JEAN-PIERRE DUPUY. NAS ORIGENS DAS CIÊNCIAS COGNITIVAS Tradução de Roberto Leal Ferreira J FUNDAÇÃO Scanned by CamScanner Copyright© 1994 bv Édltlons L:i Découvcrrn Tl1.11lo original c111 francês: Aux orlglne.� eles sctcnces cognlclves. Copyright© 1995 ela tradução brasileira: OE�;-c-�i--·-E�i(tora o - UNESP ela Fundação para Dcscnvolvirnc:nt.() UNIDA t\V,DAJ 2,: i_d:I N.º CHI �� � Universidade Estadual Paulista (FUNDUNESP). __\ J)..��9 ·� Av. Rio Branco, 1210 V EX. . . �--, 01206-904 - São Paulo - SP · VJ .1�}21 \ T�MSO 8-../. Tcl./Pax: (011) 223-9560 '1 PROC: r e LY21 D . 1 . PR?ÇO --······························ ( J , i)ATA � r-J .º CPD·------··················15âcl �s Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) t,_D N oo..::. ::.:.:.:.::::.:��;.::,::_::� ..... f (Câmara Brasileira do Livro SP Brasil) Q I\ 5 o·�':)b , ' Dupuy, Jean-Pierre Nas. origens das ciências cognitivas / Jean-Pierre Dupuy, tradução de Roberto Leal Ferreira. - São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996. - (Biblioteca básica). Tírulo original: Aux origines des sciences cognitives. ISBN 85-7139-125-4 1. Ciências cognitivas - História 1. Título, II . S e· n· e. 96-2465 CDD-153.4 Índices para catálogo sistemático: 1. Ciências cognitivas: História 153.4 Scanned by CamScanner SUMÁRIO 9 Prefácio 19 Capítulo 1 O fascínio pelo modelo A virtude dos modelos Manipular representações A máquina de Turing Conhecer, ou seja, simular 43 Capítulo 2 Uma parenta mal-amada Uma "scienza nuova"? Mecanizar o humano Cérebro/ mente/ máquina Os neurônios de McCulloch Conexionismo versus cognitivismo A máquina de von Neumann 83 Capítulo 3 Os limites da interdisciplinaridade As Conferências Macy Os "cibernéticos" em discussão Unificar o trabalho da mente A tentação fisicalista 113 Capítulo 4 Filosofia e cognição Naturalizar a epistemologia O obstáculo da intencionalidade Brentano traído O encontro frustrado com a fenomenologia Uma filosofia da mente sem sujeito McCulloch versus Wiener Scanned by CamScanner JEAN-PIERRE DUPUY 8 5 149 Capítulo Os ternas cibernéticos: informação, totalização, complexidade Informação e fisicalismo A informação: entre a forma, acaso e sentido Cooperação e cognição As totalidades O O cibernéticas Sistema e autonomia Interferências na noção de modelo, ou o vírus da complexidade 195 Capítulo 6 Aspectos de uma decepção A aprendizagem da complexidade O "caso Ashby", ou o retorno à metafísica Os processos sem sujeito O encontro frustrado com as ciências do homem 221 Índice remissivo ·i Scanned by CamScanner PREFÁCIO De 1946 a 1953, dez conferências - as nove primeiras, realizadas no hotel Beekman, 57 5 Park Avenue, em Nova Yo rk, e a última, no hotel Nassau de Princeton, New Jersey - reuniram em intervalos regulares algumas das maiores inteligências deste século. Organizadas pela fundação filantrópicaJosiah Macy Jr., elas entraram na história com o nome de Conferências Macy. Os membros desse clube fechado - matemáticos, lógicos, engenheiros, fisiologistas e neurofisiologistas, psicólogos, antropólogos, econo- mistas - tinham como ambição edificar uma ciência geral do funcionamento da mente. O que os levara até lá, o que pensaram juntos, o que resultou desse empreendimento coletivo único na história das idéias, eis o objeto deste livro. Todo grupo desse tipo, para afirmar sua identidade, deve adotar um nome de código. No presente caso, o nome escolhido foi "cibernética". Hoje, esse nome saiu de moda, para usar de um eufemismo. De l 95,12té hoje, o projeto adotado pelo grupo cibernético não !