Nazismo, cinema e direito Preencha a ficha de cadastro no final deste livro e receba gratuitamente informações sobre os lançamentos e promoções da Elsevier. Consulte também nosso catálogo completo, últimos lançamentos e serviços exclusivos no site www.elsevier.com.br , o o a t m i m e s r ie z i nd a i N ce Gabriel Lacerda Fechamento desta edição: 10 de novembro de 2011 Edição 2012 © 2012, Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográfi cos, gravação ou quaisquer outros. Copidesque: Tania Heglacy Revisão: Lara Alves Editoração Eletrônica: Tony Rodrigues Elsevier Editora Ltda. Conhecimento sem Fronteiras Rua Sete de Setembro, 111 – 16o andar 20050-006 – Rio de Janeiro – RJ Rua Quintana, 753 – 8o andar 04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP Serviço de Atendimento ao Cliente 0800 026 53 40 [email protected] ISBN: 978-85-352-5517-1 Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação à nossa Central de Atendimento, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão. Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicação. Cip-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ L136n Lacerda, Gabriel, 1946- Nazismo, cinema e direito / Gabriel Araújo de Lacerda. – Rio de Janeiro : Elsevier : FGV, 2012. ISBN 978-85-352-5517-1 1. Direito - Filosofi a. 2. Nazismo. 3. Cinema. I. Título. 11-6953. CDU: 340.12 O autor G abriel Araújo de Lacerda é Mestre em Direito e especialista em Direito Tributário Internacional pela Harvard. Professor da Fundação Getulio Vargas – Direito Rio. Sócio aposentado do escritório Trench, Rossi, Watanabe, associado ao escritório Baker & McKenzie, e ex-sócio do escritório Veirano Advogados. Foi consultor jurídico da presidência da Petrobras e advogado da Brascan e Caemi. Ex-professor da PUC/Rio e da Coppe/UFRJ. Autor de 14 livros, entre os quais Direito no Cinema; Eu Tenho Direito: Noções de direito para leigos; Agir Bem é Bom: Noções de ética e O Estado e Você: Dez diálogos sobre cidadania. VII Prefácio A paixão pelo cinema e sua relação com o direito me aproximaram de Gabriel Lacerda. Dividimos um mesmo desejo no sentido de instru- mentalizar o ensino do direito através do cinema. Tornar vivo, trazer para a realidade e para o cotidiano de nossos alunos situações e conflitos que parecem distantes e pouco palpáveis, mas tão presentes na sociedade. A partir de filmes, é possível compreender comportamentos, visões de mundo, valores e ideologias de uma determinada sociedade ou momento histórico. O filme se torna um documento para a reflexão do direito, propiciando uma abordagem contemporânea das sociedades nas quais ele foi cunhado. O reconhecimento da importância de tal interação nos permitiu compartilhar a experiência adquirida durante o curso de “Direito e Cinema” que eu ministrava na UERJ, enquanto Gabriel se ocupava de experiência análoga em seu curso na Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas. Minhas aulas contavam com sua intervenção preciosa e sempre precisa, sendo seguidas de uma agradabilíssima conversa sobre os filmes escolhidos, a recepção pelos alunos e as dinâmicas que aplicávamos em sala de aula. Desenvolvíamos, paralelamente, um laboratório de experimentos didáticos, que iria mais tarde redundar na publicação do primeiro livro de Gabriel, intitulado O Direito no Cinema, um grande sucesso, reconhecido não apenas por professores e alunos, mas também por todos aqueles que possuem especial fascínio por filmes relacionados a temas jurídicos. A experiência didática ali registrada estabeleceu as bases para que a presente obra pudesse voir le jour. A leitura da obra atual é fluida e envolvente, apesar de descansar em um terreno indubitavelmente árido. Trata-se, nesta segunda etapa, de fornecer um olhar jurídico em torno do material cinematográfico a respeito do regime nazista. Se a literatura e a filmografia acerca do nazismo são vastíssimas, o autor não pretende buscar alento no lugar comum. Inquieto, pretende IX NAZISMO, CINEMA E DIREITO ELSEVIER ir além, experimentando algo novo e transformando em livro sua rica experiência adquirida em sala de aula. A filmografia foi escolhida com esmero, assim como toda a documentação amealhada, que buscam ilustrar, com profundidade, situações reais e conflitos internos vividos por muitos personagens que possuíam papel jurídico relevante durante o regime. O nazismo foi, então, focado sob o aspecto documental- -jurídico, a fim de demonstrar como o direito pode ser apenas um instrumento nas mãos de ditadores, capaz de legalizar práticas resultantes de ideologias dominantes, concretizadas e personificadas por um líder carismático. O primeiro módulo