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Nassau: Governador do Brasil holandês PDF

205 Pages·2011·0.9 MB·Portuguese
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Nassau Governador do Brasil holandês Ele é por natureza macio e lento: laborioso nas pequenas coisas, vemo-lo continuamente em atividade, sem nos darmos conta dos resultados. Tem uma grande sinceridade exterior, e a aparência muito afável e acessível. Inimigo das altercações, com um rosto risonho aceita facilmente a opinião do interlocutor. E, apesar de tudo que acabo de dizer, vai diretamente a seus fins, como qualquer homem do mundo. conde de guiche, Mémoires Sumário Prefácio 1. Origem e infância 2. A mocidade de Nassau 3. As cavalariças de Áugias 4. Um inválido na fortaleza 5. Deus abateu o orgulho do inimigo 6. Paz nassoviana 7. O Atlântico não é o Rubicão 8. A partida de Nassau 9. Depois do Brasil 10. Kleef Cronologia Leituras complementares Prefácio Trata-se de erro corriqueiro supor que João Maurício de Nassau-Siegen era holandês, quando na verdade descendia de uma linhagem alemã fixada há séculos na região renana, embora na época do seu nascimento, em 1604, parentes seus, inclusive seu avô e seu pai, já se houvessem distinguido, do outro lado da fronteira norte, combatendo a Espanha no Exército neerlandês, ou seja, dos Países Baixos. (Naquele tempo, a designação de holandeses reportava-se apenas aos habitantes da província da Holanda, uma das sete que compunham a República das Províncias Unidas dos Países Baixos.) Outro equívoco freqüente entre nós consiste em confundi-lo com seu famoso homônimo e padrinho, Maurício de Nassau, um dos grandes generais do seu tempo, filho de Guilherme, príncipe de Orange. Guilherme, cognominado “o Silencioso” devido à sua discrição, foi o fundador da independência dos Países Baixos e irmão do avô paterno de Nassau. Para distinguir os dois Maurícios é que desde então passou-se a chamar Nassau de “o Brasileiro”. Ainda outro engano, o de supô-lo príncipe, quando nasceu apenas conde, pois aquele título só lhe será concedido em 1653 pelo imperador Ferdinando iii, embora fosse tratado por tal no Brasil holandês, onde Nassau, aliás, considerava- se príncipe de fato, pois, conforme pretendia, a colônia constituiria um sistema misto: uma república gerida “de forma aristocrática”, isto é, pela direção da Companhia das Índias Ocidentais nos Países Baixos, ou Conselho dos xix, a que se contrapunha um principado, porquanto, suprimido ali o título de rei e de vice-rei, sob cujos auspícios se governava antes o Estado [do Brasil, sob o domínio português], recebeu legítima autoridade para isso o ilustríssimo Maurício, com o título de governador e capitão-general, com supremo poder na terra e no mar para usarmos as palavras do humanista Gaspar Barlaeus, que, por encomenda sua, escreverá a história do seu governo no Brasil. O tratamento de príncipe era- lhe dado pelos habitantes do Brasil holandês no propósito de afagar-lhe a vaidade, embora a vaidade afagada não fosse só a de Nassau, pois à aceitação que ele teve da parte dos colonos luso-brasileiros não foi estranha a satisfação de se verem governados por alguém de alta linhagem aristocrática. Esta é uma biografia brasileira de Nassau, como indica uma consulta ao índice: mais de metade da obra é dedicada ao período do seu governo no Brasil, que equivaleu a apenas 10% de uma existência que chegou aos 75 anos, enquanto o restante do livro cobre os 90% restantes de sua vida, passados na Alemanha e nos Países Baixos, período que tem interesse reduzido para o leitor brasileiro. Mas mesmo no tocante a estes 90%, o autor esteve atento às projeções da sua estada no Brasil, ao mesmo tempo que se viu na obrigação de proporcionar as informações indispensáveis relativas à conjuntura neerlandesa e alemã em que Nassau atuou, as quais, para o leitor neerlandês, não constituem novidade. Outra razão para a ênfase nos anos de Brasil consiste em que eles são mais conhecidos do que as outras fases da sua vida, graças aos historiadores, brasileiros e estrangeiros, que se ocuparam do domínio holandês entre nós. A isto se deve em boa parte o fato, assinalado por outros, de que os anos brasileiros de Nassau foram sempre considerados o ponto alto da sua vida. Nos Países Baixos e na Alemanha, ele continua quase desconhecido, exceto por um punhado de especialistas, em especial da história da arte e da ciência, ao passo que não há muito interesse pelo seu papel de governador do ducado de Kleef, no norte da Alemanha, de marechal do Exército neerlandês, e de figura de proa do orangismo, vale dizer, dos partidários da dinastia de Orange que se opunham às pretensões oligárquicas do patriciado