ISSN 1519-7077 Nível de convergência dos princípios contábeis brasileiros e norte-americanos às normas do IASB: uma contribuição para a adoção das IFRS por empresas brasileiras* The convergence level of the brazilian and american accounting principles with IASB standards: a contribution to brazilian companies’ adoption of IFRS Valdiney Alves Oliveira Professor Efetivo da Faculdade de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected] Sirlei Lemes Professora Doutora em Contabilidade e Controladoria – Professora Associada da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected] Recebido em 21.09.2010 - Aceito em 30.11.2010 - 3ª. versão aceita em 29.04.2011 RESUMO A presente pesquisa teve como objetivo avaliar em que nível as informações contábeis divulgadas nos mercados: brasileiro e norte-americano atendem aos requisitos da adoção inicial das IFRS – International Financial Reporting Standards. A adoção das IFRS por companhias abertas brasileiras nas suas demonstra- ções contábeis consolidadas foi exigida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na Instrução CVM 457/07. Por meio de uma pesquisa descritiva quanto aos seus objetivos e utilizando-se dos procedimentos técnicos de pesquisa documental e de análise de conteúdo clássica, foram analisadas as demonstrações contábeis elaboradas para o ano de 2008 de acordo com os US GAAPs e os BR GAAPs de 20 empresas brasileiras listadas simultaneamente na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) e na Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA) e calculou-se o índice de disclosure proposto na pesquisa de Lopes e Rodrigues (2007). A pesquisa apontou para índices de disclosure calculados para o Form 20F maiores do que aqueles calculados para as Demonstrações Financeiras Padrão (DFP), confirmando um nível de convergência maior entre US GAAP e IFRS e sugerindo que, em função da adoção das IFRS as demonstrações contábeis em BR GAAP tendem a se modificar substancialmente aumentando o nível de divulgação. Além disso, os resultados confirmam para a amostra, o exposto na literatura selecionada de que o setor de atuação e o tamanho da empresa influem diretamente no disclosure das informações. Em relação aos auditores, o fato de as demonstrações serem auditadas pelas empresas globais de auditoria conhecidas como Big Four não foi determinante na extensão do disclosure. Palavras-chave: Adoção de Normas Contábeis Internacionais. Convergência Contábil. IFRS. Disclosure Contábil. ABSTRACT This study aimed to assess the extent to which accounting information disclosed in the Brazilian and * Artigo apresentado no 10º. Congresso USP de Controladoria e Contabilidade, São Paulo, SP, 2010. R. Cont. Fin. – USP, São Paulo, v. 22, n. 56, p. 155-173, maio/jun./jul./ago. 2011 155 Valdiney Alves Oliveira e Sirlei Lemes North American markets meet the requirements for the initial adoption of IFRS - International Financial Reporting Standards. The Brazilian Securities Commission (CVM) required the adoption of IFRS by Brazilian companies in CVM Instruction 457/07. Through a descriptive study about their goals and using the technical procedures of information retrieval and classical content analysis, we analyzed the financial statements prepared for the year 2008 in accordance with U.S. GAAP and B.R. GAAP of 20 Brazilian companies listed both on the Stock Exchange of New York (NYSE) and the Bolsa de Valores de Sao Paulo (BOVESPA), and calculated the rate of disclosure proposed in the study by Lopes and Rodrigues (2007). The research pointed out that the rates of disclosure calculated for Form 20F were higher than those calculated for the Standard Financial Statements (DFP), confirming a higher degree of convergence between U.S. GAAP and IFRS and suggesting that, due to IFRS adoption, financial statements in BR GAAP tend to change substantially, increasing the level of disclosure. Furthermore, for the sample, the results confirm what was presented in the selected literature about the direct influence of market sector and firm size on information disclosure. For auditors, the fact that global audit companies known as the Big Four audited the statement did not determine the extent of disclosure. Keywords: Adoption of International Financial Reporting Standards. Accounting Convergence. IFRS. Disclosure. 