do curso concentra-se na instrumentalização jurídica da tirania e da barbárie, buscando compreender, por um lado, a influência de fatores sociais, psicológicos, políticos e econômicos na formação do regime e da sociedade nazista, que evoluem de restrições legais até o extermínio em massa; e, por outro lado, o sofrimento causado àqueles submetidos a essa sociedade patológica e a experiência daqueles que uniram esforços a fim de se opor ao sistema, cujas condutas foram mecânica e friamente identificadas e reprimidas. A obra expõe, de forma pontiaguda, o distanciamento entre a lógica e a verdade. A lógica repousa nos textos jurídicos que embasam o aplicador e aliviam sua consciência. No regime nazista, o aparato jurídico foi bem construído, pensado e organizado em torno do princípio do Führer, que deveria ser seguido mesmo que fosse necessário sacrificar a própria vida, como consta no trecho do Livro de Organização do Partido Nazista, citado na presente obra. Já a verdade, tida como um conceito abstrato, busca equilíbrio na corda bamba da consciência. Sabe-se que, em momentos difíceis, o bom senso se dilui e o homem fica à mercê de lógicas que aliviam suas dores. Assim, pode-se dizer que a obra busca romper com o oceano plácido de lógicas, com a racionalidade e o alinhamento aparentes, e trazendo para a sala de aula sensações de desconforto, de distorção e de perturbação, tais como aquelas vividas em locais como o Memorial do Holocausto, de Peter Eisenman, ou o Museu de Moshe Safdi, em Berlim. O leitor é conduzido a imaginar as dinâmicas aplicadas em sala de aula e seus possíveis efeitos produzidos nos alunos, que passam a vivenciar realidades sociais durante a Alemanha nazista; conflitos de juízes, advogados de defesa e acusação; e diferentes situações em que é preciso optar entre a razão e o sentimento ou a consciência. Os alunos entram em sala de aula ouvindo a canção de Horst Wessel, que se tornou o hino oficial do partido nazista, e recebem uma folha com a tradução do hino. Assistem ao clássico e pungente documentário de Leni Rieffenstahl sobre o Congresso do Partido Nazista de 1934. São convidados a se posicionar diante do dilema de um juiz durante o regime nazista, que desliza entre a lógica e a verdade, retratado na cena 6 da peça de Bertold Brecht, Terror de Miséria no Terceiro Reich. Vivenciam, quase ao mesmo tempo, as tristes emoções do despertar da vida de Anne Frank. Escrevem uma carta pessoal à menina, já quase íntima, compartilhando com ela os sentimentos despertados. Partilham tais sentimentos com o próprio autor ao ler sua carta carinhosa, reproduzida na obra e dirigida à Anne, cujos diálogos ecoarão permanentemente em nossas almas. Todas essas dinâmicas evidenciam a necessidade X ELSEVIER PREFÁCIO de sentir a fim de compreender a realidade social que reinava na época, já que o indivíduo e a sociedade interagem. Trata-se, sobretudo, de uma obra que contempla aspectos essencialmente humanos, igualmente presentes no direito. A mensagem do autor se torna agora translúcida. A dualidade percorre toda a obra em busca de complexidade, profundidade e compreensão. A resposta não é simples, não decorre de uma sucessão lógica e ordenada de ideias. Como indivíduos podem deixar de sentir, de pensar, de questionar e aceitar, às vezes pacificamente, aplicar leis que ferem uma noção comum de humanidade ou seguir ordens que conduzirão a condutas manifestamente desumanas? Respostas a essas questões foram buscadas por psicólogos que tentaram explicar o porquê da obediência ou o porquê do mal. Experimentos foram conduzidos com o objetivo de explicar o que parece inexplicável. Tal é o experimento realizado pelo professor Stanley Milgram, na década de 1960, na Universidade de Yale, a respeito da obediência à autoridade, que comprovou que 65% das pessoas acatavam ordens até as últimas consequências, desde que houvesse uma autoridade legítima responsável capaz de assumir os riscos da conduta delituosa. Não é outra a conclusão de Philip Zimbardo, psicólogo conhecido por ter realizado o famoso experimento da prisão de Stanford em 1971, no qual estudantes foram selecionados para ocupar a posição de guardas ou presidiários de forma a avaliar se qualquer pessoa, tendo em vista uma circunstância social extrema, pode abandonar os escrúpulos morais e cooperar com violência e opressão. O denominado Lucifer Effect, segundo Zimbardo, faz com que pessoas supostamente normais ultrapassem a barreira entre o bem e o mal, pois o mal está no âmago do ser humano. Ele responde à necessidade de aliviar dores em momentos de sofrimentos agudos, de encontrar no coletivo a solução para