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MULHERES NA PESCA ARTESANAL PDF

13 Pages·2013·0.1 MB·Portuguese
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MULHERES NA PESCA ARTESANAL: LUTANDO POR PREVIDÊNCIA E SAÚDE Dra. Hulda Stadtler Resumo A presente pesquisa tem como objetivo conhecer a condição de saúde das pescadoras, dentro e no entorno de uma reserva extrativista no litoral norte de Pernambuco, suas ações para a melhoria nos atendimentos públicos, construir uma proposta para criação de EPIs apropriados a essa atividade produtiva além de contribuir para o combate ao racismo institucionalizado e às discriminações nas instituições e serviços do SUS. A metodologia empregada inclui mapeamento dos serviços de saúde no território, entrevistas com profissionais da saúde e pescadoras, realização de grupos focais, especialmente para discutir os problemas de prevenção e uso de EPIs e registros audiovisuais como instrumentos de análise dos discursos. Entre os resultados esperados a partir das técnicas empregadas na coleta de dados estão à apropriação das pescadoras em relação aos seus problemas de saúde e soluções preventivas no exercício da atividade. Palavras-chave: Pescadoras. Saúde. Previdência. Introdução Pescadoras brasileiras têm em comum com outras trabalhadoras a histórica de luta pela sustentabilidade da pesca como economia familiar, direitos trabalhistas e previdenciários, e ainda a constante luta em combate à poluição e degradação ambiental. Muitas vezes essa degradação é causada por pesca predatória e projetos mal elaborados de aquicultura que regidos pela lógica do capital, tomam o mercado como mediador e a natureza por mercadoria. A ausência de saneamento, o derramamento químico de indústrias e agrotóxicos, o lixo que somados a falta de fiscalização pública originam uma poluição tal que traz para as pescadoras consequências sérias para saúde. Para contribuir com essa discussão iremos circunscrever o território dessa pesquisa dentro dos limites de uma Unidade de Conservação que está localizada nas fronteiras do litoral entre a Paraíba e Pernambuco - RESEX Acaú-Goiana1 – como forma de configurarmos um estudo de caso territorial. Existem duas Colônias de pescadores/as artesanais nessa área (Acaú/PB e Ponta de 1 NOME DA UNIDADE: Resex Acaú-Goiana BIOMA: Marinho Costeiro - ÁREA: 6678,3000 hectares ENDEREÇO / CIDADE / UF / CEP: BR 230, KM 10 - Cabedelo/PB - CEP 58.310-000 1 Pedra/PE) e pelo menos uma Associação (Carne de Vaca/PE) e foi nessa área, que o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) editou a cartilha Gente da Maré sobre saúde no trabalho das marisqueiras (2011). Estão dentro da RESEX Acaú-Goiana as comunidades pesqueiras de: Caaporã, Acaú, Tejucupapo, Povoação de São Lourenço (quilombo), Carne de Vaca, Ponta de Pedra e Baldo do Rio. Cada uma construiu seu Conselho Deliberativo em oficinas. No dia 31 de outubro de 2012 o Conselho da Reserva tomou posse. A população que habita essa área vem de diversos municípios e estados tornando difícil uma estimativa precisa. Na pesquisa realizada entre 2008 e 2010 buscamos conhecer o significado atribuído pelas pescadoras artesanais ao trabalho produtivo e reprodutivo por elas realizado; entender o significado que as colônias e o Estado têm atribuído às atividades produtivas e reprodutivas realizadas; conhecer sobre o reconhecimento da sua identidade profissional e seu papel na produção e reprodução econômica e social da comunidade e da família; e as estratégias de sobrevivência que pescadoras têm utilizado para garantir a reprodução social e de suas famílias. No presente desejamos interagir, conhecer e contribuir com as mulheres de um território específico, aprofundando como agem politicamente para conhecer seus direitos e fortalecer a relação entre a profissão, saúde e raça. Temos por objetivo aprofundar a pesquisa sobre a condição de saúde das pescadoras e as ações que tomam para melhoria nos atendimentos, combate ao racismo institucionalizado e às discriminações nas instituições e serviços do SUS. Essas mulheres desconhecem, por exemplo, quais os objetivos originais dos 23 PSFs hoje em torno da reserva. Com