1 INTRODUÇÃO A integração dos mercados de capitais Dessa forma, a comparabilidade das in- possibilita que investidores sejam capazes de formações produzidas pela contabilidade empregar recursos financeiros em qualquer torna-se relevante no contexto dessas esco- lugar do mundo sem que necessitem residir lhas, considerando que ela é a base para a to- no país em que seu capital esteja alocado. mada de decisão por parte dos investidores Assim, a oportunidade, conceituada sobre em qual empreendimento empregar por Martins (2006) como a possibilidade seu capital. de escolha entre duas ou mais alternativas Como forma de estímulo ao fluxo de capi- viáveis de investimentos, se concretiza, tais entre os países membros da União Euro- permitindo que os investidores obtenham peia, o Parlamento Europeu estabeleceu, por ganhos com redução de riscos e as empre- meio do Regulamento 1.606/2002, a adoção sas obtenham o capital necessário para fi- das Normas Contábeis Internacionais conhe- nanciamento de seus projetos, reduzindo a cidas como Internacional Financial Reporting escassez de recursos e consequentemente Standards (IFRS) emitidas pelo International o seu custo. Accounting Standards Board (IASB), a partir Para que seja possível a escolha entre as al- do exercício findo em 31 de dezembro de 2005 ternativas de investimentos, a contabilidade, para as demonstrações contábeis consolidadas por meio de seus relatórios contábeis, subsi- (EUROPEAN UNION PARLIAMENT, 2002). dia os investidores com informações úteis e Antunes, Antunes e Penteado (2007) relevantes para a escolha de tais alternativas. afirmam que a adoção de normas inter- Ademais, Iudícibus (1995, p.18) asseve- nacionais de contabilidade pelas empresas ra que “a função fundamental da contabili- mundiais está associada a benefícios eco- dade têm permanecido inalterada desde os nômicos concretos na forma de atração de seus primórdios, sendo sua finalidade pro- maior volume de investimentos, uma vez ver os usuários de demonstrações finan- que o processo de globalização trouxe para ceiras com informações que os ajudarão a o primeiro plano a demanda por informa- tomar decisões”. ções contábeis confiáveis e comparáveis 156 R. Cont. Fin. – USP, São Paulo, v. 22, n. 56, p. 155-173, maio/jun./jul./ago. 2011 Nível de convergência dos princípios contábeis brasileiros e norte-americanos às normas do IASB: uma contribuição para a adoção... para suportar a variedade de transações e Este estudo tenciona auxiliar na compre- operações desse mercado. ensão de aspectos relevantes na adoção das Corroborando com a tendência mundial Normas Internacionais de Contabilidade de convergência para as IFRS e tencionan- (IFRS) pelas empresas brasileiras. do a acessibilidade ao mercado global de Assim, ele tem como objetivo principal capitais por parte das empresas brasileiras, identificar em que nível as informações a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) contábeis divulgadas nos mercados: brasi- aprovou em 13 de julho de 2007, a Instru- leiro e norte-americano, por empresas lis- ção nº 457 que torna obrigatória a adoção tadas na BOVESPA e na NYSE simultane- dessas normas para as companhias abertas amente, atendem aos requisitos da adoção brasileiras nas suas demonstrações con- inicial das IFRS. Como objetivos específi- tábeis consolidadas a partir do exercício cos pretendem-se: social findo em 31 de dezembro de 2010, ◆ Delimitar e coletar uma amostra de sendo seus pressupostos: i) a convergência empresas brasileiras não financeiras, (tornar as informações comparáveis); ii) a listadas na BOVESPA e na NYSE si- transparência e a confiabilidade e iii) e a multaneamente, que estarão obriga- acessibilidade ao mercado global de capi- das a elaborar suas demonstrações em tais (CVM, 2008). IFRS, a partir do exercício findo em 31 Assim, a tendência de convergência con- de dezembro de 2010, e que ainda não tábil mundial insere-se definitivamente no adotaram voluntariamente tais nor- contexto brasileiro com a obrigatoriedade de mas até 31 de dezembro de 2008; adoção das IFRS para as companhias abertas ◆ Calcular o nível de convergência listadas na CVM, tornando importante ava- das demonstrações contábeis em BR liar em quais aspectos as empresas brasilei- GAAP e US GAAP das empresas da ras deverão centrar para o cumprimento dos amostra. requisitos da adoção das IFRS em 2010. O presente trabalho encontra-se estruturado Dessa forma, a questão problema que em quatro seções, além da seção inicial. A seção orientou a realização deste trabalho foi: Qual dois trata da fundamentação teórica; na seção o nível de aderência das demonstrações con- três, apresenta-se a metodologia e descrevem- tábeis de empresas brasileiras não financei- se as empresas da amostra; na quarta seção, ras listadas simultaneamente na BOVESPA realiza-se a análise dos resultados obtidos; e, na e na NYSE elaboradas em BR GAAP e US última seção, encontram-se as considerações fi- GAAP em relação às exigências da IFRS 1? nais como encerramento do trabalho. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Nessa seção, serão abordados aspectos 2.1 O processo de convergência de do processo de convergência de normas normas contábeis, o papel do contábeis bem como o papel do IASB nes- IASB e do CPC se processo de convergência, o impacto da A contabilidade é considerada a lingua- adoção pela primeira vez em outros países gem global no mundo dos negócios e seus e as necessidades de informação dos usuá- objetivos, conforme Iudícibus, Martins e rios supridas por meio da evidenciação ou Carvalho (2005), decorrem, sobretudo, das disclosure contábil. necessidades de seus usuários. Ela tem por finalidade atender os usuários com informa- R. Cont. Fin. – USP, São Paulo, v. 22, n. 56, p. 155-173, maio/jun./jul./ago. 2011 157 Valdiney Alves Oliveira e Sirlei Lemes ções relevantes, úteis e em tempo hábil, as de investimentos internacionais e do flu- quais serão utilizadas para controle, planeja- xo de capital e de negócios, da desregula- mento, avaliação e tomada de decisão. mentação de mercados, da eliminação de Essas informações devem ser fiéis aos controles do capital nacional e da melho- fatos, bem como transparentes, levando à ria das comunicações, sobretudo a partir confiabilidade e mostrando neutralidade por da década de 60, tornaram-nos estes ainda parte de quem as gerou. “A Contabilidade é, mais intensos. objetivamente, um sistema de informação e Dessa forma, a possibilidade de compara- avaliação destinado a prover seus usuários ção entre os relatórios contábeis emitidos nos com demonstrações e análises de natureza diversos países do mundo beneficia os usu- econômica, financeira, física e de produ- ários da informação contábil (CHAIRAS e tividade, com relação à entidade objeto de RADIANTO, 2001), principalmente aqueles contabilização” (IUDÍCIBUS; MARTINS; originários do mercado financeiro qualificados GELBCKE, 2000, p. 42). por Lopes e Martins (2007) como intermediá- Nesse contexto, a adoção de uma lingua- rios financeiros, cuja função está ligada à ade- gem comum internacionalmente é capaz de quada alocação dos recursos dos poupadores. produzir benefícios concretos quando da to- Como exemplo de diferenças entre mada de decisão por parte desses usuários. GAAPs1, na Tabela 1 são elencados os resul- De acordo com Lemes (2000), proble- tados em BR GAAP e em US GAAP de cinco mas contábeis oriundos das diferenças grandes companhias brasileiras de diferentes existentes nas práticas contábeis adotadas setores econômicos para o ano de 2008, con- entre países não são recentes, porém, a sideradas um portfólio de ações para um de- partir da elevação do aumento do volume terminado investidor. Tabela 1 Diferenças nos resultados de 2008 em BR GAAP e US GAAP Em milhões de dólares Empresas BR US Diferença DIF GAAP