males individuais, de projetar no outro características negativas que habitam em si próprio, de calar a consciência e se esconder por detrás do manto protetor das leis e das ordens superiores. A consciência descansa e se cala diante da mecanicidade. O homem passa a ser um mero executor, tal como sugere a conduta de Adolf Eichmann retratada no filme exibido na quinta aula do segundo módulo. Uma conduta como essa constitui exceção, é típica de mentes sádicas ou pervertidas? O autor lembra as palavras de Hannah Arendt quando discorre acerca da banalização do mal: o mal pode estar no ser humano assustadoramente normal, que perde a capacidade de distinguir entre o certo e o errado, que perde a capacidade de sentir, que perde, por fim, a capacidade de ser humano. Homens e bichos passam a ser iguais. Homens podem agir como porcos, como expõe de maneira contundente a fábula sobre o poder escrita por George Orwell em 1945.1 A análise é complementada pelo segundo módulo do curso, atinente à responsabilização pelo passado, avaliando os riscos e alternativas quanto ao futuro. O autor parte da instrumentalização da guerra e de suas consequências nas populações e nos países ocupados, que, por vezes, atuavam na qualidade de colaboracionistas, 1. George Orwell. A Revolução dos Bichos. Trad. Heitor Aquino Ferreira. 2.ed. São Paulo: Globo, 2000. XI NAZISMO, CINEMA E DIREITO ELSEVIER a exemplo da França de Vichy, para alcançar o ponto fulcral, considerado um marco no reconhecimento da responsabilização penal individual, após a tentativa frustrada do Tratado de Versalhes. O objetivo de se criar um tribunal militar era de responsabilizar aqueles considerados culpados por terem causado a guerra, e não de buscar reparação às vítimas. Trata-se do julgamento dos grandes responsáveis em Nuremberg, já que aqueles considerados de menor importância deveriam ser julgados em cada uma das quatro zonas de ocupação instaladas na Alemanha, conforme definido na Conferência de Potsdam. A avaliação da responsabilização sob o prisma individual colocou em xeque conceitos jurídicos tradicionais, cuja importância foi minimizada em prol de um bem supostamente maior. Todavia, não se pode negar que a legalização aparente aliviava a consciência daqueles que aplicavam as leis e daqueles que as seguiam. Isso nos leva à seguinte questão fundamental: até que ponto aqueles que aplicavam as leis e que seguiam as orientações de seus superiores hierárquicos poderiam ser responsabilizados pelas atrocidades cometidas? Poderiam ter agido de forma diferente? Tal situação é apresentada no filme Julgamento em Nuremberg, escolhido pelo autor de forma a complementar o assunto discutido na terceira aula do segundo módulo, relativo à responsabilização dos principais líderes nazistas. Na ocasião, mais uma vez os alunos foram chamados a tomar posição de forma a vivenciar o dilema de um juiz que deveria aplicar a lei, deixando de lado sua consciência. Não restam dúvidas de que a importância da obra reside em despertar a consciência. Trata-se de um convite à reflexão, que incomoda e aflige. É possível que as sombras do passado voltem a pairar sobre a humanidade? É possível que alguns aspectos identificados no regime nazista estejam presentes em regimes ditatoriais e totalitários atuais? É possível extirpar o mal da sociedade? Se o mal é intrínseco ao ser humano, devemos então concordar com Albert Camus quando afirma que “o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca”? O autor insiste que a compreensão do período nazista, sobretudo das circunstâncias que o criaram, apesar de parecerem aos jovens de hoje tão remotas, prepara o espírito para ameaças de catástrofes semelhantes, exemplificadas nos capítulos finais da obra. Por isso, é preciso cultivar a razão e a força interna para evitar o risco de adesões fanáticas a líderes ou ideologias, pois, como já dizia Friedrich Nietzsche, “o fanatismo é a única forma de força de vontade acessível aos fracos”. A mensagem do curso é bem recebida e compreendida, não passa de forma despercebida. Os alunos e os leitores que participarem desta experiência didática sairão certamente diferentes do que entraram, como esperava o ex-embaixador de Israel na Alemanha, Shimon Stein, quando da inauguração do Memorial do Holocausto em 2005. Com isso Gabriel Lacerda terá atingido seu objetivo precípuo: provocar um grito silencioso naqueles que sofrem com desconforto ao imaginar que um ser humano é capaz de cometer tantas atrocidades, enquanto outros apenas dormem. Um sono livre de consciência e de reflexão, um sono perturbador de tão profundo, capaz de produzir até mesmo os piores monstros. XII