a primeira pesquisa2, obtivemos oportunidade, não apenas de produzir conhecimento para o desempenho acadêmico no campo da extensão, mas, também, nos tornamos parceiras do Movimento Social dos/as Pescadores e Pescadoras (MPP), tendo ainda muitos outros movimentos sociais como participantes. No período entre 2006 a 2010 acompanhamos, especialmente, o movimento das pescadoras, o surgimento da Articulação Nacional de Pescadoras (2006) e o desenvolvimento de prioridades por conquistas trabalhistas, previdenciárias e políticas de fortalecimento da identidade de gênero e profissional. Pescadoras, como outras trabalhadoras, têm direitos garantidos 2 CNPq – Processo Nº CNPq 402465/2008-3 - PESCADORAS DO ESPAÇO PÚBLICO: gênero e identidade, saber e geração. 2 quando os problemas de saúde surgem impedindo a atividade, contudo o reconhecimento desses direitos não tem sido fácil. No atual contexto dessa luta as pescadoras artesanais, através da Articulação Nacional, têm dedicado especial atenção às questões de saúde. Com o apoio do Ministério da Saúde, representantes de pescadoras de todo o país reuniram-se em Cabedelo - PB (jul./2012) estruturando uma agenda com conteúdos e ações para melhoria de suas condições de trabalho e saúde3. A partir de pesquisa organizada para Ilha de Maré, na Bahia, por Dr. Paulo Penna, levantou-se 60 doenças ocupacionais que atingem as pescadoras, entre elas 22 tipos de LER. Problemas com posturas, apetrechos utilizados, acidentes, precária alimentação foram alguns dos problemas constatados. Infecções urinárias pela exposição a lama e poluição das águas em que passam horas e horas mergulhadas a cada pescaria levam a diversos problemas ginecológicos. Contudo, os peritos do INSS deliberadamente desconhecem ou não reconhecem essas doenças quando a perícia ocorre em relação a uma pescadora ou pescador. Existe inclusive uma cartilha elaborada entre apoiadores em parceria com marisqueiras e pescadoras no território dessa pesquisa que sugere alguns dos problemas dessas mulheres assim como possibilidades de prevenção. Essa cartilha serve hoje de instrumento para conscientização da categoria. Contudo, nela não contamos com referências diretas a questões de raça, que pode levar a maior probabilidade de desenvolver diabetes, hipertensão e anemia falciforme. Referencial Todos os profissionais da saúde, especialmente da pública, deveriam perguntar a seus pacientes: qual a sua profissão? Os prontuários e os registros, até o presente, avaliados nos Programas de Saúde da Família locais, contém apenas nome, endereço e, às vezes, um documento de identificação. Falar em doença do trabalho é buscar a prevenção para eliminar os riscos e as condições para recuperação da trabalhadora. Deveriam, também, registrar informações sobre diferenças em saúde associadas à raça, classe e gênero. Observamos assim que a pessoa fica em segundo plano. Embora pareça contraditório falar em raça dentro da espécie humana, existem diferenças de saúde de origem físico constitucionais. Em 2005, o Ministério da Saúde divulgou um relatório em que trata das especificidades referentes à saúde das mulheres 3 3° Encontro da Articulação Nacional das Pescadoras – Pescando com Saúde e Previdência. 3 negras. Neste documento não apenas retrata características dessa saúde como também sugere que gestores públicos deveriam dispensar atenção para o uso de estratégias para redução da mortalidade dessas mulheres. Hipertensão arterial, diabetes, morte materna por toxemia gravídica e anemia falciforme são as principais doenças apontadas, mas o documento alerta que algumas outras questões envolvem os problemas de saúde resultantes em óbitos nessas mulheres4: ...