CRISTINA MIYUKI SATO MIZUMURA Mulheres no jornalismo nipo-brasileiro Discursos, identidade e trajetórias de vida de jornalistas São Paulo 2011 1 CRISTINA MIYUKI SATO MIZUMURA Mulheres no jornalismo nipo-brasileiro Discursos, identidade e trajetórias de vida de jornalistas Tese apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de doutora no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, área de concentração Estudos dos Meios e da Produção Midiática, linha de pesquisa Informação e Mediações nas Práticas Sociais, sob orientação da Profa. Dra. Alice Mitika Koshiyama. ECA/USP São Paulo 2011 2 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa desde que citada a fonte. Catalogação na publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Mizumura, Cristina Miyuki Sato Mulheres no jornalismo nipo-brasileiro : discursos, identidade e trajetórias de vida de jornalistas / Cristina Miyuki Sato Mizumura – São Paulo : C. M. S. Mizumura, 2011. 242 p. + il. Tese (Doutorado) – Escola de Comunicações e Artes / Universidade de São Paulo. Orientadora: Profª Drª Alice Mitika Koshiyama 1. História do jornalismo – Brasil 2. Jornalismo – Brasil – Japão 3. Mulheres 4. Jornalistas I. Koshiyama, Alice Mitika II. Título. CDD 21.ed. – 079.81 3 MIZUMURA, Cristina Miyuki Sato. Mulheres no jornalismo nipo-brasileiro: discursos, identidade e trajetórias de vida de jornalistas. Tese apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutora em Ciências da Comunicação. Aprovada em Banca Examinadora ________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ __________________________________________________ 4 Agradecimentos À Professora Alice Mitika Koshiyama, pela orientação dedicada e pelos anos de incentivo e compreensão. Conhecê-la influenciou minhas escolhas de vida e formas de pensar o mundo; À Professora Maria Otília Bocchini, por ter me ensinado sobre feminismo, luta política e escrita humanizada como se eu estivesse descobrindo tudo sozinha; À Professora Célia Sakurai, pelas observações valiosas no exame de qualificação e por seus estudos inovadores da imigração japonesa no Brasil que sempre me inspiraram; Aos professores Rosana de Lima Soares e Koichi Mori, por seus cursos que aprofundaram os conceitos sobre estigmas sociais e identidades culturais. Sob perspectivas diferentes mostraram a manipulação dos discursos e dos imaginários; Ao Paulo César Bontempi, da secretaria de pós-graduação do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA/USP, que humaniza a burocracia da academia; À Anésia José e Rogério Mirabili, pelas revisões e formatação do trabalho, e pelas muitas jornadas na busca de formas e conteúdos que expliquem melhor o mundo; À Sônia Naomi Fuji, pelas revisões de inglês e pelo companheirismo desde a infância; Ao Alex Criado e Edilene Cruz, pela amizade nos momentos bons e ruins, nos grandes e pequenos acontecimentos de uma longa convivência; A minha família: Silvio, pela história em comum e pela renovação do presente; Beni, pela constância serena; Vilma e Mirian, por atualizar o passado com as novas gerações e Helena e Keiko, pelo convívio respeitoso e carinhoso; Ao companheiro Carlos Hiroaki Mizumura e a minha filha Anna Mayumi Mizumura, pelos dias repletos de amor na grande aventura do cotidiano. Finalmente, sou imensamente grata à Andréia Ferreira, Célia Abe Oi, Fátima Kamata, Kátia Sattomura, Mami Yasunaga, Marina Narahara e Mitsuko Kawai (in memorian), por compartilharem suas trajetórias de vida. Por meio delas, minha gratidão às mulheres imigrantes e nikkeis que legaram as conquistas atuais com seu esforço de sobrevivência. 5 Resumo Esta pesquisa discute a multiplicidade de discursos sobre a identidade das mulheres nikkeis no Brasil pela perspectiva do jornalismo produzido na comunidade de imigrantes japoneses e descendentes. Para a análise foram utilizados o suplemento Página Um, a revista Arigatô e o tablóide Japão Agora, por apresentarem reportagens em português que contrariaram alguns estereótipos da mulher japonesa e nikkei. Apesar de serem exceções ao discurso hegemônico que louvava a mulher nipônica abnegada e submissa, as matérias revelam a possibilidade de questionamento desse imaginário dentro do jornalismo nipo-brasileiro. Outro recurso para a realização do estudo foi a obtenção dos depoimentos de mulheres jornalistas da imprensa nipo-brasileira por meio da técnica de pesquisa dos relatos de vida. Nos relatos de vida as entrevistadas expressaram sua relação com a profissão e a influência de fatores como origens familiares, identidade étnica e gênero. As reportagens e os relatos de vida das jornalistas mostram as contradições entre o imaginário sobre as mulheres japonesas e nikkeis e suas condições concretas da vida. O objetivo foi estabelecer como as autoras e protagonistas de reportagens desafiaram