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Na trilha do arco-íris PDF

96 Pages·2012·19.49 MB·Portuguese
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<K J> JÚLIO ASSIS SIMÕES REGINA FACCHINI Na trilha do arco-íris Do movimento homossexual ao LGBT BIBLIOTECA NGK PÜC/SP 100203151 EDITORA FUNDAÇÃO PEHSEU ABRAMO Volumes já lançados: Brasil — Mitojundador e sociedade autoritária As barricadas da saúde — Vacina e Marilena Chaui protesto popular no Rio de Janeiro da Primeira República Soldados da borracha — Trabalhadores entre Leonardo Pereira o sertão e a Amazônia no governo Vargas Maria Verônica Secreto Anarquismo e sindicalismo revolucionário — Trabalhadores e militantes em São Paulo na A luta armada contra a ditadura militar — Primeira República a esquerda brasileira e a influência Edilene Toledo da Revolução Cubana Jean Rodrigues Sales Cinema brasileiro — Das origens à Retomada Do teatro militante à música engajada — Sidney Ferreira Leite A experiência do CPC da UNE (1958-1964) Afogados em leis — A CLT e a cultura Miliandre Garcia política dos trabalhadores brasileiros John French 0 império do Belo Monte — Vida e morte de Canudos Cenas da abolição — Escravos e senhores no Walnice Nogueira Galvão Parlamento e na Justiça Joseli Nunes Mendonça Relações internacionais do Brasil — de Vargas a Lula A síncope das idéias — A questão da tradição Paulo Fagundes Vizentini na música popular brasileira Marcos Napolitano Uma história dojeminismo no Brasil Céli Pinto Dicionário do movimento operário: Rio de Janeiro do século XIX aos anos 1920 — Diretas já — 0 grito preso na garganta militantes e organizadores Alberto Tosi Rodrigues Cláudio H. de M. Batalha 0 elo perdido — Classe e identidade de Ao som do samba — classe na Bahia Uma leitura do carnaval carioca Francisco de Oliveira Walnice Nogueira Galvão Júlio Assis Simões (São Caetano do Sul - SP, 1957) é professor do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador-colaborador do Núcleo de Estudos de Gênero (Pagu), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Graduou-se em Ciências Sociais pela USP, em 1980, e obteve o Mes- trado em Antropologia Social e o Doutorado em Ciências Sociais na Unicamp. Foi professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1990-2001). Publicou 0 dilema da participação popular (São Paulo: Marco Zero, 1992) e trabalhos sobre movimentos sociais, participação política, uso de psicoativos, história das ciências sociais, aposentadoria, envelhecimento e sexualidade. Regina Facchini (São Paulo, 1969) é pesquisadora-colaboradora do Núcleo de Estudos de Gênero (Pagu), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Graduou-se em Sociologia e Política pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1995, obteve o mestrado em Antropologia Social e o doutorado em Ciências Sociais na Unicamp. Publicou Sopa de letrinhas? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90 (Rio de Janeiro, Garamond, 2005) e trabalhos sobre movimentos sociais, participação política, saúde sexual e repro- dutiva, discriminação e violência, gênero e sexualidade. / t' f j /i A 7 ' f Sumário Introdução 11 Plano do livro 12 Sobre siglas, termos e nomes 14 Paradoxos da identidade 17 Visibilidade social e política 18 Brasil: paraíso ou inferno sexual? 24 A homofobia e suas manifestações 25 Orientação sexual, gênero e identidades 28 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Uma trajetória da política de identidades sexuais 37 Simões, Júlio Assis. Do movimento homossexual ao LGBT / Júlio Assis Simões, Regina A sexologia e o nascimento da identidade homossexual 37 Facchini. - São Paulo : Editora Fundação Pcrscu Abramo, 2009. 196 p. - (Coleção História do Povo Brasileiro) Os primórdios do ativismo europeu 40 ISBN 978-85-7643-051-3 O ativismo norte-americano e o gay power 43 1. Homossexualidade - Brasil. 2. Identidade sexual. 3. Orientação sexual. Questões de gênero 47 4. Homofobia. 5. Movimento político. 6. Movimento LGBT. 7. História. 