�sou de voltar ao estaleiro, cada vez com um -,-·----· ........,_,... IWI!le Q.iferent�_!, De uns quinze anos para cá, a expressão que parece te;;e i�posto é a de "ciências cognitivas" ou, às vezes, "c.iênciª-s '; l;J}icão" (cognitive �c-ience, em inglês). As razões pelas quais as � � 11 . Scanned by CamScanner 10 JEAN-PIERRE DUPUY ciências cognitivas, hoje, têm vergonha de seu antepassado ciber- nético constituem um dos objetos de minha investigação. Meu interesse pelo projeto cibernético data de l 976J ano em que tive a grande sorte de encontrar aquele que fora, a partir de 1949, o secretário das Conferências Macy, encarregado de estabe. lecer os seus relatórios: Heinz von Foerster. Contei em outro livro' as circunstâncias desse encontro, que foi decisivo para a orientação de minhas pesquisas. Nessa época, von Foerster encerrm.a un1a carreira inteiramente consagrada ao que ele chamava de segunda .cibe�n�ti_ç�·'··ºY..ciP��péticª-de segi!nda ordem - carreira transcorri- da no âmbito do centro de pesquisas que ele instalara na Unív er- sidade de Illinois, em Urbana-Champaign: o �iological Cornputer l.aboratory. Graças a ele, entrei em contato com dois biólogos cujos trabalh-õ�" sobre a auto-organização do vivente haviam recebido seu impulso inicial das próprias idéias de von Foerster: o francês Henri_ _i:\tjqn e o chileno f� � yar�l.� A onda das ciências cognitív as ainda não chegara às nossas praias e, durante alguns anos, na França, a teoria dos sistemas auto-organizadores concentrou as energias neo ou pós-cibernéticas. Um colóquio que organizei com meu amigo Paul Dumouchel, em junho de 1981, no Centro Cultural Internacional de Cerisy-la-Salle, na Normandia, de eria constituir um dos pontos altos desse programa de pesquisas.' Sob o incentivo de Jean Ullmo, a Escola Politécnica de Paris decidira abrir um centro de pesquisas filosóficas, com urna forte componente epistemológica: foi, em 1982, a criação do CRÊA, o Centro de Pesquisa em Epistemologia Aplicada, 3 com urna equipe escolhida dentre os que haviam contribuído para a organização e para o bom êxito do colóquio de Cerisy. Jean Ullmo, que foi meu professor na Escola, já muito havia dado a ela, com suas pesquisas 1 J.·P. Dupuy, lntroduction, in: Ordres et désordres, Paris, Seuil, 1982. J 2 P. Dumouchel e .·P. Dupuy, L'auto-organisation: de la physique au politique, Paris, Seuil, 1983. 3 Na época, a sigla CRÉA significava: "Centre de Recherche Épistérnologie et Autonomie". Scanned by CamScanner NAS ORIGENS DAS Clf�NCIAS COGNITIVAS 11 e seu cnsiunmcnto, Foi, em especial graças à sua deterrninacão ' 1 1 que a venerável instituição consentira cm introduzir a ciência económica no curso de seus alunos. A real paixão de Jean Ullmo era, porém, a filosofia das ciências, corno o prova seu livro, que se tornou clássico, La J>cnsée scientifique moderne. Seu falecimento, em 1981, infeliz1�1ente não permitiu que presidisse aos primeiros passos do CREA, que, espero, o teriam satisfeito. Dedico este livro à sua memória, muito naturalmente. E não menos naturalmente o dedico também a Heinz von Foerster, cujo entusiasmo contagian- te pesou muito nas opções teóricas que fui levado a fazer no momento da constituicão do CRÉA. 1 As teorias da_ auto-organização estavam, portanto, presentes nas primeiras pesquisas do Centro. Mas logo veio a onda das ciências cognitivas. Os responsáveis pela pesquisa de nosso país compreen- deram, embora um pouco tarde, a importância desse programa de pesquisas interdisciplinares, que movia as fronteiras estabelecidas de longa data, levando ao diálogo e à aproximação os neurofisio- logistas e os psicólogos, os filósofos e os engenheiros, os antropó- logos- e os lingüistas. Tive a sorte de encontrar, então, um lógico, Daniel Andler, cujo trabalho filosófico se cristalizara nas ciências cognitivas. Andler levou ao CRÉA um grupo de pesquisadores