GAAP em % CEMIG 807 750 (57) -7,1% Cia Vale do Rio Doce 9.105 13.218 4.113 45,2% Petrobrás 14.115 18.879 4.764 33,8% Tele Norte Leste Participações 494 430 (64) -13,0% TELESP S/A 1.035 1.070 35 3,4% TOTAL 25.556 34.347 8.791 34,4% Fonte: Baseada nos relatórios DFP e 20F das empresas da amostra. Os resultados elencados na Tabela 1, por uma remuneração superior àquela percebida si só, demonstram como as normas contábeis de acordo com os BR GAAP. podem diferir. Desse modo, considerando Assim, o objetivo do processo de conver- que essas companhias remunerem o capital gência contábil é integrar as práticas contábeis nelas investido de acordo com os US GAAP, entre os países para atender a necessidade de por exemplo, um capitalista que investiu nes- informação contábil, especialmente, por par- se portfólio de ações receberia, nesse período, te dos mercados financeiros. Esse processo 1 GAAPs são os princípios contábeis geralmente aceitos em um país. 158 R. Cont. Fin. – USP, São Paulo, v. 22, n. 56, p. 155-173, maio/jun./jul./ago. 2011 Nível de convergência dos princípios contábeis brasileiros e norte-americanos às normas do IASB: uma contribuição para a adoção... de convergência tenciona adequar diferenças demais órgãos envolvidos no processo é ca- de GAAPs existentes, de modo a permitir a paz de assegurar a sua aceitação nos diversos comparabilidade e tornar o capital ainda mais países. dinâmico entre as economias globais envol- No Brasil, mais especificamente, o proces- vidas. so de convergência tem na criação do CPC Contudo, essa convergência é possível (Comitê de Pronunciamentos Contábeis), quando os fatores determinantes elencados por meio da Resolução 1.055/05, o seu prin- por Carvalho (2008), por exemplo: a tributa- cipal marco, sendo que o modelo adotado é o ção, a cultura, o ambiente econômico, o trei- mesmo estabelecido pelo IASB por meio das namento dos profissionais de contabilidade, IFRS. o ambiente político e social, o mercado de O CPC é um comitê formado por enti- capitais e o controle, encontram-se harmo- dades ligadas ao mercado de capitais para nicamente orientados na busca da linguagem possibilitar uma uniformização de regras global. contábeis de modo a permitir o alcance dos O órgão que tem por objetivo alcançar objetivos da contabilidade estabelecidos em essa convergência global é o IASB. Ele é o ór- Iudícibus (1995, p.19) e, tal como o IASB não gão sucessor do antigo IASC (International tem poderes para impor suas normas local- Accounting Standards Commitee) que foi cria- mente, mas destaca-se como o condutor da do em 1973 a partir da associação entre or- elaboração e divulgação das normas brasilei- ganismos profissionais de contabilidade dos ras de contabilidade. seguintes países: Austrália, Canadá, França, O processo de convergência, no Brasil, Alemanha, Japão, México, Holanda, Reino culminou na assinatura do Memorando de Unido, Irlanda e Estados Unidos por ocasião Entendimentos entre o CFC, o CPC e o IASB, do Congresso Internacional de Contadores em 28 de janeiro de 2010, e, de acordo com o em Melbourne sendo um órgão independen- CPC (2010), constitui-se em um importante te do setor privado com sede em Londres na marco na inserção do Brasil no diálogo inter- Grã Bretanha (NIYAMA, 2008). nacional sobre a elaboração e a adoção das A importância desse órgão reside na inte- IFRS. gração e emissão de normas contábeis em ní- Conforme agenda do CPC, todos os pro- vel internacional uma vez que ele conta com nunciamentos necessários à convergência a participação de todos os órgãos compo- contábil brasileira para as IFRS se encontram nentes do IFAC (International Federation of emitidos e as audiências públicas para a revi- Accountants). são de alguns deles encontram-se encerradas O IFAC é uma organização global funda- (CPC, 2011). da em 1977 voltada para o exercício da pro- fissão contábil cuja missão é servir o interesse 2.2 A adoção das IFRS pela primeira público. Esse órgão representa mais de 2,5 vez em outros países milhões de contadores atuando como audi- A adoção