urbano. Suas biografias contam-se nos dedos de uma mão, embora as comemorações do terceiro centenário do seu falecimento, em 1979, tenham ensejado a publicação de dois inestimáveis volumes de estudos nassovianos, isto é, alusivos a Nassau: Soweit der Erdkreis Reicht [Até onde o mundo alcança], editado em Kleef, e A humanist prince in Europe and Brazil, publicado em Haia. É pena, aliás, que as recentes celebrações em torno dos quatrocentos anos do seu nascimento não tenham produzido tão rica safra nem a esperada biografia que viesse substituir as existentes. Este livro não tem tal pretensão, pois além de representar uma biografia brasileira, é também uma obra de síntese. Embora o autor tenha buscado evitar transformá-la em monótono relatório administrativo, a vida pública de Nassau absorve quase todas as suas páginas, para frustração dos leitores curiosos de vida privada, sobretudo na sua vertente salaciosa. Nassau é, aliás, daqueles que bem se prestam à biografia do tipo convencional, pouco inclinada a devassar a intimidade dos grandes homens, seja para engrandecer-lhes os feitos, seja simplesmente por falta de informações de natureza particular. Como tantos militares europeus do seu tempo, Nassau, como dirá seu amigo o poeta Vondel, não se dobrou ao “jugo das mulheres”, permanecendo solteiro, de modo a guardar uma liberdade de movimentos condizente com as exigências profissionais, o que não quer dizer que tenha escapado ao jugo das amantes. O mais eminente dos historiadores de língua inglesa que se ocuparam da história do Brasil e da expansão portuguesa no mundo, C. R. Boxer, resumiu melhor que ninguém o biografado: “Ele não foi apenas um general capaz e um administrador de primeira categoria, mas um governante em muitos aspectos à frente do seu tempo”. Vamos por partes. A competência militar de Nassau não pode ser posta em dúvida, embora se trate de atributo inferior àqueles que outrora eram romanticamente identificados aos grandes chefes de guerra, o que ele não foi. Se sua principal empresa bélica, o sítio da Bahia, fracassou por lhe faltarem os meios que lhe haviam prometido, os êxitos foram inegáveis: a defesa do Brasil holandês contra o ataque da armada luso-espanhola em 1640 e a conquista de Angola, de São Tomé e do Maranhão em 1641. Ocorre, porém, que tais triunfos foram alcançados graças ao poder naval, vale dizer, pelos almirantes e por suas esquadras, o que tende a relegar ao segundo plano a visão nassoviana que os inspirou. Bastaria dizer que, na primeira ocasião, foi ele que fez a opção por uma estratégia que privilegiou o combate no mar e não em terra; e, na segunda, quem resolveu a tomada de Angola em vez da Bahia, como desejava a Companhia das Índias Ocidentais. Nassau foi sobretudo o “administrador de primeira categoria” da frase de Boxer, inclusive administrador militar. Seu talento de organização e seu domínio dos detalhes foram assinalados por certo oficial francês, o conde de Guiche, que serviu com ele na guerra de Münster e cuja avaliação serve de epígrafe a esta biografia. Obrigado a levantar o sítio de Salvador, Nassau o fez com tanta eficiência que sua tropa embarcou de regresso ao Recife numa noite de chuva sem que os habitantes da capital sequer percebessem. Sua diligência explica em máxima parte suas realizações no Brasil e em Kleef, a começar pelas arquitetônicas. J. J. Terwen, que estudou os palácios que, como os jardins, Nassau construiu por onde passou, investiu há anos contra a tendência a vê-los somente em termos do talento de seus arquitetos, Jacob van Campen, Pieter e Maurits Post, engajando-se em querelas intermináveis sobre a prioridade de um ou de outro neste ou naquele prédio. Para Terwen, teria sido “muito mais importante […] identificar a contribuição arquitetônica do patrão”, a qual, a seu ver, foi “facilmente negligenciada e até negada”, malgrado os indícios veementes da sua participação na preparação e na execução dos projetos. Recorda o mesmo autor que, sendo “primeiro e sobretudo um homem prático, mais engenheiro do que artista”, Nassau adorava “ocupar-se de questões técnicas”, como atestam seus experimentos com artilharia na praia de Scheveningen em 1659 e a invenção de uma carruagem de três rodas. Suas construções brasileiras, Vrijburg, a Boa Vista e La Fontaine, foram criações suas; e o orgulho que sentia por elas levou-o a compilar o códice contendo as plantas dos edifícios que erguera ao longo da vida. Por fim, para concluir a glosa do julgamento de Boxer, Nassau foi também “um governante em muitos aspectos à frente do seu tempo”. Eis com efeito o traço que dota sua personalidade daquele ar pré-iluminista que o fez em grande parte tão popular entre os