à predisposição biológica das negras para doenças como a hipertensão arterial, fatores relacionados à dificuldade de acesso e à baixa qualidade do atendimento recebido e a falta de ações e capacitação de profissionais de saúde voltadas para os riscos específicos aos quais as mulheres negras estão expostas. Ainda segundo o relatório do I Seminário Saúde da População Negra A Saúde da População Negra no Plano Nacional de Saúde apresenta desafios a serem superados de forma a garantir a promoção da igualdade racial em saúde, desafios estes que se configuram como os estatuídos por Mandela quando nos sugere que “depois de escalarmos um morro, descobrimos apenas que existem outros a escalar”, nossos outros morros dizem respeito à superação de uma política de formação de recursos humanos inadequada à realidade; à desconstrução do racismo institucional; à gestão diretiva que respeite as diferenças socioculturais; ao reconhecimento das ações de saúde prestadas pelos terreiros de Candomblé; à ausência de incentivos para fixação de profissionais nas periferias ou nas regiões de exclusão social e econômica; à ausência de fomento para estudos e pesquisas; à distribuição inadequada dos equipamentos e dos profissionais de saúde; ao sucateamento e à baixa qualidade dos serviços prestados nas áreas onde a população negra é majoritária; à ausência de monitoramento epidemiológico com recorte racial e ao controle social frágil. Pode parecer estranho que ao tratarmos da saúde das mulheres na pesca artesanal tenhamos buscado informações mais relacionadas aos problemas das mulheres negras, contudo o perfil dessas trabalhadoras trás o quesito cor e a etnia como elementos fundantes dessa população. Procuramos investigar a relação entre quesito cor e trabalho na dinâmica de saúde 4 Maria Inês da Silva Barbosa e Valcler Rangel Fernandez. - Afirmando a saúde da população negra na agenda das políticas públicas. In BATISTA, Luís Eduardo e KALCKMANN, Suzana (Org.) Seminário Saúde da População Negra Estado de São Paulo 2004. São Paulo, Instituto de Saúde, 2005.São Paulo, 2005, p.37-51. 4 das pescadoras para compreendermos como as mulheres podem contribuir de modo participativo, nas gestões públicas da saúde. Na historia do trabalho na pesca artesanal no Brasil, ainda faltam muitas conquistas referentes a estabelecer políticas públicas para saúde, previdência e segurança alimentar. No caso das pescadoras artesanais, até mesmo a reprodução da força de trabalho, que interessa ao capital, está comprometida. O acesso à aposentadoria especial e as politicas de Estado para a saúde, está condicionado a critérios de comprovação do exercício profissional, que não reconhecem as especificidades da atividade pesqueira artesanal dificultando o acesso aos direitos previdenciários, especialmente entre as mulheres. Por não haver conhecimento mais profundo produzido por pesquisa, pela inexistência de acesso aos já produzidos, por falta de reconhecimento profissional ou por falta de capacitação entre os profissionais da saúde básica, peritos do INSS negam às pescadoras o direito ao auxílio doença ou à aposentadoria. Por esta razão a Articulação Nacional tomou como bandeira, junto com a dos territórios pesqueiros, os problemas ocupacionais de saúde, cobrando do Ministério da Saúde sua obrigação com realização de pesquisas e tomada de medidas. Condições de trabalho e saúde. Na pesca artesanal as mulheres representam 24,35 % do registro geral e mais de 25% desta atividade produtiva é por elas desenvolvida. No entanto, o trabalho das pescadoras e suas especificidades sofrem esquecimento quando da elaboração de políticas públicas para o setor (MASSENA DE MELO, 2006). As pescadoras são pessoas que concentram em suas identidades várias características que tornam sua saúde mais vulnerável: raça e etnia, pobreza, ruralidade (pouco acesso), deficiência alimentar (insegurança), baixa escolaridade, violência de gênero, alcoolismo e por fim, o tipo de trabalho. As desigualdades históricas, socialmente construídas, entre homens e mulheres e a necessidade de políticas públicas que considerem nas especificidades estão presentes em estudos sobre a condição feminina com base nas relações sociais de gênero, inclusive na pesca, demonstrando a dominação masculina. O gênero aqui entendido como um elemento constitutivo de relações sociais fundadas nas diferenças percebidas 5 entre os sexos e como um primeiro modo de dar significado às relações de poder (JOAN SCOTT, 1995). Pescadoras artesanais têm desenvolvido suas atividades produtivas e reprodutivas em precárias condições, pois encontram dificuldade para utilizar seus locais de