das IFRS na União Europeia tem tores nas atividades de indústria, comércio, como marco a decisão do Parlamento Europeu governo e academia (IFAC, 2009). em 2002 por meio da Resolução 1.606/02, em- Diante do exposto, percebe-se que o IASB bora as normas do IASB fossem aceitas desde foi criado dentro de um processo de conver- 1995 pela IOSCO (International Organization gência de práticas contábeis, pois reuniu ór- of Securities Commissions) e a partir dessa de- gãos de vários países e apesar de ele não ter cisão iniciaram-se as mudanças nos diversos poderes para impor suas normas contábeis países para que eles se adequassem aos princí- localmente, sua influência bem como dos pios embutidos naquelas normas. R. Cont. Fin. – USP, São Paulo, v. 22, n. 56, p. 155-173, maio/jun./jul./ago. 2011 159 Valdiney Alves Oliveira e Sirlei Lemes De um modo geral, Larson e Street (2004) foi necessária uma alteração na estrutura resumem os problemas e as mudanças que conceitual da contabilidade e consideraram deveriam acontecer em 17 países europeus que deveriam ocorrer mudanças no am- para a adoção das IFRS conforme a exigência biente regulatório para facilitar o processo do Parlamento Europeu. de adoção das IFRS. No Quadro 1, apresentam-se os princi- Dessa forma, para que haja de fato uma pais obstáculos encontrados e os países que convergência para as normas do IASB, os apresentaram conforme a pesquisa des- deve-se levar em conta a necessidade de ses autores. mudanças, pelo menos em parte, da estru- Larson e Street (2004) identificaram tura contábil conceitual do país no qual as que, para a adoção das Normas Contábeis IFRS serão adotadas como normas contá- Internacionais em vários daqueles países, beis oficiais. Quadro 1 Principais obstáculos encontrados na adoção das IFRS na Europa Obstáculos encontrados Países Bulgária, Eslováquia, Hungria, Lituânia, Natureza tributária da contabilidade Polônia, República Tcheca e Suíça Bulgária, Eslováquia, Islândia, Letônia, Mercado de capitais subdesenvolvido Polônia e República Tcheca Natureza complexa das IFRS Bulgária, Eslováquia, Letônia e Lituânia Letônia, Lituânia, Polônia e República Guia insuficiente ou ausência de guia para implementação Tcheca Custo do projeto de convergência e falta de recursos financeiros Eslováquia e Letônia Regras conflitantes com as normas locais Letônia e Lituânia Falta de interesse na mudança para IFRS Islândia e Polônia Os relatórios eram para autoridades fiscais Romênia Satisfação com os princípios locais Noruega Limitado conhecimento sobre as IFRS Lituânia Disclosure local simplificado Estônia Normas voltadas para bancos e mercado de capitais, porém muito diferen- Turquia tes das IFRS Não apresentou conclusões Liechtenstein e Malta Não foram encontrados obstáculos relevantes Chipre e Eslovênia Fonte: Baseado em Larson e Street (2004). No tópico a seguir, discute-se a eviden- avaliação de sua situação patrimonial e das ciação contábil e suas implicações no alcance mutações de seu patrimônio e, além disso, dos objetivos da contabilidade. que possibilitem a realização de inferências no futuro. As informações não passíveis de 2.3 Evidenciação Contábil (Disclosure) apresentação explícita nas demonstrações O termo evidenciação é definido por Iu- propriamente ditas devem, ao lado das que dícibus e Marion (2001) como: representam detalhamento de valores sin- [...] O processo pelo qual a empresa apre- tetizados nessas mesmas demonstrações, senta todas as informações que permitam a estar contidas em notas explicativas e em 160 R. Cont. Fin. – USP, São Paulo, v. 22, n. 56, p. 155-173, maio/jun./jul./ago. 2011 Nível de convergência dos princípios contábeis brasileiros e norte-americanos às normas do IASB: uma contribuição para a adoção... quadros suplementares (IUDÍCIBUS; MA- táveis e v) que sejam completas dentro dos RION, 2001, p. 88). limites de materialidade e custo. Dessa forma, evidenciação contábil ou d) Comparável com a informação forne- disclosure é o ato de divulgar informações úteis cida pela entidade em seus relatórios