historiadores. Nesse aspecto, Nassau foi antes um filho da Holanda que da Alemanha. A despeito das suas vinculações orangistas e do republicanismo dos dirigentes holandeses, a congenialidade entre ambos transparece ao longo do governo no Brasil e da carreira militar na República. A tolerância religiosa era a pedra de toque dessas afinidades; e Boxer teve toda a razão ao asseverar que “reinava no Brasil holandês, nos anos de governo de João Maurício, um grau de liberdade religiosa maior do que em qualquer outra parte do mundo ocidental”, inclusive os próprios Países Baixos. Tolerância vinculada ao equilíbrio pessoal e ao gosto pela conciliação. Das receitas humanísticas sobre o exercício do mando, Nassau privilegiava a recomendação de combinar moderação e rigor, pois “a mistura dessas duas qualidades é tão necessária em quem governa que não durará muito tempo o governo demasiado propenso a uma ou a outra”, como escreveu nas instruções que deixou ao partir do Brasil. Havia ainda a afabilidade no trato, o que o conde de Guiche chamou sua “grande sinceridade exterior”, “a aparência muito afável e acessível”, seu horror às altercações, sua capacidade de ouvir, que não o impediam, contudo, de passar “diretamente a seus fins como qualquer homem do mundo”. Frei Manuel Calado do Salvador, que privou da sua intimidade no Recife, reputava- o “bem inclinado de natureza”, o que atribuía ao “sangue real donde procedia”, destacando também o “alegre semblante” que tinha “para todos”. O estudioso que conhecia melhor do que ninguém, deste e do outro lado do Atlântico, a história do Brasil holandês, J. A. Gonsalves de Mello, acentuou que o dístico que Nassau fez colocar num dos parques de Kleef (em resposta a outro, anônimo, “antes de a árvore crescer,/ o plantador há de morrer”) — construir, cavar a terra e plantar, eis o que nunca te deve pesar. Tu mesmo e os teus descendentes o proveito tirareis das tuas sementes, — definia mais fielmente o homem do que os verbos ligados à sua profissão, como lutar ou guerrear. Cumpre, porém, não confundir este amor pela natureza com o ecologismo dos nossos dias, pois como assinalou H. R. Hoetink, organizador das comemorações nassovianas de 1979, “o que ele desfrutava era a natureza organizada pelo homem”, na forma de jardins, lavouras, pomares, fontes, alamedas bordadas de árvores, e não “a natureza crua e indomesticada”. O que não evitou que o governo de Nassau tomasse as primeiras providências sistemáticas de preservação da mata atlântica. Ademais, sua simpatia e curiosidade pelos primitivos habitantes da terra nada ficaram a dever, ainda segundo Boxer, às de um antropologista do século xx. A paixão nassoviana pela jardinagem e pela paisagem também se prendeu à sua formação humanista. Um estudioso dos seus jardins, W. Diedenhofen, observou que os monumentos colocados nas alamedas e parques de Kleef tinham em comum a idéia da sujeição das armas ao valor mais alto da contemplação da natureza, atitude que pode parecer insólita em vista da profissão de quem os promoveu. É que hoje em dia, na esteira de regimes escancaradamente brutais, como o nazismo, ou dissimulados mas também cruelmente eficazes, como os autoritarismos do Terceiro Mundo, requer-se certo esforço de reflexão para conceber a simbiose entre a carreira militar e o humanismo que caracterizava a antiga cultura aristocrática, e para imaginar que um oficial de uma grande potência num século eminentemente belicista como foi o xvii pudesse realizar a síntese de valores para nós tão díspares. Hoetink reparou na ironia de que “a grandeza e o significado histórico” de Nassau tenham permanecido indelevelmente associados ao que, em última análise, “foi um fracasso militar”, isto é, a perda do Brasil holandês. O paradoxo exige uma explicação, a começar pela cronológica: ela ocorreu após seu regresso aos Países Baixos. Quer na opinião da época, quer na historiografia do período, sempre prevaleceu o consenso de que a culpa cabia inteiramente à Companhia das Índias Ocidentais, e não a Nassau, que a alertou sistematicamente para as conseqüências de uma política colonial de subordinação estrita à racionalidade dos balancetes. Tudo isso é verdade, e tudo isso deu à Companhia o papel de grande vilã da história, para não falar no tratamento dispensado a Nassau, com o qual ela não honrava a inteligência e

Description:
João Maurício de Nassau-Siegen foi um governante, no Brasil do século XVII, de qualidades excepcionais. Nobre de origem alemã, teve formação humanista da melhor qualidade. Na guerra, era um militar temperado, e conhecia a fundo arquitetura, história e artes plásticas. Nomeado pela Companhia
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