8. AIDS. I. Facchini, Regina. II.Título. O impacto da Aids 51 CDU 392(81) A experiência brasileira 54 CDD 301.2420981 (Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araújo - CRB 10/1507) • 9 ' Fundação Perseu Abramo Instituída pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores em maio de 1996. Presidente: Nilmário Miranda Vice-presidente: Elói Pietá Diretores: Selma Rocha Flávio Jorge Iole Ilíada Paulo Fiorilo Editora Fundação Perseu Abramo Coordenação Editorial Rogério Chaves Assistente Editorial Raquel Maria da Costa Participação especial na edição do texto Sandra Brazil Preparação de texto Claudemir D. de Andrade Revisão de texto Flamarion Maués Letícia Braun Coordenador da Coleção Fernando Teixeira da Silva Equipe Editorial Alexandre Fortes, Antonio Negro, Fernando Teixeira (editor deste volume), Hélio da Costa e Paulo Fontes Capa e projeto gráfico Eliana Kestenbaum Editoração eletrônica Enrique Pablo Grande Imagem de capa Paulo Pinto /Agência Estado 1 Ia Parada do Orgulho GLBT (São Paulo, 2007) Este livro obedece às novas regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. © 2008 by Júlio Assis Simões e Regina Facchinni ISBN 978-85-7643-051 O Ia edição: abril de 2009 Todos os direitos reservados à Editora Fundação Perseu Abramo Rua Francisco Cruz, 224 04117-091 • São Paulo • SP • Brasil Tel.: (11) 5571-4299 «Fax: (11)5571-0910 A todos e todas que ajudaram a construir [email protected] www. fpabram o. org. br a história que contamos nestas páginas. www. efpa. com. br Da "movimentação"ao movimento 63 Introdução Luzes e penumbras da cidade 64 "Bonecas", "bichas", "bofes", "entendidos", "gays" 69 Os anos 1970 e a expansão dos espaços de sociabilidade 72 Repressão, desbunde e verbo 74 Libertários na "abertura" 81 Saindo do gueto 82 Deboche e dissenso 88 O Somos se assume 96 Entre tapas e beijos 103 O Lampião se apaga 108 Novos desafios 111 Atentos efortes: a luta por direitos diante da Aids 117 "E legal ser homossexual" 118 C^ste livro procura apresentar em grandes traços a trajetória percorrida pelo As respostas à Aids 128 movimento político em torno da homossexualidade no Brasil, desde a sua emergência Epidemia de informação e aprendizado político 132 no final dos anos 1970 até seus desdobramentos presentes, na forma do movimento A bandeira do arco-íris: o movimento LGBT atual 137 LGBT. Buscamos reunir dados de pesquisa já existentes e dispersos, com o objetivo de oferecer uma reflexão introdutória sobre os significados do processo de politização Conexões com o Estado: expansão e segmentação 140 das identidades sexuais e de gênero ocorrido entre nós nas ultimas décadas. Conexões com o mercado: negociações e tensões 148 O Brasil, como vários outros países, passa por um processo de importantes Considerações finais: conquistas e desafios 153 redefinições que têm como foco a sexualidade. Discute-se o que deve ou não ser tolerado ou criminalizado, o que deve ou não receber o amparo legal e a atenção Cronologia (1978-2007) 161 de políticas públicas. A primeira vista, tais discussões podem parecer afeitas à mo- ralidade privada, ou dizer respeito apenas a minorias muito específicas. No entanto, Bibliografia comentada 173 têm um alcance seguramente maior. Elas incidem sobre as bases da organização Notas 177 social e da cultura. Elas correspondem aos lances de uma batalha em torno do sig- nificado do casamento, da família, da parentalidade e da própria identidade pessoal. Bibliografia 185 Está em xeque o preceito segundo o qual a família só pode ser formada pela união Crédito das Imagens 191 legal de indivíduos de sexos diferentes, assim como o que impõe como ideal para uma criança viver numa família composta por um pai e uma mãe. Está em causa •IO* HISTÓRIA DO POVO BRASILEIRO NA TRILHA DO ARCO-ÍRIS a sensibilidade para com afetos e desejos que extrapolam a heterossexualidade A noção de homossexualidade, como foco privilegiado de identidade pessoal convencional, assim como para com as diversas (des)conexões entre sexo, gênero, e de mobilização coletiva, faz parte de uma configuração histórica recente, em comportamento e desejo na definição da pessoa e seus direitos. que aspectos comuns, de alcance mais amplo, se combinam com peculiaridades As controvérsias públicas em torno da homossexualidade, assim como sobre locais. Sendo assim, buscamos traçar a construção da noção moderna de "ho- outras categorias de identidade referidas ao corpo, ao gênero e à orientação do mossexual" e situar a centralidade da questão da identidade na construção dos desejo, fazem parte de uma luta mais ampla em torno do que é tido como moral, atuais movimentos políticos em defesa da homossexualidade, desde suas origens saudável, legítimo e legal em termos de sexo e de tudo