con- mostrando os fatos que as fundamentam, pos- tábeis ao longo do tempo e em relação a sibilitando a avaliação e a tomada de decisão. outras empresas (CARVALHO; LEMES; Healy e Palepu (2001, p. 406) afirmam COSTA, 2006, p. 22). que “o disclosure corporativo é crítico para o Assim, para que a evidenciação alcan- funcionamento de um mercado de capitais ce os objetivos estabelecidos no Conceptual eficiente” (tradução do autor). Nesse aspecto, Framework elencados pelos autores supracita- eles argumentam que a demanda por infor- dos nela devem estar contidos os aspectos re- mações financeiras decorrem da assimetria ferentes ao reconhecimento e a mensuração de da informação e dos conflitos de agência en- itens ativos, passivos e de resultados conforme tre administradores e investidores externos. estabelecidos pelas Normas Internacionais de Em um mercado cujo principal diferencial Contabilidade. competitivo (quer seja na captação de recursos ou na aplicação em investimentos mais rentá- 2.4 A adoção das IFRS pela primeira veis) reside na informação, as regras aplicadas vez: a IFRS 1 pelo moderno mercado de capitais na divul- A adoção das Normas Internacionais de gação da informação mostram-se capazes de Contabilidade implica a elaboração de de- reduzir a assimetria da informação entre os monstrações financeiras seguindo todos os administradores de recursos e os investidores. aspectos estabelecidos nos pronunciamentos Dessa forma, a evidenciação funciona vigentes durante o período de transição. O como um item auxiliar na solução do pro- período de transição compreende a data de blema de assimetria de informação entre os início do período mais antigo para o qual a investidores e os administradores. empresa apresenta informação comparativa Carvalho, Lemes e Costa (2006) destacam completa de acordo com as IFRS. as quatro características qualitativas da infor- Assim, as empresas brasileiras obrigadas mação estabelecidas no Framework Concei- a divulgar as demonstrações em IFRS a par- tual do IASB que a torna útil para os usuários tir do exercício findo em 31 de dezembro de e asseveram que a informação deve ser: 2010, devem apresentar informação compa- [...] rativa para, pelo menos, um período e sua a) Prontamente compreensível aos usuá- data de transição é o exercício iniciado em 01 rios; de janeiro de 2009, cujo balanço foi encerra- b) Relevante aos usuários para a tomada do em 31 de dezembro de 2009. de decisão; O princípio-chave da adoção inicial é a c) Confiável, sendo essa característica aplicação retroativa de todas as demais nor- expressa por demonstrações: i) que repre- mas vigentes na data de transição, excetuan- sentem fielmente as transações e outros do-se certos aspectos os quais se encontram eventos; ii) nas quais prevaleçam a essên- estabelecidos na IFRS 12. Essas exceções cia e a realidade econômica sobre a forma constituem-se em isenções e proibições na legal; iii) que sejam neutras, isto é, livres aplicação retrospectiva de modo a facilitar a de viés; iv) que resultem do exercício da adoção inicial das Normas Internacionais de prudência, considerando incertezas inevi- Contabilidade. 2 Vide IFRS 1 disponível em www.iasb.org R. Cont. Fin. – USP, São Paulo, v. 22, n. 56, p. 155-173, maio/jun./jul./ago. 2011 161 Valdiney Alves Oliveira e Sirlei Lemes 3 METODOLOGIA Para a consecução dos objetivos estabele- ◆ selecionaram-se companhias abertas cidos na presente pesquisa foi realizado um com ações negociadas na BOVESPA estudo descritivo que, segundo Gil (2002), e na NYSE simultaneamente, não per- tem como objetivo primordial a descrição tencentes ao setor financeiro, obriga- de características de determinada população das a adotar as IFRS de acordo com a ou fenômeno e o estabelecimento de relações Instrução CVM 457/07 e obrigadas a entre variáveis. arquivar o Form 20F na Securities and Quanto aos procedimentos técnicos, An- Exchange Commission (SEC) em 2008; drade (2004, p. 20) afirma que “eles são a ma- ◆ excluíram-se as empresas que já haviam neira pela qual se obtêm os