trabalho (praias, estuários e mangues, lagos, açudes e rios), e para ter acesso às colônias e associações. Sob o sol escaldante as mulheres trabalham mergulhadas na lama e na água poluída por diversas horas diárias, o que torna muito comum o aparecimento precoce de doenças. O transporte dos apetrechos e da produção pode provocar lesões serias na coluna e problemas ginecológicos por conta de longas horas imersas em águas poluídas e da lama: “fui operada depois de 5 anos de sofrimento e internação com dores. Os médicos retiraram tudo de dentro de mim, ovários, útero e uma parede de lodo em torno. O fungo parecia uma camurça fazendo uma bolsa. (pescadora de Carne de Vaca)” A condição ambiental do trabalho das pescadoras envolve riscos à saúde em função de lesões por esforços repetitivos e distúrbios osteomusculares. A exposição ao sol sem os devidos cuidados gera o risco de câncer de pele e envelhecimento precoce. A alta claridade nos olhos afeta a visão podendo com o tempo provocar cegueira, glaucoma e catarata. O alto custo de protetores leva ao uso de substâncias químicas, como o querosene e o óleo diesel, em lugar de repelente para proteger-se de picadas de insetos, pode provocar câncer de pele, intoxicação, dermatites e queimaduras. Some-se a tudo isto os locais acidentados que percorrem tendo por riscos cortes e picadas de insetos e animais nocivos. As políticas de Estado para saúde nas localidades pesqueiras (PSF), não tem historicamente considerado nem no quesito cor e nem nas especificidades do trabalho produtivo, não oferecem serviço preventivo de orientação para acondicionamento físico, nem de assistência quando se agravam os problemas e nem de reconhecimento destas doenças para acesso a benefícios previdenciários. Algumas vacinas que deveriam ser administradas obrigatoriamente não ocorrem, tais como: tétano, hepatite, leptospirose, esquistossomose, gripe A, etc. Segundo os profissionais de saúde entrevistados, ainda que numa área de reserva litorânea como a Acaú/Goiana, são poucas as pessoas atendidas que se afirmam pescadoras e que dessa forma acabam por não contribuir para 6 registros de atenção à saúde. Passou a fazer parte da campanha atual sugerir que as mulheres sempre queiram registrar nas fichas para atendimento sua atividade profissional. Para Sharma (1999), as questões que se relacionam às mulheres enquanto trabalhadoras e enquanto membros de comunidades e sociedades são raramente assumidas pelas organizações de trabalhadores na pesca, mesmo diante de sua participação no setor pesqueiro, assim como nas grandes questões relativas à viabilidade das comunidades pesqueiras artesanais. A capacidade de resistência que estas comunidades vêm demonstrando é, em grande medida, consequência do papel de suporte desempenhado pelas mulheres e crianças. Sobre este aspecto, Maneschy (1997) atenta para a gama de externalidades que estariam contribuindo também para a marginalização da atividade pesqueira artesanal, citando como exemplos a especulação imobiliária, a criação de complexos industriais portuários e polos turísticos, a destruição de áreas de manguezais, a extração mineral do mar, a poluição industrial e doméstica, além dos projetos de aquicultura e beneficiamento intensivos com uso de químicos. Acrescenta a autora que nos países onde o capitalismo está mais avançado o progresso tecnológico teria alterado significativamente as condições da pesca e as mulheres teriam perdido espaço na atividade pesqueira. Na tentativa de conquistar uma nova possibilidade de trabalho, partem para criar unidades de beneficiamento e se organizam em instâncias próprias, enquanto mulheres de pescadores, buscando também defender as comunidades costeiras e influenciar os fóruns onde se debatem as políticas e horizontes da pesca. Refletindo sobre esses aspectos recorremos à teoria econômica feminista. Conforme Nobre e Faria (2002), o aporte da teoria econômica feminista é tornar visível a contribuição das mulheres à economia, em contraposição a teoria neoclássica. Este aporte considera o trabalho de forma mais ampla, incluindo o mercado informal, o trabalho doméstico, a divisão sexual do trabalho na família, e integram a reprodução como fundamental à nossa existência, incorporando saúde, educação e outros aspectos relacionados como temas legítimos da economia. Mudanças recentes no mundo do trabalho e da produção determinadas pela mundialização da economia, interferem nos processos produtivos, na divisão social e sexual do trabalho, na definição e gestão de políticas públicas atingindo a maioria das 7 mulheres trabalhadoras. Neste contexto, estão às pescadoras que sofrem consequências destas mudanças em seu ambiente de trabalho e a dificuldade de acesso às políticas, programas e projetos destinados ao setor pesqueiro em função da divisão sexual desse trabalho e da ideia de que a pesca é uma atividade eminentemente masculina. Helena Hirata (2002) afirma que a divisão do saber e do poder é constitutiva da divisão sexual do trabalho e das relações de poder entre homens e mulheres e que isto deve ser levado em conta na análise das perspectivas futuras do trabalho feminino. Concordamos com a autora por considerarmos que estas mudanças também contribuem para aumentar a dificuldade de acesso por parte das pescadoras aos programas e projetos que objetivam apoiar a pesca artesanal. Entre estes, o PRONAF-PESCA, que estende as ações do PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar aos pequenos agricultores e pescadores artesanais, pois as exigências para o acesso as políticas, principalmente as de crédito e financiamento de equipamentos, não consideram suas especificidades. A baixa remuneração, baixa estima e falta de orientação tem consequências sérias para segurança alimentar e saúde dessa população. Discutindo a pesca artesanal Melo (1982) ressalta que a questão do uso da terra tem chamado a atenção entre os estudiosos sociais, mas pouca atenção tem sido dada à posse e uso das águas marinhas e fluviais e a atividade da pesca artesanal. As políticas públicas reproduzem o que historicamente ocorre com as políticas do Estado e de governos para as mulheres; não reconhece suas especificidades tornando invisíveis a importância e as relações estabelecidas entre o trabalho produtivo e reprodutivo. Conforme Macedo (2001) as políticas públicas dificultam uma perspectiva favorável à equidade de gênero pelo fato de que as mulheres são quase invisíveis para os gestores destas políticas. Acrescenta a autora que quase sempre estas políticas tratam de questões referentes à esfera da reprodução e não consideram necessidades específicas e a importância de viabilizar estratégias de construção da ampliação da participação da mulher na sociedade enquanto sujeito. Para Chiqui Vicioso (1991) a análise da incorporação da mulher no desenvolvimento através dos programas e projetos deve se dar em nível macro. A autora ressalta que estes não questionam a divisão sexual do trabalho na família, pois oferecem às mulheres capacitação para tarefas determinadas com base no seu papel tradicional de esposa e mãe. 8 Programa de Saúde da Família nas comunidades pesqueiras investigadas. Em sua origem (1994), o Programa de Saúde da Família obedecia a uma nova lógica de distritalização (SANTOS, 2002) cujas estratégias são: 1) atenção primária à saúde; 2) consórcios de saúde para a atenção secundária e terciária. Alguns indicadores deveriam ordenar os investimentos no plano básico: a) redução da mortalidade; b) prevenção e controle de epidemias e viroses; c) redução de internamentos; d) menor investimento em cura; e) maior profilaxia e f) aumento no tempo de vida. Para este fim os profissionais envolvidos no programa deveriam trabalhar no sentido de transformar usuários e comunidade passiva em organismos ativos em busca de sua própria qualidade de vida e saúde. Conselhos de saúde municipais deveriam ter a função de orientar a comunidade no alcance desses objetivos e agentes de saúde deveriam ser capacitados. O PSF tornou-se referência mundial porque se propôs a tirar o foco da doença e o direcionar para a valorização do ser humano e a construção participativa da qualidade de vida. O conceito de saúde se expande para incluir saneamento, moradia, emprego, educação e acesso aos serviços de saúde. Cada equipe deveria organizar