a desumanização a partir do que Agnes Heller chamou de “condução de vida”, ou seja, uma forma própria de apropriar-se da realidade a partir de sua individualidade, impondo a ela a marca de sua personalidade. É possível perceber a existência de manipulações para naturalizar os papéis atribuídos às mulheres e as estratégias femininas para conviver com os sistemas de preconceitos que impedem a conquista da autonomia e da cidadania. Palavras-chave História do jornalismo, Jornalismo nipo-brasileiro, Cultura japonesa, Mulheres nikkeis, Relatos de vida 6 Abstract This research discusses multiplicity of discourses on Nikkei women's identity from perspective of journalism produced by community of Japanese immigrants and descendants in Brazil. It was used for analysis the supplement Página Um, the magazine Arigatô and the tabloid Japão Agora because of reports in Portuguese that contradicted some stereotypes of Japanese and Nikkei women. Although these are exceptions to the hegemonic discourse praising Japanese woman as selfless and submissive, the materials have revealed the possibility of questioning that imagery inside Japan-Brazilian journalism. Another resource for the study was to obtain testimonies of women journalists in Japan-Brazil press through the research technique of life narratives. The interviewees have expressed their relationship with the profession and the influence of factors such as family background, ethnic identity and gender. The reports and the life narratives of the journalists have showed contradictions between the imagery on the Nikkei and Japanese women and their real life conditions . The objective was to establish how the authors and protagonists of news reports challenged dehumanization as Agnes Heller calls “conduct of life”, in other words, a proper way of appropriating reality from their individuality by imposing the mark of their personality. It was possible to perceive existence of manipulation to naturalize roles assigned to women and women's strategies to live with systems of prejudice that prevent achievement of autonomy and citizenship. Key words History of journalism, Japan-Brazilian Journalism, Japanese Culture, Nikkey Women, Life narratives 7 Sumário Apresentação.................................................................................................................... 9 Introdução........................................................................................................................ 16 Capítulo I Mapas e direções ............................................................................................................. 20 1. Referenciais teóricos 1.1. Movimentos migratórios: espaços, tempos e imaginários..................... 21 1.2. Identidades: definições e contextos......................................................... 24 1.2.1 A dimensão do gênero, etnia e classe social: indissociáveis.................. 28 1.3. Cidadania e multiculturalismo: avanços e reações conservadoras...... 32 1.4. A apropriação da realidade a partir da individualidade: papéis sociais, alienação, sistemas de preconceito................................. 37 2. Recursos metodológicos 2.1 Relatos de vida/histórias de vida............................................................... 42 2.2 Condições de objetividade e subjetividade............................................... 45 2.3 Entrevistas com as jornalistas participantes: os depoimentos............... 48 2.4 Pensar por escrito: a produção textual nos relatos de vida.................... 53 Capítulo II Mulheres Nikkeis no Brasil – Discursos e Identidade.................................................... 58 1. O universo nikkei no Brasil............................................................................. 58 2. Mulher nikkei, quem é?................................................................................... 72 3. Imaginário sobre a mulher japonesa no Brasil............................................. 76 4. O papel da mulher imigrante e nikkei .......................................................... 81 Capítulo III Mulheres no jornalismo nipo-brasileiro........................................................................ 90 1. O Jornalismo nipo-brasileiro.................................................................... 90 1.1 Trabalhadores da imprensa nipo-brasileira............................................ 94 1.2 A linguagem dos jornais nipo-brasileiros................................................. 98 2. A presença de mulheres nos meios de comunicação................................ 102 3. Moda, beleza e comportamento na imprensa nikkei............................... 106 3.1 As misses nikkeis: ideais de beleza e comportamento.............................. 