dados necessários adotado voluntariamente as IFRS até 31 para a elaboração da pesquisa”. Para a realiza- de dezembro de 2008, as empresas cujas ção deste estudo utilizou-se da pesquisa do- demonstrações se encontravam consoli- cumental relativa ao tema estudado. dadas nas demonstrações de outras em- Em relação aos procedimentos técnicos presas da amostra e aquelas cujos relató- para a elaboração e a análise dos índices de rios não estavam disponíveis ao público disclosure tencionando o alcance dos obje- em 30 de setembro de 2009, sendo que tivos da pesquisa, utilizou-se da técnica de essa data foi estabelecida como data de análise de conteúdo, que, de acordo com finalização da coleta de dados. Bauer (2002, p. 190), “é apenas um método A seleção das entidades de acordo com de análise de texto, desenvolvido dentro das os critérios estabelecidos resultou em uma ciências sociais empíricas, sendo uma técnica amostra de 20 empresas relacionadas na Ta- híbrida que pode mediar a improdutiva dis- bela 2 e foram coletados 40 relatórios (20 cussão sobre virtudes e métodos”. DFP e 20 Form 20F) para o ano de 2008. A seleção das empresas da amostra deu-se Os relatórios foram obtidos no sítio ele- mediante a aplicação dos seguintes critérios trônico da CVM e da NYSE, respectivamente de escolha: (CVM, 2009; NYSE, 2009). Tabela 2 Relação de empresas da amostra PL em Nº Nome Empresas Setor de Atuação milhões de Tamanho R$ (BR GAAP) 1 Aracruz Celulose S. A. Papel e Celulose 962,5 Pequena 2 Brasil Telecom Participações S. A. Telecomunicações 5.763,6 Pequena 3 Braskem S. A. Química 3.679,9 Pequena 4 Companhia Brasileira de Distribuição Comércio 5.407,7 Pequena 5 Companhia Energética de Minas Gerais - CEMIG Energia Elétrica 9.364,4 Grande 6 Companhia Paranaense de Energia (COPEL) Energia Elétrica 8.053,1 Grande 7 Companhia Siderúrgica Nacional Siderurgia e Metalurgia 6.662,6 Grande 8 Companhia Vale do Rio Doce (Vale) Mineração 96.275,0 Grande 9 CPFL Energia S. A. Energia Elétrica 5.018,6 Pequena 10 Embraer - Empresa Brasileira de Aeronáutica Veículos e Peças 5.970,5 Grande 11 Perdigão S. A. Alimentos e Bebidas 4.110,6 Pequena 12 Petrobras - Petróleo Brasileiro S. A. Petróleo e Gás 138.365,3 Grande continua 162 R. Cont. Fin. – USP, São Paulo, v. 22, n. 56, p. 155-173, maio/jun./jul./ago. 2011 Nível de convergência dos princípios contábeis brasileiros e norte-americanos às normas do IASB: uma contribuição para a adoção... continuação PL em Nº Nome Empresas Setor de Atuação milhões de Tamanho R$ (BR GAAP) 13 Sadia S. A. Alimentos e Bebidas 410,9 Pequena 14 Tele Norte Leste Participações S. A. Telecomunicações 9.591,0 Grande 15 Telecomunicações de São Paulo S. A. - Telesp Telecomunicações 10.045,7 Grande 16 Telemig Celular Participações S. A. Telecomunicações 1.793,6 Pequena 17 Tim Participações S. A. Telecomunicações 7.790,5 Grande 18 Ultrapar Participações S. A. Química 4.650,1 Pequena 19 Vivo Participações S. A. Telecomunicações 8.267,5 Grande 20 Votorantim Celulose e Papel S. A. Papel e Celulose 4.131,9 Pequena Total 336.314,9 Para o cálculo e a análise dos índices disso, foram excluídas, também, aquelas de aderência dos relatórios elaborou-se normas estudadas por Malaquias (2008). No um roteiro para a análise de conteúdo das trabalho do autor supracitado, foram estuda- demonstrações a partir dos requisitos de das as normas relativas aos instrumentos fi- cada IFRS que as empresas devem cumprir nanceiros (IAS 32, IAS 39 e IFRS 7). As IFRS quando da adoção pela primeira vez das que fizeram parte do roteiro encontram-se IFRS em vigor na data da pesquisa. As IFRS elencadas no Quadro 2. foram obtidas no sítio eletrônico do IASB O roteiro - elaborado por Oliveira (2010) (IASB, 2009). - foi composto de 294 itens verificáveis, sub- Foram excluídas da análise as seguintes divididos conforme estabelecidos pelas IFRS normas: IAS 8 (Políticas Contábeis, Estima- em Mensuração (19 itens), Reconhecimento tivas e Erros); IAS 26 (Contabilidade e Emis- (52 itens) e Divulgação (223 itens) e foi apli- são de Relatório