um plano local, com participação da comunidade, tendo em vista as características sociais, econômicas, culturais, demográficas e epidemiológicas, para enfrentar os problemas de saúde e os fatores que a colocam em risco. Inicialmente (2001) os valores financeiros enviados aos municípios eram fixos, certamente mais transparentes, mas hoje com a política de projetos não se sabe ao certo como e por que as despesas são encomendadas. Esse fato teve origem no próprio Ministério da Saúde que desde o início não apresentou critérios claros de avaliação ou acompanhamento dos serviços realizados pelos programas. No campo da pesquisa, o que temos observado é a transformação dos postos de saúde em péssimos consultórios de recepção de doentes e atendimentos emergenciais. Porque, em quase 20 anos de existência, o PSF não foi capaz de transformar a lógica de doença pré- existente. Com o mapeamento nas comunidades da reserva e dos postos de serviço de saúde pública até o presente podemos concluir que as equipes dos PSFs locais são despreparadas, os médicos que nelas dão plantões são, em sua maioria, pessoas aposentadas, vindas de empregos como a perícia dos INSS, com faixa etária superior a 65 anos, sem nenhuma especialidade ou retorno a capacitações atuais, e que experimentaram a lógica de 64. Nenhum entende ou quer atuar de forma participativa, atendem certo número de pacientes duas ou três vezes na semana e se beneficiam de 9 bons salários, além da aposentadoria. Suas indicações são políticas assim como as das agentes. Do mesmo modo se dá as condições das ACSs em torno da reserva. Poucas possuem qualificação, as capacitações foram suspensas há alguns anos pela gestão municipal, e não possuem iniciativa política para organizar a comunidade de forma participativa para exercer controle social sobre todos os desmandos dessas prefeituras. Nenhuma capacitação no sentido dos objetivos originais do PSF e as agentes passam, continuamente, pelas mudanças sofridas nos períodos eleitorais. Algumas enfermeiras chefes fazem um pouco de tudo para garantir que os atendimentos prossigam. Os instrumentos de trabalho como balanças, termômetros e medidores de pressão são deixados para que a ACS compre com recursos próprios. Os espaços físicos dos postos são impróprios para a saúde e rodeados de lama e esgotos a céu aberto. Para o sistema de saúde onde essas enfermeiras se inserem as mulheres atendidas têm sido apenas mamas e aparelho reprodutor (Programa de Saúde da Mulher). Quanto aos investimentos financeiros vindos para este fim não há a menor transparência. As inúmeras solicitações que fizemos tiveram como respostas estratos de dados sem qualquer significação. Os sites federais e municipais (SIAB) que deveriam esclarecer sobre o emprego das verbas e responder as categorias avaliativas dos programas (citadas acima) desestimulam a qualquer pesquisador a investir em reflexões devido a enormes lacunas. Embora sabendo que são obrigados por lei a fornecerem às informações, as Secretarias de Saúde não possuem nada muito completo a apresentar. Dá para comparar com o papel de passar bicho, que só o bicheiro sabe ler. O fato, por sua vez, impede o pesquisador de fornecer análise precisa. Estudar o acesso das pescadoras as políticas públicas de saúde representa, para nós, entrar no mundo dos significados, em seu cotidiano, no universo das ações e do papel do Estado diante de sua realidade enquanto pescadoras e, em sua grande maioria, negras. Castilho (1999) em seus estudos sobre gênero e políticas públicas ressalta que é importante analisar as relações entre Estado e as políticas públicas considerando que O Estado é produto de uma relação de forças, sendo perpassado e dividido pelas contradições de gênero, raça/etnia entre outras. As políticas públicas são vistas como resultados contingentes destas contradições geradas pelas relações das forças que ocorrem no interior do Estado. 10

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histórica de luta pela sustentabilidade da pesca como economia familiar, trabalhistas e previdenciários, e ainda a constante luta em combate à
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