aquilo que constitui o e desenvolvimentos no Ocidente contemporâneo. Em que pesem as especificida- senso primordial da identidade da pessoa e seus laços sociais fundamentais. São, des da situação brasileira, acreditamos que tais referências são fundamentais para assim, uma evidência a mais — se ainda há quem precise ser convencido — de que compreender os processos de politização da homossexualidade que ocorreram a sexualidade, longe de ser matéria confinada à intimidade e à privacidade de aqui e em vários outros lugares. cada qual, é um terreno político por excelência. Adotaremos a convenção, seguida por vários estudiosos1, de que o desa- Em torno da sexualidade e de suas múltiplas expressões, discursam múltiplas brochar de um movimento homossexual no Brasil se deu no final da década de vozes discordantes, tentando se sobrepor umas às outras, em embates que não 1970, com o surgimento de grupos voltados explicitamente à militância política, se restringem às ruas, aos parlamentos ou aos tribunais, mas envolvem todas as formados por pessoas que se identificavam como homossexuais (usando diferentes áreas da vida social. A família, a escola, as igrejas, a mídia, a polícia, os esportes, termos para tanto) e buscavam promover e difundir novas formas de representação a medicina, o direito e a ciência em geral constituem a sexualidade em alvo pri- da homossexualidade, contrapostas às conotações de sem-vergonhice, pecado, vilegiado de regulação de condutas e exercício de poder, não raro convertendo-a doença e degeneração. Considerando tais características — de aglutinar pessoas em fonte de estigma, sofrimento e opressão. É desse modo que a sexualidade se dispostas a declarar sua homossexualidade em público e que se apresentavam faz um idioma onipresente e poderoso para exprimir hierarquias e desigualdades como parte de uma minoria oprimida em busca de alianças políticas para reverter de toda sorte e de amplo alcance. essa situação de preconceito e discriminação —, podemos dizer que o movimento O Movimento de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Trans- político em defesa da homossexualidade no Brasil já completou trinta anos. O gêneros, que hoje se faz designar pela sigla LGBT, é um protagonista importante marco consagrado nessa historiografia particular é a formação do grupo Somos, nesse campo de lutas que incidem sobre a sexualidade, como dimensão abrangente em São Paulo, em 1978, na mesma época em que era lançado o Lampião, jornal e crucial, seja no plano da vida social ou da subjetividade, seja nos modos como nos em formato tablóide que se voltava para um enfoque acentuadamente social e reconhecemos e somos reconhecidos. Ao mesmo tempo, o movimento LGBT, assim político da homossexualidade, assim como de outros temas políticos afins e até como os sujeitos que pretende representar, carrega as ambivalências, os paradoxos então considerados "minoritários", como o feminismo e o movimento negro. e as tensões que constituem a sociedade e a cultura em que estão mergulhados. Isso posto, devemos ter em conta que a história das associações de pessoas que têm a homossexualidade como um aspecto compartilhado em suas vivências é, contudo, muito mais antiga e diversificada no Brasil. Nem sempre essas associações Plano do livro assumiram caráter político; muitas vezes, nem mesmo tiveram a homossexuali- dade como foco aglutinador, embora tenham sido veículos importantes para sua Abrimos com algumas considerações sobre homossexualidade, identidade e expressão social — como é o caso, por exemplo, dos fas-clubes de famosas cantoras política, em que procuramos também clarificar o ponto de vista geral que norteia da música popular, desde a Era do Rádio até hoje. Não dispomos de espaço para o modo como apresentamos e interpretamos a trajetória do movimento LGBT. retroceder muito no tempo, nem é nosso objetivo inventariar as diversas expres- •12O- HISTÓRIA DO POVO BRASILEIRO NA TRILHA DO ARCO-ÍRIS sões da homossexualidade ao longo da história brasileira. Remetemos o leitor referindo-se a lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Antes disso, o XII interessado a algumas das pesquisas importantes que já trataram desse assunto. Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas eTransgêneros, de 2005, incluiu oficialmente Procuraremos, de toda forma, abrir algum espaço para a "movimentação homos- oVde bissexuais e convencionou que o "T" referia-se a travestis, transexuais e trans- sexual" no período que antecedeu imediatamente à emergência do movimento gêneros. Embora, com a deliberação da I Conferência Nacional, a sigla LGBT venha politizado e lhe serve de pano de fundo, nos anos 1960 e 1970. predominando nos meios ativistas, ela eventualmente assume outras variantes, que Organizamos a exposição da trajetória do movimento político em torno da invertem a ordem das letras (colocando o "T" à frente do "B"), duplicam o "T" (para homossexualidade no Brasil segundo uma periodização especial que visa circuns- distinguir entre travestis e transexuais, por exemplo) ou acrescentam novas letras crever diferentes fases relacionadas às mudanças sociais e políticas que moldaram que remetem a outras identidades (como "i" de "intersexual" ou "Q" de "queer"). O suas formas de organização e atuação. Designaremos essas fases como "ondas", significado desses termos será comentado adiante. Trata-se de ressaltar, por ora, seguindo usos anteriores feitos, entre outros, pelo historiador James Green e que a presente denominação, como mostra sua trajetória recente, é aberta e sujeita pela antropóloga Regina Facchini2, mas reconhecendo, como fez esta última, três a contestações, variações e mudanças. "ondas". Assim, focalizamos uma "primeira onda", no período que corresponde A denominação por meio da sigla, de todo modo, é bastante recente. Até 1992, ao final do regime militar, a chamada "abertura política", de 1978 em diante, o termo usado era"movimento homossexual brasileiro", às vezes designado pela sigla quando floresceram os primeiros grupos articulando homens e mulheres homos- MHB, e os congressos de militância eram chamados de "encontros de homossexuais". sexuais, dos quais o Somos, de São Paulo, se tornou uma espécie de paradigma. O termo "lésbicas" passou a ser usado no Encontro de 1993, enquanto a denominação Em seguida, focalizamos uma "segunda onda", durante a redemocratização dos "gays e lésbicas" foi empregada no Encontro de 1995. Nesse ano foi criada a ABGLT, anos 1980 e a mobilização em torno da Assembleia Constituinte, que coincidem com o nome de Associação Brasileira de Gays, Lésbicas eTravestis, que, muito recen- com a eclosão da epidemia do Hiv-Aids, quando se desenharam as condições de temente, passou a se denominar Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, institucionalização do movimento. Depois, tratamos de uma "terceira onda", a Travestis eTransexuais, mantendo, porém, a sigla original. O termo "travestis" foi partir de meados dos anos 1990, em que a parceria com o Estado, gestada no acrescentado a "gays e lésbicas" no Encontro de 1997, e os termos "bissexuais" e período anterior, se consolida e dá impulso à multiplicação de grupos ativistas, "transexuais" foram incluídos no Encontro de 2005, quando se formaram também promovendo a diversificação dos vários sujeitos do movimento na atual designação as respectivas redes de associações nacionais desses segmentos. LGBT, a formação das atuais grandes redes regionais e nacionais de organizações, Sendo ainda muito fresco o uso de todas essas denominações, os termos e a consagração das Paradas do Orgulho LGBT, paralelamente ao crescimento do "homossexual" e "homossexualidade" sempre estão muito presentes no próprio mercado segmentado voltado à homossexualidade. Concluímos com uma visão discurso do movimento e predominam na produção bibliográfica a respeito do do cenário atual das lutas e reivindicações promovidas pelo movimento, incluindo assunto, pelo menos até meados da presente década. Por esse motivo, os termos algumas reflexões em torno do processo mais amplo de constituição do cidadão são empregados aqui também como designações amplas das questões identitárias e LGBT como sujeito de direitos. políticas afeitas ao atual movimento LGBT, mesmo que se questione sua adequação para dar conta do que atualmente se reconhece como relativo à problemática da politização das "identidades de gênero", no caso de travestis e transexuais. Sobre siglas, termos e nomes Homens predominaram nas organizações do movimento brasileiro, desde suas primeiras fases. O movimento de lésbicas vai se fortalecer e ganhar auto- Algumas advertências precisam ser feitas desde já. A denominação LGBT aqui nomia somente na segunda metade dos anos 1990. Organizações