para Planos de Benefício cado a cada demonstração individualmente, de Aposentadoria); IAS 29 (Demonstrações considerando duas situações: Financeiras em Economias Hiper-inflacio- i) quando o item da norma em análise nárias); IAS 34 (Relatórios Financeiros Inter- se aplicava na demonstração contábil ana- mediários) e IFRS 4 (Contratos de Seguros). lisada (DFP ou 20F), esse recebia 1 ponto; A razão para a exclusão da IAS 8 reside quando não se aplicava, recebia 0. O obje- no fato de que conforme o parágrafo 7 da tivo dessa análise foi totalizar as questões IFRS 1 uma entidade deverá aplicar as mes- aplicáveis em cada demonstração, sendo seu mas políticas contábeis em suas primeiras resultado incluído como denominador para demonstrações em IFRS, não havendo, por- a Equação (1); tanto, mudanças nas políticas adotadas, para ii) verificada a quantidade de questões as IAS 26 e IFRS 4, não foram encontradas aplicadas a cada empresa em cada conjunto na amostra entidades cujo ramo de ativida- de relatório, analisava-se, para aqueles itens de fosse regulamentado em tais normas. Em que eram aplicáveis, se era ou não atendido relação à IAS 29, nenhuma empresa anali- naquela demonstração, recebendo nova- sada encontrava-se operando em países de mente a pontuação 1 para os itens cumpri- economia hiperinflacionária. A exclusão da dos e 0 para os itens não cumpridos, sendo IAS 34 deveu-se ao fato de que não foram esse resultado incluído como numerador da utilizados relatórios intermediários. Além Equação (1). R. Cont. Fin. – USP, São Paulo, v. 22, n. 56, p. 155-173, maio/jun./jul./ago. 2011 163 Valdiney Alves Oliveira e Sirlei Lemes Quadro 2 Relação de normas analisadas no estudo Nº IASB Nº CPC Assunto Nº IASB Nº CPC Assunto Tratamento Contábil de Partici- Apresentação das Demonstrações IAS 1 CPC 26 IAS 31 CPC 19 pação em Empreendimentos em Financeiras Conjunto CPC Instrumentos Financeiros: Divulga- IAS 2 CPC 16 Estoques IAS 32 08, 14 ção e Apresentação e 39 IAS 7 CPC 03 Demonstração dos Fluxos de Caixa IAS 33 CPC 41 Lucro por Ação Políticas Contábeis, Estimativas e Relatórios Financeiros Intermedi- IAS 8 CPC 23 IAS 34 CPC 21 Erros ários Eventos Subsequentes à Data do Reduação ao Valor Recuperável IAS 10 CPC 24 IAS 36 CPC 01 Balanço de Ativos Provisões, Passivos e Ativos Con- IAS 11 CPC 17 Contratos de Construção IAS 37 CPC 25 tingentes IAS 12 CPC 32 Imposto de Renda IAS 38 CPC 04 Ativos Intangíveis CPC Instrumentos Financeiros: Reco- IAS 16 CPC 27 Ativo Imobilizado IAS 39 08, 14 nhecimento e Mensuração e 38 IAS 17 CPC 06 Arrendamentos IAS 40 CPC 28 Propriedades para Investimentos IAS 18 CPC 30 Receita IAS 41 CPC 29 Agricultura CPC 37 Primeira Aplicação das Normas IAS 19 CPC 33 Benefícios aos Empregados IFRS 1 e 43 Internacionais de Contabilidade Contabilidade de Concessões IAS 20 CPC 07 Governamentais e Divulgação de IFRS 2 CPC 10 Pagamentos Baseados em Ações Assistência Governamental Efeitos das Alterações nas Taxas de IAS 21 CPC 02 IFRS 3 CPC 15 Combinações de Negócios Câmbio IAS 23 CPC 20 Custos de Empréstimos IFRS 4 CPC 11 Contratos de Seguros Ativos Não Correntes Mantidos IAS 24 CPC 05 Divulgações de Partes Relacionadas IFRS 5 CPC 31 para Venda e Operações Descon- tinuadas Contabilidade e Emissão de Rela- Exploração e Avaliação de Recur- IAS 26 N/D tórios para Planos de Benefício de IFRS 6 N/D sos Minerais Aposentadoria Demonstrações Financeiras Con- CPC 35 Instrumentos Financeiros: Divul- IAS 27 solidadas e Contabilidade para IFRS 7 CPC 40 e 36 gações Investimentos em Subsidiárias Contabilidade para Investimentos IAS 28 CPC 18 IFRS 8 CPC 22 Segmentos Operacionais em Associadas Demonstrações Financeiras em IAS 29 N/D Economias Hiperinflacionárias Todos os itens foram analisados conside- que, na demonstração analisada, apresenta- rando o mesmo peso. Foram considerados ram evidências de cumprimento total, não como atendidos (1 ponto) apenas aqueles considerando, portanto, atendimento parcial 164 R. Cont. Fin. – USP, São Paulo, v. 22, n. 56, p. 155-173, maio/jun./jul./ago. 2011
Description: