemisferio Sur, 2003. 301 p. SOBRAL, M.; JARENKOW, J.A.; BRACK, P.; LOMBARDO, A.Noticia delavegetación delacosta IRGANG, B.; LAROCCA, J.; RODRIGUES, oriental dei Río Uruguay en los departamentos RS. Flora arbórea earborescente doRio Gran- de Paysandu, Salto yArtigas. Comunicaciones de do Sul, Brasil. São Carlos: RiMa: Novo Botánicas del Museo de Historia Natural de Ambiente, 2006. 350 p. 31