eminentes que haviam feito a mesma escolha que ele. Assim foi que o nosso Centro se tornou um dos primeiros lugares de Pesquisa na Franca, na área das ciências cognitivas, com uma forte , __ -J,. ' componente filosófica. A originalidade do CREA, em nosso país e até, ·-�-;;��e�te, no mundo, está ligada ao fato de que nele se aproximam e convivem procedimentos e paradigmas os mais variados. A filosofia analítica, em sua componente filosofia da mente, desempenha aí um papel importante, mas isso não exclui a fenomenologia. A reflexão filosófica não teme alimentar-se de modelos matemáticos - a exemplo da primeira cibernética. Por razões de circunstâncias e de jogos de poder, a institucionalização das ciências cognitivas realizou-se, na França, ao redor da neuro- biologia e da inteligência artificial, relegando a um plano secun1á- rio as ciências do homem e da sociedad�. Também aí, o CREA Scanned by CamScanner JEAN-PIERRE DUPUY 12 ocupa um lugar singular, pela importância conferida à filosofia social e política, bem con10 às ciências sociais propriamente ditas, essencialmente a economia e a antropologia. Estas, desde as Conferências Macy, vêem sua sorte ligada a esse mecanicismo de nosso tem po. Nesse contexto, senti a necessidade de refletir sobre as origens desse movimento de idéias, de que minhas escolhas, mas também as circunstâncias, me haviam tornado um dos artesãos. A oportu- nidade para isso me foi dada por Dominique Wolton, que dirigia no CNRS o programa Ciência-Tecnologia-Sociedade (S-T-S). Ele me confiou, em 1983, a responsabilidade de um programa de pesquisa genealógica sobre as teorias da auto-organização. Imediatamente, constituí uma equipe composta por Isabelle Stengers, Pierre Livet e Pierre Lévy. Os dois Pierre deveriam explorar o riquíssimo material representado pelos trabalhos do Bi91=9.gL�!1L,.Ç�sm-g��J 4�or�.��ry. (BCL), essa Meca da segunda cibernética; Isabelle, valendo-se de sua colaboração com Ilya Prigogine, com quem acabava de publicar La Nouvelle Alliance, devia, por seu lado, coQWL�_ hJ�.ró.;:iaJ:la_n_QçâQ de...autu�oJgauizaçãg p.as, ciê_ncias físico- q íwJcci_s. publicadas � Reservei-me a análise do conteúdo das Atas das Conferências Macy, às quais pudera ter acesso graças à generosidade de Heinz von Foerster. A dinâmica da pesquisa coletiva iria complexificar esse esque- ma inicial. Em novembro de 1985, enviamos nosso relatório, sob a forma de dois números especiais dos Cahiers du CRÊA. Ele incluía dois importantes textos de síntese redigidos por Isabelle Stengers e por Pierre Livet, cinco preciosas monografias assinadas por Pierre Lévy sobre diversos aspectos dos trabalhos do BCL, mas também sobre a vida e a obra de Warren McCulloch, esse neuropsiquiatra que foi o verdadeiro artesão das Conferências Macy e, portanto, da primeira cibernética; e, enfim, minha própria contribuição, intitulada "O desenvolvitnento da primeira cibernética (1943- 1953)". Quando Heinz von Foerster soube que eu estava realizando esse trabalho, prodigou-me seus mais entusiastas encorajamentos, Scanned by CamScanner ------·. hlA:1 PIUOIO J 1 )A1l f:l((NCIA!l CClONITIVAR 13 }'l\11\ 11t'pundP l\h dl1111t', npn1111r dn 111111 lnwn1111 lmportâncla históri- cn, 1w �- �nn Í<'n"1wliw M 11cy ní1() 11 nhn rn 11ldn, ui"(: então, objeto de 1wnhun\ e�1t11do 1il11t\111\l\tlco. A 11111111�:ílo wll:i\ mudando rapidamen- H', Hl'l'l't:Ct'ntrnt t'h� t'lllT<�lnnln ,.., enl"l\vnmw1 cm '1983 - pois um hi:-:t\,rindut' nnwrkl\H\) d1rn d�nd1111, Steve Hclms, decidiu consagrar :--U1\:,; Íl)t\'ns l� seu tempo n umn reconsrleulção tão fiel quanto po��I\ d d(,� fat·o:-; e lc �\11\8 clrcunsrãnctns, que marcaram. a história d"-'��t� pcrlodo de ploncl1·0H, 'Tive, então, contato com. Heims e nos vimos pcln prlmdm vez cm Bostnn, cm J 984, Stevc joshua Heims m um Ilslco de nrlgc..