106 3.2 Menos discussão, mais dicas práticas........................................................ 116 8 4. As mulheres representadas...................................................................... 120 4.1 As pioneiras da imigração e a sinceridade: quando não valeu a pena ter vindo para o Brasil.................................. 122 4.2 Duas nikkeis emblemáticas para o jornalismo nipo-brasileiro............. 127 4.2.1. Suely Yumiko: a nikkei e sua brasilidade............................................. 129 4.2.2. Eunice Fumie: assassina fria ou vítima de conflitos culturais?.............................................................................. 142 4.3 Mulheres nas memórias dos leitores....................................................... 149 Anexo A................................................................................................................. 156 Anexo B................................................................................................................. 157 Anexo C................................................................................................................. 158 Anexo D................................................................................................................. 159 Anexo E................................................................................................................. 160 Capítulo IV Relatos de Vida de Jornalistas ....................................................................................... 161 1. Origens familiares e a escolha do jornalismo. Jornalistas por acaso?...... 161 2. As mulheres jornalistas nas redações nipo-brasileiras.............................. 170 3. Os desafios de trabalhar no jornalismo nipo-brasileiro............................. 178 4. O papel do jornalismo nas trajetórias de vida........................................... 188 Anexo F...................................................................................................................... 196 Capítulo V Construção de sentidos.................................................................................................... 197 1. Os discursos e os silenciamentos sobre as mulheres nikkeis.................. 198 1.1 Marcas no corpo e na alma........................................................................ 201 1.2 O jornalismo nipo-brasileiro na construção dos discursos..................... 208 2. Estratégias para superar preconceitos e a discriminação....................... 216 3. O papel de jornalista e suas qualidades humanas.................................... 222 Considerações finais........................................................................................................ 230 9 APRESENTAÇÃO As mulheres nikkeis sempre estiveram tão próximas de mim que era praticamente impossível vê-las de verdade. Pertencer à terceira geração de duas famílias numerosas que imigraram na década de 1930 para o Brasil significou crescer em meio a um grande emaranhado de tios, tias e primos e primas. Minha avó materna foi uma matriarca de personalidade forte, em cuja órbita cruzavam-se as vidas de dezenas de pessoas. Eu não morava com ela mas recebi dela uma atenção especial, pois minha mãe Shizuco morreu jovem, quando eu tinha seis anos e meu irmão quatro. Anos depois meu pai se casaria novamente, com Fumico Sato, que era viúva e sem filhos. Continuamos freqüentando a casa de minha avó aos domingos, pois nem meu pai nem minha mãe Fumico tinham os pais vivos. A realização de uma tese sobre mulheres no jornalismo nipo-brasileiro foi a possibilidade de resgatar esse mundo feminino dos cafezais, das feiras, das máquinas de costura. Conforme as mães e tias vão desaparecendo e eu mesma vou ficando com a idade que elas tinham na minha infância, as lembranças delas ficam mais vívidas. Lembro-me delas em muitas ocasiões, chegando cada uma com seu avental quando havia alguma missa ou noivado, preparando desde a véspera os salgadinhos e as variedades de sushi. E elas aproveitavam para conversar sobre o trabalho dos maridos e o estudo dos filhos. Não sei muito de seus sonhos e desejos, pois tenho a impressão de que pouco falavam de si mesmas. Quando estavam entre as irmãs e cunhadas, falavam na sua versão do japonês, palavras misturadas dos dois idiomas. Em voz baixa – as crianças sempre por perto – comentavam o caso de alguma moça que se casara com um “gaijin”, ou seja, um não-nikkei. “Os pais não mereciam isso, deram tanto estudo pra quê?”, diziam desoladas e solidárias. Afinal, podia acontecer com qualquer uma delas, “como controlar esses jovens hoje em dia?” Mas uma delas tinha uma cunhada “gaijin”, que recebia elogios hesitantes pelo empenho como esposa e nora, aprendendo a fazer todos os pratos, falando em japonês com os sogros... 10
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