independentes usada segue a fórmula recentemente aprovada pela I Conferência Nacional GLBT, de travestis começaram a surgir, também, apenas nos anos 1990. Isso se reflete HISTÓRIA DO POVO BRASILEIRO na bibliografia e no material de pesquisa disponível, mais numeroso e detalhado Paradoxos da identidade no que diz respeito aos que hoje se identificam como gays. A homossexualidade masculina é um tema de pesquisa significativo nas ciências sociais brasileiras desde o final dos anos 1970, ao passo que estudos sobre lésbicas, travestis e transexuais são mais recentes e, do ponto de vista das formas de associação política, ainda em número bastante reduzido. Por conta disso, as referências aos gays acabam por ocupar maior espaço também neste livro. De modo semelhante, é maior o material referente às grandes metrópo- les. Repete-se, aqui também, a concentração de informações no eixo Rio de Janeiro—São Paulo, impedindo um exame mais detalhado das especificidades locais e regionais. Devemos ressaltar, por fim, que a maior parte da documentação e do co- nhecimento a respeito do tema, em que nos apoiamos, foi produzida por pessoas que participaram dos fatos relatados (entre as quais, modestamente, os autores se incluem). Muitos dos nomes e personagens citados não são apenas pesquisadores e estudiosos, mas também ativos militantes e/ou testemunhas dos acontecimen- tos no calor da hora. Por isso, é impossível evitar que preferências, afinidades e inclinações transpareçam em diversas passagens. Afinal, estamos lidando com y nada seja mais novo, surpreendente e intrigante na cena política um campo político aberto e, como tal, sujeito ao jogo da estratégia e da paixão, brasileira contemporânea do que as multidões de pessoas reunidas nas mani- da aliança e da disputa. festações organizadas em inúmeras cidades do país para celebrar o Orgulho Gostaríamos de agradecer a todos e todas que colaboraram para a feitura LGBT, sigla que se refere a lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis, deste livro. A Fernando Teixeira da Silva, pelo convite e pelo estímulo em todas transexuais. O Brasil tornou-se, nos últimos anos, o país que mais realiza Pa- as etapas do trabalho. A Geraldo Fernandes e Isadora Lins França, pela inestimá- radas do Orgulho LGBT, com eventos ocorrendo em mais de cem localidades vel ajuda na organização das informações e pelas leituras críticas. A Alexandra por todo o território nacional. A Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, desde Martins, Anna Paula Vencato, Bruna Angrisani, Cláudio Roberto da Silva, David sua primeira edição em 1997, vem reunindo massas maiores a cada ano: esti- Harrad, Edward MacRae, Ennio Brauns, Fernando Pocahy, James Green, Júlio mativas oficiais dão conta de um número superior a 3 milhões de pessoas em Moreira, Luiz Mott, Lurdinha Rodrigues, Marccelus Bragg, Maria Angélica 2007, o que a consolida como a maior do mundo, além de um dos principais Lemos, Míriam Martinho, Sérgio Carrara, Toni Reis e Welton Trindade; e à eventos turísticos da cidade. ABGLT, APOGLBT-SP, Grupo Arco-íris, Grupo Dignidade, Grupo Estruturação, Até bem pouco tempo, seria difícil imaginar que questões relacionadas à Grupo Gay da Bahia, Liga Brasileira de Lésbicas, Nuances, Rede de Informação homossexualidade pudessem motivar as maiores manifestações públicas de mas- Um Outro Olhar e Tête-à-Tête, pela colaboração na cessão de imagens e ma- sa no país, às quais acorre também um número considerável de pessoas que se terial de pesquisa. identificam como heterossexuais. Mas as paradas não são uma novidade isolada. Os autores Existiam, em 2007, sete redes nacionais de organizações ativistas homossexuais no Brasil: Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais,Travestis eTranse- HISTÓRIA DO POVO BRASILEIRO NA TRILHA DO ARCO-ÍRIS xuais (ABGLT), fundada em 1995; Articulação Nacional de Travestis, Transexuais de turismo e de namoro voltadas ao público homossexual, assim como eventos eTransgêneros (ANTRA), criada em 2000; Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), criada culturais variados de celebração da diversidade1. Nas paradas, essa exibição exube- em 2003; Articulação Brasileira de Lésbicas (ABL), criada em 2004; Coletivo rante e sedutora do universo LGBT assume a forma de uma visibilidade em massa, Nacional de Transexuais (CNT); Coletivo Brasileiro de