Moacyr Florcs Negros na Revolucio Farroupilha TRAICAO EM PORONGOSE FARSA EM PONCHE VERDE ACERVC Cas -TNIAS FREI RUG /iLIG GOSTA NEGROS NA REVOLUCAO FARROUPILHA er EE —— EE EE mm mm Traicdo em Porongos e farsa em Ponche Verde Colecao: Raizes Africanas O Os cativos e os homens de bem: experiëncias negras no espaco urbano, de Paulo Roberto Staudt Moreira Resistência da mulher escrava, de Marilza K. Portal Bitencourt Histéria da Igreja de Nossa Senhora do Rosdrio, de Dom José Barea (com introducio e notas de Moacyr Flores) Negros na Revolucio Farroupilha — Traicao em Porongos e farsa em Ponche Verde, de Moacyr Flores Afro-brasileiros: histéria e realidade, org. por Luiz Carlos Amaro Esta obra integra o projeto ACERVO DAS ETNIAS FREI ROVILIO COSTA do Arguivo Histérico do Rio Grande do Sul Fone: (51) 3227-0883 E-mail: ahrs@ via-rs.net MOAGCYR FLORES NEGROS NA REVOLUCAO FARROUPILHA Traicio em Porongos e farsa em Ponche Verde ST] EDICOES Porto Alegre, 2004 @ Copyright de Moacyr Flores IS edicao: 2004 Esta edicdo é propriedade do Autor. Capa: Antênio Suliani a partir da Aguarela de Wash Rodrigues, reproducdo de “Uniformes do Exército Brasileiro”. (Rio de Janeiro: Ministério do Exército, 1922). Editoracdio e composicdo: Suliani Editografia Ltda. Rua Verissimo Rosa, 311 90610-280 — Porto Alegre, RS Fone/fax: (S1) 3384 8579 E-mail: [email protected] F634n Flores, Moacyr Negros na Revolugëo Farroupilha: traicdo em Porongos e farsa em Ponche Verde / Moacyr Flores. - Porto Alegre: EST, 2004. (Rai- zes africanas; v. 4) 79 p.: il. ISBN: 857517071-6 1. Revolu€io Farroupilha - Negros 2. Histéria - Revolucio Farroupilha — Rio Grande do Sul 3. Negros - Revolucio Farroupilha — Rio Grande do Sul 1. Titulo II. Série CDU: 981.65 981.65:326 Catalogacëo: Aglaé Castilho Oliva - CRB10/814 EDICOES EST Rua Verissimo Rosa, 311 N 90610-280 — Porto Alegre, RS Fone/fax: (51) 3336.1166 E-mail: [email protected] www.via-rs.com.br/esteditora EE EE Ee EE N GEE RT TE REEE MGE EE Ed || WET ET TN NE SUMAT1O ” Introducdo 1 O segmento social do negro no periodo farroupilha 9 2 As profissêes dos escravos 18 3 ARevolucio Farroupilha e os escravos 28 4 Relacbes entre amos e escravos 39 53 (Infantes e lanceiros na Revolucio Farroupilha A9 6 Os mistérios da simulada Convencio de Ponche Verde 66 Introducao O; revoluciondrios liberais rio-grandenses adotaram como lema “liberdade, igualdade e humanidade”. Na letra do hino, de autoria de Francisco Pinto da Fontoura, consta: “foi o vinte de setembro precur- sor da liberdade”. Em outra estrofe: “povo -jue nio tem virtude, acaba por ser escravo”. Como explicar a manutengao do sistema de escravi- dio de negros e a traicio no combate de Porongos? Por gue os far- roupilhas n4do aboliram a escraviddo? Os republicanos armaram OS escravos Capturados dos imperiais e agueles gue substituiram seus senhores convocados para o Exército revolucionario. Por gue nao armaram todos os escravos? Teriam um dos maiores exércitos das guerras civis das Américas. Os liberais consideram como cidadaos, isto é, com direitos politi- COS, apenas os proprietarios. Os escravos e libertos ndo eram cida- daos, sê os homens gue nasceram livres, conforme o direito gue se herdou de Roma Antiga. O escravo era um objeto gue podia ser ven- dido, alugado, hipotecado e legado em dote. Os cédigos de posturas municipais colocavam o escravo no mesmo capitulo dos animais. Portanto, o escravo sê ganharia liberdade se a comprasse ou se fosse dada por seu dono. No podia ser tratado com igualdade porgue nao era cidadio, restava a ele apenas o tratamento de humanidade, gue dependia dos sentimentos de cada proprietêrio. Talvez nao tenham convocado todos os escravos para lutar com medo de um levante como o de Toussaint L'Overture no Haiti ou dos negros muculmanos na Bahia, gue massacraram negros, mulatos e brancos gue ndo comungavam com suas idéias politicas ou religiosas. Reuni neste livro seis reflexêes sobre a escraviddo no periodo da Guerra Civil dos Farrapos, gue publiguei em revistas ou proferi em palestras. Fiz algumas adaptacêes, para evitar repeticêes e para pre- encher lacunas gue porventura ficaram entre um e outro texto. Introducao 7 ss i od A publicacio desse conteido se deve principalmente as consultas e guestionamentos gue venho recebendo para explicar a participacao dos negros na Revolug4o Farroupilha e principalmente o combate de Porongos, onde a infantaria foi massacrada pela tropa de Francisco Pedro de Abreu. 