�m alemã que se estabelecera nos Estados Unidos depois d' ter fugido do nazismo. Rompera com a física por rnzões dcont'Ológlcas, Julwrndo que a orientação geral das P squlsns fazia dessa disciplina um simples instrumento a serviço de das tccnicus poder e de morte. Decidira, então, assumir certo r .cuo e fazer a história elas ciências. Sua escolha incidira sobre duas p .rsounlidadcs cicntlflcas Imparcs, que haviam marcado profun- damente a ciência, a técnica e a sociedade ele seu tempo, antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial: John von Neumann e Norbcrt Wicncr. Quando me encontrei com_ Hcims, ele acabava de publicar um livro notável, que se apresentava como a biografia paralela ele dois grandes matemáticos, significativamente intitulado John von Neumann and Norbert Wiener.4 Mas, sobretudo, essa primeira pesquisa lhe dera vontade de fazer uma exploração completa do que fora o projeto da cibernética, já que ambos os seus personagens haviam desempenhado um papel crucial na criacão dessa disciplina. Decidira, então, dedicar um novo trabalho ' às Conferências Macy. Durante todo o período e1n que eu trabalhava em meu relatório, mantive estreito contato com Heims. Em 1985, convidei- º a apresentar um ciclo de conferências no CRÉA. Incluí em nosso relatório final um texto dele, que se apresentava como o resumo 4 S. Hcims, John von Nwmann and Norbert Wiener. From Mathernatics to the Tcchnologics ofLife and Ocath, Cambridge (Mass.), MIT Press, 1980. Scanned by CamScanner 14 JEAN-PIERRE DUPUY de seu futuro livro e se intitulava "An Encounter betwcen Neo-Mo chanists and the Human Sciences" .5 Sem o trabalho de historiador de Heims, eu não teria podido levar a bom termo a minha própria pesquisa. Passaram-se os anos, marcados sobretudo na França pelo desenvolvimento vigoroso das ciências cognitivas e pela abertura do CRÉA a esse novo campo, como expliquei anteriormente. Em 1991, Steve Heims publicava, enfim, o seu aguardado livro sobre as Conferências Macy, com o título The Cybernetic Group. 6 Foi esse o momento escolhido por meu amigo e colega do CRÉA Jean-Mi- chel Besnier e por François Geze, diretor da editora La Découverte, para me pedirem que retomasse e completasse meu relatório de 1985, para fins de publicação. Evidentemente, colocava-se a questão da utilidade de um segundo livro sobre as Conferências Macy. Depois de ter delibera- do por muito tempo, optei por uma resposta positiva, e isso por pelo menos duas razões. A primeira razão é que, apesar de minha grande admiração pelo paciente e obstinado trabalho de historiador realizado por Steve Heims, não. concordo com a opção fundamental escolhida por ele. Heims mergulha a cibernética no contexto socioeconômi- co, político e ideológico da América do pós-guerra - o que, em si, é interessante - e decide considerá-la um mero reflexo desse contexto - o que é muito mais problemático, Acredito de_mais no o���Eªs�.Jçl_i!_a���-� s�.J!�t!Jli�-��f��=l!l� p3��!?}f,§j1�sfazer, �m geral,_ co!11 a persp���Y�.:���1:.?.:l�ta" Qª sociologia d�s _ci�n: das�-- f!!!l.S.1}2-E_����te� ��ectiv'! ..!ll�l2C!I�Ç[email protected] uma distorcão muito séria. Por razões de circunstância que expo- ª�'"" '. J livro, nho ao 1�7igo d�st� tirando artido das preciosas informações fornecidas por Heims, ernétic nascente teve de se aliar a um m-o-vi-me-nt-o - de idéias, ou, antes, um verdadeiro lobby à ame_rican3, --·--·----- � •-"-'� 5 S. Heims, An Encounter becween Neo-Mechanists and the Human Sciences, Cahiers du CRÊA, n. 7, novembro de 1985. 6 S. Heims, The Cibernetics Group, MIT Press, 1991. Scanned by CamScanner