Bissexuais (CBB) e Rede potencializando-se, desse modo, como meio de angariar solidariedade social. Afro-LGBT, criadas em 2005. A maior delas, a ABGLT, segundo informações de seu portal no inicio de 2008, contava com 141 grupos LGBT afiliados e 62 organizações LAÇOS DE FAMÍLIA colaboradoras, todos espalhados pelas cinco regiões do país. Está em curso uma mudança sem precedentes nos tribunais brasileiros. Numa As reivindicações do movimento LGBT têm ganhado maior visibilidade decisão inédita, a Justiça carioca entregou a guarda provisória de Chicão, filho de atualmente, a ponto de suscitar projetos de lei em todos os níveis do Legislativo, Cássia Eller, a Maria Eugênia, companheira durante catorze anos da cantora. No assim como a formação de Frentes Parlamentares em âmbito nacional e estadual. Rio Grande do Sul, uma sentença federal obrigou o INSS a pagar pensão a viúvos e Suas estratégias se diversificaram de modo a incorporar a demanda por direitos viúvas homossexuais. Eles passaram a ser considerados dependentes preferenciais através do Judiciário, o esforço pelo controle social da formulação e implemen- de seus companheiros segurados da Previdência. A decisão cria jurisprudência e, tação de políticas públicas, a produção de conhecimento em âmbito acadêmico, portanto, deverá ser cumprida em todo o país. [...] a formação de igrejas para homossexuais, setoriais em partidos políticos e, não Uma questão maior está por trás de toda essa discussão. E o próprio conceito menos importante, a construção de alternativas de política lúdica, como as pró- de família. Para a Justiça, esse conceito vem mudando nos últimos anos, de maneira a prias paradas e a organização de saraus, festivais e mostras de arte, assim como abraçar situações diferentes das tradicionais. Antes, por exemplo, só tinham direito à a apropriação de manifestações já bem mais antigas na chamada "comunidade", herança os filhos "legítimos", frutos do casamento. Agora, basta provar a paternidade, como concursos de Miss Gay ou MissTrans. com exame de DNA, que o direito da criança é garantido. A família, no passado, era in- dissociável, até que a lei admitiu o divórcio. Há poucos anos, foi reconhecido o direito das uniões civis estáveis, os chamados casamentos sem papel passado. A novidade está Visibilidade social e política em reconhecer as uniões gays como "unidades familiares", ou seja, grupos que muitas pessoas têm dificuldade de reconhecer como famílias, embora possuam os mesmos De certa forma, as paradas são expressões concentradas da arrebatadora vi- direitos. "As uniões homossexuais caracterizadas pela estabilidade, comunhão de vida, sibilidade que o próprio mundo LGBT tem alcançado. Elas vêm coroar a formação constituem efetivas comunidades familiares, que merecem tanto a proteção do Estado de uma fulgurante cena gay nas grandes cidades brasileiras, refletindo a crescente quanto aquelas integradas por casais heterossexuais", escreveu a juíza da 3a Vara Previ- importância do mercado na promoção e difusão de imagens, estilos corporais, denciária Federal do Rio Grande do Sul, Simone Barbisan Fortes, em sua sentença que hábitos e atitudes associados às variadas expressões das homossexualidades. deu direito de pensão do INSS para companheiros gays. "Há uma tendência de reconhecer Isso se nota na expansão e diversificação do chamado "gueto" homossexual. a família como uma instituição afetiva e não exclusivamente consanguínea", explicou o Não foram apenas saunas, bares, discotecas e casas noturnas que se multiplicaram juiz Roger Raupp Rios, da 10a Vara Federal de Porto Alegre, autor do livro A homossexu- em número e em variedade de formatos, estilos e serviços. A internet é hoje um alidade no direito. Raupp criou jurisprudência em 1996 ao conceder a um homossexual importantíssimo espaço para busca de parceiros, trocas, sociabilidade, discussões o direito de incluir o companheiro como dependente num plano de saúde. políticas e comunicação, com suas salas de bate-papo, suas listas de discussão e MAGESTE, Paula; VIEIRA, João Luiz e SAINT-CLAIR, Clóvis. "Laços de família". seus inúmeros e variados portais e páginas dirigidos às múltiplas manifestações Época, anoiv.n0 191, 14jan. 2002, p. 30-32. das homossexualidades. Apareceram também revistas, jornais, editoras, agências • 18o • • 6i •

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