540 assuntos gue mexem com sentimentos e ferem determinadas imagens criadas por uma histéria gue mitificava os he. rois. O tema é dificil, pois tenho gue modificar conceitose Interpreta- cOes de fatos e dados gue j4 escrevi no passado. Novos documentos manuseados, ignorados por outros historiadores, me obrigam a re- formular os fatos sobre o combate no acampamento dos Porongos e sobre a anistia concedida pelo Império do Brasil, e dando a verdadei- ra dimensêo do chamado Tratado de Paz de Ponche Verde, gue nunca ExXIstiu. O primeiro capitulo trata do segmento social do negro na socie- dade sul-rio-grandense. O segundo, descreve as diferentes proiissêes de escravos, de acordo com os antincios de jornais da época. Como viviam os escravos no perfodo farroupilha é o tema do terceiro capi- tulo. O guarto, é uma tentativa de estabelecer as diferentes relaces €ntre Os amos e os escravos. O tema mais polêmico é do uso dos es- Cravos na infantaria e na cavalaria, como lanceiros, procurando escla- recer, através da documentacao existente na Colecao Varela, as ano- tacoes CV, entre parênteses, seguidas de um nimero, referem-se aos documentos da Colecio Varela, gue se encontram no Ardguivo Hist6é- rico do Rio Grande do Sul, a traic&o no combate de Porongos. Por dl- timo ha uma estreita ligaco entre o combate de Porongos e a simula- da Convencio de Ponche Verde, gue é popularmente conhecida por Tratado de Paz. 8 Moacyr Flores @ Negros na Revoluc&o Farroupilha SEgmento social do negro no periodo farroupilha' (eie pode uma sociedade gue se diz cristi ter escravos? Como en- tender gue revoluciondrios lutavam em nome da liberdade. da igual- dade e da humanidade ao mesmo tempo em gue tinham escravos? É interessante ler o artigo do jornal O Amigo do Homem e de Pd- tria, de 1829, em gue o articulista defende a necessidade da cultura para esclarecimento do povo, condenando a ignorência como grande mal social. Sem citar os negros e escravos gue viviam na Provincia. afirma gue até os animais tém mais sagacidade guando sio livres: Cuando a tirania do homem se intromete na sua comunidade. deprime-se- lhe o espirito e sé parece ansioso pela sua liberdade e com i gual diminui- €40 tanto sofrem no entendimento como na propriedade. Este mesmo para- lelo se pode aplicar ao homem. O temor naturalmente reprime a invencio, a benevolência, a ambicëo, pois numa nacio de escravos, COmo nos despê- ticos governos do Oriente, trabalhar por adguirir fama é alistar-se no rol dos proscritos. ! Essas idéias aplicavam-se apenas aos cidadaos due eram oprimi- dos pelo governo. O mesmo jornal afirma gue sem liberdade nao po- de haver virtude e gue hé povos destinados Aa escravidao. O articulista considera a liberdade um bem muito importante para se confiar em maos de crian€as, pois o homem livre depende apenas da lei.” Publicado na Revista do Instituto Histêrico e Geogrdfico do Rio Grande do Sul, n. 137. 2002, p. 41-52. O Amigo do Homem e da Pdtria. jomal de Porto Alegre, 21.08.1829, p.l. O Amigo do Homem e da Pdtria, jormal de Porto Alegre, 23.03.1830, p. 1-2. Segmento social do negro no periodo farroupilha 9 Consideravam os negros como povo destinado a escravidao, sem condicées de cuidar de sua prépria liberdade. 56 o cidadio tinha di- reito de lutar pela liberdade. Saturnino de Souza Oliveitra, ao narrar o combate na vila de Sao José do Norte, lamentou a morte de 100 legais, embora os farrapos tivessem mais de 200 mortos, na sua malioria negros, nos seguintes termos: Porventura cada um destes benemêritos oficiais deve entrar na balanca com um negro de Bento Goncalves da Silva, insurrecionados contra seus senho- res? Deveria um sê deles ser sacrificado pelos 200 negros, sem gue se ga- nhasse outra vantagem? (Oliveira, 1986, p. 121). A Republica Rio-Grandense nio combateu o racismo e silenciou sobre as tensées sociais do escravismo. O Povo, seu jornal oficial, publicou artigo contra os portugueses gue praticavam o desumano comércio de escravos africanos. O negreiro de nome Domingos Soa- res Barbosa e outro chamado Leitao tinham o propdsito de barbarizar e reduzir o Brasil & segunda Africa, com a introducëo de negros. O artigo ndo é contra o nefando com€rcio, mas alerta sobre o perigo de o Brasil se africanizar.” O negro era tido como resistente ao trabalho e unicamente para isso. Em 1836, Domingos José de Almeida escreveu & esposa Ber- nardina para manter os escravos ocupados e mesmo mudar de ocupa- Ges, até gue as coisas se aproximassem ao gue foram. As tarefas po- deriam ser até desnecessdrias, como abrir potreiro, ampliar o lagoëo, desde gue mantivessem os negros ocupados (CV 195). Em 1837, Anténio Goncalves Chaves, com chargueada perto de Montevidéu, alugou 16 escravos de Domingos José de Almeida. O produto do aluguel destinava-se a sustentar a familia e pagar as divi- das de Almeida. Chaves informou gue os escravos iam bem, somente Oo Manoel carpinteiro se portou turbulentamente e danificou um dos outros. Chaves colocou o escravo a ferros. O saladero era isolado da cidade, servindo assim de presidio tanto para os seus @scravos cComo para os de Almeida. Alugou as pretas em casas particulares, porgue o dono do saladero nêo as duis, por @xcitarem brigas entre os pretos (CV 3901). `.O Povo, jomal de Piratini, 30.08.1839, p. 3-4. 10 Moacyr Flores $# Negros na Revolucao Farroupilha